Capítulo 4
A noite avançou tão rápido que, quando todos deram por si, os professores já estavam dando o toque de recolher. Miro estava sentado perto do pomar com seus amigos, todos eles dividindo uma garrafa de vodka, misturando-a ao refrigerante. Os outros alunos já haviam ido se preparar para dormir, mas eles preferiam esperar que todo mundo terminasse e eles ficassem com o espaço só para eles. Aliás, só com a dispersão da turma eles puderam abrir a bebida que Shura levara. Estava muito frio e todos estavam enrolados em grossas jaquetas, apesar de agora, com o tanto que já haviam bebido, isso não parecesse mais tão necessário.
- Ow, não põe muito não que tem que durar 4 dias! - Reclamou Aldebaran, pegando a garrafa da mão de Miro que já estava exagerando na quantidade.
- Aliás, se a gente cair de bêbado podemos dar tchauzinho pro acampamento!
- HA, olha só quem fala! - Riu Miro, deitando o copo na boca. Ele não estava bêbado, apenas um pouco alterado. - Sempre quem fica de porre é você, Shura! Aliás, todos vocês! - Ele fez um gesto amplo com a mão, indicando que todos ali já haviam caído de porre. - Eu fui o único até hoje que só caí uma vez!
Seiya começou a rir.
- Sim, e foi nessa vez que a gente teve que ligar pra tua mãe pra dizer que você foi dormir em casa e ela queria falar com você e a gente mentiu que você tava no banheiro! Aquele dia a gente ficou na rua mesmo, você vomitando de quinze em quinze minutos!
Todos riram, inclusive Miro. Não podia negar, havia sido engraçado. Mesmo ele não se lembrando de nada a respeito daquele noite, só de ouvir os amigos comentando já dava vontade de rir.
- Ah, ninguém aqui pode falar nada do porre alheio! - Aioria colocou um fundinho de vodka pura no copo e virou de uma vez só.
- E falando em encher a cara, por hoje chega! - Anunciou Miro, tampando a garrafa.
- Ahh, por quê? - Perguntou Seiya, inconformado.
- Temos 1 Litro de vodka pra alimentar 5 caras durante 4 dias... - Disse enquanto socava a vodka na própria mochila. - já gastamos mais do que devíamos da cota de hoje, e se bebermos mais que isso vão nos descobrir!
- Ah, isso não é justo! E afinal, por que a vodka vai ficar na SUA mochila?
Miro levantou-se, sorrindo.
- Por que, caso já tenham se esquecido, eu sou o único aqui que encheu a cara só uma vez, portanto sou o mais confiável! Deixem na mochila do Aioria e amanhã não vai ter uma gota na garrafa pra contar a história! - Ele acenou rapidamente com a mão e começou a correr na direção do vestiário masculino. Faltava 15 minutos para as 10 da noite.
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Kamus já se preparava para fazer a chamada quando o grupinho de Miro chegou, já prontos para dormir e ainda bem enrolados em suas blusas de frio, como todo mundo, menos Kamus. Todos ficaram em fileira enquanto o monitor ia chamando o nome de cada um e eles iam respondendo levantando a mão. Todos estavam ali. O apito soou, indicando que já era hora de entrar na barraca.
Ah, o que eu temia... pensou Kamus.
Aff, lá vou eu... tentou se encorajar Miro.
Os dois pararam de fronte a barraca, que estava com o zíper fechado. Encararam-se.
- Pode entrar primeiro... - Disse Kamus secamente, indicando a barraca com a mão.
- Que nada, o monitor aqui é você. - Retirbuiu no mesmo tom.
- Deixa disso e entra logo! Todo mundo já entrou, só falta a gente! - Kamus usou um tom um pouco mais perigoso.
Miro ponderou. O cara já não era muito paciente, ainda mais com ele, e brigar àquela hora só traria problema. Apertou firmemente a alça da bolsa. Além disso, a garrafa estava dentro de sua mochila. Se fosse ficar de castigo as coisas se agravariam ainda mais por causa da vodka. Outra coisa: ele estava quase tendo hipotermia.
- Hmpft, tudo bem então. - Resmungou, tirando os sapatos e abrindo o zíper, enfiando primeiro a mochila, acomodando-a no seu canto, o esquerdo, e entrando em seguida. Ligou a lanterna para que pudesse ver como estava se arrumando.
Kamus entrou logo depois, já sem os sapatos, e fechou o zíper rapidamente, ajeitando o saco de dormir no canto direito para poder deitar.
Quando Miro terminou de fechar o saco, ficou parecendo um verme gigante torto, pois havia ficado de lado, rosto virado para Kamus, e dobrado os joelhos, assumindo posição fetal. Ainda assim, sentia muito frio.
Kamus sequer fechou o saco de dormir, dando as costas para Miro.
- Boa noite. - Foi seco.
Só então Miro percebeu.
- Ei... Kamus... - Miro usou uma voz branda, curiosa.
Kamus suspirou, tentando manter a calma. Lá vinha! Sabia que as coisas não iriam acabar com um "Boa noite", mas sempre havia uma esperança... esperança que nada, ele sabia que aquele garoto ainda iria arranjar muito rolo com ele, ainda mais socado na mesma barraca.
- O que você quer? - Deixou tranparecer um pouco da sua raiva.
- Nada. - O rapaz não mudou o tom, apenas deixou transparecer que estava assustado com aquela reação. - Eu só tava reparando...
- Em quê? Posso saber?
Miro tirou a mão de dentro do saco e tocou levemente o braço nu de Kamus. Ele sabia que era perigoso, mas decidiu arriscar. Talvez a bebida tivesse diminuído sua capacidade de tentar evitar o perigo, que por sinal já não era muito alta.
- Você não está com frio? - Disse se encolhendo um pouco mais dentro de seu casulo. - É que está tão frio. E você tá só com essa camiseta. E nem fechou o saco de dormir.
- Eu não sinto frio. - na mesma. - E você pode por favor desligar a lanterna que eu estou cansado e quero dormir? - Fechou os olhos.
Miro, sem saber muito ao certo porque, deixou transparecer um sorriso que o outro não viu por estar de costas. Frio? Isso lhe deu uma idéia...
Ele sabia perfeitamente que suas idéias não costumavam dar certo, mas... ééééé por que não tentar?
- Ah, não? - Ele tirou a outra mão, desligando a lanterna. - Assim tá melhor?
- Aham.
Miro pensou por um instante e acendeu a lanterna novamente.
Ahhh, como se não bastasse..., Kamus, apertando os olhos.
- Kamus... - Miro segurou de leve a manga da camiseta dele, puxando-a delicadamente.
- Santo Deus, o que você quer! - Kamus virou-se com violência para ele, fazendo-o recuar a mão instantaneamente. - Eu não acabei de dizer que quero dormir?
- Sim, eu sei... - Miro abriu mais o saco de dormir e sentou-se, retirando a jaqueta e colocando-a de lado.
Kamus franziu o cenho.
- Você não acabou de dizer que estava com frio? - Perguntou, sua voz perdendo a raiva e a indiferença.
Miro usava apenas uma camiseta regata por baixo e quando tirou a jaqueta, cruzou os braços no peito e começou a esfregá-los, sentindo muito frio.
- Sim, mas dormir de jaqueta incomoda. - Ele voltou a deitar-se mas não vestiu o saco de dormir. Em vez disso, inclinou levemente o corpo para frente para poder olhar Kamus nos olhos. - Posso dormir com você? - Murmurou, como se aquilo fosse um pedido muito importante e que precisava de um "sim" imediato.
Kamus arqueou as sobrancelhas, sem entender, e não deu a resposta que Miro queria ouvir.
- Você já está dormindo comigo!
Miro abriu um pouco mais o saco, se aproximando ainda mais.
- Eu sei... Mas não nesse sentido... - Estava tão próximo de Kamus que seus narizes estavam quase se tocando. Continuava murmurando. - Posso dormir abraçado a você?
Kamus arregalou os olhos de forma descomunal, contudo Miro não demonstrou uma alteração em sua carinha meiga. Talvez nem ele mesmo soubesse que estava fazendo essa cara, pois se fosse proposital, certamente a decepção teria transparecido. Ou seria o contrário?
- Está louco? Se você tem uma jaqueta pra que diabos se abraçar em mim? - Kamus não sabia nem o que pensar, o que falar, como agir.
- Deixa... - Miro mais uma vez segurou levemente a manga da camiseta dele, sua cara de criança com medo de escuro se acentuando ainda mais.
Kamus olhou para aquele rostinho. O que fazer? Poderia emprestar seu saco de dormir para ele se enrolar e se aquecer, mas daí suas costas ficariam em contato direto com o chão e certamente a dor seria imensa no dia seguinte.
Tendo isso em vista, suspirou, vencido.
- Ok, ok, chegue mais perto então. - Kamus abriu os braços.
Bastaram aquelas palavras para Miro terminar de cobrir a distância entre os dois, passar os braços em torno da cintura de Kamus e enterrar o rosto em seu pescoço. Miro sentiu como o corpo dele era quente, mesmo ele estando totalmente descoberto e sem blusa, exposto àquele frio terrível. O corpo dele era tão... aconchegante. Desejou nunca mais sair dali
Kamus apenas passou as mãos pelo pescoço dele, enterrando-as naqueles macios cabelos azuis repicados e levemente cacheados. O corpo de Miro estava realmente gelado, ao contrário do seu. O nariz em contato com seu pescoço parecia um floco de neve de tão frio. Gostava daquele corpo frio que se aquecia roubando calor do seu. Não dava para negar que era muito bom. Até que quando ele estava de boca fechada era um cara legal. Inconscientemente, apertou o corpo dele contra o seu, querendo trazê-lo o mais próximo possível.
Joelhos se tocavam. Miro até havia se esquecido do seu saco de dormir! O frio de repente não lhe parecia grande problema. Aquilo era a energia de Kamus. Podia ser um chato rabugento e reclamão, mas sabia como transmitir calor humano. E era exatamente o calor humano que Miro precisava.
- Boa noite... - Dessa vez Kamus não falou com raiva ou indiferença. Sua voz soou amena, ele parecia até estar gostando do contato mais íntimo com aquele garoto.
- Kamus... - Miro perguntou suavemente, mas já esperava os berros...
Que não vieram.
- Sim...? - Kamus já estava quase cochilando.
Miro esfregou a cintura dele com as mãos, sem saber qual seria reação dele, mas sem se preocupar muito com isso também. Seus lábios adquiriram uma curva suave quando sentiu o corpo dele estremecer levemente. Levantou com delicadeza a camiseta dele, fazendo as mãos subirem devagar pelo abdomen.
- É definido... - murmurou. - Você tem um corpo muito bonito...
Kamus estremeceu novamente e soltou um gemido quase inaudível, capitado por Miro apenas por que sua cabeça estava logo abaixo do queixo dele.
- Você acha...?
- Aham... - Ele alacançou o tórax, esfregando os mamilos dele delicadamente, sentindo-os responderem ao carinho junto com o seu dono, que dessa vez gemeu um pouco mais alto. - Lindo. Lindo mesmo... Você deve malhar muito... achei que você fosse só um nerd que se acabava de estudar...
Kamus semicerrou os olhos ao sentir os lábios dele se entreabirem e se encaixarem em sua garganta, mordendo-a levemente enquanto sua língua começava a descrever movimentos circulares na pele.
- As coisas não são exatamente como vemos... - Kamus murmurou, suas mãos começando a se mover pela nuca dele, o que fez ele aumentar os movimentos, acrescentando mais um que consistia em apertar sua virilha contra a dele.
Só então Kamus caiu em si. Como se tivesse acordado de um transe, soltou rapidamente a nuca de Miro e recuoou até encostar na lona da barraca. Seus olhos estavam arregalados e seus cabelos colados a testa por suor. Seu peito subia e descia loucamente. Não que o que tivessem feito fosse de tirar o fôlego, e sim porque ele havia tomado um susto que não iria esquecer tão cedo.
Miro ficou lá parado, por um instante seus olhos esbugalhados em surpresa. Depois a raiva tomou conta das suas feições, defigurando-as o suficiente para deixá-lo com uma cara de bravo tão assustadora quanto às que o Kamus costumava fazer. Entretanto ele não gritou, nem xingou. Apenas agarrou sua jaqueta e vestiu-a, enfiando-se logo em seguida em seu saco de dormir e fechando-se novamente em seu casulo. Deu as costas para Kamus.
- Boa noite. - Disse com o mesmo tom que Kamus usou no primeiro cumprimento da noite.
Kamus voltou a deitar-se, ajeitando-se sobre o saco de dormir. O que fizera? Por que Miro fizera aquilo? Ele não queria apenas abraçar Kamus... em que raio ele estava pensando! Ergueu a mão e tocou levemente o local do beijo. Certamente amanhã cedo ele teria uma marca vermelha no pescoço. Como explicar? Alergia? Sim, alergia. Suspirou. Aquilo não era o que lhe preocupava. O que lhe preocupava é que... bem, ele não havia gostado. Mas... também não havia odiado. Era bom. Fazia tempo que alguém não o beijava assim, com tanto desejo. Pensando bem, não se lembrava de já ter sido beijado assim. E era até gostoso. Na hora ele nem se lembrou que Miro era um homem. Simplesmente gostou das carícias.
Kamus não conseguiu pregar o olho por causa do que acontecera.
Miro também não. Chorou lágrimas de ódio silenciosas até o dia amanhecer.
