Em Busca da Felicidade
Capitulo II – Uma Paixão AmigaDuo sentia-se extremamente cansado. O interrogatório com a policia o fizera ficar com uma dor de cabeça monstruosa, tudo que queria era ir para casa e afundar em sua cama sem ter que pensar em mais nada. Mas ainda tinha que esperar os seguranças chegarem, para não voltar sozinho. Felizmente ele havia conseguido transferir seus compromissos para a próxima semana e com isso teria um tempo em casa por alguns dias, não estava com cabeça para resolver nada no momento ou nos próximos dias. Tudo que precisava agora era de um pouco de paz e tranqüilidade, para refazer sua máscara de pessoa feliz e bem-sucedida. Mas não parecia que os céus o estivessem ouvindo, pois a porta de seu escritório abriu-se com um estrondo o fazendo erguer a cabeça. Ele olhou incrédulo para a porta, seus olhos se estreitaram para o visitante parado à entrada dela.
- Desculpe-me Sr Falls, mas ela insistiu em entrar.
- Tudo bem Clarice.
Duo endireitou-se na cadeira, olhando para a garota parada que o observava, ele notou um certo aborrecimento nos olhos azuis.
"Deus o que essa víbora quer agora".
Com a voz mais aborrecida que conseguiu Duo se dirigiu ao motivo de sua desgraça.
- Vai ficar em pé ai como uma estatua, minha sala não precisa desse tipo de decoração?
- Não vai me convidar para sentar?
- Não. Sabe que não é bem-vinda aqui.
- Não entendo como meu irmão pode se casar com alguém como você.
- O que você quer Relena?
- Você poderia me tratar melhor, afinal eu sou da família.
- Ah! claro que falta de educação a minha.
Duo sorriu sarcasticamente e apontou para a cadeira a sua frente o mais educadamente que conseguiu. Relena caminhou como se o mundo pertencesse a ela. Ele aguardou que ela sentasse e teve que se controlar para não rir da falsidade e ironia estampada no rosto de sua cunhada.
- Eu estava passando por perto, quando vi Heero lá embaixo.
A menção do nome de Heero saindo dos lábios de Relena fez doer sua alma. Sabia que ela tinha uma queda pelo japonês, afinal ela vivia dependura nele como um enfeite. Ele não entendia o porque de Heero nunca a afastar. Na verdade o que não conseguia admitir para si mesmo e que talvez Heero gostasse dela, afinal querendo ou não, Relena era uma mulher bonita. Falsa, manipuladora e outros adjetivos nada agradáveis de se pensar em relação a um ser humano, mas extremamente bonita.
- Havia tanta gente, carros da policia, ambulância que eu fiquei preocupada.
- Sei!
Relena ignorou o deboche na voz de Duo e continuou como se nunca houvesse sido interrompida.
- Perguntei a Heero e ele me disse que alguém atirou em você Duo. Que alguém tentou mata-lo.
A voz afetada de Relena tentando aparentar um choque que evidentemente não estava sentindo seria capaz de inervar o mais calmo dos padres.
"Como ela consegue conviver com ela mesma. Como essa coisa pode ser irmã do Edwards."
- Não sabe como fiquei preocupada Duo...afinal eu e Milliardo somos sua única família agora e nesses momentos devemos ficar unidos.
Duo começou a rir e se levantou com os olhos brilhando perigosamente, por instante teve o prazer de ver Relena tremer e um indicio de medo nos olhos azuis.
- Deixe de cinismo Relena. Vocês dois nunca me aceitaram, agora não me venha com essa pseudomeiguice, pois ela não combina com você. Você e seu irmão não foram, não são e nunca serão minha família. Edwards era minha família. A única coisa que você e seu irmão querem e me ver morto para ficarem com tudo que Edwards e eu construímos.
O rosto de Relena ficou rubro de raiva. Como um rato de rua, órfão se atrevia a falar com ela dessa forma. Ele não era nada alem de um pedaço de lixo que seu insano irmão apanhara um dia na sarjeta.
- Você é exatamente o que sempre foi. Um nada Duo Maxwell. Você seduziu meu irmão como apenas um prostituto barato faria, embora eu não possa dizer coisas muita boas de Edwards, ele sempre teve tendências a se misturar a pior espécie de vermes. Alguns diriam que teve a morte que mereceu, embora...
Sem pensar Duo avançou sobre ela agarrando seu braço com força.
- Ai!
Surpresa por ter seu braço agarrando com força, Relena gritou. Clarice pulou na cadeira, tentando imaginar o que estaria acontecendo na sala. Ela ficou assustada quando ouviu a voz de Duo se erguer consideravelmente, visto que Duo nunca elevava a voz com ninguém, mesmo quando os irmãos do falecido Edwards Falls insistiam em aparecer. Clarice esperava que seu patrão não estivesse agredindo sua cunhada. Não que a loira não merecesse. Essa era uma vontade que todos no escritório tinham em relação aos irmãos Peacecraft. Mas seria apenas problemas a mais para o jovem rapaz e ele não precisava de mais nenhum no momento.
Duo tremia tentando se controlar, ela havia passado dos limites, ele não se importava que ela o ofendesse, mas não permitiria que ela manchasse a imagem de Edwards com suas palavras.
- Você pode dizer o que quiser contra mim, mas nunca, NUNCA mais volte a falar mal de Edwards na minha frente e agora suma daqui antes que você se arrependa amargamente por ter vindo.
Sua voz podia ser ouvida do lado de fora da sala. Heero saiu do elevador e ouviu a voz de Duo fora de controle.
"Com quem ele está gritando desse jeito"Ele caminhou apressado e olhou para a secretaria que parecia assustada, quando se preparava para abrir a porta do escritório à mesma se abriu e Duo veio arrastando Relena pelo braço. Ela batia com os punhos no braço de Duo, mas ele não parecia sentir. Relena viu Heero parado e pediu ajuda a ele.
- Heero me ajude. Ele está fora de si. Você esta me machucando sei imbecil.
- Não mais do que vocês já fizeram conosco.
Heero não sabia se a ajudava, ele fez menção de tocar no americano, mas algo no olhar dele o deteve. Heero nunca havia visto Duo assim, e as palavras dele pareciam não fazer sentido.
"Não mais do que vocês já fizeram conosco? Vocês quem? A quem fizeram mal? A quem ele se refere? A ele e Edwards?"Ele se voltou sua atenção para Relena que continuava a ser arrastada pelo braço até área dos elevadores. Ela mal conseguia se manter em pé. A loira esbravejava e socava o braço de Duo tentando se libertar, sabia que seu braço ficaria marcado. A mão de Duo parecia uma garra agarrada pressionando e machucando a pele. Sabia que tinha passado dos limites, mas jamais esperou tal reação dele.
- Você não disse que somos da família Relena. Então temos que resolver em família nossos problemas.
- Você não é da minha família seu verme asqueroso.
Relena falou baixo o suficiente para apenas Duo escutar. Duo apertou, mas firme a mão no braço dela a fazendo gemer. Ele apertou o botão do elevador e sussurrou no ouvido dela.
- Não volte ou os seguranças terão o prazer de joga-la na rua.
Ele jogou Relena dentro do elevador sob os olhares de todos. Antes das portas se fecharem, ela se dirigiu a Duo.
- Você pagara caro por isso Maxwell. Espere e verá.
Duo olhou a porta se fechar e se apoiou nela, ele sentia suas forças sendo minadas. Enxugando algumas lágrimas que queriam sair, ele se virou para retornar a sua sala quando deu com Heero antes de si o observando. Duo ignorou seu olhar e caminhou de volta parando na mesa de Clarice.
- Clarice avise a segurança que Relena e Milliardo Peacecraft estão terminantemente proibidos de pisar nesse prédio.
- Sim senhor Falls.
- Eu...
- Senhor Falls!
Duo viu tudo escurecer e se apoiou no tampo da mesa. Ele ouviu a secretaria gritar seu nome, segundos antes desmaiar. Heero havia seguido Duo e ouvido o mesmo proibir a entrada de Relena e seu irmão na empresa. Assim que notou que Duo se apoiou na mesa, e perceber seu corpo cambalear e desfalecer Heero já se encontrava a seu lado e evitou que o mesmo caísse no chão.
- Clarice providencie um pouco de éter.
- Ele está bem senhor Yuy?
- Ele apenas desmaiou, não se preocupe.
Heero entrou na sala com o corpo de Duo em seus braços. A face do rapaz estava pálida. Observar o rosto tão tranqüilo e tão próximo, o fez sentir-se estranho, da mesma forma quando ele protegeu Duo das balas com o próprio corpo. Pequenas descargas elétricas pareciam correr por seu corpo ao observar os lábios cheios tão de perto. Heero procurou ignorar a sensação e o colocou no sofá do escritório.
Clarice entrou trazendo o que ele havia pedido. Heero molhou um chumaço de algodão e o colocou no nariz de Duo. Duo se mexeu e abriu os olhos confuso. Ele viu a íris azul cobalto tão de perto e sentiu sua face ficar vermelha.
"Eu estou sonhando. Ele esta tão perto". Duo ainda um tanto ainda atordoado, murmurou o nome de Heero. - Heero. Ouvir seu nome se pronunciado tão suavemente por Duo, fez com que Heero sentisse pela primeira vez vontade de tocar o rapaz deitado a sua frente. Ele fechou os olhos e procurou dar a sua voz frieza e a firmeza de sempre e pela primeira vez achou que sua voz saiu estranha.- Você esta se sentindo bem?
Duo procurou sentar e olhou ao redor encontrando o olhar preocupado de sua secretaria.
- O que aconteceu?
- Você desmaiou pouco depois de mandar Relena embora.
- Ah! Acho que foi por um dia. Eu gostaria de ir para casa.
- Eu o levo.
- Não é necessário Heero, os...
- Não discuta Duo. Você vai comigo e ponto final.
Duo balançou a cabeça e se levantou, mas sentiu-se novamente tonto e cambaleou sendo amparado pelos braços de Heero. Sua pele se arrepiou e ele ficou vermelho, ele ergueu os olhos e encontrou os olhos de Heero. Sua respiração ficou ligeiramente descompassada. Ele estava tão perto que era difícil lembrar de respirar. Heero estava preocupado com as reações de Duo. Ele parecia estar tendo dificuldades para respirar. E começava a tremer.
- Acho melhor passarmos no hospital antes. Você não me aprece bem.
- Eu estou bem não se preocupe. Eu preciso apenas descansar. É somente isso.
Duo se afastou de Heero que manteve um olhar sobre nele caso desmaiasse novamente. Duo sorriu para Clarice e caminhou ao lado de Heero. Duo entrou no elevador e encostou-se na parede fechando os olhos, mas abriu-os ao sentir algo macio tocar seu rosto. Com os olhos assustados seu olhar encontrou-se com o de Heero que enxugava seu rosto. Heero viu o medo e algo que não conseguiu identificar nos olhos de Duo, ele parecia tão carente a seus olhos. Ele afastou sua mão e entregou-lhe o lenço.
- Você está suando. Tem certeza que está bem?
- S...sim.
A voz de Duo saiu baixa e tremida. Ele segurou o lenço e enxugou o rosto abaixando a cabeça para evitar o olhar de Heero. Heero abriu a boca para dizer algo, mas seu celular tocou e Duo agradeceu mentalmente.
- Está bem. Não, fiquem onde estão, já estamos descendo. Sim ele vai para casa.
- Os seguranças chegaram?
- Sim.
Duo balançou a cabeça e suspirou cansado. Heero olhou para ele e depois voltou seu olhar para o painel do elevador que se aproximava do térreo. Assim que as portas abriram cinco homens de terno se aproximaram e Duo se viu cercado por eles junto com Heero.
Eles atravessam o saguão e entraram na limusine da empresa. Sentado no banco Duo se perdeu em seus pensamentos.
"Será que eu nunca serei feliz? Droga Edwards por que você me deixou sozinho no meio deles. Você disse que eu jamais estaria sozinho novamente. Você mentiu pra mim."
Heero tirou o paletó e olhou para Duo, seu peito doeu ao ver uma lágrima escorrer pelo rosto dele. Ele parecia sofrer tanto e ele não sabia o que fazer, Edwards pedira que tomasse conta dele, mas ele não sabia como. Duo não se abria com ele. E ele não sabia como, lidar com as sensações que a presença do marido de seu finado amigo estavam despertando nele.
Duo sentiu as lágrimas escorrendo por seu rosto e a ultima coisa que queria era que Heero o visse chorando. Ele procurou enxugar as lágrimas e se impedir de chorar. Faria isso quando estivesse sozinho em seu quarto, como todas as noites.
A limusine passou pelo portão de entrada da propriedade Falls, o caminho todo era ladeado por árvores enormes que proporcionavam sombra durante todo percurso até o jardim e a entrada da residência.
Assim que o carro parou, a porta foi aberta e Duo saltou sendo recepcionado por James que ficou surpreso ao vê-lo tão cedo e acompanhado de Heero e os seguranças, mas não fez nenhum comentário. Era visível o abatimento no rosto do jovem patrão. Enquanto o japonês dava algumas ordens aos seguranças, Duo entrou e seguiu direto para seu quarto.
Ele se atirou na cama chorando compulsivamente. Heero conversou com James explicando o que havia acontecido. O mordomo não deixou transparecer nenhuma emoção como apenas bons empregados o fariam, mesmo o mordomo estando preocupado.
- O senhor vai ficar senhor Yuy?
Heero pensou por alguns momentos e balançou a cabeça. Ele passaria a noite ali. Ele havia parado de faze-lo ao começar a se sentir incomodado com a presença de Duo.
- Seu quarto está arrumado senhor.
- Obrigado.
- O senhor já almoçou?
- Não e acho que Duo também não.
- Ele não comeu nada essa manhã.
- Não?
- Ele disse que não estava com fome.
- Acho que ele deve estar descansando agora.
- Quer que eu verifique senhor?
- Não eu mesmo vejo quando subir.
- Como quiser senhor. Mandarei preparar algo para o senhor.
- Obrigado.
Heero caminhou até o bar e pegou uma dose de uísque. O dia não havia sido fácil e ele nem ao mesmo havia terminado ainda. Com um gole bebeu o uísque e subiu, parando na porta do quarto de Duo, abriu a porta lentamente. Ele estava deitado de bruços soluçando, silenciosamente Heero se retirou antes que Duo o apercebesse e foi para o seu quarto. O mesmo que ocupava desde que o estado de Edwards piorara e ele passou a freqüentar a casa. Ele retirou o terno e entrou no chuveiro tomando uma ducha fria. Vestiu uma calça jeans e uma camisa verde e desceu sentando-se a mesa como almoçar, olhou para o relógio sobre a lareira. Ele marcava quase 14:30hs da tarde.
Duo havia adormecido exausto por causa das lágrimas. Ele olhou para o relógio na cabeceira e o mesmo marcava 17:00hs.
"Eu dormi todo esse tempo. Eu preciso me levantar e tomar um banho."
Duo se levantou e foi até o banheiro, se despindo entrou de baixo do jato de água morno.
"Será que Heero foi para casa? Ou ele ficara essa noite?"Heero estava em seu quarto que ficava ao lado do de Duo. Ele ouviu os sons de alguém caminhando no quarto e sabia que ele já havia se levantado. Heero deixou o laptop e desceu as escadas enquanto o som do chuveiro era ouvido do outro lado da parede.
- James providencie algo leve para Duo comer.
- O patrão já levantou Sr. Yuy?
- Sim ele está tomando banho.
- Será feito senhor.
Duo saiu do banheiro e trocou de roupa. Vestindo suas costumeiras roupas pretas, a mesma cor que se habituara a vestir desde que Edwards havia morrido. Ele colocou uma calça de um tecido leve e uma camiseta. Quando terminou de refazer a trança, ouviu alguém batendo a porta.
- Entre.
Heero entrou com uma bandeja, ele percebeu o olhar de surpresa e nos olhos ametistas através do espelho. A visão de Duo em frente ao espelho, o semblante melancólico, o rosto pálido e os olhos inchados pelas lágrimas o tornavam mais belo do que sua razão permitia.
- Heero? Você...você vai passar a noite?
- Espero que não se importe.
- Não de forma alguma. É bem-vindo a essa casa.
- Obrigado. Você e Edwards sempre me receberam muito bem.
Duo deu um sorriso triste e se levantou caminhando até Heero que havia colocado a bandeja sobre a pequena mesa da varanda. E estava parado o aguardando junto a cadeira puxada. Duo se sentou na cadeira e agradeceu com uma mesura. Heero sentou-se na cadeira em frente a Duo e o olhou.
- Espero que esteja com fome?
- Na verdade não. Mas você vai me obrigar assim mesmo não é.
- Vou. James me disse que não comeu nada essa manhã e pelo que imagino não deve ter comido nada no escritório.
- Ele contou é. Não se tem mais segredos nessa casa.
- James não o fez por mal, ele ficou preocupado.
- É eu sei. Ele trabalhava para a família de Edwards a muito tempo e veio trabalhar para ele quando Edwards pediu.
Duo olhou para o céu estrelado e depois voltou sua atenção ao conteúdo da bandeja. Um pequeno sorriso se formou em seu rosto ao notar a comida distribuída sobre a bandeja. Não havia nada que não fosse saudável nela, com exceção é claro da torta de chocolate com molho de cerejas. Duo tocou um dos dedos na torta e o lambeu, sem notar que o olhar de Heero havia se escurecido por um momento.
Duo comeu sua refeição em silêncio, olhando de vez em quando para Heero que o observava calado. Assim que afastou o prato ouviu a voz anasalada do japonês.
- Sente-se melhor?
Duo demorou alguns minutos para responder. Melhor de que forma? Fisicamente, emocionalmente. Não ele não se sentia melhor, mas não queria que Heero soubesse disso. Não queria que ninguém soubesse.
- Sim.
Heero o observou em silêncio por alguns instantes e depois se levantou se aproximando da sacada. Lá embaixo uma piscina em forma de S irradiava uma luz clara devido às lâmpadas colocadas nos cantos no fundo. Heero se lembrou que Duo costumava nadar sempre na piscina, mas que agora ele quase não a usava. Duo se levantou e parou ao lado de Heero. O vento soprava e ele fechou os olhos por um instante se perdendo em suas lembranças.
"Quantas vezes Edwards ficou da sacada me observando na piscina. Quantas vezes em noites como essa nós nos banhamos sob o céu estrelado. Conversando, rindo."
Duo murmurou o nome de Edwards suavemente e voltou para dentro do quarto indo até o banheiro. Heero o seguiu sentando-se na cama esperando seu retorno, ele havia se decidido a fazer Duo se abrir com ele. A faze-lo reagir e aceitar a morte de Edwards de uma vez por todas. Duo estava parado em frente ao espelho, sentia-se tão cansado de tudo. Ele tocou seu reflexo sentindo o frio do espelho sob seus dedos, o mesmo frio que o ameaçava consumir por dentro. Ele molhou o rosto e pegou uma toalha para enxugar, voltando para o quarto certo de que Heero já deveria ter saído e o deixado sozinho.
Ficou surpreso ao encontrar Heero sentado em sua cama. Tinha certeza de Heero não estaria mais em seu quarto, ele não sabia o que fazer e ficou parado observando o japonês.
"Por que ele ainda está aqui? O que ele quer? Ele nunca fica quando me vê triste. Ele não sabe como lidar comigo, assim como eu não sei como agir na presença dele. Não quero que ele saiba o que sinto. Por que ele não saiu como sempre fez nesses cinco meses".
Heero notou o olhar de surpresa e apreensão de Duo sobre si, podia imaginar o que ele estava pensando. Sempre quando o via chorar, ele se retirava assim não seria obrigado a se envolver, vinha fazendo isso a cinco meses. Sempre o ajudava em relação à empresa, a casa, aos negócios, mas quando tinha que ajuda-lo em relação a seu estado emocional se omitia. Não queria se envolver, não podia dar a uma criatura tão bela a chance de penetrar em seu coração. Mas via que já era tarde de mais. De alguma forma Duo já havia penetrado nele, mesmo que não conseguisse entender, mesmo que não admitisse a si mesmo. Ele se importava. E muito mais do que deveria.
"Será que esse foi o motivo de Edwards ter me pedido para ficar com Duo, após sua morte? Será que ele notou algo que escapou dos meus olhos? Algo que nem mesmo eu percebi que estava acontecendo?".
Já havia se passados alguns minutos, e nenhum dos dois haviam dito nada, apenas se encaravam sem realmente se verem. Ambos estavam perdidos em seus próprios pensamentos, em suas próprias divagações. Foi Heero quem deu o primeiro sinal e fez a pergunta que sabia que mudaria tudo em relação aos dois.
- Você quer conversar comigo Duo?
Duo piscou e olhou para Heero num misto de dúvida e esperança. Ele caminhou até a cama sentando e abraçando o travesseiro contra o peito.
- Conversar? Sobre o que?
- Sobre o que sente. Eu...sei que você esta sofrendo com a morte de Edwards e você não conversa com ninguém sobre isso. Eu...quero ajuda-lo. Senão quiser falar comigo eu entendo, mas você precisa conversar com alguém. Talvez seja mais fácil para você conversar com um psicólogo. Eu...
- O que quer que eu diga Heero?
- O que quiser falar, mesmo que não faça sentido. Diga o que sente, eu ouvirei.
Duo sentiu seus olhos molhados e soube que estava chorando, elas caiam livres pelo seu rosto. Ele abaixou a cabeça soluçando, a dor era tanta que parecia dilacerar o seu peito, quantas vezes desejou alguém que o ouvisse, alguém que simplesmente estivesse ao seu lado enquanto chorava. Heero ficou em silêncio enquanto o via chorar, ele se levantou e foi até o banheiro buscar uma toalha e entregou a Duo. Duo sentiu o toque em seu ombro e seu corpo reagiu como se recebesse uma descarga elétrica, ele ofegou ligeiramente e sua pele arrepiou. Ele pegou a toalha e enxugou o nariz.
- Obrigado.
Duo respirou fundo, encostou a cabeça na parede fechando os olhos. Heero sentou-se na ponta da cama novamente com uma das pernas dobradas sobre o colchão e a outra ao lado da cama. Ele ouviu a voz de Duo e prestou atenção ao que ele dizia.
- Eu tinha dez anos quando Edwards e eu nos falamos pela primeira vez. É engraçado pensar nisso.
Flashback
"Meu corpo inteiro doe, mas eu não vou chorar. Não vou dar a esse imbecil a chance de rir de mim, vou mostrar que ele não pode me fazer chorar, ninguém pode. Nada pode doer mais que a solidão. A dor física não é nada, ela passa depois de algum tempo, mas a solidão não. Ela não passa com o tempo, ela somente aumenta dia a dia."
Duo desmaiou, mas mesmo inconsciente ele sentiu alguém o pegando no colo. Pela primeira vez em muito tempo se sentiu seguro e não se importou com o que estava acontecendo.
Já havia passado algumas horas desde que havia sido salvo, sentiu que alguém o observava. Forçou-se a abrir os olhos, mas os mesmos doíam, ele ouviu uma voz o incentivando a abri-los.
- Abra os olhos.
Quando os abriu encontrou um rapaz ruivo de olhos verdes o encarando. Duo já o vira na construção que vivia sempre cheia de pessoas, ele costumava procurar comida lá, mas sempre era colocado para fora do conjunto de prédios.
Duo tentou se sentar, mas seu abdômen doeu e ele gemeu. Edwards se aproximou da cama e o ajudou a sentar-se. Edwards ouviu a voz infantil e sentiu um ligeiro arrepio.
- Por que me ajudou?
- Você precisava de ajuda.
- Mas as pessoas não se importam.
- Eu sei, mas eu me importo.
- Por que? Por que se importaria com alguém como eu?
- Como assim?
A porta do quarto se abriu e um médico entrou acompanhado de um policial e uma mulher. Duo se encolheu na cama, sabia o que aquela mulher representava, ele teria que voltar ao orfanato novamente. Edwards viu o menino se encolher e se virou para o policial que lhe fazia perguntas.
- O que vai acontecer com ele?
O policial pareceu surpreso ao ouvi-lo perguntar sobre o menino, a mulher que conversava baixinho com o menino levantou e respondeu.
- Ele será levado ao orfanato.
- Orfanato? Mas ele ainda estava machucado. Ele não deveria ficar no hospital?
- Ele será devidamente cuidado lá.
Ele viu o policial pegar o menino nos braços. O menino tentou reagir chutando e mordendo o policial que o agarrou pelo cabelo o fazendo ficar quieto. O coração de Edwards doeu ao ver o olhar do menino e a forma como era levado, ele pudera ouvir a mulher dizendo o nome do garoto e dizendo que ele não fugiria novamente. Por algum motivo não desejava deixar que levassem o menino, ele precisava fazer algo por ele.
Ele correu atrás da mulher a chamando e fazendo algumas perguntas a ela. A assistente social ficou surpresa pelo pedido um tanto incomum, ela olhou para o menino que estava quieto sendo seguro pela mão do policial em seu braço. Ela gostava do garoto, já o conhecia há algum tempo. Gostava dele e esperava que ele tivesse uma chance. Uma como estava aparecendo agora. Edwards não sabia se a assistente social aceitaria seu pedido, mas tinha que arriscar, pelo menino e por algum motivo por ele mesmo.
- E um tanto incomum Sr Falls. Quantos anos tem?
- Isso importa?
- Para o Estado sim.
- 18 anos.
- 18 anos, acho que quase impossível o que me pede.
- Eu tenho dinheiro se isso for o problema. Tenho uma casa, sou maior, não vejo o por que de não poder ter a custodia dele.
- Não é fácil obter a custodia de uma criança ainda a mais alguém como Duo. Ele é especial Sr Falls, é inteligente, mas um tanto agressivo. Não será fácil conviver com ele, mesmo que o Estado lhe conceda a tutela de Duo.
- Mas eu tenho uma chance?
- Talvez, mas teremos que ver se ele quer ficar com o senhor. Pelo que me disse hoje foi a primeira vez que se falaram não é mesmo.
- Sim, ele estava com problemas e eu o ajudei. Mas já o tinha visto perto no campus da faculdade onde estudo.
- E seus pais o que pensarão disso?
- Minha mãe já morreu, meu pai e minha madrasta não se preocupam muito comigo. Ela tem seus próprios filhos e meu pai esta preocupado em mima-los no momento. Eu moro com eles e meus dois meio-irmãos, mas tenho um apartamento em meu nome, que era da minha mãe e algum dinheiro que ela me deixou. O suficiente para duas pessoas sobreviverem bem.
- E acha que seus irmãos irão aceitar Duo no meio de vocês.
Edwards pensou por alguns instantes sabia que seus meio-irmãos jamais aceitariam Duo, eles eram superficiais demais para perceber algo alem do dinheiro que eles haviam herdado de seu pai. Mas não desistiria tão facilmente se tivesse que abrir mão de tudo para ficar com o menino ele faria.
- Eles não vão se importar com isso. Eles não se importam com nada mesmo.
- Eu vou encaminhar seu pedido. E vamos ver no que dá está bem.
- Ele precisa mesmo ir para o orfanato hoje?
- Infelizmente sim, se ficar no hospital ele poderá fugir novamente.
- Está bem. Eu posso ir vê-lo no orfanato?
- Vou dar uma recomendação ao diretor do orfanato, o liberando para a visita, mas se alguém aparecer querendo adota-lo eles terão prioridade.
- Está bem. Obrigado. Posso me despedir dele?
- Claro.
Edwards caminhou até Duo e se agachou em frente a ele. Ele notou a íris ametista o olhando com curiosidade. Por que aquele rapaz o olhava dessa forma, com tanto carinho como seu pai costumava olhar para ele.
- Duo é seu nome não é?
- Sim senhor.
- Me chame de Edwards.
Duo olhou para a assistente social que balançou a cabeça.
- Ok Edwards.
Edwards sorriu e tocou no cabelo de Duo que havia se desprendido da trança e caia solto. Duo acompanhou com o olhar a mão de Edwards tocar seu cabelo e se assustou.
- Tudo bem eu não vou machuca-lo Duo. Eu queria saber se você gostaria de morar comigo?
O olhar de Duo mudou e ele ficou olhando para Edwards sem entender. Edwards imaginava o que se passava pela cabeça do menino. Por que um completo estranho iria querer tomar conta dele. Mas ele precisava fazer o menino aceitar ou seus planos iriam por água a baixo.
- Eu sei que não me conhece, mas eu acho que você pode ter um futuro melhor Duo, do que viver nas ruas, ou num orfanato esperando alguém adota-lo. Se você me der uma chance eu sei que podemos nos dar bem.
- E se não der certo você me devolve não é.
- Não!
Duo se assustou ao ouvi-lo gritar e pegar no seu braço. Edwards sentiu seu peito doer ao ouvi-lo dizer isso. O que teria acontecido a essa criança para pensar assim. Quanto ela não havia sofrido.
- Nós faremos dar certo Duo. Você não é um brinquedo quebrado que eu vá trocar por outro. Eu realmente quero que você tenha uma chance na vida. O que você acha?
- Eu não quero ficar sozinho.
- E você nunca estará no que depender de mim. Eu estarei sempre com você, eu prometo.
Duo ficou olhando para o rapaz, ele queria tanto acreditar em suas palavras, ele sentiu duas lágrimas caírem de seus olhos e elas serem enxugadas pela mão do rapaz agachado a sua frente. Ele balançou a cabeça e o abraçou. Edwards sentiu os braços do menino ao seu redor e o estreitou em seus braços, naquele momento ele jurou fazer de tudo para que aquele menino nunca mais estivesse só.
Edwards passou a visitar Duo no orfanato e eles sempre conversavam. Edwards descobriu sobre a vida do menino, como ele fora parar ali, os casais que já tentaram adota-lo e o devolveram a instituição, não era à toa que ele havia dito aquilo no hospital a três meses atrás.
Edwards falou com os irmãos e seu pai sobre seus planos e eles haviam deixado bem claro que pensavam sobre o assunto. Ilógico e sem propósito. Edwards os ignorou e levou em frente sua decisão de se tornar o tutor de Duo até que ele chegasse a maioridade.
Duo sentia que havia encontrado um amigo, alguém em quem confiar. Edwards estava pagando seus estudos e todas as suas despesas. Sentia-se bem ao lado dele, diferente de seus dois irmãos.
A garota tinha apenas dois anos a mais que ele, mas o olhava com desprezo e não fazia a menor intenção de ser agradável. Já o outro tinha 15 anos e o olhava de forma diferente, mas havia algo em seus olhos que Duo não gostava, a forma como o observava o incomodava e Edwards pareceu notar, uma vez que nunca mais ele o levou para a casa de seus irmãos. Sempre quando Duo não dormia no orfanato. Ele ficava no apartamento de Edwards.
Eles tinham suas brigas, mas como ele havia prometido não desistira dele. Por isso depois de dois anos lutando nos tribunais Edwards conseguiu a tutela de Duo, eles comemoram a vitória, conseguida a duras penas.
O pai de Edwards foi contra as atitudes do filho ameaçando-o de deserda-lo, mas isso não foi o suficiente para faze-lo parar e ele mesmo abriu mão de sua parte. Eles poderiam viver sem o dinheiro de seu pai, ele tinha um emprego de meio-expediente que o ajudava a pagar suas despesas em relação à faculdade e o dinheiro que tinha no banco era o suficiente para pagar os estudos de Duo e as demais despesas pelo menos até que ele terminasse a faculdade e Duo os estudos.
Seus meio-irmãos ficaram felizes ao saber que à parte de Edwards seria dividida entre eles. Dinheiro era tudo o que os interessava.
Edwards concluiu a faculdade com louvor e conseguiu um emprego em tempo integral com o dobro do salário, o suficiente para que eles pudessem se mudar para um apartamento maior.
FimFlashback
- Nós nos mudamos para um apartamento maior, que ficava perto do emprego de Edwards. Você sabia que ele terminou a faculdade bem antes do previsto?
- Sim eu me lembro, ele me mandou uma carta na época me contando.
- É... eu me lembro...ele ficou tão feliz quando recebeu sua resposta. Ele sempre falou muito bem de você e eu sempre tive curiosidade de conhece-lo.
Duo parou de falar, as lágrimas tinham aumentado enquanto contava a Heero sobre Edwards. Lágrimas de dor e desespero banhavam seu rosto. Heero podia senti-las ressoarem dentro de si.
- Ele me prometeu que nunca me deixaria sozinho. E ele se foi...me deixou sozinho...novamente. Ele não cumpriu sua promessa, ele me deixou... Heero. Ele se foi e eu não sei o que fazer, eu me sinto perdido sem ele.
Heero se levantou e foi até Duo, sentou-se ao seu lado e o segurou em seus braços, enquanto Duo soluçava. Sem que percebesse uma lágrima também caiu de seus olhos, ele a enxugou e encostou sua cabeça no alto da cabeça de Duo que estava em seu peito. Ele queria que pudesse fazer algo para tirar a dor que sabia que o estava matando por dentro. Saber que Duo ainda sentia falta de Edwards o encheu de dor e inveja. Mas ele não podia sentir inveja de seu finado amigo. Não agora quando ele havia conseguido fazer com que Duo se abrisse.
Heero sentiu que os soluços de Duo haviam diminuído. Ele se afastou ligeiramente e notou que Duo havia adormecido em seus braços. Ele o ajeitou na cama, o cobrindo. Apanhou a bandeja na varanda para sair e deixa-lo dormir. Heero se permitiu observa-lo por alguns minutos antes de deixar o quarto e sussurrar algumas palavras que sabia que ele não as ouviria.
- Você não está sozinho Duo.
Continua....
