-- Capítulo 3 --

Os Piores Segredos da Alfeneiros

Tia Petúnia não parecia a mesma que criara Harry por tantos anos. O rosto continuava a parecer de cavalo, mas agora, ali diante de Harry, ele parecia menos severo, menos rude, mais pesaroso. Definitivamente ela estava diferente.

Ela sentou-se com seu corpo magro ao lado de Harry na cama, sem nem ao menos notar nenhuma das peças de roupa no chão, sem nem ao menos se dar conta de que Harry arrombara seu quarto. Ela não olhava diretamente para Harry, e sim para a carta que ele ainda segurava nas mãos, e dela para a caixa cheia de tantas outras cartas, que certamente revelariam os segredos que Tia Petúnia fizera questão de esconder de Harry.

- Onde estão tio Valter e Duda? – perguntou Harry, olhando para cima, ansioso.

- Ficaram nos Jackson. Eu estava me sentindo mal... dor de cabeça, sabe? – disse a tia, de uma maneira que Harry jamais vira. Estava sendo quase amigável, embora Harry se recusasse a fazer tal interpretação dela.

- Sei... – disse Harry. Ambos ficaram em silêncio, mas Harry não se conteve por muito tempo – Dores de cabeça jamais permitiram que vocês roubassem dinheiro de minha conta no Gringotes, não é mesmo?

- Roubo é uma palavra muito forte – disse tia Petúnia, cabeça baixa.

- Não conheço outra palavra pra isso – disse Harry, o mais rude que pôde.

- Bom, estávamos fazendo o que Dumbledore disse. Estávamos usando esse dinheiro para manter você – disse Tia Petúnia.

Harry foi tomado por um acesso de raiva, que poderia ter sido mortal se Tia Petúnia tivesse tentado impedi-lo. Harry pegou a caixa e jogou-a no chão; levantou-se; chutou a cama, a mesa de cabeceira; jogou tudo que pôde no chão. No fim, pegou um pedaço do lustre que acabara de quebrar, posicionou-o em frente à tia e berrou:

- ISSO? ISSO ERA PRA ME MANTER?

- Pensamos que seria bom pra você viver em um ambiente bom, bonito... adequado a uma boa educação – disse tia Petúnia, dessa vez olhando diretamente para Harry. O cinismo transbordando de seus olhos.

Harry então puxou a varinha e apontou-a para o nariz da tia, que engoliu em seco:

– Não ouse me provocar mais do que já esteve fazendo durante todos esses anos, sua maldita dissimulada! – gritou Harry.

- Faça alguma coisa e todos os planos de Dumbledore irão por água abaixo. Não creio que Rufo deixaria de prender alguém que ataque alguém como eu, mesmo que esse alguém fosse O Eleito – disse tia Petúnia, olhando agora sem emoção para Harry,quase indiferente ao perigo iminente.

- Rufo? Você o conhece? – perguntou Harry, sem abaixar a varinha.

- Sim. Conheci ele, Cornélio Fudge, o falecido Crouch e qualuqer outro membro importante do Ministério – disse tia Petúnia – Todos visitavam o Gringotes com freqüência e, embora eu jamais tenha pisado naquele lugar, conheci os portadores dos maiores cofres, tive reuniões particulares com os Ministros da Magia, Dumbledore, aurores e alguns dos possuidores dos maiores cargos do Ministério – encerrou ela.

- Como isso? – perguntou Harry, confuso.

- Dumbledore sempre teve um jeitinho especial em fazer Valter ter uma reunião importante na empresa e, pra mim, deixar Duda dormir na casa de amigos nunca foi muito difícil, o que me deixava sozinha em casa para receber a todos – disse a tia, ainda ignorando a varinha apontada para ela – Mas, claro, isso só ocorreu no máximo cinco vezes nesses quase dezesseis anos. Nada que despertasse muita atenção.

Harry estava ainda bastante confuso – E Tio Valter? – perguntou, então – Ele sabia sobre o Gringotes?

- Tinha que saber, lógico – riu tia Petúnia, secamente – Ele que administrava as finanças daqui de casa.

- Eu tenho muito mais nojo de vocês agora do que jamais tive em minha vida! – urrou Harry, indo para o lado mais fundo do quarto. Tia Petúnia parecia embaraçada com a situação, embora não demonstrasse arrependimento.

- Não pense que sempre morremos de amores por você – disse a tia – Sempre tivemos esperança de tirar tudo isso de você, como você bem deve saber.

- Tudo isso, o quê? A magia? – perguntou Harry, se aproximando da tia de novo – Você fala como se alguém pudesse perder sua magia. Você fala como se... como se... – Harry não conseguiu completar a frase. A solução de tudo aquilo estava se materializando em sua mente.

Mas não era possível. Aliás, era sim. Harry se lembrou da conversa que tivera com Dumbledore meses antes, depois da sua segunda viajem a Penseira pelo passado de Lord Voldemort, na qual Dumbledore lhe disse vagamente que Mérope Gaunt poderia ter perdido seus poderes devido ao trauma de ter sido deixada por Tom Riddle.

- Como se o quê, garoto? – perguntou tia Petúnia, aparentemente assustada.

- Como se isso tivesse acontecido com você – disse Harry, desafiando a tia olho no olho.

Tia Petúnia repentinamente levantou-se, pondo a mão na boca de Harry e empurrando-o pra trás – Jamais repita isso! Jamais! – gritou a tia.

Petúnia correu para a porta do quarto, saiu e desceu correndo as escadas, Harry em seu encalço.

- Qual foi o trauma que você sofreu, tia? – perguntava Harry, descendo a escada – O que seria tão forte pra fazer você perder os poderes?

A tia já chegara à cozinha e remexia uma das gavetas de talheres, aparentemente atrapalhada e com pressa, quando Harry chegou por lá, arfando.

- Tia, o que houve com a senhora? O que foi? – perguntava Harry, entrando pela cozinha vagarosamente. Harry parou quando a tia se virou de repente para ele apontando algo que parecia um graveto toscamente talhado.

- Não se aproxime, garoto – disse a tia. Ela estava chorando, descontrolada.

- Isso é uma varinha? – perguntou Harry, achando engraçado a aparência do objeto que a tia lhe apontava.

- Foi com isso que eu aprendi a fazer magia, garoto. Eu posso fazer algumas coisas quando estou realmente nervosa, e eu acho que você tenha consciência do meu estado nesse momento – berrou a tia.

- Petúnia! Petúnia! – chamava a voz de tio Valter na sala. Ele e Duda provavelmente haviam acabado de voltar.

Tia Petúnia virou-se e, no exato instante em que Duda chegava na cozinha, guardou a "varinha" novamente na gaveta, olhando feio pra Harry, seguido de perto por tio Valter, que ignorou Harry e andou até tia Petúnia.

- O que houve, Petúnia? – perguntou tio Valter, fazendo a mulher cair num choro desesperado, agarrando-se ao seu pescoço – O que você fez com ela, moleque? – perguntou tio Valter, encarando Harry pela primeira vez, mas sem se levantar e abraçando a mulher.

- Nem metade do que vocês dois mereciam por terem roubado meu dinheiro do Gringotes por dezesseis anos! – berrou Harry.

- O quê? – perguntou Duda baixinho, olhando para o chão, como se reconhecesse tal situação.

- Então, ele finamente descobriu, Petúnia – disse tio Valter, olhando horrorizado para um ponto qualquer no piso. Tia Petúnia não respondeu, apenas permaneceu chorando.

- Eu já vi isso – disse Duda baixinho de novo.

- Estou cansado de vocês! De todos vocês! Mas vou adorar ver todos vocês se acabarem sem o meu dinheiro daqui a alguns dias! – berrou Harry saindo da cozinha e subindo as escadas pra seu quarto.

Harry permaneceu dentro de seu quarto durante todos os dias que precederam o seu aniversário. A única visão da luz do sol que possuía vinha da janela de seu quarto. Todas as comidas eram deixadas na soleira da porta por uma desgastada tia Petúnia e Harry acabou entreouvindo, na antevéspera do seu aniversário, que Duda reconhecia a cena da cozinha do seu encontro com os dementadores dois anos antes. Harry estava realmente ansioso pelo seu décimo sétimo aniversário, pois finalmente receberia seu melhor presente: escapar das garras dos Dursley para sempre.

Faltavam menos de trinta minutos para a meia-noite que abriria o dia 31 de julho e também as portas da liberdade pra Harry, que já estava de malas prontas, esperando o fim do feitiço que o protegia de Voldemort enquanto estivesse com os Dursley. Harry decidira sair do seu quarto e esperar o seu momento de glória na sala de estar, pois, embora detestasse os Dursley mais que tudo desde que descobrira sobre os roubos no Gringotes, Harry sentia uma necessidade moral de se despedir deles.

Harry desceu as escadas carregando suas malas e a gaiola de Edwiges e encontrou os Dursley na sala, vendo televisão. Nenhum deles olhou para Harry, embora fosse impossível ninguém tê-lo percebido.

- Bem... tchau... adeus – disse Harry. Espero uma resposta que não veio.

Harry aborreceu-se por sua ingenuidade perante aos já conhecidos atos antipáticos dos tios e do primo e mudou uma segunda vez de opinião sobre onde esperar por sua liberdade. Até onde Harry sabia, o jardim dos Dursley fazia parte dos terrenos que lhe garantiam segurança, então ficou por lá, sentado sobre o malão, com uma Edwiges que não parava de piar. Os Dursley não ralharam com Harry por ele chamar a atenção dos vizinhos para o jardim deles. Desde que Harry berrara com a tia em alto e bom som palavras estranhas como "varinha", "Gringotes" e, a pior de todas, "roubo", os tios decidiram se mudar da Rua dos Alfeneiros depois que Harry partisse e iniciar em outra vizinhança sua conduta invejável de família perfeita.

Harry olhou para o relógio e viu que faltavam dois minutos e finalmente se lembrou de como tinha sido burro. Como ele chegaria até à Toca? Ele não sabia o caminho de cor, não podia usar aparatação ainda e se esquecera de contatar Rony sobre o fato de seu pai vir buscá-lo em casa com um grupo de aurores do Ministério. Harry se sentiu um completo idiota e resolveu voltar pra casa onde teria tempo suficiente de escrever e esperar uma resposta de Rony, na qual possivelmente o amigo lhe afirmaria que...

BANG!

Antes que Harry pudesse entrar novamente na casa dos Dursley, a única pessoa que Harry não gostaria de encontrar agora aparatara ali, na sua frente. De cabelos pretos e olhar maníaco, Belatriz Lestrange estava ali, parada na frente de Harry, vestida como uma típica Comensal.

- Olá, Harry Potter – disse ela, aproximando-se lentamente de Harry, que largara os malões e a gaiola de Edwiges (que piara enlouquecidamente) e sacara a varinha mais do que depressa – Vamos ver se você realmente merece o título de O Escolhido? – completou Belatriz, revelando sua varinha e fazendo uma reverência para Harry. Ele também fez a reverência. Isso significava, como Harry bem sabia, um duelo.