Olá. Espero que todas estejam bem.
Esse capítulo está saindo um pouco às pressas, pois estou enrolada com a universidade. Ficou longo, confuso e, provavelmente cheio de erros. Peço por favor, que desculpem os enganos, idéias mal expressadas ou outros absurdos que possam estar nele.
Mas, mesmo com todos os problemas, esse é o capítulo que mais gosto. Talvez por causa de um certo encontro.
Queria então dedicá-lo a minha querida Thaissi, que fez aniversário dia 10 e me honrou muito ao pedir a atualização de O TEMPO NÃO APAGA como seu presente de 20 anos.
Aqui está, mellon-nin. Não exatamente no dia exato, mas de todo o coração. Felicidades!
As outras e não menos importantes pessoas da minha vida, listadas abaixo e guardadas em meu coração, fica também meu obrigado.
Nimrodel, Lali, Kiannah, Larwen, Cauinha, Priscila, Kika, Chell, Nininha, Phoenix (Layla), Lele, Carol, Giby, Lene, Gio, Bê, Dani, Ju, Nanda, Leka, Crika, Greyhawk, Paulinho, Veleth, Annie, Stephanie, Denise (Tenira), Karina, Lika, Isa.
Sunlight dances through the leaves (A luz do sol dança através das folhas)
(Soft winds stir the sighing trees (Ventos suaves agitam as árvores suspirantes)
Lying in the warm grass (Que encontram-se na morna grama)
Feel the sun upon your face (Sinta o sol em seu rosto)
Elven songs and endless nights (Canções élficas e noites infinitas)
Sweet wine and soft relaxing lights (Vinho doce e suaves luzes relaxantes)
Time will never touch you (O tempo nunca tocará você)
Here in this enchanted place (Aqui neste lugar encantado)
Rivendell – Banda Rush, no album "Fly by Night (1974) – tradução livre
V – OS SEGREDOS DO VALE
Legolas ficou sem ação. Quem Elladan disse que aquele elfo era? O nobre Glorfindel de Gondolin? Aquele que enfrentara a mais terrível das criaturas? Aquele que regressara da morte? Ele era mentor dos filhos de Lady Celebrian?
O arqueiro suspirou então, compreendendo agora, melhor do que nunca, a grande influência positiva que os gêmeos tiveram em sua vida, sendo filhos de quem eram e ainda tendo como instrutor uma figura de tamanha grandeza como aquele elfo, que ele só conhecia pelos livros.
"Ainion?" O lorde dirigiu-lhe um olhar intrigado e Legolas empalideceu ainda mais. "De onde é, soldado?"
O tom daquela questão era o de alguém cuja paciência não parecia tolerar uma espera desnecessária. No entanto, as palavras teimosamente negaram serventia ao príncipe, escondendo-se furtivas atrás daquela barreira de admiração e receio que se instaurava. Elrohir riu então, soltando-se do mentor e abraçando o jovem louro pelos ombros.
"Já ouviu falar de Glorfindel, Ainion?" Ele imaginou que esse fosse o motivo para a súbita mudez do arqueiro.
"Si...Sim..." Legolas ouviu-se balbuciar. Não queria passar-se por um elfo tolo ou infantil, mas não podia evitar. Sentia como se uma das figuras dos livros de seu pai subitamente tivesse ganhado vida. "Eu... li... li a respeito... do senhor." Completou enfim, segurando o ar no peito como podia para conter a apreensão de estar diante de alguém tão nobre.
Glorfindel franziu ligeiramente a testa e apertou os lábios fechados. Encarava agora aquele estranho por sobre o queixo erguido, os olhos claros tinham um quê de mistério. Na verdade não apreciara a sentença que ouvira. A idéia de qualquer tipo de idolatria lhe era intragável, principalmente vinda de alguém tão jovem. Entretanto, uma outra dúvida o estava intrigando.
"Não acredite em tudo o que lê, rapaz." Ele astutamente colocou a discórdia. Seu tom sério e até um tanto áspero, despertou enfim o impressionado príncipe.
"Não seja rude, Glorfindel." Elladan pediu, vendo o arqueiro baixar o rosto um tanto desconcertado. "Ainion é de Eryn-Galen. Conhece pela primeira vez esse lado do rio."
O silêncio instaurou-se por alguns instantes, instantes estes que o louro guerreiro de Gondolin usou para analisar friamente a nova figura que tinha diante dele. Não. Ele não conhecia aquele elfo, porém, esse 'não conhecer' estava-o perturbando mais do que costumava perturbar.
"De Taur-na-Fuin. Você quer dizer." Ele corrigiu enfim, resgatando habilmente a informação que o gêmeo mais velho lhe dera, mas acrescentando-lhe uma sutil e indigesta distorção. "Ninguém mais chama aquele emaranhado escuro de verde. Chama, rapaz?"
Legolas sequer se moveu, retraçando os significados do que ouvira. Será mesmo que ninguém mais se lembrava do quão viva já fora a Floresta Escura?
"É um selvagem então." Glorfindel decidiu forçar um pouco mais os ânimos daquele pacato soldado.
"Um silvestre." Soou, antes que Legolas pudesse sequer mostrar-se surpreso, a voz de Elrohir, tomando sua defesa contra a súbita hostilidade do mentor. "Um silvícola, Glorfindel."
O louro guerreiro pendeu a cabeça para a esquerda, ainda com o queixo alto e o par de douradas sobrancelhas ligeiramente contraído. Então seu olhar caminhou atentamente pelo corpo inteiro do arqueiro e ele esboçou um quase imperceptível sorriso ao vê-lo empalidecer devagar.
"Ainion é da nova geração." Adicionou o mais velho dos gêmeos, procurando despertar alguma simpatia no mentor, por aquele a quem ele considerava um bravo guerreiro. "Ele nasceu no período da Paz Vigilante."
"Ah sim... É claro." O tom irônico tomou então o discurso do mentor. "A paz vigilante." Ele repetiu, pausando as palavras para que ficassem isoladas em seus tons e significados. "A época da ingenuidade. Hoje os filhos dessa geração pagam o preço da ignorância de seus pais. É então um desses penitentes, rapaz?"
Legolas sentiu o corpo gelar, encarando o mar de intenções e significados que se localizavam atrás daquela simples sentença. A inevitável imagem de seus amigos mortos lhe veio atormentar mais uma vez e uma desagradável carga de tristeza invadiu seus vazios.
"Não são culpados, por certo." Glorfindel lembrou, antes mesmo que dos lábios descolados do rapaz surgisse algum comentário ou protesto pelo sentimento despertado. "O próprio rei, que nem guarda a ingenuidade do povo da floresta, também deu um filho a sua esposa silvestre. E eu que sempre o julguei um elfo de visão. Parece que a ingenuidade desses elfos verdes é contagiosa."
O queixo do príncipe caiu por fim, mas tudo o que se sentiu capaz de fazer foi ouvir o protesto dos gêmeos a seu favor. Elladan advertiu o mentor, dizendo qualquer coisa sobre não ser conveniente mencionar o nome do rei com tamanha ironia e Elrohir adicionou algumas palavras de concordância. Legolas apenas deslocava seus incrédulos olhos pelos três elfos que discutiam. Glorfindel agora mencionava algo sobre hereditariedade e a importância da questão cultural de cada raça e como apenas os silvestres tinham tomado tão irresponsável caminho.
Aquela, sem dúvida, era uma discussão relevante, a qual o arqueiro sabia ser sensato acompanhar, porém sua mente cansada, mesmo desejando levantar-se em defesa de seu povo, de seu pai, confundia-se agora. A imagem daqueles três elfos parecia se distorcer em estranhas ondas, querendo desfazer-se em outras imagens, cenas de batalha, conflitos com grandes inimigos, sangue e dor. Ele fechou os olhos devagar, sentindo-se invadido lentamente por aquele desconforto, mesmo contra a sua vontade. Todos os dias seriam assim, ele sabia, a não ser que se deitasse de fato e descansasse. Era o único modo de ver-se livre daqueles delírios.
"Anion?" Alguém lhe tocou cuidadosamente o ombro e ele reabriu os olhos, em seguida a palma de Elladan estava em seu rosto. "Está sentindo algo? Está pálido."
"Eu..." Legolas olhou confuso à sua volta. A adrenalina da súbita mudança de atenção lhe oferecera algum equilíbrio novamente. Elrohir o olhava com preocupação e Glorfindel com estranheza. Decididamente ele não era muito feliz no que tangia a deixar primeiras impressões.
Estava cansado, era fato. Mas a presença daquele elfo de Gondolin parecia indicar-lhe que estava longe de conseguir alcançar o estado de paz que necessitava para encontrar o sono da restauração. Seu coração palpitava incomodado no peito, parecendo desconhecer o que é calmaria. E, pior do que aquilo tudo, era o fato de não haver nenhuma grande árvore por perto onde pudesse ao menos se refugiar.
E ainda diziam que o paraíso estava do outro lado do rio! Que paraíso era aquele?
O lorde elfo aproximou-se. Aqueles olhos claros, tão semelhantes aos de seu pai pareciam emanar um incômodo calor.
"Está doente, rapaz?" Ele indagou, apoiando uma mão em seu ombro. Legolas estremeceu no mesmo instante, como se o contato lhe fosse doloroso, em seguida esfregou o rosto com as mãos. As vozes dos gêmeos discutindo voltaram a povoar sua mente. Ouviu Elladan comentar sobre as duas batalhas e a morte dos soldados, sobre o quanto achava que eles precisavam voltar para Valfenda para cuidar dos feridos. Ouviu também as palavras de Elrohir, contando os detalhes sangrentos do conflito. Entretanto, estranhamente, não ouvia mais a voz de Glorfindel. Mesmo por trás das pálpebras que voltara a fechar, podia quase ver que o elfo louro continuava lhe direcionando aquele mesmo olhar desconcertante.
"Ainion?" Ele ouviu a voz de Elladan mais uma vez, mas em sua mente cansada e confusa aquele chamado teve um efeito inesperado. A imagem do verdadeiro Ainion surgiu diante de si. Sim, era ele. Estava com olhos desolados em um local que era pura escuridão. O soldado elfo, seu mais experiente guerreiro silvestre e que, ironicamente, nada tinha de semelhante a ele, lhe ofereceu um sorriso triste e moveu os lábios como se dissesse algo de extrema urgência. Legolas franziu o cenho, tentando entender. O som veio vagaroso, palavra por palavra, unindo-se devagar.
"Meu príncipe... Meu príncipe amado... Devolva... Devolva minha alma... Não posso partir sem minha alma..."
Legolas franziu o cenho, os lábios soltos em busca de compreensão. Lágrimas escorregavam pelo rosto do soldado que tinha uma mão estendida em sua direção, enquanto repetia as mesmas palavras.
"Devolva minha alma, meu príncipe... Devolva o que me pertence..."
"Não... Não entendo..." Ele respondeu em um lamento, buscando erguer a mão em direção ao soldado que se afastava devagar, ainda em prantos, ainda a repetir o mesmo suplício. "Não entendo... Não... Não entendo..."
A escuridão foi tomando devagar a cena, engolindo qualquer sinal de luz ou forma, tornando o que era quase vazio, no símbolo exato da inexistência. Legolas ficou em pé, parado naquele nada, o braço ainda erguido, os olhos vagando em busca de algum sinal. Mas não havia nada. Ele estava só mais uma vez.
"Eu... eu sinto muito... Eu... eu não entendo..." Ele ainda tentou dizer e as palavras ecoaram e dispersaram-se sem qualquer resposta.
"Ainion... Está tudo bem..." A voz de Elladan surgiu novamente e a mão forte dele estava agora em seu ombro. "Vamos mellon-nin, abra os olhos só alguns instantes."
Legolas obedeceu então. E o mundo ganhou tamanha luz e cor que ele sentiu vontade de fechá-los mais uma vez. Estava sentado no chão frio, Elladan o segurava pelos ombros e Elrohir e Glorfindel estavam ajoelhados diante dele.
"O... o que... o que aconteceu?" Ele indagou.
"Eu sou quem lhe pergunta, mellon-nin." Elladan sorriu-lhe, apoiando uma mão em sua testa e esfregando-lhe amigavelmente o ombro que abraçava com a outra. "Caiu aqui diante de nós e desligou-se do mundo. Sabia que estava cansado, mas não imaginava o quanto. Com quem conversava em seus sonhos? Dessa vez falava em sindarin e pude entendê-lo."
Legolas olhou a sua volta. A tarde rosava-se. Lá se fora mais um dia e estava se tornando uma freqüente não vê-los passar, ou porque estava envolvido em algum conflito, ou distante demais em seus pensamentos para ver a vida pulsar a sua volta. O acampamento estava repleto de elfos, provavelmente a patrulha que Glorfindel trouxera. Ele lembrou-se então de olhar para o líder louro que estava diante dele e ainda lhe direcionava um olhar inquisidor. Ilúvatar por que aquele elfo o estava torturando daquela forma?
"Beba." Elladan ofereceu-lhe uma caneca. "É só água."
Legolas aceitou, tomando alguns goles e devolvendo-a ao gêmeo. Em seguida dispôs-se a se levantar, mas Elladan o segurou.
"Mais alguns instantes, Ainion. Deixe seu corpo se recuperar."
Legolas assentiu em silêncio, deixando o olhar vago e a mente vazia enquanto sentia ainda aqueles contundentes olhos sobre ele, como um cão à espreita, um soldado em emboscada, esperando por um deslize, uma distração. Ele ergueu as mãos e esfregou o rosto novamente e Elladan estalou os lábios.
"Vai dormir agora, Ainion." Ele atestou, ajudando-o a erguer-se. Depois voltou a olhar pelo acampamento e por fim para os outros dois elfos. "Glorfindel, pode me ajudar com os outros feridos?" Ele pediu e Legolas sentiu uma felicidade incalculável ao ver o elfo louro concordar e afastar-se com o gêmeo mais novo.
Elladan então ajeitou uma manta ao lado de Thavanian e Hérion e fez com que Legolas se deitasse nela. O arqueiro não ofereceu qualquer resistência, mas o gêmeo percebeu que seu olhar preocupado acompanhava os movimentos do elfo, que agora estava do outro lado do acampamento, cuidando do corte de um dos soldados.
"Glorfindel é o melhor guerreiro que conheci." Ele comentou com um suspiro de cansaço, compreendendo o porquê daquela atenção. "Sua impertinência e desconfiança estão entre as melhores armas das quais faz uso. Não o leve a mal. Faz o que faz com qualquer estranho. Busca na verdade nos proteger."
"Eu entendo..." O arqueiro respondeu pensativo, analisando o caminhar daquele forte elfo pelo acampamento agora, checando todos os feridos. Elrohir também se movia para todos os lados, parecia inquieto, preocupado. Conversava com seus soldados, checava armas. Legolas suspirou, observando agora o outro gêmeo próximo a ele. Elladan verificava as bandagens de Hérion pela terceira vez, parecendo também preocupado com algo. Reflexos exatos um do outro aqueles irmãos eram, cada qual em seu próprio universo, mas intrinsecamente ligados. Valorosa sem dúvida era aquela patrulha conduzida por duas figuras de tamanho poder. Era uma lástima que dois soldados houvessem perecido. Talvez aquele fosse o espinho que inquietava os gêmeos visivelmente.
Legolas baixou os olhos, lembrando-se então da visão que tivera. Pobre Ainion. Fora vítima de seu pobre senso de liderança e agora parecia ainda estar sendo vítima de sua irresponsabilidade. Mas como aquilo seria possível?
"O que foi, mellon-nin?" O gêmeo curador aproximou-se preocupado ao vê-lo esfregar avidamente o rosto com ambas as mãos.
"Nada..." A sua resposta quase automática surgiu. Mas ele sentiu a mão de Elladan tomar a sua mais uma vez e os olhos pacientes do gêmeo aguardar a resposta.
"Diga, Ainion. Sabe que não deve me esconder nada. Sou seu curador."
Legolas moveu os olhos para o elfo diante dele. Elladan não mudara em nada. A paz e a sabedoria pareciam ainda moldar os traços de sua face eternamente jovem. Ilúvatar, ele confiava tanto no gêmeo, mesmo depois de todos aqueles anos. O elfo moreno encarou-o intrigado, pensando no que despertara um olhar de tamanha admiração em seu paciente.
"Dan... Como... como se rouba a alma de alguém?"
O gêmeo franziu o cenho, e seu coração se apertou ao ouvir o elfo louro tratá-lo por um apelido que era reservado apenas para os seus. Já era a segunda vez e Ainion parecia fazê-lo com uma estranha facilidade, quase inconscientemente. Pensou em questioná-lo, mas então o significado da pergunta que ouviu lhe saltou aos ouvidos.
"O que... o que disse, Ainion? Roubar a alma de alguém?" Ele indagou, voltando a apoiar a palma na testa do arqueiro para checar-lhe a temperatura.
Legolas não respondeu. Ele parecia confuso, dançando os olhos no nada que estava a sua frente, mas revendo na verdade a imagem que tivera. Relembrando as palavras inúmeras vezes.
"Você teve um sonho escuro?" O gêmeo arriscou.
"Acho... Acho que sim..." O príncipe respondeu receoso.
"Já passou." Elladan ofereceu-lhe um sorriso assegurador, procurando ele mesmo afastar os pensamentos inquietos que tinha. "Está vivendo um clima de tensão extrema. É só isso. Quero que durma em paz, agora que o acampamento está fortemente protegido. Prometo ficar com você até que acorde. O que acha? Se perceber que está preso em alguma imagem negativa, desperto-o." Ele completou, puxando um pouco as cobertas que cobriam o paciente.
"Não... não tenho mais sono..."
"Não me venha com rodeios." O elfo moreno advertiu em tom de brincadeira. "Fica sempre a repetir isso até cair literalmente de exaustão. Dormiu um mínimo possível. Sono mortal exige sempre mais tempo do que o élfico para que o corpo se recupere."
"Tudo o que faço é dormir." Resmungou contrariado o arqueiro, ainda sentindo-se inseguro para voltar ao mundo dos sonhos.
"Tudo o que eu faço e fazê-lo dormir." Elladan corrigiu-o com seu ar paciente peculiar. "Mas algo sempre vem perturbar o seu sono e eu não consigo pô-lo saudável em pé. Quero que se deixe levar pelo caminho da brisa nas folhas verdes agora, mellon-nin e durma normalmente, sem minhas ervas. Quem sabe esse é seu caminho de cura."
Um sorriso largo formou-se então nos lábios de Legolas com aquela expressão. "Deixar-se levar pelo caminho da brisa nas folhas verdes". Ele repetiu mentalmente aquela frase que conhecia tão bem, lembrando-se da bela elfa de cabelos cacheados a quem tal máxima pertencia.
"Minha naneth sempre me dizia isso." Elladan ecoou sem saber os pensamentos do elfo louro, satisfeito por ver que a sentença da mãe tinha despertado alguma sensação de alegria.
"É um bom conselho." Legolas suspirou, fingindo que a informação recebida lhe era de fato uma novidade.
"Então o siga." Aconselhou o curador, escondendo-se atrás de uma falsa seriedade, enquanto arrastava-se para observar o paciente que dormia ao lado de Legolas. "Quero vê-los em pé e sãos. Vocês dois. Nunca vi tanta coisa acontecer a dois únicos elfos."
Mas o sorriso de Legolas desapareceu e ele passou a inquietar-se visivelmente. Elladan voltou-se para ver o motivo. Em pé agora, próximo aos dois, estava mais uma vez o lorde de Gondolin.
"Vá comer, Elladan." Glorfindel aconselhou com um meio sorriso. "Eu olho seus pacientes enquanto o faz."
"Depois mellon-nin, obrigado." O gêmeo recusou cordialmente.
"Não estou oferecendo-lhe, elfinho." O outro informou insatisfeito. "Seu irmão o espera. Sabe que ele não vai comer nada enquanto você não o acompanhar."
Elladan olhou para a fogueira, onde Elrohir fazia agora seus pratos. Ele suspirou insatisfeito, ciente da verdade das palavras do mentor. Depois se voltou indeciso para Legolas.
"Pode ir." O arqueiro respondeu a pergunta não feita e Elladan sorriu novamente. Depois lançou um olhar significativo ao lorde elfo. Glorfindel apontou o queixo na direção da fogueira novamente, deixando claro seus conselhos.
"Eu não vou perturbar o rapaz." Garantiu. "Pode ir."
O gêmeo ergueu-se receoso, olhando mais uma vez para o paciente.
"Trago-lhe um pouco de sopa então." Ele disse, apenas para garantir ao arqueiro que voltaria em breve. "Está com fome?"
"Coma primeiro." Legolas respondeu prontamente e lhe sorriu, mesmo sem sentir-se muito motivado a fazê-lo. "Vou tentar seguir o caminho que me aconselhou."
Elladan ergueu o canto dos lábios com a sentença, encarando aqueles olhos claros mais uma vez, tentando capturar aquele furtiva lembrança que eles lhe despertavam, mas não sendo feliz.
"Vá, menino." Glorfindel o despertou. "Ou a comida esfriará e terá que tolerar as reclamações de seu irmão."
O curador assentiu, caminhando enfim até a fogueira, mas sentando-se de frente para o irmão, estrategicamente colocado em uma posição na qual poderia ver seu paciente e seu mentor.
Glorfindel sentou-se então diante do arqueiro, olhou para o adormecido Thavanian por algum tempo, depois e infelizmente, no ponto de vista do príncipe, fixou sua atenção nele mais uma vez.
"Como se sente?" Ele indagou.
"Bem, meu senhor. Obrigado." Legolas respondeu, desviando seu olhar do líder louro. Ainda sentia um receio muito grande dele. "Só preciso dormir."
"Sinto que o incomodei com minhas observações." Ele disse então.
"Não senhor."
"Olhe, menino." Ele mudou rapidamente seu tom. "Se há algo que sei fazer bem além de segurar uma espada este algo é reconhecer uma mentira assim que ouço uma. Por isso aconselho-o a não perder seu tempo tentando me enganar."
Legolas enrugou a testa inteira, contraindo as sobrancelhas. Tentando entender se aquela insinuação se referiria a sua última resposta ou a cena inteira que armara desde que fora apresentado a ele.
"Certos aspectos culturais correm velozmente no sangue das raças, mesmo que não desenhem traços em seus rostos ou moldem seus físicos." Glorfindel desatou um discurso rápido e o semblante do príncipe se contorceu ainda mais diante de cada palavra ouvida.
"Não sei... não sei se compreendo o que diz, meu senhor." O arqueiro se viu obrigado a admitir, embora sentisse-se incomodamente vulnerável diante daquela figura ilustre.
Glorfindel suspirou impaciente. Depois encheu os pulmões. Um silêncio tomou lugar entre os dois por algum tempo. Então, súbita e inexplicavelmente, o guerreiro cravou seus olhos em Legolas e o príncipe estremeceu, ciente de que algo estava para acontecer e que não era bom. Glorfindel enfim desprendeu os lábios, para que saíssem deles, tal qual um ferro em brasa por sobre uma ferida já bastante exposta, a última pergunta que o rapaz gostaria de ouvir.
"Quem são seus pais? Qual é sua descendência?"
Os lábios do jovem elfo se trancaram no mesmo instante, um tremor correu seu corpo e a cor fugiu-lhe da face. A ameaça de Glorfindel ainda ecoando em sua cabeça. Não minta... Não minta... Não minta...
"O senhor não os conhece." Ele respondeu aquela que julgava ser uma meia verdade.
"Mas eles têm uma identidade, não têm?" Indagou irônico e persistente o outro elfo.
Legolas esvaziou os pulmões. Então pensou no nome do pai de Ainion. Por que não? Já lhe tomara a identidade emprestada e...
Mas a imagem do soldado silvestre lhe voltou à mente. Da visão terrível que tivera e cujo significado ainda não lhe estava muito claro. Não. Pior do que roubar para si uma outra identidade seria fazê-lo em nome de seu pai.
"Gostaria de não falar sobre eles. Se não se importa, meu senhor." Ele arriscou.
"Por que? Não tem orgulho de sua estirpe?"
Legolas soltou os lábios exausto e desarmado mais uma vez. Surpreendia-se em ver com que facilidade aquele elfo proferia as mais duras sentenças. Ele então se calou.
"Qual o problema?" O elfo louro insistiu, para o quase desespero do rapaz deitado diante dele. "Apenas pergunto sua linhagem. Quero saber quem são seus pais. Algo que um elfo compreende muito bem."
"Mas um silvestre não." Retrucou, um tanto irritado o arqueiro. "Meu povo não se importa com a ancestralidade de ninguém."
"Seu povo?"
Legolas empalideceu novamente.
"O povo da Floresta." Ele procurou recompor-se. Ilúvatar, estava jogando um jogo difícil, tão difícil quanto o que jogava com seu pai quando este estava fora de si, perdido em algum instante de ira. Estava cansado demais para isso.
"Sim." Glorfindel concordou com um olhar intrigante. "Conheço seu povo. Eles não se importam com quase nada do que é material. Vivem da beleza que os cerca, vendo-a até nos mais sinistros lugares."
"Acha isso um desdouro?"
"Muito pelo contrário. Acho uma virtude."
"Então... eu não compreendo aonde quer chegar."
"É simples. O povo da Floresta tem uma arte milenar. Conta seus feitos de pai para filho, em cantigas e canções. Não é fato? Não se interessam por nada do que é dito material. Estou certo?"
"Está sim senhor." Legolas concordou. "Conhece bem nosso povo."
"Sim. Conheço todos os povos."
"Então..."
"Só não conheço você. Onde você se encaixa, rapaz? Não tem o porte de um Sindar. Mas não tem o desapego dos Silvestres. Um Silvestre jamais teria lido a meu respeito em livro algum. Seus escritos em silvestre tratam apenas de sua própria história e os contos milenares são passados de canções em canções."
Legolas desprendeu os lábios então, encontrando finalmente qual fora seu momento de deslize que gerara tamanha desconfiança no guerreiro louro.
"Mas você leu, não é mesmo? Como disse que era seu nome?"
"Eu não disse." Legolas retrucou e o sorriso de Glorfindel se intensificou, seguido de um silêncio desagradável que durou até que o lorde elfo suspirou forçosamente e soltou os ombros.
"Sei de sua perda e por ela eu lamento." Ele disse com uma seriedade ainda mais assustadora do que seus momentos de ironia. "Mas tento poupar o meu grupo. Por isso ajo como o faço agora, menino. O que quer que esteja escondendo ou distorcendo, revele-o agora ou eu vai obrigar-me a encontrar outros modos de conseguir tal informação."
Legolas estremeceu e seus olhos brilharam intensamente. A ameaça de Glorfindel porém, só intensificou sua busca por um caminho alternativo que o tirasse daquele impasse. Não. Ele não revelaria sua identidade para aquele elfo.
"Meu mentor foi um sindar." Se era a verdade que aquele lorde elfo queria, era a verdade que ele teria. Legolas pensou, dedicando-se a tentar usar a verdade que tinha como arma mais uma vez, a verdade completa. Glorfindel ergueu o queixo, olhando-o atentamente então. "Talvez sejam dele os traços que o senhor vê em mim e que o estejam incomodando. Minha mãe silvestre me ensinou nossa tradição, mas aprendi muito com os livros de meu mentor."
O elfo louro ficou em silêncio por alguns instantes, mesmo depois de Legolas terminar seu breve relato.
"Um silvestre interessado em livros."
"Sofremos influência da cultura de nossos benfeitores, meu senhor." Legolas repetiu seus princípios, coisas nas quais acreditava. "O tempo traz suas mudanças. Influenciamos e somos influenciados."
Glorfindel inquietou-se visivelmente, olhando o rapaz com o canto dos olhos.
"E seu pai?" Ele enfim perguntou e Legolas voltou a perder parte da segurança que conquistara com sua cartada correta.
"Meu pai é... é um assunto proibido para mim." Ele disse então.
Glorfindel aproximou-se mais um pouco, olhando Legolas de perto. O príncipe ergueu os olhos e se viu refletido nas órbitas esverdeadas do elfo de Gondolin.
"Um assunto proibido." Ele repetiu. Sentindo-se estranhamente incomodado com o fato daquelas palavras soarem bem mais verdadeiras do que tudo o que aquela incógnita em forma de elfo dissera até então. Aquilo fazia cada vez menos sentido. Irritando-o profundamente.
"Sim senhor." Legolas respondeu categórico.
"De onde se origina tal proibição. Dele ou de você mesmo? Quem é o autor dela?"
O príncipe voltou a empalidecer, apertando os lábios duramente.
"Não quero falar a esse respeito, senhor. Se ainda tenho direito a alguma privacidade." O príncipe tomou um caminho perigoso enfim, esperando que ele não o levasse para um lugar pior do que o que se encontrava. "Se isso me faz criatura não grada aqui, retiro-me do grupo então, meu senhor. Basta que me diga."
Glorfindel suspirou incomodado. Outra estranha verdade saía dos lábios daquele elfo verde. A situação fugia-lhe do controle.
"Quero apenas compreender." Ele admitiu então, vendo-se encurralado no próprio caminho que traçara.
"Compreender o que, senhor?"
Glorfindel cruzou ambas as pernas embaixo de si, deixando um vago e pensativo olhar ilustrar-lhe a bela face. "O problema é que vejo traços sindar em você, rapaz." Ele revelou enfim. "Apenas, talvez, as feições bem trabalhadas de seu rosto. Você tem o porte de um elfo silvestre, sem dúvida. Entretanto, quando desprende seus lábios, o que sai de sua boca é cem por cento sindar. Sua explicação é aceitável. Mas continuo sentindo que esse aceitável não corresponde ao satisfatório."
Legolas enrubesceu então. Habilmente o astuto Glorfindel voltava a virar o jogo.
"Aceitável e satisfatório... Para quem, meu senhor?" Ele indagou enfim e Glorfindel soltou um riso contido que mais revelava desistência do que satisfação.
"Uma cultura sindar, em um elfo silvestre." Ele sacudiu a cabeça, mas Legolas o olhou com seriedade então.
"Uma cultura mestiça." Ele disse e os dois ainda tiveram tempo de se encarar por mais alguns instantes, até que o louro elfo voltou a sorrir.
"Não conhece Valfenda, conhece?" Ele indagou.
"Não senhor."
"E quer conhecer?"
"Não tenho escolha, senhor. Meu capitão está ferido novamente."
"E se tivesse tal escolha?"
"Se tivesse tal escolha eu gostaria de conhecê-la mesmo assim."
Glorfindel ergueu-se então, esticando o corpo, ajeitando a espada na bainha e olhando algumas estrelas que surgiam no céu.
"Vamos partir em pouco tempo e realizará esse seu desejo." Ele disse, pensativo. "Imladris é a terra das revelações, creia-me. Poucos segredos são guardados lá, mas temos a vantagem do novo a bater em nossas portas. Deixe o velho ir e receba o que é descoberta, estará então vivendo o clima de Valfenda".
&&&
Quando finalmente cruzaram a ponte algo de solene atingiu o coração de Legolas e o elfo reduziu a marcha de seu cavalo, deixando-se ficar para trás enquanto os elfos se apressavam em conduzir os feridos, abraçar os amigos que já se aproximavam, pular de seus cavalos e cantar canções de boas vindas. Tudo era alegria, paz e pureza. Três sensações que o príncipe da Floresta Escura não vivenciava há muito tempo.
Seus olhos percorreram fascinados a harmonia de cores e sons daquele lugar mágico. As coloridas árvores moviam delicadamente suas folhas como se saudassem os recém-chegados e a morna brisa era convidativa demais. Legolas sentiu que não havia pensamento triste algum que sobrevivesse em um lugar daqueles.
Elladan, que viera o caminho semeando em si a grande expectativa de ver o reservado Ainion encontrar a beleza de sua terra natal, retornou alguns passos com sua montaria e sorriu ao encontrar o olhar fascinado do arqueiro da Floresta.
"O que acha, Ainion?" Ele indagou, procurando fazer com que a chegada do rapaz soasse de fato como uma visita. "Gosta de nossa terra?"
Legolas soltou os lábios, mas não encontrava em seu vocabulário, nem mesmo nas mais belas canções que aprendera desde de menino, algo a ser dito que pudesse fazer-se um comentário justo e servisse de resposta à pergunta do curador. Ele apenas voltou a apertar o maxilar e assentiu timidamente com a cabeça como resposta.
"Vamos, mellon-nin." Elrohir aproximou-se então, ainda também em seu cavalo. "Uma palavra para descrevê-la. Ou todo o trabalho de nosso pai me parecerá sem valor a seus olhos."
Legolas sacudiu a cabeça então, preso em sua mudez e sentindo os pulmões invadidos por aquele ar tão puro. O céu acima era de um azul perfeito, as árvores do mais belo verde que ele vira e, ainda mais e acima de tudo, ele ouvia cantos de pássaros que sequer conhecia.
Elrohir sorriu, mas seu coração contraiu-se no peito diante da admiração que via naquele jovem elfo. O uso de qualquer palavra era de fato desnecessário. E, ao ver com que respeito e devoção o jovem louro apreciava cada canto de imagem que via, ele sentiu um súbito receio. Um temor de não estar na verdade dando o valor que sua terra merecia. Desde a partida de Celebrian, Valfenda era seu refúgio, mas também era um lugar de tristes lembranças, um lugar que o passado parecia ter corrompido.
Porém, agora, diante dos olhos brilhantes e fascinados daquele jovem elfo, estaria ele também a encarando com outros olhos? Depois de tantos anos, a estaria vendo novamente como se fosse a primeira vez, vendo-a pelos olhos encantados de um novato?
Olhou então mais uma vez para o soldado silvestre. Olhos vagando incansáveis pelas cores e luzes que via, mãos firmes na crina do cavalo malhado que montava, lábios colados, mas uma profunda paz em seu semblante.
"Uma palavra." Ele pediu novamente e o ar dos pulmões de Legolas encontraram a liberdade. O elfo louro soltou os ombros como quem acorda em uma manhã ensolarada e ele fechou os olhos sem perceber.
"Sagrado..." A resposta surgiu e Elladan e Elrohir sentiram-na como se a houvessem ouvido dentro de suas próprias mentes, de seus próprios corações. Eles se entreolharam e sorriram um sorriso distinto de todos os que já deram. Teriam acidentalmente, através da descoberta do tímido amigo, redescoberto eles mesmos o que haviam esquecido, reencontrado uma paz que parecia lhes fugir há muito tempo? O gêmeo mais velho desceu finalmente do cavalo e apoiou uma mão na perna do ainda extasiado elfo.
"Venha, mellon-nin." Ele chamou e Legolas reergueu as pálpebras e desceu obediente, apoiando-se no animal assim que o fez. Elladan envolveu-lhe pela cintura, julgando que estivesse se sentindo mal. "Precisa descansar." Ele ditou. "Aqui estará em paz e segurança. Pode recuperar suas forças."
"Onde está Thavanian?" Legolas indagou, sacudindo um pouco a cabeça e se afastando do curador em busca da maca que trouxera o amigo.
"Está em um de nossos cômodos de cura." Elladan respondeu. "Não se preocupe. Ele será bem tratado."
"Devo ficar com ele." Legolas deu alguns passos indeciso, sem saber para onde se dirigir e acabou cambaleando novamente e sendo amparado por Elrohir agora.
"Fique na casa maior conosco. Há quartos de hóspedes e Elladan pode olhar por você." Propôs o gêmeo e o irmão fez um pequeno som de concordância com os lábios. Não era de praxe trazer um estranho para a casa maior, principalmente um simples soldado como Ainion, mas eles sentiam a necessidade de tê-lo por perto, mesmo sem saber exatamente o porquê. Talvez pela fragilidade de seu estado, por tudo o que havia passado e pelo sentimento de desistência que viam nele. Ou talvez, quem sabe um dia não negariam, por eles mesmos, pelo inexplicável afeto que desenvolveram pelo jovem e corajoso elfo.
"Sou-lhes grato." Legolas respondeu, voltando a afastar-se. "Mas preciso ficar com meu capitão."
Elladan apertou os lábios e os irmãos trocaram olhares descontentes.
"Que assim seja então." Ele respondeu mesmo assim, acenando para um elfo que estava próximo. O rapaz aproximou-se, inclinando-se em uma breve reverência.
"Lorde El." Ele disse e Legolas sequer estranhou o tratamento. Provavelmente elfo algum, mesmo em Imladris, sabia com garantida certeza distinguir tão idênticos irmãos, o que fazia o tratamento bastante útil.
"Pode, por gentileza levar esse elfo para o centro de cura?" Elladan pediu educadamente. "Trate-o com cortesia, por favor, pois esse é um de nossos bons amigos." Ele completou, sorrindo para Legolas. O arqueiro enrubesceu com o tratamento, baixando a cabeça e acompanhando o jovem soldado, que apenas lhe fez uma reverência, indicando com a mão o caminho a seguir.
"Passamos lá mais tarde." Elrohir lembrou. "Pode ser?"
Legolas voltou o rosto mais uma vez, acenando levemente com a cabeça e oferecendo um sorriso tímido, depois continuou a acompanhar o guia.
Elladan e Elrohir finalmente se olharam.
"Elbereth. Como esse elfo me lembra alguém." Foi Elrohir o primeiro a dar voz ao incomodo que ambos sentiam. "Chego a gostar tanto dele que me dói aqui." Ele apoiou a mão no meio do peito.
"Também senti isso, mas só agora..." Elladan moveu a cabeça pensativo e Elrohir encarou-o curioso.
"Só agora..." Ele incentivou o irmão a continuar.
"Legolas." Elladan disse então e ele e o irmão estremeceram. "Em tudo ele me lembra o nosso esquilo. Não sei como não percebi antes... Deve ser porque é um silvestre que conviveu com os sindars demais... Não sei explicar."
Elrohir ergueu ambas as sobrancelhas e sorriu, lembrando-se involuntariamente do elfinho do palácio da caverna com um estalo agradável em seu peito. Sim, Ainion lembrava demais o pequeno príncipe louro. Como não havia se dado conta disso ainda?
"É verdade, Dan." Ele aceitou com bom grado a imagem que lhe veio a mente. "Acha que o principezinho dourado hoje se parece com Ainion?"
"Não sei." Elladan apoiou-se no ombro do irmão, observando o elegante andar do arqueiro, que parecia empenhado em fazer algumas perguntas ao elfo que o conduzia e observá-lo atentamente gesticular e oferecer as respostas. "Acho que não." Ele enfim concluiu um tanto desanimado. "Legolas é meio sindar e não é descendente de um sindar qualquer. Pelo que sei a raça forte normalmente predomina em suas características. Provavelmente o príncipe cresceu e adquiriu o físico privilegiado dos seus ancestrais. Ele sem dúvida deve ter o porte do rei. Deve ter se tornado um elfo alto e forte como Thranduil."
Elrohir franziu o rosto, desgostoso do que sua bela imagem subitamente se transformara.
"Pior é que o pequeno ficou apenas sob os cuidados do pai, deve ter se tornado um príncipe pomposo e intragável como o rei."
Elladan riu então, mas depois percebeu o quanto aquele pensamento o entristecia.
"Preferia descobrir o contrário." Elrohir sentiu o mesmo, mas tentou apegar-se a uma esperança que julgava vã.
"Preferia ao menos descobrir que ele não nos odeia." Elladan completou, deixando-se amargar aquela incômoda tristeza.
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Um dia inteiro havia se passado, a noite caiu coberta de estrelas, mas Legolas permaneceu na cabeceira de seu amigo, sem coragem de se afastar. Thavanian era o que restava de seu regimento, e, apesar de tudo, ainda lhe era um amigo querido.
Finalmente o guarda-costas ergueu as pálpebras confuso e procurou se levantar.
"Paz, mellon-nin." Legolas segurou-o.
"Leg..." O elfo quis dizer, mas o príncipe apoiou dois dedos sob seus lábios, olhando de soslaio para uma elfa que estava no quarto agora, somando uns ingredientes em uma pequena tigela.
"Fique calmo, capitão." Legolas encenou seu papel. "Estamos em Valfenda. Em um dos quartos de cura do senhor de Imladris."
Thavanian franziu a testa sem entender, só então as imagens do passado foram se alinhando em sua mente de forma mais coerente e ele deixou-se ficar no travesseiro. Era um pequeno quarto com algumas camas, mas cuja porta dava na verdade para a praça central. O guarda-costas respirou aliviado.
"Como se sente?" Legolas indagou, apoiando a mão na testa do amigo.
"Como se tivesse sido atingido por uma rocha que rola montanha abaixo."
Legolas franziu a testa.
"Já viu uma rocha rolar montanha abaixo?" Ele indagou inocentemente e Thavanian lhe sorriu. Era esse um dos motivos que sempre o fizera adorá-lo. Legolas tinha uma forma especial de transformar qualquer evento em uma experiência inesquecível.
"Não, mas faço idéia do estrago que deve fazer." Ele gargalhou então, segurando a região do ferimento e Legolas apertou os olhos de angústia.
"Ainda dói muito?" Ele indagou.
"Não, só quando eu respiro." Ele exagerou e a elfa que já se aproximava sorriu. Legolas afastou-se um pouco para dar espaço a curadora.
"Bem vindo a Imladris, Capitão Thavanian." A bela voz feminina saudou e Thavanian apoiou a mão por sobre o peito e lhe ofereceu um sorriso fraco e constrangido.
"Obrigado, minha senhora."
"Sou Idhrenniel." Ela se apresentou com um sorriso sereno que lhe atribuía muitos e muitos anos na Terra Média. "Sou uma das curadoras dessa casa. Espero que esteja se sentindo bem."
"Sim, Lady Idhrenniel." Ele respondeu prontamente. "Sou-lhe muito grato por seus cuidados e atenção."
"Não há o que agradecer. Apenas cumpro o papel que os Valar me atribuíram desde que piso esse chão. Ainda não compartilho todos os dons de cura de nosso anfitrião e protetor, mas acredito que possa ser de grande ajuda no seu caso, meu bom capitão."
Thavanian enrubesceu com o tratamento, sem saber o que responder e Idhrenniel sorriu-lhe novamente, pedindo licença e puxando as cobertas para verificando as bandagens.
"Devo agora lhe trocar os curativos, se me permitir." Ela disse com uma ternura quase materna e o jovem Thavanian assentiu, olhando para Legolas com o canto dos olhos. O arqueiro sorriu-lhe e fez um leve aceno de incentivo com a cabeça.
"Descansou, Ainion?" Ele lembrou-se de indagar. "Como se sente?"
"Sinto-me bem." Legolas apressou-se em responder.
"Ele não saiu do seu lado desde que chegou." Idhrenniel confidenciou. "Quem sabe agora, vendo-o desperto e bem, decida pousar a cabeça em um de nossos travesseiros." Ela completou, olhando carinhosamente para Legolas que também enrubesceu, fazendo o amigo rir.
"Dou à senhora um prêmio se conseguir convencê-lo a fazê-lo sem dopá-lo." Thavanian não conseguiu evitar a provocação e Legolas franziu-lhe austeras sobrancelhas.
"Ele é um soldado fiel a seu capitão e amigo." A curadora comentou ainda com um leve sorriso congelado em seu rosto, enquanto aplicava outros bálsamos e embalava novamente o ferimento do elfo. "Mas eu sei como fazê-lo descansar."
"Sabe? Pois me conte tão precioso segredo." Thavanian continuou seu tom provocativo.
A bela elfa suspirou, empurrando a longa e escura trança negra para trás das costas e envolvendo Legolas pelos ombros. O arqueiro estremeceu com o contato não esperado. Era uma elfa imponente, alguns poucos centímetros mais alta do que ele, longos e brilhantes cabelos cor da noite sem estrelas e um olhar de quem quase conhecera a origem de tudo. Ele sentia que a atenderia em tudo o que lhe sugerisse, mesmo que fosse algo que não desejasse de forma alguma fazer. Secretamente, porém, esperava que ela não o fizesse deitar-se em uma daquelas grandes camas repletas de travesseiros.
"O capitão permite que esse soldado descanse então?" Ela ainda indagou a Thavanian, enquanto obrigava gentilmente Legolas a se afastar. O guarda-costas apertou os lábios receoso, olhando agora para o incomodado e preocupado amigo, mas assentiu, algo o fazia confiar naquela curadora. A elfa então sorriu mais uma vez, mas não conduziu Legolas a nenhuma das camas, muito pelo contrário. Ela o levou até a porta que dava ao grande jardim central da cidade, colocando-o a sua frente e falando quase ao seu ouvido em um tom de voz que o fez lembrar do canto do mais belo dos pássaros.
"Vá e escolha uma delas para seu descanso." Ela disse, compartilhando a visão que o elfo agora tinha. As belas e imponentes árvores de Imladris. "Tenho certeza que qualquer uma delas se sentirá honrada em ter a companhia de um elfo silvestre, não temos nenhum dos seus por aqui."
Legolas soltou o queixo, hipnotizado por aquela imagem e aquelas idéias, ele deu um passo receoso à frente, descendo o primeiro degrau, mas depois se voltou preocupado para Thavanian. O que encontrou, entretanto, foi o sorriso encorajador do amigo, garantindo-lhe que estava tudo bem e que ele podia ir. O arqueiro sorriu em resposta, depois agradeceu a curadora e saiu, ansioso por vivenciar mais aquela nova experiência.
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A madrugada então se foi e a manhã surgiu radiante no céu azul e rosa de Valfenda. Thavanian reabriu os olhos e encontrou mais uma vez a sábia Idhrenniel tratando de seus ferimentos.
"Bom dia." Ela o saudou com um sorriso. "Como se sente nessa manhã, capitão?"
"Be... Bem... minha senhora." Ele respondeu surpreso e constrangido. Nem percebera quando dormira. "Onde está Ainion?"
"Ele não voltou. Deve ter encontrado um bom abrigo. Creia-me. Estava precisando. Não acredito que recuperaria sua energia aqui entre travesseiros. Isso é para nós Sindars e Nordors e não para um Silvícola como ele."
Thavanian sorriu então, concordando com um leve aceno de cabeça. Foi quando ouviu alguém bater a porta. Ele olhou para a elfa por alguns instantes, para só então perceber que ela esperava que ele desse a autorização.
"É seu cômodo capitão." Ela lembrou e ele sentiu-se tocado pela consideração.
"Entre, por favor." O elfo enfim pediu.
A porta então se abriu e duas figuras idênticas conhecidas suas entraram, acompanhadas de um elfo que Thavanian desconhecia.
"Olá, capitão." Saudou-lhe um dos irmãos.
"Olá, meu senhor." O guarda-costas retribuiu.
"Elladan." Informou-lhe o gêmeo.
"Olá, Elladan." Thavanian disse então. "Olá, Elrohir." Ele lembrou-se de saudar o outro gêmeo. Desde o desentendimento que tiveram eles não mais conversaram.
"Olá. Como tem passado, capitão?" Elrohir indagou cordialmente, embora em seu olhar ainda estivesse clara a mágoa que o gêmeo guardara.
"Bem, graças a Lady Idhrenniel." Ele disse.
"Ficamos felizes em saber." Elladan disse então, olhando rapidamente a sua volta. "Gostaríamos que conhecesse alguém." O gêmeo disse, colocando-se de lado para que a figura atrás dele pudesse ser vista e Thavanian se encontrou preso a enigmáticos olhos acinzentados. "Este é nosso pai, Lorde Elrond Peredhel."
Thavanian arregalou os olhos, colocando automaticamente a mão direita por sobre o peito.
"Lorde Elrond. É uma honra."
Elrond acenou ligeiramente com a cabeça, repetindo o gesto de saudação do soldado.
"Seja bem vindo a Valfenda, capitão." Ele disse, caminhando devagar em sua direção. "Como se sente?"
"Sinto-me bem, meu senhor." O guarda-costas respondeu hesitante, intimidado com a aproximação do lorde elfo. "A dor quase não me incomoda mais."
"Alegra-me sabê-lo." Elrond comentou, parando diante do leito. "Peço sua licença para ver seus ferimentos." Ele pediu e Thavanian concordou, embora não conseguisse evitar a desconfiança que sentia. Sabia muito bem que aquele elfo e seu rei não compartilhavam grandes laços de amizade.
Mas o que se deu em seguida foi algo que o simples Thavanian não podia imaginar. Elrond não lhe descobriu os ferimentos, sequer abriu-lhe a túnica. Tudo o que fez foi apoiar uma das mãos por sobre a região exata do corte e deixar-se ficar com um olhar distante. O guarda-costas estremeceu, mas depois cedeu completamente ao toque mágico do sábio elfo, sentindo a dor em seu peito apaziguar-se de forma inacreditável. A seu lado Idhrenniel olhava com admiração a atuação de seu mestre, que em instantes voltou a afastar-se do paciente e ofereceu um breve sorriso.
"Fez um bom trabalho, minha amiga Idhrenniel. Muito me honra tê-la entre nossos curadores." Ele disse e a elfa baixou os olhos, cobrindo o coração com sua mão delgada e branca. Depois o mestre se voltou novamente para Thavanian. "Meus filhos me contaram sobre o acontecimento triste que seu grupo viveu na floresta. Gostaria, apesar de saber que levantar o assunto é algo pesaroso, de oferecer minhas condolências e disponibilizar-lhe meus préstimos, capitão."
Thavanian intrigou-se de imediato. Que líder era aquele que descia de seu lugar para vir até ali saudar e oferecer pessoalmente ajuda a um reles soldado como ele? O guarda-costas apertou os lábios, lembrando das histórias que seu pai lhe contava e achando cada vez mais difícil de acreditar que aquele elfo pudesse ser de fato odiado pelo rei.
"Meu... meu rei precisa ser informado e..."
"Sim. Já providenciei. A carta está pronta, precisava apenas confirmar os nomes dos soldados que pereceram para passar a triste notícia ao Rei Thranduil."
Thavanian empalideceu e Elrond uniu as sobrancelhas, aproximando-se.
"Lamento, capitão." Ele disse, voltando a segurar-lhe uma das mãos. "Sei que é um assunto delicado, mas essa mensagem se faz urgente a meu ver. Haja vista que eram esperados provavelmente em algum lugar e o seu atraso por si só já deve estar gerando toda a espécie de temor."
O guarda-costas concordou com aquelas sábias palavras. No entanto, havia certos pormenores que não podiam ser resolvidos de forma assim tão efetiva.
"Peço que me perdoe, meu senhor. Mas... bem... eu... tenho informações... que preciso passar a meu rei... mas elas... bem... o problema é que elas..."
"São confidenciais." Elrond completou sem alterar seu tom de voz ou os traços serenos de seu rosto. "Eu compreendo. Peço que as redija com seu selo então, capitão e eu a verei entregue."
O guerreiro suspirou, como se houvessem tirado uma bigorna de cima de seu peito.
"Sou-lhe grato."
"Não por isso, meu jovem." Elrond pendeu levemente a cabeça em retribuição ao agradecimento. "Agora descanse. Ainda está aquém de suas forças, deve dormir o sono da recuperação para que logo esteja de pé."
"Sim, senhor."
"Onde está Ainion, Thavanian." Indagou finalmente Elladan, que desde que entrara olhava discretamente para as camas em busca do arqueiro.
O rosto de Thavanian perdeu a serenidade então e ele olhou com desconfiança para os dois irmãos.
"O que deseja com ele, Elladan?"
O gêmeo voltou-se para ele no mesmo instante e não pôde evitar que um ar de desagrado lhe alterasse os belos traços da face.
"Apenas busco saber como está. Sabe informar-me sobre o estado do outro elfo da Floresta, Lady Idhrenniel?"
"Sim, Elladan." A bela elfa sorriu-lhe um tanto intrigada. "O jovem Ainion está no jardim. Passou provavelmente à noite em uma de nossas árvores."
"O quê?" Elrohir julgou ter ouvido mal e Elrond ergueu as elegantes sobrancelhas.
"Ele é um silvestre, meninos." Idhrenniel não se conteve, rindo discretamente do idêntico ar de surpresa que sua informação despertou nos irmãos. "Sabe que os silvícolas têm uma preferência e amizade mais efetivas por nossas amigas do que nós temos."
"Ah..." Elrohir fechou então a boca que esquecera aberta. Olhando curiosamente pelo jardim. "Eu... eu não o vi em nenhuma das árvores..."
"Nem o verá." Elrond foi quem sorriu então. "A capacidade de camuflagem de um silvestre é uma excelente tática de guerra."
"De fato." Thavanian concordou, parecendo apreciar o ar totalmente perdido que via nos dois irmãos. "Elfo algum aqui conseguirá encontrá-lo se ele não quiser. Nem mesmo eu."
Elrohir franziu o cenho, totalmente descontente com o tom de ironia que sentia temperar a voz do capitão da Floresta. Ele aproximou-se da porta e passou a vasculhar árvore a árvore com os olhos.
"Nem o senhor consegue vê-lo, adar-nin?" Indagou indignado a seu pai, após alguns instantes de tentativas frustradas e Elrond riu.
"Creio que o nobre capitão está com a verdade a lhe favorecer, ionath-nin." Informou o lorde elfo com um pequeno sorriso e recebeu o olhar ainda mais surpreso do filhos. "Mas..." Ele forçou o tom da conjunção, aproximando-se da porta e olhando também em direção ao jardim. "Ele não quer se esconder, quer?"
Os filhos cruzaram o olhar com o do pai, depois sorriram e desceram as escadas chamando pelo rapaz sem qualquer despedida. Elrond ainda voltou-se para o visitante do quarto e lhe sorriu, acenando-lhe cordialmente e seguindo os filhos. Thavanian engoliu em seco aquela atitude. Ele não confiava naquele lorde elfo, decididamente não confiava, tudo o que esperava era que Legolas continuasse a representar com precisão a farsa que lhe era devida.
"Não nos ouve ou não está aqui." Aproximou-se frustrado o gêmeo mais novo. "Não o encontramos, ada."
Elrond voltou a girar os olhos pelo jardim.
"Tentaram todas as árvores."
"Sim." Elladan aproximou-se também. "Sinto-me preocupado com ele, ada. Estava cansado e mal se recuperara do ataque que sofrera. Pode estar dormindo profundamente."
"Se está, assim deve sê-lo, ion-nin." Elrond informou,apoiando a mão no ombro do primogênito.
"Mas precisa alimentar-se."
"As árvores lhe cedem o que precisa no momento, criança, confie na natureza. Ela é sábia." Elrond completou, voltando a olhar a sua volta. O estranho e intenso interesse dos filhos no rapaz e o desagrado com que Glorfindel falara dele, no entanto, o estavam incomodando, ele queria conhecer tão intrigante figura. "Tentaram mesmo todas as árvores?"
"Sim." Respondeu um frustrado Elrohir, que ainda olhava para todos os lados daquele jardim. "Menos o Eucalipto, mas ninguém se aproxima dele."
Elrond uniu as sobrancelhas então e os gêmeos empalideceram.
"Ele não pode ter subido no grande eucalipto, pode ada?" O gêmeo mais novo converteu em palavras a dúvida de todos. "A sábia árvore não transmite bons fluidos a ninguém que se aproxime além do senhor, não é fato? Já tentamos, todos já tentaram. Ela é o centro de força de Imladris e..."
Mas ele não pôde terminar, seus olhos já acompanhavam descrentes a figura do irmão mais velho, que caminhava a passos largos até a árvore, colocando-se a uma distância razoável e chamando pelo elfo louro.
"Ainion!"
Para a surpresa de todos, um corpo esguio, vestido com as brancas roupas dos cômodos da cura escorregou graciosamente pelo largo tronco do eucalipto e tocou o chão com a leveza de um pássaro que retorna do céu.
"Não acredito..." Elrohir também se aproximou, perplexo e Elrond empalideceu olhando fixamente para a figura que via. Era um constrangido e franzino elfo, que enrubesceu terrivelmente ao ver que quase todos que passavam pela praça pararam e agora o olhavam com admiração. Ele baixou o rosto e os longos e lisos cabelos soltos o cobriram enquanto caminhava apressado em direção aos dois irmãos.
"Lady Idhrenniel disse que podia subir em uma das árvores..." Desatou o rapaz sua torrente de explicações assim que estava próximo dos gêmeos. "Eu pedi permissão à grande árvore e me foi concedida... Eu pedi... Fiz algo errado? Infringi alguma regra?."
"Falou com o grande Eucalipto?" Elrohir indagou incrédulo e Legolas voltou-se discretamente para a árvore. Era um eucalipto? Ah sim... Um eucalipto muito diferente. Grande além da conta e antigo além de todos os tempos. Nunca havia visto um assim.
"Eu... fiz algo de errado?" Ele repetiu a questão, voltando-se novamente para os irmãos, mas sentindo-se pior do que quando descobrira que andara nu pela floresta. Aqueles elfos todos ainda iam ficar muito tempo ali parados olhando para ele?
"Nada fez de errado, meu jovem." Surgiu uma voz atrás dos dois e Legolas ergueu o rosto para ver o dono dela. Um par de intrigadas sobrancelhas se curvavam diante dele, pertencentes a um dos mais elegantes e nobres elfos que ele já se lembrava de ter visto. O lorde moreno então olhou a sua volta e, como que despertados de um feitiço, os boquiabertos elfos continuaram seus caminhos.
Legolas suspirou aliviado.
"Sou Elrond." A ilustre figura se apresentou, apoiando a mão no peito. "Seja bem vindo a Valfenda."
Legolas sentiu seu queixo cair, depois enrubesceu terrivelmente. Aquele era Elrond Peredhel, o senhor de Imladris, um dos grandes e sábios elfos, um dos líderes de antigamente. E ele, ele estava ali, tolamente em pé, de pijamas e cabelos soltos diante de tão grandiosa figura?
"Ilúvatar." Escapou-lhe o ardente clamor, e ele colocou-se imediatamente em seus joelhos, baixando a cabeça. "Lorde Elrond, eu... peço... peço que me perdoe meus modos..."
Elrond sentiu-se atordoado como poucas vezes se sentira em sua vida. Ele olhou novamente para o grande eucalipto, depois para o jovem elfo que se prostrava agora. E fatos totalmente diversos pareceram se encaixar estranhamente, como um bizarro quebra-cabeças. Em seu coração algo lhe clamava por atenção, um espaço muito bem guardado parecia estar querendo se iluminar mesmo contra sua vontade. Uma porta atrás da qual só estavam algumas pessoas muito especiais.
"Erga-se, soldado." Ele apoiou uma mão no ombro do guerreiro e incomodou-se ao vê-lo estremecer. "Vamos, está tudo bem."
Legolas obedeceu receoso, escondendo ainda o rosto por sobre o mar dourado de cabelos, o queixo quase colado ao peito. Elrond moveu os lábios em um pequeno sorriso que lhe fez até um estranho bem e por fim segurou o queixo do jovem elfo, erguendo-lhe suavemente o rosto para que pudesse vê-lo. Porém, quando o par azul de olhos lhe focou ele chegou a arrepender-se do que fizera. Elbereth, ele já havia visto aquele rosto mais de uma vez, ele pertencia a uma de suas mais confusas e incômodas visões, fragmentos desconexos de informações que o perseguiam há anos, nas quais, vez por outra aquele par de olhos muito azuis surgiam, adornando exatamente aquele exato rosto.
"Peço... peço que me perdoe, meu senhor." Legolas não se conteve, não conseguindo segurar o olhar que aquele poderoso elfo lhe direcionava. Ele voltou a baixar a cabeça e afastou-se ligeiramente do grande curador. "Estou... estou em trajes de sono ainda... sequer trancei meus cabelos..." Ele completou, escondendo-se inconscientemente atrás de Elrohir, como fazia quando era pequeno. Um instinto que lhe despertara tão forte que até o gêmeo mais novo sentiu o estranho calafrio das recordações.
Elrond respirou fundo então, pressionando todas aquelas emoções de volta ao lugar de onde vieram e buscando trancar a teimosa porta. Ele sorriu com cordialidade mesmo assim. Esquecer os tormentos não significava deixar de tentar encontrar as respostas.
"Meus filhos me disseram que é a primeira vez que visita nossas terras." Ele disse com amabilidade e Legolas voltou a enrubescer ao ver-se diante do elfo mais uma vez. Elrohir virara-se para ele, negando-se, sem perceber, a deixar que seu corpo servisse de esconderijo para o amigo louro.
"Eu... Sim... Sim, senhor." Legolas respondeu, afastando-se um passo para o lado e voltando a ficar fora do alcance do lorde elfo, dessa vez servindo-se do vulto de Elladan. O gêmeo mais velho sorriu, voltando-se também e enlaçando-lhe os ombros.
"Então dormiu no jardim?" Ele indagou sorridente. "Como se sente nessa manhã, mellon-nin?"
Legolas mordeu os lábios. Agora estava preso, não podia simplesmente desfazer-se do abraço de Elladan sem parecer deveras descortês. Pelos Valar ele daria tudo por um grande buraco no qual pudesse se esconder.
"Estou... estou bem... obrigado, meu senhor."
"Elladan." O gêmeo corrigiu-o, apertando ligeiramente o abraço que oferecia e Legolas retribuiu com um sorriso tímido.
"Elladan." Ele repetiu, olhando discretamente a sua volta. "Agora... preciso... preciso ir..." Ele afastou-se rapidamente. "Thavanian... meu... meu capitão... Ele já deve ter despertado e..."
"Ele está bem." Elrohir assegurou. "Acabamos de vir de lá."
"Sim... mas... mas vai... vai precisar de mim..."
Elladan segurou-lhe então um braço e olhou-o profundamente nos olhos quando Legolas voltou-se para ele.
"Precisa descansar, Ainion." Ele disse com seriedade agora e Elrond aproximou-se, olhando o rapaz também com olhos clínicos. "Não parece ter dormido de fato. Não conseguiu descansar nem mesmo na mais poderosa de nossas árvores?"
Legolas empalideceu novamente, voltando a olhar para o grande eucalipto. A última coisa que fizera fora dormir naquele centro de poder. Não imaginava onde estava quando pedira à grande árvore permissão para subi-la, mas agora, depois de tudo, entendia muito do que lhe era mistério.
"Estou... estou bem Elladan."
"Dormiu ou não dormiu?" Insistiu o elfo, que estranhou ao ver o olhar enigmático que o elfo louro lançou ao nobre Eucalipto. Um frio intenso lhe correu novamente a espinha, como aquele que sentira na noite do enterro, ele buscou imediatamente o olhar do pai e sentiu que Elrond também parecia intrigado.
"Tenho dificuldades para descansar quando estou muito tempo fora de minha terra." Legolas respondeu então e seu tom foi mais sincero do que nunca. "Mas me sinto melhor."
"Posso lhe dar algo para que durma. Lady Idhrenniel devia ter feito isso."
"Ela me foi de grande ajuda, permitindo que eu dormisse no jardim ao invés de naquelas grandes camas."
"O que tem contra camas, elfinho?" Elrohir brincou e Legolas apertou os lábios ao ouvir o antigo tratamento sair tão inconscientemente da boca do gêmeo, de forma que este sequer percebeu. "Depois de uma temporada terrível como a que tivemos é uma benção dormir em um colchão macio."
"Veja quem fala." Elladan torceu o nariz para o irmão e Elrohir lançou-lhe um olhar insatisfeito.
"Vou dormir melhor hoje." Ele respondeu a insinuação. "Estava tratando de alguns assuntos importantes."
"Podia deixar os relatórios de guerra para o dia seguinte ao menos."
"Quero me ver livre dessas responsabilidades. Assim Glorfindel me esquece um pouco." Ele brincou e os irmãos riram. Legolas olhou-os sem compreender e Elladan voltou-se para ele uma vez mais. Em seu rosto, porém, não parecia haver nenhuma disposição em explicar a conversa intrincada que tinha com seu gêmeo.
"Então, Ainion. Essa noite eu vou aparecer no seu cômodo e quero vê-lo dormindo."
Legolas baixou o rosto, disfarçando a insatisfação. Estava feliz por estar em Imladris, mas cada momento perto dos gêmeos era um grande risco. Ele julgava que eles o fossem esquecer assim que chegassem em casa, mas esse momento parecia estar demorando para chegar. O que, incomodamente, o estava agradando muito e ele se condenava deveras por isso.
"Sim, senhor. Mas Lady Idhrenniel..."
"Elladan." O gêmeo corrigiu-o."
"Sim, Elladan." Legolas enrubesceu novamente. "Lady Idhrenniel disse que posso... Então não poderei mais... digo..."
"Pode ocupar a árvore que quiser, meu jovem." Elrond aproximou-se um passo a mais e Legolas tentou ao máximo evitar o instinto que teve de fazer exatamente o contrário, mas não pode. Elrond uniu novamente as sobrancelhas, repetindo mais uma vez o movimento e apoiando uma mão no ombro do arqueiro antes que este pudesse repetir o dele. "Nada de mal lhe acontecerá aqui, criança. Pode dormir em paz onde desejar. Eu lhe dou minha garantia."
"Não acredite, Ainion." Elrohir brincou. "Pode chover em sua cabeça e..."
Elrond voltou-se para lançar um olhar reprovador para o filho. Elrohir sabia que não devia mencionar certos assuntos, mas não pôde fazê-lo, pois o jovem Ainion adiantara-se em uma reação muito intrigante.
"Chove com freqüência aqui, Elrohir?" Ele indagou com entusiasmo, olhando o gêmeo nos olhos.
Elrohir ergueu as sobrancelhas.
"Chove. Com mais freqüência do que gostaríamos." Ele brincou, olhando o pai provocativamente com o canto dos olhos. Elrond, porém não pareceu abalar-se, ele acompanhava atento o diálogo que ocorria.
"E você acha que choverá? Eu digo. Acha que choverá por esses dias? Enquanto estou aqui?"
"Sabe-se lá." Elrohir deu de ombros, mas depois sorriu com malícia. "Por que Ainion. Tem medo de chuva?"
"Não." O arqueiro voltou seus olhos para o céu e eles estavam de um azul idêntico. "Eu nunca vi chover." Disse quase sem pensar, observando os cantos do límpido céu em busca de uma nuvem qualquer, mas entristecendo-se ao ver que não havia nenhuma.
Os gêmeos e o pai se entreolharam, encantados com a descoberta e Elrohir segurou ao máximo o desejo que teve de implorar ao curador que fizesse o céu derramar suas lágrimas naquele exato instante. Ele daria tudo para ver o ar que o jovem Ainion faria.
"Gostaria de ver a chuva então?" Elladan adiantou-se, parecendo compartilhar o desejo do irmão e Legolas voltou-se para eles dois com olhos de expectativas indisfarçáveis.
"Nem consigo conceber tamanha sorte." Legolas sorriu-lhes inocentemente e ele simplesmente deixou de ser aquele guerreiro que os gêmeos conheciam, seus olhos agora eram exatos olhos de uma criança diante de uma experiência nova. Mas aquela sensação durou apenas poucos instantes, pois uma sombra voltou a tomar o rosto do arqueiro, que olhou para a casa onde estava Thavanian e suspirou. "Preciso ir. Peço que me perdoem. Com sua licença, meus senhores."
"Nós o acompanhamos até lá." Elrond estranhamente ofereceu. "Preciso ainda acertar algumas questões com seu capitão."
"Questões, meu senhor?" Legolas intrigou-se e Elrond passou a caminhar a seu lado.
"Sim. Seu capitão disse que redigiria uma mensagem a seu rei. Quero saber quando pretende enviá-la."
Legolas voltou a empalidecer. O que Thavanian iria dizer? Ele intrigou-se, lembrando-se então de todo o pesadelo que vivera e passando a temer incrivelmente a recepção que teria do pai depois de todos os acontecimentos. Ele respirou fundo então, baixando o rosto e esfregando-o com ambas as mãos. A mão forte de Elrond tomou seu ombro mais uma vez.
"Seu rei entenderá o que houve." Ele disse e Legolas olhou-o surpreso. Elrond sentiu mais uma vez o incômodo que tivera ao ter aqueles olhos azuis, mesmo assustados como pareciam, fixos nele. "Também enfrentamos dias difíceis." Ele continuou, abandonando suas dúvidas. "Pretendo mandar uma carta minha a seu rei. Há muito não trocamos informações." Completou, quando entravam no quarto de Thavanian e eram recebidos pelo olhar nada satisfeito do elfo louro no leito.
"Por onde andou, Ainion?" O guarda-costas indagou rispidamente e Legolas moveu-se para perto da cama.
"Estava dormindo, capitão. Perdoe-me. Não vi que já amanhecera."
Thavanian olhou-o aborrecido, encenando um papel de líder insatisfeito que a Legolas não agradava, mas que o arqueiro acompanhava, pois sabia que era a forma certa de agir. Elrond olhava a ambos agora, porém seu semblante não refletia emoção alguma.
"Capitão Thavanian." Ele disse.
"Sim, Lorde Elrond."
"Preciso que me faça uma gentileza, se fosse possível?"
"Creio que nada posso negar-lhe, meu senhor. Tem sido um anfitrião caridoso e seus elfos nos ajudaram tremendamente na Floresta."
Elrond curvou ligeiramente o tronco em agradecimento.
"Farei uma reunião geral hoje à tarde, estarão presentes meus elfos de confiança. Pretendemos tratar de alguns planos importantes."
"Parece que, depois dos acontecimentos que vivemos na mata," Thavanian lembrou pesaroso. "se faz necessária mais coesão e entendimento."
"Alegro-me em ver que concorda. Permitiria então que seu soldado participasse, já que o capitão está convalescente? Ele nos será muito útil, informando-nos a quantas anda a segurança nos atalhos da Floresta Escura."
"Ainion pouco sabe sobre o que se passa por lá." Thavanian retrucou rapidamente, sem sequer olhar para Legolas. O príncipe ficou imóvel, sem saber ao certo como agir.
"Bem." Elrond não se alterou. "Pelo menos pode nos passar um pouco do que sabe."
"São informações confidenciais, Lorde Elrond. Tenho certeza que compreende."
"Creio que me interpretou mal, capitão. Não busco saber sobre as posições estratégicas de seu rei. Apenas sobre questões referentes ao inimigo. Precisamos saber onde se encontram os principais focos, pedir opiniões sobre trajetos e..."
"Por quê? Sequer caminham pela floresta escura." Impacientou-se o guarda-costas e os gêmeos se entreolharam insatisfeitos.
"Temos precisado nos estender até lá certas vezes. E prevejo que essa freqüência se intensificará."
"Não posso permitir. Peço que me perdoe, Lorde Elrond. Ainion ainda não tem maturidade para um tipo de reunião como essa."
"Pelo que sei têm pouca diferença de idade." Elrohir colocou seu protesto. "Ele é suficientemente maduro e confiável para lhe servir como soldado, mas não como um ouvinte em um simples encontro?"
"Coloca as coisas de forma complicada, meu senhor." Thavanian disse contrariado, sem estar bem certo sobre com qual dos gêmeos tratava, mas julgando ter uma idéia bem considerável. "Chega a ofender-me."
"Não é minha intenção. Busco apenas compreensão."
"Talvez não esteja a seu alcance."
Elrohir apertou os lábios então e o clima ficou subitamente pesado demais.
"Creio que..." Legolas inseriu sua voz suavemente e os olhos de todos se voltaram para ele. "se eu... fizer-lhe uma promessa... de dizer apenas o que me for autorizado... o senhor poderia, me liberar para tal encargo... capitão... Nosso anfitrião fez tanto por nós e..."
"Ainion." Thavanian quis protestar, mas Legolas apertou os lábios e seus olhos brilharam, passando ao guarda-costas a mensagem que ele queria com todas as letras possíveis. E a mensagem não era muito encorajadora.
"Entendo suas preocupações." O arqueiro continuou. "Prometo comportar-me bem, capitão. Tenho certeza de que não me será questionado algo que não esteja autorizado a responder."
"É fato." Elrond assegurou.
Thavanian ainda hesitou por um momento. Depois balançou insatisfeito a cabeça. Elrohir ergueu o queixo em um ar vitorioso que aborreceu ainda mais ao guarda-costas.
"Que assim seja. Agradeço a colaboração." Elrond disse sem esperar mais nenhum comentário. Depois se despediu com uma ligeira reverência e deu as costas, passando entre os filhos. Ao chegar à porta, porém, voltou-se por um momento e olhou para Legolas. "Pedirei que lhe sejam entregues roupas para o encontro, se não se importa."
Legolas apoiou instintivamente a mão por sobre a túnica branca que usava e enrubesceu novamente. Havia se esquecido do que vestia. Elfo estúpido ele se sentia, será que Lorde Elrond julgava que ele tivesse coragem de ir ao tal encontro com roupas de dormir?
"Sou-lhe grato." Ele apenas respondeu e os três elfos de Valfenda se despediram e saíram em silêncio.
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Era um fim de tarde agora e Legolas trançava os cabelos diante do espelho do quarto onde ele e Thavanian estavam. O guarda-costas mantinha olhos indiscutivelmente insatisfeitos no arqueiro louro.
"O que foi?" Legolas indagou, depois de terminar seu trabalho. "Já lhe disse que não precisa se preocupar. Eu nada direi sobre nossas patrulhas. Nada revelarei sobre assunto algum."
"Não é isso que me incomoda." Disse o outro ainda insatisfeito.
"E o que é então?"
Thavanian deixou seu olhar descer pelo corpo do príncipe e Legolas franziu as sobrancelhas, baixando também os olhos para as roupas que trajava.
"O que há? Esqueci algum laço?" Ele voltou-se novamente para o espelho em busca de algum problema. Sempre fora um desajeitado para se vestir, ouvia incríveis repreendas do pai, mas simplesmente não conseguia se emendar.
"Está tudo em ordem." Garantiu-lhe o elfo e Legolas franziu os lábios aborrecido.
"O que há então?" Ele indagou, voltando-se novamente para o amigo no leito.
"Viu as roupas que lhe deram?" Indagou o outro como resposta, erguendo a mão para enfatizar o que lhe mostrava.
Legolas voltou a baixar os olhos. Sim. Eram belas roupas. Túnica e calças de um discreto cinza-azulado e um belo robe azul celeste com ornamentos em prata e largas mangas.
"Detesto usar robes." Ele brincou, disfarçando o embaraço de estar em roupas tão finas. "Vou ter que me policiar ao máximo para não pisar nele até chegar à casa grande."
Mas Thavanian não riu. Ele apenas soltou um suspiro forçado.
"Está muito elegante." Ele garantiu em um tom quase irônico. Nunca havia visto o príncipe usar azul e não podia negar que a cor lhe caia muito bem.
"O que esperava?" Legolas defendeu-se. "Que lorde Elrond me mandasse uniformes da estrebaria para essa reunião? Já notou como ele e os filhos se vestem aqui em Valfenda? Acho que seria ofensivo até para seus olhos se eu aparecesse ali com minhas roupas de patrulha, mesmo se ainda tivesse alguma comigo."
Thavanian estalou os lábios.
"Duvido que estas roupas façam em outros elfos o mesmo papel que fazem em você."
"O que quer dizer?"
"Quero dizer que..."
Ele ia terminar sua explanação, mas foi interrompido por um discreto bater na porta. Autorizou a entrada de quem quer que fosse tentando disfarçar sua irritação e por trás da porta surgiu o rosto sereno de Idhrenniel.
"Boa tarde, capitão." Ela o saudou, mas quando se voltou para Legolas não pode disfarçar a surpresa de seu olhar. "Ainion." Ela apenas disse. "Pelos Valar, meu bom soldado. Parece um príncipe nessas vestes."
Legolas empalideceu completamente e Thavanian torceu os lábios e franziu as sobrancelhas, lançando ao amigo um olhar que parecia lhe assegurar a resposta do que o estava incomodando.
"Eu... agradeço... minha senhora." Balbuciou em resposta o constrangido e preocupado arqueiro louro. "Lorde Elrond pediu minha presença no encontro dessa tarde."
"Ah, sim." A elfa pareceu encontrar uma justificativa plausível então, mas continuou olhando com admiração para o rapaz, como se estivesse de fato diante de uma bela obra da natureza. "Sei que o estou constrangendo, criança, mas não posso deixar de me admirar." Ela riu então, sacudindo a cabeça. "Na verdade, não deveria. Sempre que temos uma celebração é Lorde Elrond quem escolhe as roupas dos filhos e até de Lorde Erestor e Lorde Glorfindel quando eles assim o desejam. E sempre nos admiramos com seu bom gosto. Ele tem um dom nato de ressaltar a beleza das pessoas com as cores certas. Não há verdade que se esconda quando nosso anfitrião decide vestir alguém ao seu agrado."
Legolas apertou os lábios, movendo os olhos discretamente para o amigo no leito. Ele enfim suspirou, sentindo-se de fato em uma estranha armadilha.
"É uma roupa muito fina para um simples encontro." Thavanian não conseguiu guardar sua desconfiança.
"Sim. É muito bela." Idhrenniel concordou. "Mas todos se vestem formalmente nesses encontros." Ela esclareceu, erguendo as cobertas de Thavanian para verificar suas bandagens. "Acredito que nossos lordes gostam de ter alguma satisfação quando estão em reuniões tão sérias. É de praxe." Ela olhou então para Legolas e sorriu-lhe, vendo que o rapaz parecia preocupado. "Aquiete seu coração, soldado." Ela aconselhou. "Todos vão estar vestidos como você. Embora deva dizer-lhe que estará ofuscando até mesmo a majestosa beleza de nosso Lorde Glorfindel hoje."
Legolas enfim enrubesceu e a elfa soltou um risinho suave e agradável, sacudindo a cabeça e continuando o que fazia.
"Ele não enrubesceria." Ela brincou. "Bem se vê que você não é habituado a receber elogios."
Thavanian sorriu também com o comentário. Era fato aquilo. Embora todos os olhos do reino da Floresta Escura se voltassem sempre admirados quando seu belo e imponente rei surgia na sacada ou na escada principal ou simplesmente caminhava por entre os corredores escuros da caverna, ninguém ousava tecer um comentário. Thranduil, embora fosse um elfo muito elegante e de uma beleza indescritível, definitivamente não encorajava nem um tipo de bajulação, nem para com ele, nem para com o filho, muito pelo contrário.
Legolas procurou recuperar a compostura e achou por bem deixar de vez aquele lugar, antes que fosse impossível fazê-lo.
"Provavelmente estou atrasado." Ele comentou, olhando a sua volta. "Já estamos próximos do entardecer."
"Sim." A elfa garantiu-lhe. "A sineta do chá da tarde já tocou. Costuma ser a hora dos encontros de nosso anfitrião. Sabe o caminho?"
"Creio que sim."
"Estarão provavelmente na sala de estudos. A biblioteca. Lorde Elrond gosta de se reunir ali quando não tem muitos convidados. Chegando a porta principal peça que o guarda lhe mostre onde é. Ele provavelmente irá anunciar sua chegada."
Legolas respirou fundo, sentindo seus joelhos tremerem involuntariamente. Estava começando a se arrepender por ter concordado em participar daquele encontro, embora julgasse que fosse conseguir valorosas informações de guerra para o pai ali, começava a achar que o preço estava sendo um pouco alto.
