Capítulo 3 – A Hora da Decisão
Estava caído sobre os estilhaços da janela, que, embora não me ferissem, passavam-me uma angustiante sensação de que aquele era simplesmente o meu fim. Por algum motivo, ver o meu veículo amassado na parede e jorrando faíscas me fazia sentir certo pesar. No entanto, eu não podia me preocupar com isso, já que o alarme soava com força total, me cobrindo com uma irritante luz vermelha e destruindo-me a audição com a mais aguda das sirenes. Levantei rapidamente, embora ainda um pouco atordoado, e corri o mais rápido possível para a próxima área, que dava espaço a uma longa escadaria circular. Dominado pela pressa, comecei a correr pelos degraus, imaginando que a partir daí as coisas ficariam cada vez mais fáceis.
Por fim, chutei uma fina porta de metal e fui recebido por mais um longo corredor, repleto de portas eletrônicas com códigos entalhados em seu rígido e espesso metal. Antes que eu sequer pudesse pensar em onde estava ou por onde seguir, os sons de passos despertaram meus mais profundos suores, eu simplesmente não tinha idéia de que tipo de reploid poderia surgir ali, talvez minha missão estivesse acabada. Em um momento decisivo, cerrei os punhos com força e avancei com toda minha velocidade, chegando a ver borrões, para pegar quem quer que seja antes que pudesse ter qualquer reação. Era um guarda comum, com uma pistola em punhos e fazendo sua vigia diária, porém algo me perturbou: Nos milésimos de segundo em que observei sua face, pude ver, em seu olhar, que não se tratava de alguém que carregasse um mal de espírito, ele estava tranqüilo, inocente. Derrubá-lo me despertou um pouco de culpa, mas não tive outra escolha. Assim que imobilizei seu corpo, obtive, em um breve interrogatório, a localização de onde reside a máquina do tempo que tanto procurava. Eu teria que subir mais três andares e pelas escadas isso seria suicídio, pois a cada segundo a segurança aumentava seu nível. Em alguns minutos de procura, a entrada para o elevador estava na minha frente, bem iluminada e chamando-me com um temível sorriso imaginário, bom demais para ser verdade. Desferi meus próximos passo com extrema cautela, sabia que o prédio deveria estar repleto de seguranças. Para minha surpresa, e profunda desconfiança, o corredor estava realmente ausente de ameaças e eu pude prosseguir sem dificuldades.
O elevador subia devagar, muito devagar, a expectativa me despertou tremedeiras intensas. Enquanto esperava, minha imagem refletida no polido metal proporcionou certa calma e distração para a impaciência, apesar de mostrar meu profundo estado de fraqueza: Um mero garoto assustado, frágil, inseguro e sem qualquer confiança, dependendo de ajuda de outro mundo para mudar o seu próprio. Neste ponto eu não mais pensava em como completar minha missão, mas sim se seria capaz de fazê-lo. Já no andar onde estava a máquina que me levaria ao passado, andei mais calmamente pelo corredor, depreciando seu frio. Não, o prédio em si estava bem aquecido, o que me fazia tremer eram minhas próprias dúvidas e pensamentos negativos. Chegando lá, encarei a porta por vários minutos, pensando se realmente valia a pena fazer aquilo. Não é um extremo sinal de fraqueza depender de outro mundo para resolver nossos próprios problemas? Não. Naquele momento eu já não me via mais como fraco: Se temos um poder, por que não usá-lo para o bem de todos? Para ter subido todo o prédio mesmo com todas as dúvidas e incertezas que me dominavam, para fazer alguma diferença, fraco eu não poderia ser. Afastei-me, ativando e mirando o Alpha Buster, e ataquei a porta metálica, que foi arremessada violentamente para dentro da sala.
Dois passos e já pude ver o objeto que tanto procurava: Uma espécie de Ride Chaser sem propulsores, envolvida por uma maciça proteção de vidro e possuindo um pequeno painel, repleto de pequenas teclas. Aproximei-me lentamente da máquina e, com certo receio, ia pousando a mão sobre sua proteção. Com o simples toque, a redoma se desdobrou durante um suave ruído, dando acesso ao tão cobiçado painel. Sentei-me, encarei o dispositivo e comecei a operar a máquina, torcendo com todas as forças para que tudo desse certo. Quando tudo estava configurado para voltar ao ano de 21xx, um aviso holográfico novamente despertou meu nervosismo: Teria que esperar dois minutos para que a máquina fizesse a recarga e se preparasse para a partida. Durante a espera, por pouco tempo tive a solidão como companheira: Em segundos, uma voz triturou o silêncio que me abraçava. Uma armadilha, exatamente como eu estava esperando.
"Alpha. Aonde pensa que vai?"
Era o reploid de armadura azul que encontrei nas minas. Segurando seu bastão metálico por trás do braço, ele caminhava em minha direção com a mais perturbadora das calmas, de início achei que isso era porque ele não me considerava uma ameaça, o que me deixou bem irritado. Mas tratava-se um Omni, de maneira alguma poderia deixá-lo ganhar aproximação: imediatamente puxei o canhão presente em meu braço e apontei. Firmando os pés, o Alpha Buster rugiu arremessando a mais poderosa chuva de tiros que meu pobre corpo podia oferecer. É claro que não seria o suficiente: O inimigo apenas girou seu bastão contra meus disparos, dissipando sua energia com assustadora facilidade. Ele caminhou mais, atravessando os fragmentos energéticos presentes no ar, e parou, fitando-me bem nos olhos. Foi por apenas um instante, mas o vento adentrando pela janela parecia imortalizar o momento, que foi o suficiente para que eu pudesse conhecer muito sobre a enigmática pessoa à minha frente: Ele não estava apenas calmo, mas aliviado, de algum modo passou a querer que a situação de nosso mundo mudasse para algo mais justo. Seu senso de justiça era incrível, embora oculto, e me motivou mais do que qualquer um possa imaginar. Ele deu-me as costas e partiu para a saída, parando próximo à porta e desferindo palavras que até agora me fazem pensar.
"Eu quero ver as mudanças."
Dado o recado, sumiu de minha vista sem que eu novamente pudesse ver sua face. Naquele momento a máquina do tempo desferiu um som agudo, sinal de que eu já poderia iniciar a viagem. Ao subir em seu banco, novamente encarei o painel, hesitando sem saber ao certo o motivo. Fechando os olhos para concentrar alguma calma, pousei o dedo indicador sobre um dos botões e finalmente o pressionei. O vidro de proteção novamente se fechou, bem mais rápido desta vez, e um clarão assustador se abriu ao meu redor. Quando me dei conta do que estava acontecendo, já me encontrava em um túnel multicolorido, percorrendo em velocidade tão intensa que parecia mais veloz que a própria luz. Eu não via nada mais do que isso, mas sentia: a cada segundo, imagens de lembranças e eventos do passado iam se estendendo em minha mente. Era como dizem que acontece quando morremos, a lembrança de toda nossa vida passando diante nossos olhos, só que em uma linha retrógrada. Às vezes eu ficava imaginando o que aconteceria se não houvesse o vidro de proteção e eu me jogasse dentro do infinito túnel, mas a agonia dessa incerteza me fazia deixar de pensar no assunto.
Ao fim de um segundo clarão, eu apareci em meu destino, o ano 21xx. Quando os olhos cerrados pela luz voltaram a se abrir, quase deixaram cair lágrimas: Estavam visualizando um mundo completamente diferente, muito mais justo e bonito do que aquele que eu havia deixado vinte minutos atrás. Os enormes prédios estavam intactos, perfeitamente belos quando iluminados por aquele luar puro e prateado; a voz vívida dos habitantes, reploids e humanos, conversando e colocando ao ar suas idéias me alegravam as esperanças. É aqui que se encerram as gravações, mas também onde se inicia a verdadeira jornada. Não vou mais relatar o que acontece, algo me diz que o que minhas decisões me trarão será tão incrível que não pode ser descrito pela minha alma empolgada. Espero que todos estejam torcendo por mim, porque será está energia que eu usarei para desferir meu primeiro passo. Obrigado.
