Duat

Autor (a): Phoenix

Obrigada à Cris, Kakau, Fabi, Maga, Rafinha, Rosa, TowandaBR, Nessa e Aline pelos reviews!

CAPÍTULO 14

No mundo mortal, não houve um dia em que Ardeth não voltasse àquelas areias em busca de alguma pista do que poderia ter acontecido com os aventureiros, mas nada recebia como resposta. Ele vagava por horas a fio até não ter mais energia e assim voltava para sua tribo com o mesmo semblante abatido. Em seu íntimo sentia uma culpa, que na verdade não era dele, mas que assumia dolorosamente: achava que não havia lutado o suficiente para protegê-los, afinal ele conhecia bem as armadilhas do deserto e, que chance aqueles estrangeiros teriam?

Por outro lado, os aventureiros estavam prestes a enfrentar a prova mais decisiva de suas vidas e mantinham dentro de si uma fé inabalável de que desta vez nada sairia errado. Isso pode soar estranho, já que estavam literalmente mergulhando no escuro, mas tal certeza é própria da fé, e como ela, não pode ser explicada.

Como eu havia dito, lá se foram os cinco entrando no escuro corredor que se apresentava a frente; vocês devem estar achando este acontecimento familiar e na verdade ele é mesmo. Os cinco exploradores estavam de certa forma repetindo o trajeto que havia feito lá no começo desta jornada, quando, por culpa da curiosidade e de um gato mais que astuto, haviam sido sugados por um portal e entrado na pirâmide, fugindo de uma tempestade de areia.

Se uma comparação pudesse ser feita entre a disposição deste corredor e dos seguintes com as passagens figuradas sobre as pinturas murais que representam o trajeto do sol através do "HADES" (lembram da lenda do sol lá atrás? Cap 5...), não se poderia deixar de notar pontos comuns. Por isso, enquanto narro o caminho trilhado pelos aventureiros, imaginem que o sol esteja atravessando caminho semelhante em sua jornada própria. Além disso, como os aventureiros não estavam ali em carne e osso, mas em espírito, o caminho deles tinha a ver com o caminho que os mortos deveriam trilhar, ok! Ao fim do caminho de cada um, sol e aventureiros, se fossem bem sucedidos, deveriam se encontrar. Como? Continuem lendo...

A entrada por onde os aventureiros acabavam de passar, simbolizava a Porta dos Infernos onde o morto desce, desaparecendo na obscuridade entre as montanhas de Abidos. Do mesmo modo, enquanto andavam eles se perdiam cada vez mais nas sombras, de modo que depois de um curto espaço de tempo, só percebiam a presença dos outros pela respiração forte que cada um apresentava. Se estivéssemos falando de corpos físicos, poderíamos dizer que uma descarga de adrenalina os percorria, pois a sensação era exatamente essa. Como um amputado, que mesmo sem uma parte de seu corpo, sente dores no membro que falta, também eles tinham as mesmas sensações dos seres ainda vivos.

O caminho, que antes era reto, começou a se mostrar uma descida, que prosseguiu até o encontro com o Corredor ascendente. Neste momento os mortos enfrentavam seu julgamento; e por mais estranho que pareça, foi iss que aconteceu com nossos amigos também. Em virtude de já ter relatado este ritual em passagens anteriores sobre Suthameh e Memptah, não me estenderei aqui.

Como sabem, o morto, em razão dos pecados cometidos em sua existência encarnada, tem duas opções: a primeira, ou a pior, (como quiserem...), ser condenado à destruição, como diz o texto do "Am-Duat" e ir para a "região de Soker (no cap anterior eu escrevi o nome dele erroneamente. Sorry...)" (o deus da terra), deslizando ao longo da descida que representa o falso caminho Restau. O condenado cai no fosso e é tragado sob o monte de areia de Soker. Vocês hão de convir que esta opção não é nada agradável...

Mas os egípcios não eram tão maus assim, afinal, se o morto tivesse sido bacana em vida, ou melhor dizendo, tivesse provado por sua vida direita ser digno da vida eterna, merecendo a recompensa da ressurreição, ele então se elevaria pela passagem ascendente até a nova bifurcação. A passagem ascendente é chamada no Livro dos Mortos: "Caminho da Verdade nas Trevas".

Para provar que os egípcios eram democráticos (pelo menos os deuses pareciam ser...), ao chegar nesse ponto o sujeito, quer dizer, o morto, teria mais uma escolha (pois é, outra, este negócio de livre arbítrio é um saco às vezes...): A porta que se abre para o corredor horizontal representa a porta Hades no mau caminho Restau. Este corredor conduz à câmara das "coisas secretas de Restau", através da qual o deus (preparando sua ressurreição) não passa, mas (os que estão nesta câmara) ouvem sua voz.

E não é que com todo este leque de opções os aventureiros foram cair nesta bendita porta! Aliás, eu posso contar pra vocês em off, que isso era o que sempre acontecia com eles em outras vidas, por isso nunca conseguiram ter uma existência eterna feliz. Mas, calma aí, pessoas de pouca fé, eu disse que eles tinham chegado até lá, passado por todos estes perrengues para acertar as coisas e promessa é dívida! Perdidos nesta câmara, eles estavam prestes a cair novamente naquele círculo vicioso das almas que se encontram, vivem e morrem condenadas (Isso aqui não tem nada a ver com América, ta, até porque eu acho Tião um mala e sou do fã clube de Ed! A Glória Perez pode até ter pensado antes de mim, mas eu escrevi antes. Além do mais esta história é mais antiga do que tudo...no próprio Egito alguém deve ter contado uma coisa assim... ), mas na última hora, chegou a cavalaria, ops, a voz do Logos, a razão, que não pode explicar tudo, mas que sem ela, também não podemos nos salvar. Um estado de entorpecimento tomou conta deles e a voz do Logos ecoou em suas mentes, trazendo-lhes lembranças de outras vidas, dores e alegrias que os fizeram finalmente decidir retomar seus caminhos.

Não é a toa que o Livro dos mortos chama esta câmara onde eles estavam de "Câmara do 2º nascimento". Isto significava para os aventureiros, assim como para todos os mortos, que, apesar de aqueles que escolheram este caminho tivessem renunciado à elevação suprema predestinada, lhes seria permitido "ouvir a voz do Logos" e eles conseqüentemente estariam capacitados a reparar seu erro, implorando ao Deus supremo que lhes concedesse a permissão para alcançar o caminho verdadeiro.

Ufh! Libertos afinal, a caminhada estava se encerrando, restando ultrapassar amais alguns pontos importantes para concretizar o ritual de renascimento. Passaram pela "Grande galeria", chamada no Livro dos Mortos: "O caminho da verdade para a luz". Nela aconteceria a ascensão para o lugar da ressurreição. Como eu disse, simultaneamente aos exploradores, também o sol estava travando sua batalha, aliás, coisa que ele fazia todos os dias. Ao cair da noite ele atravessava o mundo inferior e combatia os inimigos que o atacavam a fim de que ele não pudesse ressurgir. Mas a força de Rá era grande o suficiente para que ele nunca sucumbisse e assim como os mortos se preparavam para seu renascimento, também o sol se elevava para o lugar de seu nascimento nas montanhas orientais.

Este lugar misterioso do nascimento do Sol é simbolizado pela "Câmara do Rei". O teto da passagem horizontal que conduz a esta câmara é rebaixado por três enormes pedras; estas, obrigaram os aventureiros a abaixar-se muito, por três vezes. Um claro sinal de reverência e humildade diante da possibilidade de redenção que lhes havia sido concedido. Esta passagem é chamada no \Livro dos Mortos: "Vestíbulo do tríplice véu".

Findo o último obstáculo antes da alma ser definitivamente admitida no lugar da ressurreição, os aventureiros chegaram a "Câmara da tumba aberta", onde um sarcófago de granito de bela feitura se encontrava na Câmara do Rei. Como que guiados por uma força superior, e leves, como se despertassem com a lembrança reconfortante de momentos cheios de silêncio e repletos de sentido, um a um, cada um dos exploradores entrou na tumba e sumiu, como que envoltos por uma nuvem de fumaça pálida.

O dia estava quase amanhecendo, ainda coberto de luz e sombra, meio que na penumbra; os primeiros raios de sol ensaiavam sua aparição quando eles abriram os olhos. Pareciam acordados de um sonho bom, mas as lembranças eram vívidas demais para que não tivesse sido verdade. Primeiro tocaram seus corpos e notaram que não mais eram espectros translúcidos e sim novamente feitos de carne osso, entalhes perfeitos de uma obra divina. Em seguida, desesperadamente procuraram uns aos outros e ao ver que todos estavam bem, a emoção não pode ser contida. Mas o que será que havia mudado naqueles seres? Alguma coisa?... tudo?... nada?...

Estavam nas margens de um rio muito largo e profundo e não poderiam atravessá-lo, não fosse por uma barca, displicentemente deixada à margem. Ao se aproximarem, viram que nela não havia ninguém e pensaram em entrar e remar até a outra margem, já que lá se avistavam algumas tendas. Poderiam conseguir ajuda para voltar para casa, encontrar Ardeth, o Imã. Quem sabe. Somente dentro da barca, depois que todos estavam acomodados, perceberam que não havia remos; logo ficou claro que nem haveria necessidade, pois logo a barca começou a deslizar pelas águas escuras, quase sem fazer barulho.

Diante de tantas coisas inexplicáveis, já não havia quase nada que lhes causasse estranheza de fato, muito menos um raio de sol que teimava em acompanhar a barca. Não sabiam eles que haviam tido o privilégio de adentrar a barca de Rá e renascer com ele para um novo dia.

Mito da caverna de Platão: "Que todos possamos sair à luz e deixar para trás a caverna e os grilhões e tocar, mesmo que de leve a essência das coisas". Posso comparar a vida que tinham às sombras da caverna de Platão. O que podemos ver no escuro? Há mais luz na escuridão, nela é onde tudo se ilumina, especialmente a mente. "O temor do silêncio - é onde mais escuto a mim mesmo; é onde escuto meu eu gritar as coisas que não quero ouvir"

Dias haviam se passado, meses a fio, pois a noção de tempo e espaço não é a mesma nos diferentes planos de existência. Muito tempo depois de ter perdido seus novos amigos, quando as lembranças daqueles acontecimentos já figuravam como memória dolorida em seu peito, Ardeth soube o que havia acontecido com os aventureiros, pois eles mesmos, quem diria haviam voltado para lhe contar.

Não faltou nenhum detalhe e tamanho feito foi comemorado pela tribo durante três dias; os cinco haviam tirado várias lições e uma delas era não ter pressa. Para que se apressar em fazer e terminar as coisas boas se a felicidade pode e deve ser prolongada?

Foi em meio a estas festividades que os aventureiros tiveram a oportunidade de conversar um pouco mais com Ardeth e tiraram aquela impressão de fechamento que tinham do homem. Na verdade, foi Roxton que, depois de demonstrar muita alegria ao vê-lo vivo e bem, notou que ele parecia mais leve, mais feliz. O tuaregue concordou e passou a explicar o motivo de tal felicidade: não só os exploradores tiveram direito a uma segunda chance. Ele também. A princípio eles não entenderam, mas Ardeth explicou. Quando ele havia dito, certa vez que Hórus era mais que um amigo, ele não estava exagerando: nem sempre aquele ser havia sido uma ave de rapina.

Há 10 anos Ardeth havia amado uma mulher e era correspondido, mas para azar deles, ela era cobiçada por um feiticeiro do deserto. Louco de raiva por não tê-la, ele não permitiria que ela fosse de ninguém, muito menos do tuaregue. Deste modo enfeitiçou a mulher, que foi forçada a viver perto de seu amado, velando seus dias e noites, mas preso a um corpo de animal. A participação de Ardeth também foi uma troca: a ajuda à Memptah quebrou o feitiço.

Ardeth vagava pelo deserto em busca de respostas sobre o que teria acontecido com os aventureiros e também preocupado, pois Hórus havia sumido; em uma de suas andanças, numa noite especialmente estrelada, ele viu aparecer diante de seus olhos, como se fosse uma miragem, como tantas no deserto, a cena mais incrível que poderia imaginar: dançando junto ao fogo, com suas vestes leves flutuando no ritmo de seus movimentos, ela parecia flutuar. Assim que a viu, ele não pode mais tirar os olhos dela; os olhos mais magnéticos que ele já havia visto em toda a sua vida haviam finalmente voltado para ele. Uma estranha sensação lhe percorreu o corpo, e no momento em que se reencontraram, não puderam mais se perder. Ele tinha de volta seu bem mais precioso; aquela que não o havia abandonado nem mesmo enquanto ave, pois ainda assim, só precisavam se olhar para se entender.

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Depois de alguns dias, os aventureiros decidiram que era hora de voltara para casa, mas não sabiam como. Descobriram em uma manhã, quando um gato preto apareceu na tribo. O que ele faria lá?

Quem leu desde o começo deve lembrar deste gato no portal, pois é, ela mesma, a deusa Bastet, representada pelo grande gato negro, havia chegado para lhes indicar o caminho de volta. Em um ritual de muita concentração (inserir a parte em que eles estavam livres para voltar para Londres), os dois, Imã e o gato guiaram os cinco até um lugar escondido no deserto. Lá o Imã revelou algo que até agora não havia ficado bem claro; nem mesmo os exploradores poderiam vislumbrar tal coisa.

Segundo os deuses, os aventureiros haviam sido "escolhidos " para a missão de resgate dos vasos canopos de Memptah, pois reuniam uma série de qualidades que poderiam conduzir ao sucesso da missão. Mas, mais do que isso, havia um outro motivo: uma troca. Realizar a salvação da alma de Memptah era a senha para que pudessem salvar a si mesmos, não só suas almas, como suas repetidas existências terrenas. A maldição de Suthameh que os condenou à morte realmente existia, mas o desprendimento que tiveram ao ajudar e a necessidade que seus corações sentiam de finalmente encontrar um destino feliz foram os fatores essenciais para a "segunda chance".

Depois de tudo em pratos limpos, o Imã apontou para o lugar e com um movimento de suas mãos, o portal novamente apareceu. Com a alma tomada pela leveza, eles ouviram mais algumas palavras que o Imã tinha a dizer. O Imã, em seu momento de iluminação foi instruído a lhes dizer que caberia a cada um escolher para onde desejaria ir. Eram absolutamente livres para voltar para onde quer que desejassem, mas deveriam decidir isso naquele exato momento.

E agora? Porta aberta, entrada a ser transposta. De um lado a Casa da árvore, onde Challenger, Roxton, Malone e Marguerite viveram possivelmente a melhor época de suas vidas, mesmo que às vezes não enxergassem isso, mas que de qualquer forma não era sua casa; eles haviam tentado sair de lá de tantas maneiras e por tanto tempo! De outro lado, o mundo real (será mesmo!) de quatro deles e a possibilidade de solidão para uma: Londres.

Qual o peso que cada um desses lugares teria agora? Para onde voltariam? Que outras surpresas o destino reservava para eles?

E para vcs leitores?

CONTINUA...

Disclaimer: os personagens aqui citados fazem parte da série "Sir Arthur Conan Doyle's The Lost World", não sendo, portanto de propriedade do(a) autor(a) desta fanfiction.