Capítulo Três – Os Dragões do Tempo
O Sol já havia se posto, e Shaoran andava lentamente pelos largos corredores do castelo, não tendo nada mais para fazer.
"Será que tudo dará certo?" indagava-se o rapaz, pensando em tudo o que havia acontecido naquele dia, certamente um dia para ser lembrado.
Uma luz pálida entrava pela janela, fria, fraca. Shaoran contemplou fixamente as paredes de marfim do castelo, iluminadas parcamente pela branca e tênue luz da Lua. As estrelas brilhavam forte no céu, o que apenas aumentava a beleza daquela noite.
Subitamente, Shaoran ouviu uma suave melodia soar, vinda da algum aposento não muito longe. O jovem guerreiro percorreu as salas em busca da fonte daquela música; uma música lenta, lúgubre, quase mórbida, tocada habilidosamente no piano. Qual não foi sua surpresa ao encontrar Eriol sentado ao piano.
Adentrou o salão com cuidado, fazendo o possível para não perturbar a canção que ecoava pelas paredes do aposento. Acomodou-se em um canto e continuou ouvindo a canção, soando maravilhosamente no piano sob o toque hábil de Eriol.
Fechou os olhos e ficou admirado com todas as sensações que tomaram seu corpo naquele instante. A melodia prosseguia, lenta, calma.
Após alguns minutos, a música cessou e outra logo começou, dessa vez uma canção mais alegre. Joseph Sebastian Bach. Minueto em Sol. Era uma música que Shaoran gostava bastante. Ele podia lembrar-se de sua mãe tocando aquela música quando ele era pequeno. E Eriol tocava ainda melhor.
Quando a música cessou e Shaoran abriu os olhos, viu Eriol fitando-o com aquele sorriso que quase nunca deixava os lábios do jovem inglês.
"O que houve?" perguntou o jovem guerreiro chinês. Eriol sacudiu a cabeça.
"Não é nada, meu amigo. Apenas fico imaginando como tudo isso acabará. Afinal, estamos diante de um fato extremamente raro e interessante."
"Interessante somente para você." replicou Shaoran. "Afinal, não é você quem está perdido em uma outra dimensão, não é?"
Eriol soltou uma gostosa gargalhada.
"De fato, meu amigo, de fato. Não obstante, acredito que um dia você também irá rir do que está acontecendo agora!"
"Assim espero." disse Shaoran, indiferente. "Assim espero."
A conversa ainda se estendeu por mais algumas horas, até que Shaoran não pôde agüentar mais o sono e se retirou, indo deitar-se.
Eriol o observou se retirar em silêncio, logo em seguida se dirigindo ao salão principal novamente, para esperar juntamente com o restante do Conselho pelo consentimento dos Dragões. Caminhou pelo longo corredor até passar por uma porta e desaparecer de vista.
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Katrina estava sentada, tendo Sakura ao seu lado. Desde que a reunião fora dada por encerrada, a garota estivera junto da Guardiã da Luz. Katrina conversava com Sakura, aconselhando-a e acalmando-a. Havia simpatizado com a garota, tomando para si a missão de treiná-la e integrá-la ao Conselho. Vira como o poder e a pureza do coração de Sakura se manifestara mais cedo, no pátio do castelo. Aquela garota realmente tinha futuro, e Katrina, assim como todos os outros magos do Conselho sabiam disso.
"E então, Sakura." disse Katrina. "Está pronta para viajar no tempo?"
"Eu não sei." respondeu Sakura, um tanto insegura. "Eu quero, mas não sei se posso. Gostaria muito de ajudar Shaoran, mas não sei se estou preparada."
"Não se preocupe." disse Katrina. "Tenha confiança em você mesma. Vai dar tudo certo."
Sakura sorriu ao ouvir aquilo, afinal aquela frase era dela, não era? Era ela quem sempre dizia a tudo e a todos que tudo ficaria bem não importavam os problemas. E agora ela ouvia alguém dizendo isso a ela, tentando encorajá-la. Enchendo-se de coragem, Sakura abriu um de seus sorrisos brilhantes, olhando para Katrina e concordando.
"Certo!" disse a garota de olhos de esmeralda. "Tenho que ter fé!"
"Exato!" exclamou Katrina.
As duas se olharam e sorriram uma para a outra. Sakura pensou em como a presença de Katrina a acalmava. Somente Shaoran conseguia fazer o mesmo com ela. Sakura sorriu ao pensar que o passado pudesse ser reescrito e que ela pudesse ter Shaoran novamente a seu lado. Mas foi então que algo lhe bateu.
"Katrina, Vladimir disse que para viajar de volta no tempo, é preciso da aprovação dos três Dragões, não é?"
Katrina confirmou silenciosamente.
"Mas se é preciso da permissão deles, então como eu consigo retornar no tempo quando eu uso a carta do Retorno?"
"Com a carta do Retorno acontece algo um pouco diferente." disse Katrina. "Quando você usa a carta, ela causa uma distorção no tempo, e você pode retornar até a época desejada. Mas você nunca notou como o tempo parece passar de outra forma quando você usa a carta do Retorno? Como se estivesse distorcido? Como se os acontecimentos aparecessem em explosões desconexas?"
Sakura pensou. Lembrou-se de todas as vezes que tinha utilizado a carta do Retorno. Realmente, todas as vezes que a usara, o tempo parecia ser comprimido, distorcido.
"Por este motivo e por você não poder influenciar diretamente no fluxo dos acontecimentos quando usa a carta, ela não está submetida às regras impostas pelos Dragões." completou Katrina. Sakura balançou a balançou a cabeça, finalmente compreendendo.
"Entendo." disse Sakura. "Por esse motivo devemos dessa vez pedir permissão aos Dragões. Mas o que acontecerá se os Dragões recusarem o pedido do Conselho? Ou ainda se nenhum de nós puder viajar de volta?"
"Não acredito que tal coisa acontecerá." falou a Guardiã da Luz. "Mesmo que os Dragões sejam rígidos, dificilmente eles recusarão um pedido feito por Magno e o Conselho. E mesmo que ainda restem dúvidas quanto aos motivos, Shaoran está aqui, não está? Apenas a presença dele nesta dimensão já é uma prova mais que o suficiente para esclarecer qualquer dúvida que se possa ter."
Sakura concordou.
"E sobre poder ou não viajar, não se preocupe. Eu sei que todos nós estamos aptos a viajar no fluxo do tempo. Nenhum de nós é irresponsável, imaturo ou amador a ponto de não sabermos que uma ação errada, uma alteração feita sem necessidade, pode alterar toda a história como nós a conhecemos."
Sakura permaneceu em silêncio. Ela tinha que concordar que era algo realmente perigoso e que toda essa história de viajar no tempo podia ter conseqüências terríveis se não fossem tomados os devidos cuidados.
O grande cuco na parede anunciou dez horas. As duas mulheres no salão olharam pela janela e contemplaram a luz da Lua e das estrelas. Era uma bela visão, tinham que admitir. A duas ficaram ali, em silêncio, apenas olhando para o céu.
Não havia se passado muito tempo quando Katrina se levantou.
"Eu te aconselharia a ir deitar-se, Sakura." falou a Guardiã em um tom quase maternal. "Amanhã será um longo dia. Deve estar bem descansada para a jornada que virá."
Sakura concordou e também se levantou. Silenciosamente se despediram e Sakura se dirigiu até o quarto que lhe fora reservado no castelo. Katrina a observou caminhar até virar num corredor e se perder de vista. Logo em seguida, a Guardiã se virou e começou a se dirigir para o salão onde os outros membros do Conselho estavam.
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Quando Katrina finalmente chegou ao salão, Eriol e os outros já a aguardavam para dar início a uma nova discussão, dessa vez sem a presença de Sakura e Shaoran. Iriam discutir o ataque que Eriol sofrera na noite anterior.
Katrina caminhou até uma poltrona vaga no canto do salão e sentou-se. Ao contrário da sala onde o Conselho havia se reunido mais cedo, aquela sala era bastante confortável. Havia uma bonita lareira na parede e alguns quadros pendurados, bem como um grande espelho trabalhado em ouro. No centro havia um pequena mesa entalhada em carvalho, com um vaso de flores em cima. Uma grande prateleira de livros completava a simples decoração.
Eriol estava sentado no outro extremo da sala, com a cabeça apoiada nas mãos. Aquele havia sido um dia extremamente cansativo para ele. Afinal, consumira muita energia no duelo contra o Sacerdote de Tenebras, e não conseguira descansar nem um minuto sequer após o ataque.
Inghrid, Seyfried, Vladimir e os demais estavam espalhados pela sala, enquanto Magno olhava pela janela. Ninguém falava nada. Nem um som podia ser ouvido, mas eles sabiam apreciar o silêncio. Sabiam extrair toda a sabedoria nele contida. Na verdade, embora houvesse silêncio na sala, a mente de cada um deles estava um caos. Tentavam pensar, raciocinar. Eriol viu Magno se virar e acenar os dedos na direção da lareira enquanto murmurava algo. No instante seguinte um chama vermelha e quente se acendeu, iluminando e aquecendo todo o aposento.
"Bem" disse Magno, quebrando o silêncio do local. "Acredito que deves nos contar sobre o ataque que sofreste, Clow."
Eriol assentiu. Narrou com detalhes tudo o que ocorrera desde que saíram de sua casa, como caíram, como ele subitamente fora vítima do Feitiço dos Quatro Pregos, como ele se encontrara com Mikhael. A reencarnação de Clow narrou toda a disputa entre ele e o bruxo e como a disputa terminara. Todos o olhavam atentamente enquanto relatava tudo.
"Como eu já disse antes, uma desgraça nunca vem sozinha." falou Magno, pensativo. "O ataque do Sacerdote não foi uma coincidência, um mero golpe do destino. Afinal, todos nós sabemos que não existem coincidências no universo."
"Concordo." disse Eriol. "E tenho mais motivos ainda para me preocupar. Mikhael mencionou o nome de Klaus. Klaus ansiava pelas cartas, mas nunca as obteve. Até onde eu sei, Klaus queria as cartas para ele. Mas se fosse somente isso, a Irmandade não teria enviado ninguém para substituí-lo."
"Substituí-lo?" indagou Inghrid. "Mas eu pensei você ter dito que Mikhael queria vingar a morte de Klaus."
"E queria." respondeu Eriol, sendo logo interrompido por Durval.
"Sim." disse o Guardião das Sombras. "Mas Klaus era membro da Irmandade de Tenebras. E a Irmandade não mandaria ninguém para vingar a morte de um membro caso ele estivesse atuando fora do conhecimento dos Mestres Invisíveis e buscando algo para proveito próprio. A Irmandade de Tenebras, embora poderosa, não liga para os interesses pessoais de cada membro se eles não entrarem em conflito com os interesses da Ordem. Para os membros da Irmandade, a morte de outro membro não é motivo de lamentação e sim de alívio. Para eles, alguém que morre não era forte o suficiente para integrar a Ordem e eles não quererem fracos, somente aqueles com poder e influência grandes."
"Exato." falou Eriol. "E é isso o que me preocupa. Eles somente enviariam alguém caso o membro anterior tivesse sido eliminado em alguma missão para a Ordem."
"E você acredita que a Irmandade estava por trás da atuação de Klaus, não é? Que eles buscavam as cartas e só estavam usando Klaus para consegui-las." perguntou Seyfried. Eriol concordou com a amiga.
"Mas eu não me surpreenderia se Klaus estivesse tramando tomar as cartas para si ao invés de entregá-las aos Anciões." falou Eriol. "Ele sempre foi uma pessoa que desejou o poder acima de tudo. Foi por isso que ele ingressou na Irmandade de Tenebras. Eles prometiam poder e influência rápidos. Mas Klaus sempre foi uma serpente ardilosa e traiçoeira."
Novamente silêncio, mas dessa vez um silêncio carregado de novas preocupações e novos temores. Todos os magos naquela sala sabiam que o fato do aparecimento de Mikhael estar relacionado com a morte de Klaus não era um bom sinal.
"Se Mikhael e a Irmandade de Tenebras estão atrás das cartas, então Sakura corre perigo." sussurou Anna.
"Não enquanto ela estiver dentro dos meus domínios." falou Magno calmamente. "Enquanto Sakura permanecer dentro dos domínios do Conselho, nada a ameaçará."
"Mas e depois que deixar o castelo?" indagou a Guardiã do Ar. "E quando ela tiver que se afastar de nós?"
"Tenha calma." falou Magno. "Iremos pensar em algo que garanta a segurança de Sakura. Nada de mal irá acontecer com ela."
Foi nesse instante que o espelho da sala tremeu. De dentro dele saiu um ser encapuzado. Portava uma grande espada e em seu manto era possível ver uma ampulheta bordada em ouro e prata. Era um dos cavaleiros a serviço dos Dragões do Tempo. O homem parou por um instante, observando cada um dos presentes naquela sala. Por fim, dirigiu-se a Magno:
"Magno Schneider?" indagou o homem.
"Eu sou." respondeu Magno.
"Acredito que vós mandastes um requerimento aos Dragões do Tempo solicitando um regresso no fluxo temporal e uma alteração no curso dos fatos." falou o homem retirando o capuz e revelando um rosto extremamente áspero e duro. O homem aparentava estar na casa dos quarenta e possuía olhos muito azuis, azuis como o oceano, que possuíam um forte e bonito brilho.
"Sim." respondeu Magno. "Eu mandei o requerimento."
"Meu nome é Patrick." falou o homem. "Sir Patrick Lancaster, da Ordem do Tempo. Venho em nome dos Dragões informá-lo de que vossa requisição chegaste até nós e que os Dragões pedem uma audiência em particular para que possam estudar melhor o caso."
Magno confirmou com a cabeça.
"Eles dizem também que após a audiência querem ver pessoalmente Shaoran e Sakura, para somente então decidirem se irão ou não aceitar vosso pedido."
"Entendo." falou Magno. "E quando devemos nos apresentar perante os Dragões?"
"Vós deveis partir imediatamente, pois os Dragões têm pressa. Sakura e Shaoran podem ir depois, quando o Sol nascer."
Magno concordou novamente, levantando-se em seguida.
"Eu devo me encontrar com os Dragões agora." disse o imponente Mago. "Por hora, meus amigos, deveis descansar o quanto puderem, principalmente tu, Clow. Estejais preparados para o que há de vir. Pela manhã, quando os jovens acordarem, levai-os até o Castelo dos Dragões."
Todos concordaram. Logo em seguida, Patrick voltou a sumir dentro do espelho, sendo prontamente seguido por Magno. Logo, ambos haviam desaparecido, e o espelho voltara a refletir o aposento, deixando somente os outros Magos parados.
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Shaoran acordou cedo, sendo imediatamente recepcionado pelo canto dos pássaros no parapeito da janela de seu quarto. Espreguiçou-se demoradamente, ainda deitado na cama. Então, com uma agilidade surpreendente, pulou da cama e ficou em pé. Pegou a espada de cima da cômoda e desceu para procurar um local sossegado para executar seus exercícios matinais.
Saiu do quarto e começou a caminhar pelos longos corredores de marfim até chegar ao grande pátio do castelo. O espaço era bem aberto, exatamente como Shaoran gostava. Empunhou a espada, ergueu-a acima da cabeça e desferiu um forte golpe no ar. A espada zuniu e Shaoran começou o treinamento. O jovem guerreiro se movia com a agilidade de um tigre, a leveza de uma pluma e a graça de uma águia. A espada dançava no ar, sob o comando preciso das mãos de Shaoran. Seus movimentos eram dotados de extrema perícia, tanto que não parecia um exercício de artes marciais, mas sim um leve bailado. Os músculos retesavam-se e contraíam-se ritmicamente, dando cadência aos movimentos. Ergueu a espada novamente, girando em torno do próprio corpo e golpeando o ar. Saltou. Desferiu um chute e caiu de novo. A espada zunia a cada movimento de seu corpo, como uma flecha que canta no vazio.
"Como senti falta disso todos estes dias." pensou Shaoran. De fato, com tudo o que acontecera, já fazia um bom tempo que Shaoran não treinava.
O treino o ajudava a se acalmar, liberar o estresse, relaxar. Treinar o ajudava a se concentrar, direcionar suas energias para o local correto.
Enquanto treinava, Shaoran pensava na visão que tivera na fonte de Seyfried. Pensava em Sakura chorando. Desejava poder acabar logo com tudo aquilo e retornar para sua dimensão.
"Vou me esforçar ao máximo!" disse Shaoran, enquanto golpeava novamente. "Vou me esforçar ao máximo para consertar toda essa bagunça. Então voltarei para minha dimensão e para os braços da minha Sakura."
Saltou, girou em pleno ar e pousou novamente empunhando a espada e descrevendo um circulo com ela. Então, com o Sol já alto no céu, deu o exercício por encerrado.
Quando virou-se para entrar no castelo, viu que Sakura o observava, parada junto a um dos pilares do castelo. Sorriu. Então, caminhou até ela.
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Sakura não tinha o hábito de acordar cedo, mas naquela manhã despertou tão logo o Sol se levantou no horizonte. Ainda ficou um bom tempo enrolada nos cobertores, pensando. Não nela, mas em Shaoran. Como ela amava aquele rapaz. E por ele, faria as maiores loucuras que alguém pudesse imaginar. Ela já tinha tomado sua decisão. Ajudaria o Shaoran de agora a cumprir sua missão e voltar para casa. Assim, teria o velho Shaoran de volta.
Então, após muito pensar, levantou-se da cama e começou a se trocar. Kero ainda dormia, e ela achou melhor deixar o pequeno Guardião descansar. Saiu do quarto, encostando a porta de leve. Caminhou pelo longo corredor e desceu as longas escadarias do castelo. Era um longo caminho até o salão principal.
"Será que Magno não podia ter me dado um quarto no primeiro andar?" pensou Sakura consigo mesma. "Ter que descer três andares deste castelo imenso é cansativo."
Mas, cansativo ou não, Sakura finalmente alcançou o saguão e saiu, deparando-se com o grande pátio do castelo, seus jardins e fontes espalhadas. Era um belo jardim, ela tinha que admitir, embora duvidasse que ele se mantivesse sem o auxílio da magia de Magno.
Não precisou caminhar muito e logo avistou Shaoran. O rapaz estava treinando com sua espada. Ela sempre gostou de ver Shaoran praticar. Costumava assisti-lo treinar no parque Pingüim, antes daquele acidente fatídico acontecer. Sakura amaldiçoou Klaus mentalmente, enquanto praguejava contra a Irmandade de Tenebras. Se não fosse por eles, Shaoran ainda estaria vivo e eles estariam juntos.
"Malditos sejam todos esses cultistas." sussurrou, para logo em seguida voltar sua atenção para Shaoran e seu treino. Adorava o modo como o rapaz se movia, com extrema técnica e graça. Movimentos precisos, estudados à exaustão, quase beirando a perfeição. Golpes que refletiam todos os longos anos de duro treinamento que o jovem guerreiro tivera e aos quais se dedicara com tanto afinco.
Logo, o jovem chinês parou. Então, virando-se novamente para entrar no castelo, seus olhos se encontraram. Sakura sentiu seu coração bater forte quando Shaoran começou a caminhar em sua direção.
"Boa dia, Sakura." cumprimentou o jovem. "Dormiu bem?"
"Sim, dormi muito bem, Shaoran. Obrigada. E você, como passou a noite?"
"Bem." respondeu Shaoran sorrindo.
Os dois jovens se olharam durante um longo tempo, antes de serem interrompidos por Vladimir, que corria em sua direção.
"Enfim os encontrei!" exclamou o Mago. "Vamos, já é tarde. Os Dragões os aguardam para uma audição."
Os dois jovens seguiram o Guardião da Terra em silêncio. Vladimir os guiou através de alguns corredores e logo estavam na mesma sala onde, na noite anterior, Magno havia seguido Patrick. Todos os membros do Conselho já os esperavam. Eriol disse um rápido bom dia e os outros apenas acenaram com a cabeça. Então sentaram-se, uma vez que muitas explicações tinham que ser dadas.
Feitas todas as explicações, todos se levantaram novamente, virando-se para o espelho. Eriol caminhou até ele e o tocou com as mãos, tornando a superfície do espelho translúcida. Então, um a um, todos atravessaram o espelho.
Quando saíram, estavam dentro de ou outro aposento que, diferentemente do anterior, era completamente vazio a não ser pelo espelho. A sala era completamente redonda, com paredes brancas de pedra e um grande lustre de velas pendendo do teto. Parado junto à porta estava Magno, bem como Patrick. Assim que o grupo saiu do espelho, Magno se adiantou para recepcioná-los:
"Então vós finalmente chegastes." falou Magno. "Bom, pois o tempo é curto. Devemos ser rápidos e, no entanto, precisos. Os Dragões aguardam por vós, Sakura e Shaoran. Não deveis deixá-los esperando."
Os dois jovens concordaram e, guiados por Patrick, seguiram em silêncio até o grande salão onde se encontravam os Dragões.
A entrada do salão era, de fato, deslumbrante. Imensas portas moldadas em pura prata e batentes esculpidos em ouro maciço, trabalhado à perfeição, com curvas suaves e retas firmes e bem delineadas. Os portões se abriram, revelando um interior não menos fascinante. Parecia que o aposento irradiava luz, como se toda a luz do universo lá estivesse concentrada. Um aura de poder fabulosa emanava do lugar, trazendo ao mesmo tempo medo e excitação aos corações dos dois jovens que adentravam o santuário naquele momento. Podiam sentir um poder antigo, quase divino. Era como no salão do castelo de Magno, era como se a própria essência da Criação universal estivesse impregnada naquele lugar; mas a sensação era ainda mais forte, mais amedrontadora e ao mesmo tempo mais reconfortante.
Entraram timidamente no grande salão, pé ante pé, até pararem de frente a um grande altar. As portas atrás deles se fecharam, deixando-os sozinhos no meio daquele imenso santuário estranho, amedrontador e, ainda assim, tranqüilo e pacífico. Sem perceber, Sakura segurou fortemente a mão de Shaoran.
Esperaram em silêncio pelos Dragões. Cinco minutos haviam se passado quando subitamente o altar começou a brilhar, fraco no início, até a luz se tornar ofuscante, quase a ponto de cegar. Quando olharam de volta, três enormes e imponentes dragões estavam no altar, um ao lado do outro, como que saídos dos velhos contos orientais que ambos os jovens ouviam quando eram crianças.
"Aproximai-vos." ordenou um deles, o que estava no meio dos outros dois. Sakura apertou a mão de Shaoran com mais força. Os jovens se aproximaram do altar lentamente. Então, os Dragões começaram a se apresentar:
"Eu sou Vergangenheit, o Dragão de Bronze, e represento o Passado." falou o Dragão da esquerda. "Tudo aquilo que foi, é por mim protegido. Eu sou aquele que guarda os acontecimentos, as glórias e as derrotas da humanidade desde seu surgimento até hoje. Por mim, tudo um dia passou. Sou aquele que tece os fios da malha do tempo. Minha virtude é a Sabedoria, pois somente aquele que viveu e aprendeu com o passado é sábio."
"Eu sou Zukunft, o Dragão de Prata, e represento o Futuro." disse o Dragão da direita. "Tudo aquilo que há de ser por mim é protegido. Eu sou aquele que guarda o destino dos homens, suas descobertas e suas conquistas que ainda hão de vir. Não há nada que o Destino reserve para a humanidade que eu não tenha conhecimento. Por mim, tudo um dia passará. Eu sou aquele que costura a malha do tempo. Minha virtude é a Coragem, pois aqueles que não têm medo do que o Futuro lhes reserva e encaram o Destino com bravura são corajosos e audaciosos."
"Eu sou Gegenwärtig, o Dragão de Ouro, e represento o Presente." falou o Dragão do meio. "Tudo aquilo que é, por mim é guardado. Tudo o que está acontecendo com o mundo é do meu conhecimento. Por mim tudo passa; eu sou o meio, aquele que está entre tudo. Eu sou aquele que corta os fios da malha do tempo. Minha virtude é a Austeridade, pois aqueles que viveram e aprenderam com o Passado, vivem o Presente com firmeza e esperam pelo Futuro com confiança são austeros e firmes de caráter e de decisão."
Sakura olhou com cuidado para os três majestosos seres que se encontravam parados naquele altar. Eram maravilhosos, belos, justos e honrados ao mesmo tempo em que eram rígidos, severos e cruéis. Percebeu a sabedoria contida nos olhos de Vergangenheit, a bravura nas palavras de Zukunft e a firmeza presente na postura de Gegenwärtig. E então seu coração se alegrou, pois sabia que tudo o que tinha passado, todas as provações, todas as dificuldades e sofrimentos estavam prestes a serem apagadas, para que ela pudesse recomeçar.
Gegenwärtig examinou cuidadosamente os dois jovens que se apresentavam perante ele e seus dois companheiros. Olhou fundo dentro da alma de cada um. Olhou Sakura e viu a bondade, a pureza, a doçura e a coragem. Olhou então para Shaoran, e viu a impetuosidade, o caráter, o rigor e a disciplina. Sorriu. Olhou então os corações do jovem casal e viu conflito, sofrimento, saudade. Mas acima de tudo viu o Amor; o Amor puro que constrói e edifica, não o amor pungente e fugaz que fere e destrói. Percebeu então que seus irmãos também viam a grandeza daqueles dois. Naquele instante, tomaram sua decisão. Desde a hora em que finalizaram sua apresentação até aquele momento, nenhuma palavra havia sido pronunciada. Nenhuma palavra precisou ser pronunciada. Tudo havia acontecido com meras trocas de olhares. Os olhos de esmeralda de Sakura e os olhos de chocolate de Shaoran encontrando os olhos dourados dos Dragões.
Imperava o silêncio, intercalado somente pelo som da respiração de Sakura e Shaoran ecoando nas paredes daquele santuário imenso. Os dois permaneciam calados, bem como os Dragões. Então, Zukunft murmurou algo e os pesados portões se abriram suavemente, sem um único rangido.
"Vão, meus jovens." disse ele. "Aguardai por uma hora e então dirigi-vos até o salão principal. Peçam para que Magno e o restante do Conselho venham também. Afastai a preocupação de vossos corações pois motivo não há."
Ambos assentiram e se retiraram em silêncio. Viraram as costas e caminharam até o portão, atravessando o imenso arco que o compunha e voltando ao longo corredor de antes. Atrás deles o portão se fechara, levando consigo a luz e deixando todo o corredor mergulhado numa suave penumbra.
Não muito longe, Magno, Eriol e Patrick os esperavam. Eriol os cumprimentou tão logo os viu. Tinha nos lábios o costumeiro sorriso de sempre.
"Bem, foi mais rápido do que eu esperava." disse Patrick. "Isso é bom, creio eu. Vocês estão livres agora para andarem pelo castelo. Peço apenas que não se dispersem muito e que estejam no salão principal na hora combinada. Devo agora me retirar. Vou me encontrar com os Dragões e o restante da Ordem para saber da decisão tomada e receber as informações e instruções de que preciso."
Virou-se e saiu caminhando pelo corredor até entrar em uma das portas à direita. Magno se pôs a caminhar também, sendo prontamente seguido por Eriol, Sakura e Shaoran. Conforme caminhavam, Shaoran notava belos quadros pendurados nas paredes de pedra branca, todos extremamente surrealistas. Havia quadros onde o mar se fundia com o céu e o Sol era engolido pelas ondas, com peixes e pássaros um ao lado do outro, interagindo como se fossem um único ser. Havia também um outro retratando a Lua sobre uma colina onde, no alto da colina, havia homens com escadas tentando alcançar a Lua e as Estrelas.
Continuaram caminhando até chegar a uma sala onde todo o restante do Conselho estava. Era uma sala octogonal com as paredes revestidas de cristal, lustres de prata pendendo do teto e sofás azuis como o céu.
Sentaram-se, ainda admirando o belo aposento. Tinham ainda uma hora pela frente, antes que pudessem saber a decisão tomada pelos Dragões.
Começaram a conversar. Discutiram todo o problema que estavam enfrentando, suas causas, seus motivos. Conversaram durante um longo tempo. E o tempo passou. Logo, uma hora havia transcorrido, finalmente chegando o momento do grupo se reunir à Ordem do Tempo no salão principal.
"Não devemos nos atrasar." disse Seyfried. "É melhor irmos logo para o salão para que a reunião se inicie sem demora."
Todos concordaram e se levantaram, pondo-se a andar até a porta. O caminho até o salão não foi longo. Passaram por um dos muitos corredores do castelo e subiram dois lances de escadas até o segundo andar, onde viraram à direita e atravessaram uma grande porta de madeira. Lá dentro, Patrick já os esperava, acompanhado de mais cinco outros membros da Ordem.
"Sentem-se" disse Patrick. Sakura, Shaoran e o Conselho ocuparam os lugares que lhes eram indicados.
"Bem," Patrick começou. "Depois de analisar os fatos e estudar o caso cuidadosamente, os Dragões decidiram conceder permissão para que a viagem no tempo seja feita e o Passado seja alterado."
Sakura soltou um grito de alegria.
"No entanto, nem todos poderão seguir viagem." interrompeu um outro membro da Ordem. "Há um número limitado de viajantes permitidos. Além de Sakura e Shaoran, apenas outros dois magos poderão cruzar o fluxo do tempo."
Todos se entreolharam. Magno já esperava por algo assim, não demonstrando surpresa ou contradição. Eriol também parecia tranqüilo, mas conservava o semblante sério.
Sakura se perguntou quem deveria acompanhá-los. Eriol certamente deveria ir. Ele a conhecia melhor que os outros Magos, além de ser um de seus amigos mais queridos e preciosos. Mas quem seria o outro Mago? Katrina talvez. A imagem da feiticeira lhe veio à mente quando pensou em alguém para acompanhá-la. Tinha boa memórias da Maga. Fora ela quem a acalmara e a aconselhara no dia anterior. Sentia-se segura perto dela.
Como que adivinhando o que se passava na cabeça da jovem, Magno se levantou, dizendo:
"Devemos decidir quem irá acompanhar o Lobo e a Cerejeira na jornada que está por vir, e devemos decidir já. O tempo escorre entre os dedos como as areias de uma ampulheta, e cada segundo é precioso."
"Acredito que Clow deva ir." disse o Mago, voltando-se para Eriol. "Isso, é claro, se teu tempo te permitir, meu amigo." Eriol assentiu. Então Magno voltou a encarar os outros membros. Olhou-os um por um, até que seus olhos pousaram sobre Katrina. "Tu também deves ir, Katrina. Creio que a pequena Sakura ficará deveras satisfeita se fores a outra escolhida, não estou certo, Sakura?"
Sakura enrubesceu e concordou lentamente com a cabeça. Katrina sorriu.
"Tudo bem, Magno." falou a feiticeira. "Eu irei acompanhar Sakura, Shaoran e Eriol nessa jornada."
Está decidido, então." falou Patrick. "Além dos dois Magos, mais dois membros da Ordem do Tempo foram designados para acompanhar os jovens em sua busca. Eu serei um deles. A outra será Lady Kirsten van der Veen."
Patrick apontou para um canto da mesa e uma mulher alta e esguia se levantou, cumprimentando a todos. Era dona de uma beleza exótica; possuía longos cabelos castanhos trançados até a ponta e olhos cinzentos como o orvalho da manhã. Não aparentava mais de 30 anos de idade. Suas feições eram suaves, porém tinha uma expressão decidida.
"Boa tarde." cumprimentou a mulher. "Meu nome é Kirsten e espero poder ajudá-los no que for necessário para cumprir sua missão."
"Obrigado, senhorita." disse Magno. "Agradeço em nome de todos e vos dou as boas vindas."
Kirsten agradeceu e voltou a sentar. Então Patrick se levantou e cochichou algo para um dos membros que estava na mesa. O homem imediatamente se levantou, sendo seguido pelos outros dois. Deram meia volta e saíram.
"Pedi para que Marc e os outros informassem os Dragões da decisão que tomaram." disse Patrick. "Creio que por hora a reunião está encerrada. Passarão esta noite no castelo. O ritual de abertura do tempo será daqui a dois dias."
Patrick e Kirsten se levantaram. Magno e os outros também postaram-se de pé. Um a um eles saíram do salão. Os dois cavaleiros da Ordem do Tempo seguiram por um caminho, e o grupo tomou outro corredor, indo até os quartos que lhes haviam sido reservados para passarem a noite.
Separaram-se por fim, cada um indo para seu respectivo aposento. Deitado em sua cama, Shaoran relembrava aquele dia, pensava nos Dragões.
"Tomara," pensou ele. "Tomara que tudo se resolva logo como os Dragões disseram hoje mais cedo. Torço para voltar logo para minha dimensão e para Sakura."
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No quarto ao lado, Sakura se encontrava pensativa. Kero já havia adormecido, bem como Yue. Debaixo das cobertas, Sakura imaginava como tudo aquilo iria acaba. Mais ainda, imaginava como seria bom se realmente pudesse ter Shaoran de volta. Pensava que quando tudo aquilo terminasse, diria a Shaoran como ela se sentia... Como será que ele reagiria? Ficaria feliz? Dezenas de perguntas como estas surgiram em sua mente. Tentou obter respostas para todas elas, sem sucesso porém. Decidiu por fim dormir. Estava tarde e ela não apressaria as coisas. Daria tempo ao tempo e esperaria para ver o que viria. O que tivesse que ser, que fosse. E o que tivesse que vir, que viesse.
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Bom, aqui acaba mais um capítulo. Espero que tenham gostado e desculpem se esta parte estava demasiado parada. Estou guardando a ação para os próximo capítulos. Estes primeiros capítulos foram essenciais para a estruturação do enredo e para a preparação do clima e da ambientação da história. Sem eles fica difícil compreender tudo o que vem depois. Entendam como se até aqui tudo tivesse sido um aquecimento. A verdadeira jornada ainda está por vir. Aguardem e verão.
Desculpem se eu estou demorando para atualizar. Na verdade, eu tenho muita coisa rascunhada, mas estou sem tempo de digitar tudo por causa da faculdade. Mas assim que as coisas se ajeitarem eu prometo tentar atualizar com mais freqüência.
Comentários, críticas e sugestões, mandem-me um e-mail. Estarei esperando.
Peace, Love and Hope to all and each one of you. Now and Forever.
Felipe S. Kai