Capítulo Quatro – Iniciação
A noite logo passou e a alvorada veio, fresca e cinzenta. O orvalho ainda brilhava nas folhas e flores, que balançavam com a brisa matinal no imenso jardim do castelo. Aquela brisa trazia consigo algumas nuvens carregadas e o cheiro da chuva. O Sol brilhava fraco por entre aquelas nuvens e aquecia, lentamente, todo o ambiente ao redor.
Sakura acordou logo com os primeiros raios de Sol, como se alguma coisa a obrigasse a despertar. Havia dormido pesadamente durante toda a noite passada e sentia-se plenamente descansada. Olhou para o lado e viu Kero, que ainda dormia, bem como Yue. Sorriu. Espreguiçou-se manhosamente e levantou da cama. Caminhou até o banheiro, decidindo-se por tomar um banho. Encheu a banheira e despiu-se. Olhou-se no espelho: seus cabelos estavam bagunçados, mas ela sentia-se disposta como há muito não se via.
Entrou na banheira e mergulhou o corpo completamente, sentindo a água quente tocar-lhe a pele nua. Mergulhou a cabeça na água e tratou de relaxar. Quando subiu novamente, fechou os olhos e ficou ali, parada, por um longo tempo. O perfume daquelas essências de banho enchiam toda atmosfera ao seu redor e faziam-na entrar quase em um estado de torpor, tão maravilhada ela estava. Uma mescla infindável de aromas exóticos subiam ao ar e preenchiam o ambiente. Lavou os cabelos lentamente e depois o corpo. Quando finalmente terminou, sentia-se renovada, como se sua alma houvesse sido lavada junto com seu corpo. Sentia-se mais leve, rodeada de uma sensação de prazer que há muito não experimentava.
Vestiu-se e voltou a se olhar no espelho. Penteou os cabelos e andou novamente até o quarto. Kero ainda dormia, mas Yue já despertara e agora olhava pela janela, em direção ao enorme jardim do castelo, onde alguns membros da Ordem do Tempo caminhavam tranqüilamente.
"Bom dia, Yue." cumprimentou a jovem, caminhando até onde o Guardião estava e olhando pela janela também. Por um breve momento, não disseram nada um ao outro. Os minutos se passaram, lenta e vagarosamente. O Sol aos poucos foi subindo no céu. Então, Sakura quebrou o silêncio:
"Acho que vou descer e me encontrar com os outros. Você vem?"
Yue balançou a cabeça, negando levemente.
"Vou ficar mais um pouco e esperar por Kerberos."
Sakura assentiu e deixou o aposento. Caminhou pelo longo corredor do castelo e desceu os vários lances de escadas que a levariam ao salão principal. Ela já estava se acostumando a percorrer longas escadarias e corredores sinuosos. Caminhou despreocupadamente, sem pressa de chegar aonde quer que fosse. Outro corredor. Percorreu aqueles poucos metros pensativa. Ao final, o corredor se abria para uma grande passagem, que dava acesso ao pátio central do Castelo.
Sakura parou no meio do pátio, perto da fonte de mármore, e olhou ao redor, como se esperasse ver alguma coisa. Tudo o que pôde discernir foi um grupo de criados que cuidava do castelo. Decidiu, por fim, prosseguir. Cruzou o que faltava do pátio e adentrou o corredor que a levaria à ala Norte, onde ficava o salão principal. Não demorou muito, e Sakura estava no grande Hall de entrada, encarando a porta de madeira do Grande Salão. Entrou no aposento, mas não conseguiu encontrar ninguém lá.Ao perguntar sobre o grupo para um dos criados, o jovem a informou que seus companheiros a esperavam na Sala de Jantar.
De fato, alguns minutos depois, Sakura adentrava a grande Sala de Jantar, onde todos os magos, Shaoran, Patrick e Kirsten já se encontravam.
"Bom dia, Sakura." cumprimentou Eriol com seu habitual sorriso. "Estávamos te esperando para começar o café da manhã.
Sakura sorriu e agradeceu, tomando seu lugar ao lado de Shaoran. Logo, todo o grupo iniciava o desjejum que, certamente, estava farto. Uma dezena de pães, bolos, croissants e tortas haviam sido servidas, juntamente com bules de chá, leite e café. Uma porção de frutas da época havia sido cuidadosamente disposta sobre uma grande bandeja de prata e servida no centro da grande mesa.
Comeram com satisfação, enquanto discutiam os mais variados assuntos. Claro que o principal tópico foi a viagem que estariam fazendo dentro de algumas horas. Foi então que Patrick decidiu tomar a palavra:
"Já que vocês estão discutindo tão avidamente a jornada para o passado, gostaria de informá-los que o ritual de abertura do tempo terá início amanhã ao meio dia. Estejam prontos, pois atrasos não serão tolerados."
Todos na mesa assentiram. Levantaram-se então, cada um tomando um direção diferente. Atrás deles, alguns criados já começavam a recolher a fina louça e os restos de comida que ainda estavam sobre a mesa.
Enquanto saía, Sakura pôde ouvir alguém pronunciar seu nome. A garota se virou e viu Katrina parada junto à mesa.
"Será que eu poderia falar com você?" perguntou a Guardiã da Luz.
"Claro." respondeu Sakura, andando para perto da feiticeira.
"Não aqui." disse ela. "Vamos para outro lugar, onde ninguém possa nos ouvir. O que tenho para lhe falar é importante e particular."
Sakura assentiu e juntas as duas mulheres deixaram o aposento. Caminharam calmamente pelo grande jardim que rodeava o Castelo da Ordem do Tempo. Nenhuma palavra havia sido pronunciada após terem deixado a Sala de Jantar mas, na verdade, elas não sentiam necessidade de se expressarem com palavras. Cada uma sentia-se satisfeita apenas em ter a companhia da outra.
Continuaram andando até que Katrina parou. Sakura a olhou e também se deteve.
"Creio que aqui está bom." disse Katrina, sentando-se em um dos bancos que havia por perto e indicando que Sakura fizesse o mesmo. Então, a feiticeira mais velha iniciou uma longa conversa sobre a jornada que ambas fariam em alguma horas. O diálogo tomou uma boa parte do tempo das duas mulheres, fazendo com que se distraíssem um pouco de seus problemas: Sakura de seu dilema para com Shaoran e Katrina de sua preocupação pelo ataque de Mikhael. Então, quase duas horas após terem iniciado a conversa, a Guardiã encarou Sakura seriamente.
"Conversei com Magno hoje de manhã." disse Katrina, enquanto Sakura se acomodava. "Ele concordou que eu te orientasse no estudo da magia."
Sakura piscou, sem compreender por completo o que aquilo significava.
"Você tem um poder fantástico, Sakura." continuou Katrina. "O poder que você traz consigo é potencialmente maior do que o meu e o de Eriol. Arrisco dizer que a única pessoa cujo poder você não poderia vencer, dentre nós, é Magno."
"Entretanto, como você nunca recebeu instrução adequada, ainda não sabe canalizar toda força que possui. Magno concordou que eu te instruísse e te iniciasse na arte da magia."
A moça não soube o que dizer, estava sem palavras. Não sabia ao certo o que pensar, mas estava profundamente agradecida por ter encontrado Katrina.
"Você aceita?" perguntou Katrina. Sakura sorriu.
"Claro que aceito!" exclamou a jovem.
"Gostaria de deixar claro que não será fácil." falou Katrina. "É preciso muita disciplina e força de vontade. Ainda assim você está disposta a prosseguir?"
Sakura fez que sim com a cabeça.
"Fico feliz por saber disso." falou Katrina em seu habitual tom suave. A bruxa levantou-se, sendo prontamente seguida por Sakura.
"Como a jornada terá início apenas amanhã, hoje eu te iniciarei na tradição da Grande Deusa. Devemos aproveitar que ainda teremos lua cheia esta noite. Gostaria que você se preparasse, Sakura. Vá até seus aposentos e lá deixe todo e qualquer acessório que você esteja utilizando no momento. Não use nenhum tipo de corrente, brinco, jóias ou bijuterias. Isso vale também para sua chave mágica. Desligue-se de tudo que for material."
Sakura assentiu. Katrina continuou:
"Encontre-me novamente dentro de uma hora, neste mesmo lugar."
A Guardiã saiu andando, deixando Sakura para trás. Sem demora, a jovem correu para seu quarto e deixou lá todos os seus objetos pessoais. Ficou pensando em Katrina e no poder que a Guardiã havia dito que ela possuía. Pensou em várias coisas e sentiu-se estranha por estar prestes a ter uma mestra.
Realmente era estranho. Há algumas semanas atrás ainda estava chorando a morte prematura de Shaoran. Agora, além de tê-lo reencontrado – ainda que vindo de outra dimensão e que seu encontro houvesse se dado de forma bastante inusitada – estava prestes a fazer uma viajem profunda no tempo para impedir algo que ela se culpara durante muito tempo. Como se não bastasse, estava a um passo de ter uma orientadora no vasto e traiçoeiro mundo da magia. Definitivamente, a vida era estranha.
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Uma hora depois, Sakura se encontrava com Katrina no jardim do castelo, no mesmo lugar onde haviam estado há algum tempo atrás. A feiticeira já a esperava, com o habitual ar sereno.
"Que bom que chegou." falou Katrina, tomando Sakura pelas mãos. "Venha, há muito a ser feito."
E dizendo aquilo, puxou Sakura até a entrada de um bosque. A jovem jamais poderia imaginar que havia um bosque nos arredores do Castelo.
"Há muita coisa sobre este lugar que você não sabe e jamais vai sequer desconfiar." disse Katrina, diante do olhar espantado de Sakura.
Adentraram o bosque sem muita preocupação. O dia continuava nublado e o que parecera ser apenas o fantasma de uma mera chuva passageira pela manhã tinha se transformado na real possibilidade de uma tempestade. Mas mesmo com as densas e carregadas nuvens cobrindo o céu, ainda assim era possível vislumbrar o Sol, que àquela hora já estava no meio do Céu: era meio dia.
Colocando pé ante pé, Sakura se fez prosseguir por aquele bosque verde e deslumbrante. De fato, não muitas vezes havia tido a oportunidade de contemplar algo do tipo. Pensou novamente em como o mundo era estranho. E quanto mais ela tentava buscar explicações para o grande mistério que era a vida, menos soluções ela obtinha. Será que uma dia ela compreenderia, enfim, a razão pela qual o mundo girava, o motivo pelo qual o Universo dava voltas e a verdade a respeito da existência de todas as pessoas? Ela duvidava. Tantas eram as perguntas, tão poucas as respostas.
Detiveram-se por um momento em frente a um grande carvalho. Era uma árvore antiga, Sakura podia dizer pelo seu tamanho e aparência imponente, com sua copa larga se espalhando acima de suas cabeças. Não muito longe, podia-se ouvir o ruído de água corrente, provavelmente um riacho ou pequeno córrego. Continuaram caminhando até que Sakura pôde comprovar o que fazia o barulho de água. Ali perto corria um pequeno rio de água límpida e cristalina. Podia-se ver o fundo de seu leito, onde seixos e cascalhos eram levados pela fraca correnteza.
Sakura olhou o rio, que se embrenhava no meio do bosque até se perder de vista. O som da água fluindo era quase uma música para os ouvidos da jovem de olhos de esmeralda. Era como se aquele lugar a acalmasse profundamente.
"Ouça a voz da Natureza, Sakura." murmurou Katrina no ouvido da garota. "Ouça a canção que a Natureza compõe em cada movimento que faz. Contemple a harmonia e a sabedoria que somente a Natureza possui. Veja a perfeição."
Sakura estava maravilhada. Fechou os olhos, procurando escutar melhor aquela suave melodia de seixos, água e folhas, que era tocada pelo bosque em sua totalidade. Cantos de pássaros completavam aquela magnífica orquestra. Tudo parecia acontecer na hora certa, cada som, cada ruído. Até mesmo os altos trovões que começavam a soar pareciam ser música para ela.
Foi então que a garota sentiu a chuva que começava a cair. Abriu os olhos para o céu, que despejava toda sua carga sobre o bosque e as duas mulheres que se encontravam nele. A chuva caía em grossos pingos, cheios de força e com um furor surpreendente.
Katrina puxou Sakura pela mão e juntas elas correram pela floresta. Não demorou muito e chegaram a uma pequena cabana de madeira. Katrina abriu a porta de uma só vez, puxando sua companheira para dentro. Estavam ambas ensopadas, mas riam abertamente: correr sob a chuva era algo muito bom!
Sem demora, a Guardiã da Luz caminhou até a mesa e pegou duas túnicas brancas que lá haviam.
"Ainda bem que eu resolvi deixar tudo preparado e trouxe estas roupas para cá hoje pela manhã." disse ela. "Tome, Sakura. Troque de roupa ou irá se resfriar."
Sakura agradeceu. Tomando a túnica nas mãos, trocou-se em silêncio no pequeno quarto que havia ao lado da saleta de entrada. Quando voltou, Katrina também já havia se trocado e a lareira havia sido acendida. O fogo iluminava o ambiente e aquecia aquela pequena cabana, fazendo com que o cenário do lado de fora fosse quase uma outra realidade para as duas.
Ambas as feiticeiras sentaram-se no sofá que havia perto da lareira e que, como tudo naquele casebre, era pequeno mas confortável. Observaram a chuva cair do lado de fora e beijar as folhas das árvores e as flores daquela floresta. Os tórridos pingos de água escorriam pela terra, pelo vidro e pelas paredes da casa. Foi Sakura quem quebrou o silêncio:
"Katrina... Eu gostaria de agradecer."
"Pelo que?" indagou a Wicca.
"Por você ser minha mestra." respondeu Sakura. Katrina sorriu.
"Eu não sou sua mestra, Sakura." a jovem franziu as sobrancelhas. "Eu sou apenas sua guia. Alguém escolhido para te guiar pelo mundo da magia. Eu não sou sua mestra, apenas alguém com mais experiência que você. Eu mesma ainda tenho muito para aprender. Todos os dias eu aprendo algo novo, vejo algo novo ou ouço algo novo. Os únicos mestres que todos nós temos, Sakura, são a vida e o tempo. E ninguém melhor que a vida e o tempo para nos ensinar e nos mostrar o caminho certo! E, é claro, não podemos nos esquecer da Grande Mãe, a Grande Deusa."
Sakura sorriu. Estava admirada com o que Katrina havia acabado de dizer. De fato, a vida era a melhor mestra de todas. Era ela quem ensinava as pessoas a perdoar, a compreender, a amar. Era a vida, juntamente com o tempo, que ensinava as pessoas a terem fé e paciência, que ensinava as pessoas a simplesmente viverem.
Outro trovão. A chuva engrossara e não parecia que iria acabar tão cedo.
"Só espero que ela acabe até o cair da noite, ou nossa vinda até aqui terá sido em vão." murmurou Katrina.
O tempo passou depressa enquanto as duas feiticeiras conversavam no conforto daquela pequena cabana e por sorte – ou talvez um mero golpe do Destino – a chuva havia ido embora. Em seu lugar, apenas um grande e belo céu repleto de estrelas e iluminado pela luz da Lua, que se erguia imponente e majestosa.
"Está na hora." disse Katrina, tomando as mãos de Sakura nas dela. A feiticeira guiou a jovem para fora da cabana até uma clareira junto ao pequeno rio que haviam visto havia algumas horas antes. Katrina carregava também uma pequena sacola de pano, cujo conteúdo Sakura desconhecia.
Ao pararem na beira do rio, Katrina olhou ao redor, como para se certificar de que não havia ninguém por perto. Olhou então para cima, na direção da Lua. Contemplou o corpo celeste por alguns segundos, antes de se voltar novamente para sua companheira.
"Antes de começarmos, Sakura, eu novamente pergunto se está realmente disposta a prosseguir. Trilhar o caminho da magia, embora imensamente gratificante, não é fácil. Haverá obstáculos no meio do caminho e eu preciso que você tenha certeza absoluta a respeito da decisão que está tomando."
Mas Sakura apenas balançou a cabeça em sinal afirmativo. Ela não estava disposta a fugir naquele momento, depois de ter passado por tudo aquilo e de ter refletido tanto. Iria até o fim! Katrina apenas sorriu e concordou com a moça.
"Primeiramente, Sakura, eu te peço para tirar a roupa e mergulhar no rio." falou Katrina. "Tome um banho. Você deve ser purificada antes do ritual ser iniciado."
Assim foi feito. Sakura despiu-se e entrou no riacho. Banhou-se calmamente, mentalizando todas as impurezas deixando seu corpo e sua alma. Quando acabou, percebeu que Katrina havia aberto a sacola de pano e retirado seu conteúdo. No chão do bosque havia um punhal, dois cálices, um com vinho e o outro com água, um punhado de sal, alguns incensos e seis velas: duas pretas, duas brancas, uma vermelha e uma azul.
Katrina construiu um pequeno altar e posicionou sobre ele o punhal, o vinho, a água, o sal, uma vela preta à esquerda e uma branca à direita. Então, pegou as outras velas e começou a posicioná-las seguindo os pontos cardeais: uma preta ao norte, perto do altar, uma branca ao leste, a vermelha ao sul e a azul ao oeste.
Sakura observou pacientemente enquanto Katrina terminava a preparação para o ritual. Era surpreendente como os movimentos da Guardiã eram leves e fluidos e como, mesmo durante a noite, ela parecia irradiar uma suave luz branca, quente e reconfortante.
Sakura perdeu-se em meio a pensamentos e reflexões, enquanto a Guardiã da Luz caminhava ao redor do altar, certificando-se que tudo estava em seu lugar. Em sua mente, Sakura deixava-se vagar, com seu pensamento indo e vindo de todas as direções possíveis. Lembrava-se da maneira como havia se sentido em paz naquele dia, mais cedo, ao ouvir os sons da Natureza, a "Sinfonia da Perfeição", como Katrina chamava. Aquela melodia suave, equilibrada e densa havia provocado na jovem um sentimento de conforto muito grande.
Ainda mergulhada em suas reminiscências, Sakura foi puxada de volta à realidade pela voz suave se Katrina, que a chamava para começar o ritual. Caminhando para perto da feiticeira, Sakura viu que as velas sobre o altar haviam sido acesas, queimando livremente na ara improvisada.
Katrina a guiou até a frente do altar, onde pararam. Ficaram ali por alguns momentos, onde ambas se concentraram naquilo que estavam prestes a realizar.
Então, pegando o punhal que estava sobre o altar, Katrina começou o ritual, traçando um círculo no sentido horário ao redor de onde estavam. Enquanto andava mentalizava todas as energias do universo e dizia em voz alta:
"Eu traço este circulo mágico para que nos proteja de energias impuras. Dele nenhum mal sairá e dentro dele nenhum mal entrará."
Ao redor de Sakura, o círculo místico traçado no chão começou a brilhar levemente com uma luz pálida e branca. Katrina completou o círculo, voltando para perto do altar. Então, ergueu o punhal para o céu. A vela preta sobre o chão, que representava o ponto norte, imediatamente se acendeu. Katrina olhou para Sakura e pediu que ela repetisse o que seria dito a seguir:
"Eu invoco os Guardiões das Torres de Observação do Norte, os Elementais da Terra, para que estejam conosco neste Ritual."
Sakura repetiu a invocação sem hesitar. Katrina então caminhou até o ponto leste, onde a vela branca prontamente se acendeu:
"Eu invoco os Guardiões das Torres de Observação do Leste, os Elementais do Ar, para que estejam conosco neste Ritual."
As palavras de Katrina foram novamente repetidas por Sakura. A Guardiã então andou até o ponto Sul, a vela vermelha se inflamando tão imediatamente ela chegava perto:
"Eu invoco os Guardiões das Torres de observação do Sul, os Elementais do Fogo, para que estejam conosco neste Ritual."
Novamente Sakura reproduziu as palavras de Katrina, e a feiticeira prosseguiu para o próximo ponto, o Oeste, onde se encontrava a vela azul.
"Eu invoco os Guardiões das Torres de Observação do Oeste, os Elementais da Água, para estejam conosco neste Ritual."
Voltou ao ponto norte, para perto do altar, e beijou o punhal, pedindo a Sakura para que fizesse o mesmo. A jovem ainda se encontrava parada no centro do círculo, que continuava a brilhar, naquele momento com um pouco mais de intensidade.
Katrina pousou o punhal sobre o altar, dizendo:
"Que os elementais sejam bem vindos."
Pegou um punhado de sal e o jogou na água, tomando o cálice em suas mãos e oferecendo-o para Sakura. Seguindo as instruções de Katrina, a moça deu três voltas em torno do círculo, deixando algumas gotas de água com sal caírem no chão. Voltou ao ponto norte, onde Katrina voltou a tomar o cálice das mãos de Sakura e o pousou sobre o altar, dizendo para a jovem:
"Assim como o sal purificou a água, que purifique também a vossa vida. Abris vosso coração para as verdades e ensinamentos da Magia."
Katrina encarou Sakura com seriedade, dirigindo novamente a palavra à mulher mais nova:
"Vós jurais jamais usar vossos conhecimentos para prejudicar qualquer ser vivo ou fazer apenas a vossa vontade?"
"Eu juro." respondeu Sakura com firmeza.
"Vós jurais amar vossos irmãos e irmãs e nunca causar dor ou humilhação a nenhuma pessoa?" indagou Katrina novamente.
"Eu juro." respondeu Sakura decidida.
"Vós jurais proteger o planeta e tudo que habita nele e procurar viver em harmonia com as energias do universo?" perguntou Katrina.
"Eu juro." respondeu Sakura novamente.
Katrina então pousou a mão direita sobre a cabeça de Sakura. Uma sensação morna e reconfortante tomou conta dos sentidos da jovem feiticeira:
"A partir de agora vosso corpo é sagrado e tendes o direito de vos defender de qualquer coisa que vos faça mal. Vosso corpo merece respeito, pois é divino como a vida. Nunca fareis mal aos vossos irmãos e jamais praticareis magia destrutiva. Lutareis pela justiça e jamais ficareis ao lado daqueles que oprimem em busca de poder. Que o amor, a justiça e a caridade sejam estabelecidos na Terra."
Katrina pegou o vinho e o estendeu para Sakura. A jovem de olhos esmeralda pegou o cálice e derramou algumas gotas no chão, enquanto Katrina dizia:
"Assim como este vinho derramou, que o poder seja tirado de vós se vós não cumprires o vosso juramento."
O círculo pareceu brilhar ainda mais e Sakura foi envolvida por sensações e sentimentos fortes e completamente novos e desconhecidos. A garota fechou os olhos, maravilhada pelas emoções que tomavam seu corpo naquele momento.
Tomando o cálice das mãos de Sakura, Katrina molhou um dedo no vinho, traçando um pentagrama sobre a fronte da jovem feiticeira:
"Que vossos pensamentos sejam guiados apenas pela luz divina." disse a Guardiã.
Traçou outro pentagrama sobre as pálpebras de Sakura:
"Que vossos olhos vejam o poder divino em tudo que existe e tudo que vos for permitido ver."
Traçou outro pentagrama sobre os lábios da moça, dizendo:
"Que todas as vossas palavras sejam para propagar o bem e o amor e que jamais escutem vossa voz se eu um dia fizerdes o mal."
Desenhou um quarto pentagrama sobre o seio esquerdo da garota:
"Que vós sejais sempre caridosa, justa e que tenhais muito amor em vosso coração, para que ameis a vida e o universo."
O quinto pentagrama foi desenhado sobre a região sexual:
"Que vosso sexo seja abençoado para que vós tenhais fertilidade em vossa vida."
Por fim, o sexto e último pentagrama foi desenhado sobre os pés de Sakura, acompanhado das palavras:
"Que vossos passos sejam guiados pelo amor e pela felicidade e que jamais vos desvieis do vosso caminho."
Katrina bebeu um gole do vinho e ofereceu o cálice à jovem, que fez o mesmo. Em seguida, a mulher mais velha tornou a tomar o cálice das mãos de Sakura, colocando-o de volta em seu lugar sobre o altar feito de pedra e galhos.
"De agora em diante, vosso nome mágico será Cadhla, a Beleza." falou Katrina. "Pelo poder do três vezes três, que assim seja e que assim se faça."
Novamente, Katrina pegou o cálice com vinho e derramou o restante de seu conteúdo no chão. Naquele momento, o círculo traçado pela Guardiã pareceu brilhar como nunca, espalhando-se por todo o bosque e além dele. Sakura teve os olhos momentaneamente cegados pela intensidade do clarão emitido. Quando os abriu novamente, já não estava no bosque. Sentia-se flutuar por lugares desconhecidos e inexplorados. Sentia-se leve e solta como se seu próprio corpo fosse feito de luz.
Voou por rios e lagos, montanhas e planaltos; sobrevoou planetas e estrelas, como se tudo no Universo estivesse ao seu alcance.
Foi então que ouviu uma voz falar diretamente em sua cabeça, uma voz feminina. Era imponente e imperiosa, ao mesmo tempo que era suave e gentil:
"Finalmente tu vieste até mim, criança."
"Quem é?" perguntou Sakura.
"Sou a força primitiva, ilimitada e eterna. Os ventos e as folhas cantam meu nome. Eu sou a Vida, sou o início. Repouso sobre a Lua e meus pés descansam sob os céus estrelados. Sou a alegria daqueles que riem e a tristeza nas lágrimas daqueles que choram! Eu sou nova, a tudo assisto e aprendo. Sou velha também, o próprio ciclo da morte e do renascimento. Sou a Mãe, aquela que vem antes de depois de mais nada. Meus nomes são os mais diversos. Chamam-me sábia, benevolente. Chamam-me cruel, imprevisível. Chamam-me Natureza. Sou a Grande Mãe."
Sakura ficou sem palavras. Sentia-se pequena e diminuta perante aquele ser ancestral, aquela entidade mística poderosa.
"Fico feliz por teres vindo até minha presença, criança. Por muito tempo eu te esperei."
"A Senhora estava me esperando?" perguntou Sakura, fascinada.
"Sim, criança, eu estava te esperando. Tu que és brilhante, alegre e gentil. Tu que és compreensiva, sábia e valente. Tu, cuja Estrela fulge e cintila com ardor. Eu te esperei."
"Por que?" indagou Sakura. "Quem sou eu, senão Sakura Kinomoto? Quem sou eu, senão uma simples garota?"
"Tua modéstia é desnecessária, criança!" exclamou a Deusa. "Tu tendes consigo uma força muito grande. Esperei para que pudesse apenas contemplar tua grandeza. Eu te abençôo agora, criança. Vá em paz! Usa tua força com sabedoria. Acredita em teus sonhos e desejos. Acredita em ti. Acredita no amor, no poder que ele encerra. Vá em paz!"
Sakura sentiu seu corpo cair lentamente em direção ao bosque. Suavemente, ela se sentiu retornar ao seu próprio corpo, enquanto era envolvida por um calor suave e aconchegante.
Ao abrir novamente os olhos, Sakura se viu de volta em frente ao pequeno altar montado perto do rio. O brilho havia diminuído e se transformava naquele momento em apenas uma efêmera lembrança. Olhando para frente, Katrina começava a encerrar o ritual com um leve sorriso nos lábios.
A feiticeira pegou o punhal e ergueu-o para os céus, numa reverência. Então começou a dar uma volta ao redor do círculo, dessa vez em sentido anti-horário. Parou no ponto norte:
"Agradecemos aos Guardiões das Torres de Observação do Norte, os Elementais da Terra, por terem vindo e compartilhado conosco este Ritual. Sigam em paz."
Andou mais um pouco e parou sobre o ponto leste:
"Agradecemos aos Guardiões das Torres de Observação do Leste, os Elementais do Ar, por terem compartilhado conosco este Ritual. Sigam em paz."
Depois, no ponto sul:
"Agradecemos aos Guardiões das Torres de Observação do Sul, os Elementais do Fogo, por terem compartilhado conosco este Ritual. Sigam em paz."
Por fim, no Oeste:
"Agradecemos aos Guardiões das Torres de Observação do Oeste, os Elementais da Água, por terem compartilhado conosco este Ritual. Sigam em paz."
Voltando ao ponto norte, Katrina disse com a voz firme:
"Agradecemos às energias que estiveram presentes durante este Ritual. Retornem agora ao local do qual vieram. Sigam em paz."
Levantando o punhal novamente e dando outra volta ao redor do círculo, Katrina falou:
"Com o punhal eu te construí, com o punhal eu te desfaço, pela força mágica do punhal eu te abro. Que nós saiamos daqui livres de doenças e de energias indesejáveis. Enviamos este círculo mágico novamente ao centro do universo para que ele esteja lá até o momento em que seja necessária a sua proteção novamente. O circulo está aberto, mas não rompido. Que assim seja!"
Com um lampejo de luz, o círculo mágico vacilou e se desfez, seu brilho se apagando por completo. Apenas as estrelas e a Lua ainda fulgiam naquela clareira, perto do riacho. As únicas testemunhas que ainda haviam naquele local eram as árvores e, no topo de uma delas, uma pequena coruja acinzentada, que insistia em acompanhar a cena.
Sakura sentia-se imensamente bem. Katrina se aproximou da jovem e a vestiu. Sorriram uma para outra, enquanto Katrina juntava de volta na sacola todas as coisas que haviam utilizado no ritual.
Caminharam em silêncio de volta à cabana. Antes de entrarem, Katrina olhou para a Lua.
"São duas horas da madrugada." disse ela.
Foram até o único quarto que havia naquele casebre de madeira, onde puderam se deitar e descansar pelo restante da noite.
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Quando finalmente amanheceu, Katrina acordou Sakura com um leve toque. A jovem piscou por um momento, antes de sorrir para a bruxa mais velha e se levantar da cama.
"Já é dia." falou Katrina. "O Sol nasce do lado de fora da cabana. Há muito a ser feito hoje. Levante-se, Sakura. Prepare-se, pois devemos voltar tão logo isso seja possível."
Sakura assentiu e se pôs a andar pelo casebre, reunindo suas coisas. Juntou suas roupas e as dobrou, colocando-as em uma pequena bolsa de pano parecida com a que Katrina havia usado na noite anterior para carregar os materiais para o ritual.
Após o desjejum preparado por Katrina, as duas feiticeiras arrumaram a cabana decidiram retornar ao castelo. Deixaram a cabana para trás e percorreram o bosque até chegarem novamente aos arredores do imenso palácio da Ordem do Tempo.
Antes de entrarem, Sakura parou. Katrina a encarou profundamente:
"O que houve, Sakura?" indagou a Guardiã.
"Nada." respondeu Sakura com um sorriso. "Eu apenas estava pensando. Então é isso? Eu agora sou uma feiticeira de verdade?"
"Você sempre foi uma feiticeira de verdade. Eu apenas vou te guiar para que você aprenda a canalizar seu poder de modo apropriado."
Sakura sorriu. Então, apertando o passo, caminharam juntas para dentro da muralha do Castelo.
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Eriol acabara de acordar de um sono sem sonhos. Havia sido uma noite um tanto quanto conturbada e, embora ele não tivesse certeza absoluta do que se tratava, alguma coisa definitivamente não ia bem. Havia algo diferente pairando no ar, planando ao redor. Alguma coisa ia acontecer, estava certo disso mas não sabia dizer o que exatamente. Levantou-se, decidido a manter os olhos bem abertos e os sentidos bem aguçados, principalmente em torno de Shaoran e Sakura.
Terminou de se vestir e abriu as janelas. Uma lufada de vento percorreu o aposento, balançando os longos cabelos de Eriol e fazendo algumas folhas de papel que estavam sobre a mesa de cabeceira voarem. Eriol correu para apanhá-las. Fechou novamente a janela e começou a juntar as coisas que precisaria para a jornada. Em menos de meia hora já tinha tudo pronto. Antes de descer prendeu os longos cabelos em um rabo de cavalo e pegou a chave, colocando-a em torno do pescoço.
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Ao se aproximarem do hall de entrada, Sakura e Katrina puderam ver Shaoran correndo em sua direção. O rapaz parecia um tanto eufórico.
"Onde vocês estavam?" perguntou. "Eu estive procurando por vocês durante muito tempo! Você sumiu ontem, Sakura!"
Foi então que ele parou e notou as roupas que a companheira estava usando.
"Puxa!" exclamou ele. "Você está muito bonita! Onde conseguiu estas roupas?"
Sakura corou de leve, mas antes que pudesse responder, Katrina tomou a palavra.
"Estivemos conversando." falou a Guardiã com um sorriso terno. "Eu queria conversar um pouco a sós com ela. Estávamos apenas nos conhecendo melhor. A roupa foi um presente meu."
Shaoran sorriu. Então, virando-se para o corredor que conduzia à ala Sul, ele falou:
"Todos já estão esperando. Já são quase onze horas e os preparativos para a viagem já estão quase terminados. Apressem-se."
Elas assentiram e Shaoran desapareceu no corredor. Sakura olhou para Katrina com expressão de dúvida.
"Por que você não me deixou contar ao Shaoran sobre o ritual?"
"A cerimônia de iniciação é um ritual secreto. Não deve ser comentado com ninguém. Nem mesmo Magno sabe que eu realizei o ritual. Em sua cabeça está apenas a idéia de que passamos o dia de ontem só conversando."
"Entendo." murmurou Sakura pensativa.
"Vá agora. Suba e se apronte rapidamente. Pegue tudo o que precisa e vá até a sala cerimonial na ala Sul. Estaremos te esperando lá."
Sakura apenas concordou com a cabeça e saiu, tomando a escadaria que a levaria de volta a seus aposentos. Quase meia hora depois, a feiticeira voltava para o saguão principal e virava no longo corredor que a levaria até a sala de cerimônias.
Quando adentrou o salão ritual do castelo, todos já a esperavam, incluindo Patrick e Kirsten. Kerberus e Yue estavam parados juntos à uma pequena mesa de madeira que havia no canto, e Shaoran estava sentado no chão, perto de Eriol e dos outros Magos. Havia algumas outras pessoas – membros da Ordem do Tempo, com certeza – todas vestindo pesados mantos parecidos com o de Patrick e que continham uma ampulheta dourada bordada no peito – o emblema da Ordem dos Dragões do Tempo.
Assim que Sakura entrou, todas as atenções se voltaram para ela. A jovem se sentiu um pouco desconfortável com todos aqueles olhares que lhe eram dirigidos. Houve um momento de silêncio, intercalado pela respiração de cada um dos presentes. Então, sem perder tempo, Patrick e Kirsten caminharam até um dos membros da Ordem e lhe dirigiram algumas palavras em latim. O homem assentiu e sinalizou para os companheiros, que caminharam até o centro da sala circular. Todos imediatamente se puseram de pé e tomaram suas posições.
Permaneceram daquele modo por alguns minutos. Patrick e Kirsten se dirigiram até a mesa e pegaram as duas espadas que estavam sobre ela, prendendo-as nos cintos.
"Está na hora." disse Kirsten, virando-se e encarando profundamente a todos os presentes naquela sala.
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Aqui termina mais esse capítulo. Espero imensamente que tenham gostado dele. A partir do próximo, a jornada de Sakura e Shaoran terá início e a ação começará a se desenrolar.
Obrigado a todas as pessoas que me mandaram e-mails e comentários! Nem sempre eu posso responder a todos, já que meu tempo está um pouco curto, mas podem ter certeza que eu leio tudo o que mandam!
E por falar em e-mails, algumas pessoas me escreveram dizendo que gostariam de saber como foi que eu imaginei a história, de onde veio a idéia e tudo mais. Para essas pessoas e para quem mais quiser saber, eu vou fazer um "making of" da história. Quando eu postar o último capítulo do fic, eu vou postar o "making of", contando com detalhes como se deu o processo de criação deste fic, desde o momento da concepção da idéia, passando pelo desenvolvimento da trama, até chegar no projeto pronto. Vou colocar também a relação dos livros e dos sites onde fiz minhas pesquisas. Está bem assim?
No mais, já sabem, fico esperando comentários, críticas e opiniões.
Por hora, despeço-me.
Peace, Love and Hope to all and each one of you. Now and Forever.
Felipe S. Kai