Capítulo Quinze — Onde a Verdade Rasteja

"O que houve, Magno?" indagou Rolland, observando o amigo atentamente com seus olhos castanhos sagazes enquanto caminhavam pelos corredores do prédio que sediava a Ordem dos Iluminados. O Líder do Conselho parecia tenso, após recolher uma dezena de documentos e escritos antigos o mago simplesmente se levantara e deixara a biblioteca sem dizer uma única palavra. Agora, andando apressadamente, ele pensava nas informações que havia conseguido obter, ligando-as às pistas que já tinha.

"Pelo amor de Deus, Magno, o que aconteceu?" inquiriu Rolland uma vez mais, colocando-se na frente do amigo. Somente então o mago pareceu notar que o colega o estivera chamando desde que ele deixara o conforto da biblioteca iluminada pelos lampiões e pelas tochas presas às paredes.

Parou e fitou o amigo longamente, a consternação visível em seu olhar cansado. A expressão no rosto de Rolland denotava grande preocupação e dúvida, de modo que Magno não pôde mais continuar a ignorar o olhar questionador do colega. Suspirou profundamente com os olhos fechados. Hesitou por um momento, e quando falou, sua voz veio carregada de tensão, sombria como Rolland jamais havia imaginado ouvir.

"A tempestade está próxima." falou o mago em tom apreensivo. "Meu olhar se desanuvia para os detalhes sombrios que permeiam a Jornada. Um Mal antigo conspira e aos poucos o intuito sombrio de seu plano pérfido vai sendo desnudado diante de meus olhos. O tempo escorre pelos nossos dedos como as areias de um ampulheta."

"O que foi exatamente que os documentos revelaram?" perguntou Rolland, deixando-se tomar pela inquietação.

"Rituais de uma magnitude tal que sua lógica em muito ultrapassa qualquer compreensão mortal. Linhas e palavras que escondem séculos de poder e malícia. Ou eu muito me engano, ou estamos lidando com um inimigo de capacidades imensas. Conheço apenas uma pessoa suja capacidade pode sobrepujar os enigmas contidos nestas escrituras."

Rolland balançou a cabeça em sinal de entendimento e juntos eles voltaram a caminhar. Retornaram ao Salão Principal, onde tomaram o corredor da Ala Norte que conduzia até a Sala do Espelho.

O corredor possuía a parede repleta de tochas, que se acendiam instantaneamente à medida que a dupla passava. Diversas portas ao longo de sua extensão levavam à câmaras ritualísticas e salas de estudo e, vez ou outra, um outro corredor cortava o caminho, levando a outras partes da construção.

Por fim, cruzaram a última porta, ao final do corredor, e alcançaram a sala onde o Espelho de Ouro da sede ficava. Magno colocou a capa e ajeitou os documentos em baixo do braço. Em seguida, tornou a fitar Rolland.

"Escuta com atenção." ele pediu. "Reúne os Líderes da Ordem e comunica a eles a gravidade da situação. Se minhas suspeitas com relação ao conteúdo destes rituais forem verdadeiras, então em breve precisaremos de reforços."

Rolland assentiu.

"E para onde você vai agora?" ele perguntou.

"Vou voltar para os salões do Castelo de Cristal." disse Magno, desaparecendo através do espelho e retomando o caminho de volta à sede do Conselho.


Durante os poucos segundos ao longo dos quais seu corpo percorreu a distância até seu palácio, Magno deixou sua mente vagar e se perder em meio às inúmeras questões que o incomodavam naquele momento.

Repassou os registros que havia lido e analisado, fazendo com que dezenas de palavras corressem por sua mente. Apertou os olhos, tentando se lembrar se já havia visto ou ouvido algo a respeito daqueles estranhos rituais antes, mas o esforço foi completamente em vão. Jamais antes se deparara com tais tipos de cerimônia. Sentia apenas uma urgência crescente que dominava seu peito e se espalhava pelo resto de seu corpo, incitando-o a se apressar e sussurrando a sua alma que o inimigo se fortalecia e o perigo se aproximava.

Seus braços cobertos pelas mangas de suas vestes brancas envolveram com força os registros e documentos que carregava. Tamanha importância não podia correr o risco de ser perdida, e o desejo de proteger aqueles manuscritos tão preciosos de qualquer dano se intensificou, fazendo com que o mago os abraçasse forte contra o peito.

Ainda abraçado aos documentos, Magno voltou seus pensamentos para o único homem que conhecia cujos conhecimentos poderia decifrar aquelas questões, cujo tempo se encarregara de preservar, tamanho era seu entendimento sobre Magia das Trevas.

Abriu os olhos ao mesmo tempo em que cruzava o espelho de seu castelo, deparando-se com a lareira acesa e o costumeiro vaso de flores sobre a mesa de madeira. As rosas haviam sido substituídas por cravos brancos. Iluminada pelo fogo, Magno pôde divisar uma figura esbelta sentada em uma das poltronas. Próxima ao vaso estava uma bonita bandeja de prata que exibia sobre si duas xícaras de porcelana branca e um bule antigo de cobre. Seyfried serviu chá para ambos, ainda sem olhar para Magno.

O feiticeiro suspirou pesadamente e sentou-se ao lado da bela mulher, cujos longos cabelos escuros estavam molhados e cujos olhos refletiam o fogo bruxuleante, adquirindo um brilho levemente surreal. Recebeu a xícara das mãos delicadas da Guardiã e agradeceu.

Beberam lentamente enquanto fitavam a lareira e apreciavam a companhia um do outro. Mais que nunca o silêncio se fazia necessário, e era em silêncio que Seyfried observava o Guardião do Fogo organizar seus pensamentos.

Esvaziaram suas xícaras ao mesmo tempo em que o antigo relógio de parede num canto do aposento anunciava onze horas. Tornaram a pousar as xícaras sobre os pires e Seyfried atiçou o fogo com as tenazes, fazendo-o queimar com mais intensidade. Por um breve instante nenhum dos dois falou nada, até que finalmente a voz suave da Guardiã da Água soou por entre as paredes da sala, fazendo Magno desviar sua atenção do fogo.

"E então, como foi?" ela indagou.

"Encontrei documentos preciosos." disse Magno apontando para a pilha sobre a mesa. "Todavia não pude compreender por completo seu significado, tampouco formular uma teoria concreta sobre o que nos cerca. Resta apenas a certeza de que o quebra-cabeças está quase completo. Apenas nos falta uma peça para podermos unir todas as outras, e eu sei como consegui-la."

"Amanhã." disse a maga docemente. "Os outros já dormiram, estavam cansados após a última noite em claro."

Magno se remexeu na cadeira.

"Entendo." disse. "E por que tu não os acompanhaste? Deves estar exausta também, trabalhaste tanto quanto os outros."

"Eu não estava com sono." ela respondeu. "Estava pensando nos nossos jovens amigos. Como será que eles estão?"

"O que quer que tivesse que acontecer com eles, já aconteceu. A nós resta apenas nos empenhar em desvendar tudo isso o quanto antes e rezar para que nossa ajuda chegue a tempo."

Seyfried assentiu e se levantou, tomando a bandeja nas mãos. Olhou para Magno durante alguns segundos antes de falar calmamente:

"Não se demore demais, durma um pouco pois teremos muito o que fazer amanhã pela manhã."

Magno observou a feiticeira sair carregando a bandeja de prata. Esperou a porta da sala se fechar e tornou a contemplar o fogo crepitante que dançava entre as paredes da lareira num bailado lento e despreocupado, quase monótono. Vez ou outra uma labareda se agitava, lançava algumas faíscas ao ar, e tornava a se acalmar, retomando o bailado e recomeçando sua dança débil e pacata sobre o palco de madeira.

Ajeitando-se na poltrona, o mago voltou sua atenção para os documentos sobre a mesa e logo, assim como Seyfried, pegou-se pensando em como o grupo estava se saindo. Quando deu por si, o fogo da lareira já se apagara e tudo que havia restado de seu espólio eram as brasas incandescentes envoltas em cinzas.

Levantou-se em um movimento suave, decidido a seguir as palavras de Seyfried e descansar antes de continuar as pesquisas. Não tinha o menor sentido tentar avançar com todos os outros dormindo.

Caminhou a passos lentos até seu quarto, onde novamente encontrou sua cama de colunas impecavelmente arrumada. As cortinas brancas haviam sido trocadas e agora exibiam uma suave coloração azulada, esvoaçando com o vento que entrava pelas janelas entreabertas.

Fechou os vidros e as cortinas e deitou-se em sua cama. Permaneceu fitando o teto logo acima de sua cabeça por alguns minutos, ao cabo dos quais fechou os olhos e deixou-se dominar pelo sono.


Ainda era muito cedo quando Magno adentrou o Salão de Reuniões, logo após um rápido desjejum mas, a despeito do horário, já encontrou o restante do Conselho à sua espera.

"Bom dia." cumprimentou, recebendo um breve aceno de cabeça como resposta. Cruzou toda a extensão da sala, passando por Vladimir, Anna e Seyfried, e foi se acomodar em seu assento em um canto da mesa redonda, entre as Guardiãs da Água e da Lua. Trazia nas mãos a pilha de documentos que encontrara e seu olhar mostrava determinação e garra.

Fitou os colegas profundamente, detendo-se um pouco mais em Durval, fato que não passou desapercebido pelos demais. Então, baixou os olhos para os registros sobre a mesa e suspirou. Os outros mago se aprumaram ao verem os lábios de magno se abrirem e sua voz pesada encher o salão:

"Estamos enfrentando um ser antigo, cujo poder se fortalece a cada minuto que falo. Sua ambição e sua influência atravessaram os séculos maquinando, planejando e buscando algo que suas mãos estão próximas de alcançar. Vós certamente já ouvistes falar de Amanda Kasperhouser."

Um breve murmúrio correu a mesa, e Durval se levantou, olhando fixamente para o Guardião do Fogo.

"Amanda Kasperhouser foi uma das maiores sacerdotisas da Irmandade de Tenebras. Nasceu em 1715 em Holyhead, no País de Gales, mas foi criada em Liverpool, na Inglaterra. Sua influência era tamanha que ela chegou a controlar diversas empresas têxteis durante o crescimento industrial logo após a revolução provocada pela invenção da máquina à vapor. Amanda era uma manipuladora nata e sua ambição, aliada à sua habilidade de persuasão, fizeram-na ter muitas conquistas. Entretanto, após uma séria de erros dentro e fora da ordem, Amanda desapareceu. Suspeita-se que ela tenha se suicidado, mas os registros são por demais nebulosos e obscuros neste aspecto para que se possa ter certeza absoluta."

Magno pareceu satisfeito com a resposta de Durval. Correu os dedos brevemente pelos documentos à sua frente e tornou a olhar para os companheiros.

"Está certo, Durval. Entretanto, o que poucos sabem, é que Amanda também foi tutora e mestra do bruxo conhecido como Klaus von Karajan."

Os cinco feiticeiros que acompanhavam Magno deixaram escapar um suspiro contido, claramente evidenciando o impacto que aquela revelação lhes causara.

O mago estudou as expressões espantadas dos colegas antes de prosseguir.

"Encontrei registros e documentos relatando alguns fatos relacionados à Amanda e seus feitos extraordinários. Os boatos que dizem que ela está morta são completamente falsos, mentiras forjadas por ela própria para mascarar seus motivos e desviar as atenções de seus atos."

"Durante os últimos séculos, Amanda tem realizado rituais sombrios em busca de algo que não fui capaz de descobrir. Os rituais relatados desafiam minha capacidade de compreensão. Assemelham-se a oferendas primitivas e conjurações de algum tipo, mas nada realmente claro."

Anna se levantou, parecendo levemente transtornada.

"Que tipo de ritual poderia desafiar a sua compreensão de tal forma?"

"Muitos deles, de fato." respondeu o homem, ajeitando-se em sua cadeira. "Principalmente se tais rituais envolverem demasiada quantidade de Magia das Trevas, que não constitui meu campo de estudo."

Durval olhou para o Guardião do Fogo com peculiar interesse quando o ouviu falar sobre Magia das Trevas. Foi então que compreendeu que havia chegado o momento de desempenhar seu papel naquela peça. A voz de Magno soou mais uma vez, apenas para confirmar sua conclusão:

"As peças do enigma já estão todas diante de nós, precisamos apenas uni-las. É para isso que teus conhecimentos são necessários, Durval. Tu és o único com capacidade suficiente para interpretar corretamente os rituais que encontrei. Dentre todos nós, tu és aquele cujos conhecimentos acerca dos Poderes Negros é maior e mais profundo."

"Entendo." disse Durval, tomando os documentos em suas mãos e levantando-se de sua cadeira. Fitou os companheiros e sentiu o peso dos papéis que carregava. De alguma forma, apenas o contato com aqueles registros causava-lhe estranhas sensações e sentimentos. Havia uma força obscura naquilo tudo e seus sentidos captavam a sede de poder que aqueles rituais emanavam. "Dê-me duas horas e então poderei avaliar estes rituais de forma satisfatória."

Nem bem terminou de falar, Durval saiu apressado do salão, sem ao menos esperar uma resposta dos colegas. Havia um quê de urgência naquilo tudo e pairava no ar um cheiro de morte. O ambiente estava transtornado e algo vil aproximava suas garras de todos os seres sobre a Terra.

Cruzou o pátio central, iluminado fortemente pelo Sol que já ia alto no céu, e passou por uma porta de madeira, indo se trancar em sua sala privativa na Ala Oeste. Estava determinado a desvendar o segredo daqueles registros e era isso que faria. Pegando caneta e papel, pôs-se a trabalhar arduamente e não pararia até saber o que estava acontecendo.


Magno e Seyfried conversavam à beira da fonte particular da Guardiã da Água, avaliando a situação e discutindo o que fazer diante da perspectiva de um combate iminente. Repassaram todos os acontecimentos dos últimos anos e avaliaram seus desdobramentos múltiplos, como se contassem os fios de uma teia de aranha e procurassem compreender o modo como se interligavam naquela perigosa malha de intrigas e traições.

Seyfried passeava com os dedos nas águas limpas da fonte como se brincasse, mas Magno sabia que a feiticeira dedilhava a superfície translúcida buscando sabedoria e inspiração; buscando a tranqüilidade e a fluidez que se observa nos rios que correm por entre seixos e cascalhos tentando encontrar seu caminho até o oceano. Mas o oceano que Seyfried buscava não era feito de água, mas sim de sentimentos e idéias.

Magno também buscava um modo de se acalmar e se concentrar, fazendo com que o diálogo entre os dois fosse constantemente entrecortado por longas pausas, onde eles apenas contemplavam o vazio adiante e direcionavam os pensamentos que brotavam das profundezas de suas consciências preocupadas e inquietas.

Entrementes, os demais membros do Conselho também haviam deixado o Salão de Reuniões e agora procuravam confortar seus espíritos.

Anna e Inghrid dividiam o espaço da torre mais alta do palácio, conversando sobre tudo aquilo que estava acontecendo. A primeira mantinha os olhos fechados e apreciava a sensação do vento que batia em seu rosto e causava leves arrepios. A segunda tinha o olhar perdido, ora voltado para o horizonte ao longe, ora mirando o amplo firmamento que podia ser visto através do teto de cristal minuciosamente polido.

Vladimir também não ficara para trás, e se trancara na mesma cabana onde, alguns dias antes daquela loucura ter início, Katrina havia passado a noite com Sakura. Envolto pelas paredes de madeira, o Guardião da Terra deixou sua mente se perder, envolto pelos infinitos sons da floresta ao redor e pela sabedoria ilimitada da Natureza.

Quando tornaram a se reunir no salão, duas horas mais tarde, Durval já os aguardava, sentado em seu lugar em um canto da mesa de madeira. Parecia ligeiramente inquieto e trazia o semblante mais fechado que o normal.

"O que descobriste?" indagou Magno sem fazer rodeios. Durval soltou um longo suspiro antes de responder.

"Estes rituais escondem um poder fabuloso e inimaginável e devo confessar que encontrei algumas dificuldade em meu caminho enquanto os estudava. Não são exatamente uma conjuração, como você inicialmente imaginara, muito embora aparentem ser. O que temos diante de nós, meus caros amigos, é o fruto da ambição de uma sacerdotisa, fundamentado em séculos de pesquisa e planejamento, que trazem consigo uma sede de poder enorme e uma arrogância que não conhece limites."

"Mas o que exatamente estes rituais fazem?" perguntou Anna, inquieta e preocupada.

"É exatamente neste ponto que se encontram as dificuldades as quais me referi anteriormente e que muito me perturbam. Não tenho certeza absoluta acerca dos resultados destes rituais, uma vez que sua lógica é complexa e intrínseca. Mas não se desanimem!" acrescentou o feiticeiro rapidamente ao ver a expressão de desesperança começara tomar os rostos dos companheiros. "Dificuldades à parte, eu sei perfeitamente onde conseguir informações precisas sobre estes rituais. Apenas uma vez em minha vida eu pude ler algo igual, escondido nas entranhas da Terra, em meio a dezenas de outros rituais antigos, muitos deles proibidos e perigosos. Registros tão antigos que remontam ao início da nossa civilização como a conhecemos, todos guardados, mantidos fora do alcance dos olhos e das mãos de todas as pessoas do mundo."

"Do que você está falando, afinal?" perguntou Vladimir, parecendo um tanto quanto confuso. Os outros membros também pareciam não ter entendido muito bem, com exceção de Magno, que no momento fitava Durval, parecendo aprovar a resolução do Guardião das Sombras.

"Estou falando de escadas longas e tortuosas, que conduzem a corredores sombrios e a salões escuros e muito bem guardados, onde a verdade rasteja em meio às sombras. Um lugar onde toda a escuridão do mundo se concentra e, mesmo assim, é o único lugar onde você pode encontrar a mais ofuscante de todas as luzes: as luzes do conhecimento."

"A Biblioteca Secreta do Vaticano." sussurrou Magno, olhando para os documentos sobre a mesa. Durval confirmou com um aceno de sua cabeça, e o Guardião do Fogo tornou a falar. "Não sabia que a situação pudesse chegar a esse ponto."

"Sim, mas chegou." falou Durval. "Creio que farei uma nova visita àquelas escadarias empoeiradas."

"Mas como você pretende entrar lá?" perguntou Anna, curiosa. Durval a fitou profundamente e seus olhos se encontraram.

"Ora, Anna, você não prestou atenção quando eu disse que nesta biblioteca a verdade rasteja envolta pelas sombras?" falou o Guardião, enfatizando a última palavra. Anna sorriu e compreendeu, percebendo o quão tolas haviam sido suas palavras. Durval continuou. "Já entrei lá uma vez, posso fazê-lo novamente. Não me esperem, não sei quanto tempo vou demorar."

O homem tomou os documentos em suas mãos e recuou até um canto da sala onde a luz do Sol não podia tocar. O local pareceu tragar toda a luminosidade durante um breve instante, e a escuridão pareceu se espalhar pela sala como uma intrusa. Quando se dissipou e a luz pôde voltar a brilhar, Durval não mais se encontrava presente.

"Creio que não há razão para permanecermos aqui." disse Magno assim que o amigo desapareceu. "Voltaremos a nos reunir quando Durval retornar."

Levantou-se e começou a caminhar, e logo todos os magos haviam deixado o recinto.


O Guardião deixou as sombras envolverem seu corpo, sentindo a escuridão fria dominar os seus sentidos, brotando em seu peito e se alastrando até a as pontas dos seus dedos. O salão onde estava enegreceu completamente e Durval teve a nítida impressão de mergulhar em um mar gelado, de afundar pouco a pouco em direção a um lugar onde a luz não podia tocar e onde não era bem vinda. Qualquer outra pessoa acharia a sensação desconfortável ao extremo, mas ele já estava acostumado. De fato, até apreciava aquela impressão de ser engolfado por um oceano de escuridão sólida.

O nome de Amanda Kasperhouser passou inúmeras vezes pela sua cabeça enquanto se sentia ser carregado por braços invisíveis rumo ao seu destino. Se seu palpite estivesse correto, a bruxa não era apenas ambiciosa, mas completamente insana também. Ela não podia esperar realmente que aquilo desse certo. Era arriscado demais, complicado demais. Os riscos eram maiores que os ganhos e ela corria o sério perigo de falhar e condenar todas as realidades conhecidas.

As mãos invisíveis continuavam a carregar Durval rapidamente. O Guardião podia distinguir as sombras das construções por onde passava, perfeitas duplicatas dos edifícios mortais, reproduzidos pela treva sólida de compunha aquele lugar. De fato, quem pudesse ver o que o mago via, pensaria que o mundo todo era feito de sombras. Há muito o feiticeiro havia deixado o mundo de luz dos homens para entrar na Umbra, onde as noites eram eternas e onde a distância era uma mera ilusão.

Lentamente sentiu a velocidade diminuir e logo as sombras ao seu redor começaram a se dissipar até sumirem por completo. Quando Durval finalmente tornou a pisar no mundo tocado pela luz, encontrava-se em frente a uma porta de madeira talhada toscamente, com o batente um pouco desgastado e a maçaneta já oxidada pelo efeito do tempo. Logo acima do batente estava a figura de Cristo agonizando na cruz. Havia uma placa de metal pregada na porta com os seguintes dizeres gravados em baixo relevo:

"Et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Amen."

O mago estudou a porta por um instante antes de levar a mão à maçaneta e girá-la, não se surpreendendo ao constatar que estava trancada. Meneou a cabeça de um lado a outro, como se achasse graça daquilo tudo. Então, fechando os olhos, Durval sentiu seu corpo lentamente desvanecer. Logo, ele próprio havia se tornado uma sombra, que deslizou por baixo da fresta da porta e voltou a se materializar do outro lado.

Deparou-se então com um abismo profundo, escavado até as entranhas da Terra, por onde se precipitava um longa escadaria de mármore lapidado e trabalhado. Não se podia ver até onde a escada descia, muito menos o que havia no fundo. Era bastante improvável que aquilo tivesse sido construído por mãos mortais. Uma pessoa comum jamais poderia sequer conceber uma obra arquitetônica de tamanha magnitude e complexidade, quanto menos pensar em construí-la. Aquelas escadarias haviam sido erguidas por um poder maior, que Durval não ousava imaginar.

Arqueou as costas para frente e contemplou o precipício e a imensa escadaria com seus degraus habilidosamente esculpidos na pedra. Estavam cobertos de pó, dando a impressão de nunca terem sido limpados antes. O próprio ambiente era antigo e opressor, e até mesmo o ar que o rodeava parecia não ter sido respirado durante muito tempo. Havia um quê de mágico naquele lugar.

Tomou uma tocha nas mãos e começou a percorrer aqueles degraus imundos, descendo lentamente em direção ao coração do mundo, rumo a um lugar jamais mencionado sequer aos sussurros. Pé ante pé, o feiticeiro se precipitou pelo abismo, pensando em quando descera aquela escadaria pela primeira vez.

Estava atrás de informações acerca de certas condições sobre as jazidas petrolíferas mundiais e sobre certas maquinações comandadas por algumas ordens místicas no começo da década de 1990, em pleno auge da Guerra do Golfo, em uma tentativa de desestabilizar os exércitos — tanto iraquianos quanto estadunidenses —, a fim de encerrar aquela batalha. Fora parar naquela biblioteca quase por acaso, seguindo as instruções de um amigo. Mesmo naquela época ele já ouvira falar a respeito daquele lugar, mas o que viu o deixou ao mesmo tempo surpreso e perturbado. Surpreso por ver o tamanho daquele acervo, perturbado por saber que a humanidade talvez jamais tivesse acesso àquilo tudo. De um certo modo, talvez fosse melhor dessa forma. Como se diz, conhecimento é uma arma, e o conhecimento que aquele lugar encerrava poderia ser por demais perigoso se utilizado de uma forma errada.

Tomou o caminho da esquerda em um ponto onde a escadaria bifurcava e passava a conduzir a dois destinos diferentes. Continuou a descer por uma eternidade e um pouco mais, até que por fim penetrou em um corredor comprido e enevoado que desembocava em um hall amplo escavado em pedra nua. Alguns metros à frente havia uma pesada porta dupla de pedra bruta, que Durval já havia visto antes.

Aproximou-se com cautela, atento ao ambiente que o cercava, muito embora seus passos fossem firmes e decididos. Sabia que aquele silêncio sepulcral escondia alguma coisa, e ele certamente não seria pego de surpresa. Já tinha atravessado metade do hall quando uma voz imperiosa e aguda ecoou, vinda de lugar algum:

"Vá embora! O caminho está fechado em nome de toda cristandade. Aqui residem todos os mistérios e segredos da civilização. Somente aquele no comando da Sagrada Igreja Católica pode, pelo bem da humanidade, clamar pela sabedoria aqui contida. Em nome de toda cristandade, o caminho está fechado. Vá embora!"

Durval observou com atenção as duas estátuas que se encontravam uma de cada lado do portão de pedra ganharem vida e darem um passo para o centro, bloqueando por completo a entrada para o acervo daquela sala da biblioteca.

"Golens de Pedra." disse ele com desdém. "Parece que este lugar está mais bem guardado do que da última vez."

O Guardião deu um passo à frente, observando cuidadosamente os dois golens erguerem os pesados machados em tom de ameaça.

"Eu sou Durval Vandroy, Senhor da Escuridão e Guardião do Supremo Conselho de Magos. Em nome do grandioso Magno eu ordeno que saiam do caminho."

Mas as gigantescas estátuas não se moveram nem um palmo sequer. Durval se indagou se elas haviam sequer ouvido o que ele dissera. O feiticeiro suspirou pesadamente, claramente entediado com a cena. Ergueu a mão direita e um cajado comprido apareceu. Era inteiro moldado em ferro e possuía um diamante na ponta. Os dois golens tomaram o gesto como um sinal de perigo e ameaça e avançaram contra o mago, porém já era tarde demais. Durval saltou sobre as brutais criaturas e, antes que o primeiro golpe pudesse ser desferido contra ele, os dois seres que guardavam a passagem haviam sido reduzidos a pó.

Durval pousou do outro lado do hall e tirou a poeira de sua roupa. Em seguida, lançou um olhar para o que restara dos golens com uma expressão de ligeiro desapontamento no rosto.

"E eu pensava que tinham reforçado a segurança... Patético." murmurou, ao mesmo tempo em que empurrava os pesador portões de pedra, relevando o grande aposento escondido atrás delas.

Adentrou uma sala de tamanho descomunal, que faria a maior das bibliotecas parecer minúscula e sem importância. O local estava apinhado de altas estantes e grandes arquivos, impecavelmente organizados de forma que não era difícil localizar algo mesmo considerando as dimensões colossais do salão. As paredes estavam forradas de pinturas, retratos que mostravam todos os Papas que já haviam existido, desde Pedro, passando por Pio XII, até João Paulo II. O Guardião sempre quis saber o que aconteceria quando o espaço nas paredes acabasse. Construiriam uma sala maior?

Durval deixou os documentos que trouxera consigo sobre a única mesa que havia no local e passou a caminhar ao longo das prateleiras, recolhendo livros e pergaminhos diversos no intuito de terminar com aquilo o quanto antes.

Sentou-se com o material à sua frente e se pôs a ler tudo aquilo. Conforme os estudos progrediam, o mago ia ficando cada vez mais e mais surpreso. Encontrara referências que abrangiam desde antigos rituais xamânicos, encantamentos celtas e sacrifícios Astecas, até documentos que mencionavam as Cartas criadas pelo Mago Clow, tudo interligado em uma bizarra teia de conspirações e jogos de poder.

Aos poucos, suas piores suspeitas e temores foram se confirmando, à medida que as peças iam caindo cada uma em seu lugar e a verdade ia se formando diante de seus olhos espantados, como uma pintura de óleo sobre tela onde a forma aos poucos se moldava para revelar as aspirações e anseios da alma do artista.

"Mas não há artista." pensou Durval, sombrio. "Há apenas o desejo louco de uma feiticeira insana. As palavras de Magno estavam corretas, não há calmaria antes da tormenta, há apenas a tempestade."

O Guardião fez mais algumas anotações e consultou mais alguns papiros que remontavam ao início do século XII. Revirou outros tantos documentos ligando fatos e fazendo com que a malha de intrigas tecida por Amanda fosse lentamente desnudada.

Imerso que estava nos estudos, o feiticeiro perdeu completamente a noção do tempo, e o tempo aos poucos se desligou dele. Durval não sabia ao certo quantas horas haviam se passado desde que começara as pesquisas, mas sabia que o dia já deveria ter acabado.

Algumas horas mais tarde, seus ouvidos atentos captaram ecos de passos vindos de longe. Alguém estava se aproximando. Obviamente a destruição dos Golens e a posterior invasão do salão haviam atraído as atenções de alguém, mas isso não importava mais. Tinha as respostas que precisava e não deixaria que ninguém as tirassem dele. Com um movimento de seu cajado os diversos livros e documentos que utilizara voaram de volta para seus devidos lugares, como se de lá jamais tivessem saído. Recolheu os registros de Magno e levantou-se. Caminhou até um canto da sala e novamente sentiu seu corpo desvanecer, ao mesmo tempo que alguém adentrava o salão apressadamente. Durval não esperou para ver quem era; no instante seguinte o mago já se havia retirado do aposento e subido as escadas furtivamente. Então, mergulhando na escuridão eterna da Umbra, o Guardião das Sombras começou sua longa viagem de volta ao Castelo do Conselho.


Os cinco feiticeiros aguardavam ansiosamente o retorno de Durval do Vaticano, imaginando o que poderia ter acontecido. Não contavam que o colega fosse levar tanto tempo para voltar e a espera não permitia que seus espíritos se tranqüilizassem. A noite caíra, se fora e um novo dia já começara.

Estavam todos reunidos em torno da comprida mesa da sala de jantar, tomando o desjejum farto de frutas. Entretanto, nenhum deles comia muito por causa da imensa tensão e da apreensão. Olhavam a mesa repleta de pães e frutas e as jarras de leite, café e chá, mas se limitavam a mordiscar um pedaço pequeno de bolo ou uma maçã. Não havia clima para se fartarem com aquela mesa repleta de iguarias, que certamente daria inveja ao mais competente banqueteiro.

Terminado o breve café da manhã, um a um eles se levantaram e se retiraram do recinto, até que restaram somente Seyfried e Magno sentados à mesa. Os dois se retiraram e tornaram a se sentar à beira da fonte da feiticeira, enquanto conversavam brandamente sobre a Jornada. Seyfried novamente corria os dedos pela água, fazendo desenhos difusos e estranhos com os movimentos contínuos das pontas dos seus dedos longos e finos; desenhos que logo desapareciam para dar lugar a mais formas e padrões indefinidos.

Ergueu a mão e uma gota d'água foi cair na fonte, perturbando sua superfície reluzente e se alastrando em ondas suaves e leves. Seyfried não conseguiu deixar de ver naquelas ondas tudo aquilo pela qual estavam passando, questões que começavam pequenas, como aquela gota, e que lentamente cresciam e se revelavam grandes e arrebatadoras. A gota era apenas o estopim de algo muito maior, apenas o empurrão inicial que levava ao verdadeiro abismo e revelava a derradeira razão da existência.

Parou para observar uma pequena movimentação de pássaros no bosque ao longe, que voavam em bandos, descrevendo vistosas curvas contra o céu coberto de densas nuvens, brancas como enormes chumaços de algodão em uma colagem infantil mas que, a despeito da inocência, carregava algo de divino e requintado.

Tornou a contemplar a fonte com suas águas limpas e transparentes, geladas mas ainda assim acolhedoras e ternas. Corria os dedos da esquerda para a direita, e de cima a baixo, e traçava círculos e semicírculos com os dedos brincalhões, e tornava a recomeçar; esquerda, direita, cima, baixo, círculo, semicírculo, esquerda... Desenhava tudo em um único e ininterrupto movimento, parando de vez em quando para observar as formas bizarras desaparecerem rapidamente, como se nunca tivessem existido. Esquerda direita, cima, baixo...

Subitamente Seyfried foi tomada de um calafrio muito forte e sentiu todos os pêlos de seu corpo se arrepiarem. Fechou os olhos com força e os dedos que antes brincavam na superfície espelhada da água se retesaram e enrijeceram. A feiticeira estremeceu diante da forte onda de calor que tomou todo seu corpo naquele momento e sentiu uma imensa onda de energia cruzar a barreira entre as realidades, causando um enorme distúrbio em todo o ambiente ao redor.

"Em nome de Poseidon!" ela murmurou, sentindo a cabeça latejar incomodamente.

Ainda atordoada, a Guardiã se virou para fitar o lugar onde Magno estava sentado, ao mesmo tempo que o Guardião do Fogo se voltava para encará-la. Seus olhos se encontraram e Seyfried não precisou de mais palavras para saber que o companheiro também havia sentido aquela perturbação no campo energético universal.

Levantaram-se num rompante e começaram a correr de volta ao castelo, onde encontraram Vladimir, Anna e Inghrid já reunidos. Adentraram o Salão de Reuniões com urgência, mas antes que qualquer um deles pudesse comentar e debater o que haviam sentido, o local novamente mergulhou na escuridão e foi tomado pelas sombras, que revelaram a figura robusta de Durval carregando seu cajado em uma mão e os documentos na outra, e trazendo uma expressão grave e ligeiramente perturbadora no rosto.

"Sentem-se." ele falou rispidamente, tomando seu lugar e permanecendo rígido e impassível. "Há muito a ser explicado em pouco tempo."

O mago observou os outros se sentarem, os olhares todos voltados para ele. Podia observar naqueles olhares curiosidade e apreensão. Havia um quê de medo naqueles olhos. Pelo tom que usara, não podia esperar outra reação dos companheiros.

"O que aconteceu, Durval?" indagou Inghrid, inquieta e tensa em sua cadeira.

Durval soltou um longo suspiro de cansaço, tocando a pilha de documentos. Seu cajado estava apoiado no braço da cadeira e ele segurava o diamante incrustado na ponta com ferocidade. Então, sem poder mais conter sua voz, deixou que as palavras fluíssem soltas e explicassem o que havia para ser explicado.

"O problema que nos rodeia é muito mais profundo e intenso do que havíamos inicialmente pensado. O ataque que o Mago Clow sofreu ainda no século XVIII, as mortes de Satsuki e Shaoran, a vinda do rapaz para esta dimensão e a posterior Jornada pelo Tempo, tudo está intimamente conectado em uma intrincada rede de conspirações, manipulações e malícia. Os rituais que Amanda vem pesquisado e realizado ao longo dos anos não são simples invocações, eles abrem um portal para o próprio Plano de Tenebras, um lugar onde residem seres de aparência tão grotesca e poderes tão abomináveis que a simples contemplação de sua inenarrável magnitude seria suficiente para banir por completo a sanidade do corpo de qualquer ser vivo. Neste plano habitam seres cujo poder é mais antigo que o próprio mundo, seres feitos não de carne e osso, mas de vontade e malícia."

"Amanda atravessou os séculos buscando um modo de abrir essa passagem, mas após alguns fracassos, ela sumiu para que a desconfiança que pairava sobre sua pessoa pudesse ser desviada para outras questões. A bruxa agiu escondida durante muito tempo através de outros membros da Irmandade, manipulando a todos para conseguir alcançar seu desejo insano. Ela foi a responsável pelo ataque contra Clow e, posteriormente, contra Sakura e Shaoran."

Seyfried se remexeu na cadeira.

"Mas o que as cartas têm a ver com tudo isso? Por que ela as quer com tanto afinco? Esse desejo beira a obsessão."

"As cartas criadas pelo Mago Clow e posteriormente modificadas por Sakura contêm o poder de todos os elementos da criação. Cada uma das cartas encerra o poder e a magnitude de um pequeno universo, elas contêm em seu interior a centelha cósmica da criação. Amanda sabia disso e enxergou nas cartas um meio de facilitar a execução dos rituais, que requerem uma quantidade fabulosa de energia. Foi por isso que enviou Klaus para tomar as cartas e foi aí onde ela errou. Klaus von Karajan era uma serpente tão ardilosa e pérfida quanto ela própria e viu nas cartas um modo de, talvez, superar a própria mestra."

"E tentou trair Amanda e tomar as cartas para si..." murmurou Anna, entendo a gravidade da situação. Durval balançou a cabeça em sinal de confirmação e a Guardiã do Ar continuou. "Amanda tomou a morte de Klaus como um inesperado sacrifício em seu nome e como um sinal de fidelidade. Por isso enviou Mikhael para substituir e vingar o finado discípulo."

"Exatamente." falou Durval.

Houve uma pequena pausa, onde aquelas informações impactantes foram digeridas pelos cinco magos, observados por Durval.

"Klaus e Mikhael são apenas peões em um gigantesco tabuleiro de xadrez." ponderou Vladimir. "Se quisermos vencer este jogo teremos que derrubar o Rei... Ou no caso seria mais correto dizer, a Rainha."

Todos os feiticeiros concordaram com o colega e foi a vez de Magno se manifestar:

"Tudo isso por si só é demasiado ruim. Todavia, nossos problemas não se limitam somente a isso. Seyfried e eu sentimos uma grande perturbação no fluxo dimensional hoje mais cedo, um pouco antes de Durval retornar. Eu quero crer que vós também sentistes."

Houve um breve murmúrio de confirmação, exceto por Durval, que balançou veemente a cabeça e tornou a agarrar o cajado.

"Não senti nada pois, infelizmente, estava viajando pela escuridão do mundo Umbral. Lá, tais problemas e perturbações não significam nada nem têm o menor valor."

Seyfried então deu uma rápida explicações sobre o que haviam sentido momentos antes dele voltar.

"Tenho certeza que vocês, assim como eu e Magno, reconheceram o padrão energético daquela onda, não é mesmo?" indagou a feiticeira. "O que causou tamanha perturbação foi a energia de Sakura, vinda de outra realidade. Ela certamente tentou fazer algo para resgatar Shaoran de volta para sua dimensão."

"Isso não é bom." falou Magno. "O ato da menina na outra realidade pode comprometer seriamente o sucesso da missão que ele tem a desempenhar aqui. Creio que está claro para todos que seu dever não é tão somente impedir a própria morte, mas também ajudar a impedir de uma vez por todas os planos de Amanda."

Todos acenaram em confirmação. Nem bem Magno terminara de falar uma grande explosão chamou a atenção dos seis magos. No momento seguinte, uma das criadas entrou correndo pelo salão, coberta de pó, arfando e tremendo incontrolavelmente.

"O castelo foi invadido, meu senhor!" ela disse antes de desmaiar.

Os seis feiticeiros se puseram imediatamente em pé.

"Seyfried, cuida da garota." ordenou Magno. "Os outros, espalhai-vos e encontrai os invasores."

Saíram da sala correndo e cada um deles tomou uma direção diferente. O raciocínio de Magno trabalhava rapidamente. Aquela repentina invasão não podia ser uma simples obra do acaso. Não quando tudo aquilo estava acontecendo. Certamente havia alguma coisa por trás daquilo.

Caminhou através do átrio e saiu para o jardim principal, onde encontrou uma parte do muro totalmente destruída. Percorreu com os olhos o local em busca de pistas e respostas. Não se espantou quando foi rodeado por dez figuras encapuzadas.

"Magno Schneider." falou aquele que parecia estar no comando.

"Eu sou." respondeu Magno cordialmente. "E quero crer que vós entrastes em meu castelo sem a minha permissão. Devo, portanto, pedir para vós vos retirardes de bom grado no intuído de evitarmos mortes desnecessárias."

Os homens gargalharam, como se achassem graça das palavras do mago.

"Você está em clara desvantagem numérica." bradou seu rival. "Não pretende enfrentar a todos nós de uma vez, não é mesmo?"

"Tendes razão, não pretendo. A menos, é claro, que eu seja obrigado a fazê-lo."

O homem sinalizou para os colegas, mas antes que qualquer um deles pudesse sequer pensar em fazer algo, a voz de Magno tornou a soar:

"Vou pedir mais uma vez para vós vos retirardes em paz. Não sejais tolo, rapaz, dizei para vossos homens recuarem. Se prezai vossas vidas, deixai este castelo imediatamente. Do contrário, devo alertar-vos para a desagradável perspectiva de encontrar Lúcifer mais cedo."

Seu tom era perigosamente calmo. Os olhos do invasor encontraram os olhos flamejantes de Magno e viram neles um brilho fugaz e assustador. O homem pestanejou por um momento e não soube ao certo o que fazer, mas recuperou a postura logo em seguida.

"Mesmo que me mate, outros virão. A grandiosa Amanda sabe que vocês estão tentando destruí-la, e neste momento já mobilizou legiões de seguidores contra vocês."

Nem bem terminou de falar, os dez invasores saltaram na direção do Líder do Conselho. Tudo aconteceu espantosamente rápido. Viu-se um clarão imenso seguido de um forte estrondo. No instante seguinte havia dez corpos inertes sobre o fino gramado do jardim do castelo. Magno continuava parado no mesmo lugar.

Virou a cabeça e viu Vladimir se aproximar correndo, seguido de perto pelos outros quatro magos.

"O que aconteceu?" perguntou o Guardião da Terra olhando para os corpos no chão.

"Invasores da Irmandade. Amanda já tem ciência de que nós estamos conspirando contra ela. Outros virão depois destes e isso muito me preocupa. Posso neutralizar dez invasores sem problema, mas não tenho poder para derrotar um exército inteiro."

Magno fechou os olhos por um momento e sussurrou levemente. Ouviu-se um estalo e Ignem, o Sagrado Espírito do Fogo, apareceu ao lado do feiticeiro. O mago murmurou algo ao espírito, que logo em seguida desapareceu.

O Guardião do Fogo desatou a caminhar e todos o seguiram. Entraram apressados na sala do espelho, onde Magno se virou para fitá-los.

"Seyfried e Durval, vós deveis vos apresentar perante os Dragões do Tempo e lhes explicar a situação. Ireis de encontro a Clow e Katrina para ajudá-los. Nós ficaremos aqui para proteger o castelo do ataque dos enviados da Sacerdotisa das Trevas."

Os dois assentiram.

"Não te esqueças." disse Magno a Seyfried. "Caso aconteça algo a mim, o comando do Conselho estará em tuas mãos."

Seyfried balançou a cabeça concordando e atravessou o espelho atrás de Durval.

"Começou." disse Magno. "O combate derradeiro finalmente começou."


Tradução da Inscrição em Latim

Et ne nos inducas in tentationem; sed libera nos a malo. Amen. — Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém.


Nome: Durval Vandroy
País de Origem: Hungria
Idade: 56 anos
Data de Nascimento: 04 de Setembro de 1950
Tipo Sanguíneo: A-
Elemento Regente: Trevas
Ocupação: Guardiã das Trevas do Supremo Conselho de Magos e Magister da Ordem de Salomão.
Passatempo: Pintar e tocar piano.

Ficha pessoal: Durval nasceu em Budapeste, capital da Hungria, em uma viagem que seus pais faziam a negócios, mas logo cedo mudou-se para a Noruega, onde foi criado.

Durval entrou em contato com a magia muito cedo. Seus pais eram membros da Ordem de Salomão e ele foi apresentado aos anciões aos 10 anos de idade, quando começou a estudar teologia e os princípios básicos da Cabala. Mas foi somente aos 17 anos que ele tomou real contato com a magia, adquirindo especial interesse pela arte desprezada pela maioria dos magos: aquela contida na escuridão e nas trevas.

Com o passar dos anos, Durval se especializou na Magia das Trevas, tida por muitos como maligna, mas que ele via apenas como uma arte incompreendida e uma parte essencial da criação — afinal, não há luz sem sombras, não é mesmo?

Foi convidado a integrar o Conselho aos 42 anos de idade, após seus imensos esforços durante a Guerra do Golfo para interromper os conflitos.

Durval trabalha como professor de antropologia em Glasgow, na Escócia, além de dar aulas de piano e restaurar livros antigos nas horas vagas. É também um grande apreciador das artes plásticas, embora encontre pouco tempo para pintar.

Vive junto com a esposa Clair e a filha Sarah, de 10 anos.


Após um terrível bloqueio criativo, aqui está o capítulo 15 de Chrono, escrito em 5 dias durante minha viagem ao Guarujá. Aparentemente o som das ondas do mar me fizeram muito bem, e eu espero postar o capítulo 16 em, no máximo, duas semanas.

Finalmente foi revelada a identidade do verdadeiro inimigo: Amanda Kasperhouser, a sacerdotisa da Irmandade de Tenebras. A ajuda de Durval foi decisiva para a compreensão dos fatos, e os magos começam a entender a gravidade do problema que os cerca. Para completar, a magia feita por Sakura, na dimensão original, conseguiu chegar aos sentidos dos membros do Conselho, dando-lhes mais uma coisa com que se preocupar.

No próximo capítulo, toda a verdade a respeito do plano de Amanda é revelada quando Shaoran enfrenta um demônio na Passarela do Tempo. A seguir: "Cai o Pano".

Gostaria de agradecer a todos que mandaram reviews até agora! Puxa, 100 reviews atingidos! Muito obrigado mesmo, eu fiquei muito feliz quando voltei de viagem e vi que tinha recebido o centésimo review! Espero que a minha história continue agradando a todos por um longo tempo!

Gostaria de agradecer também três pessoas muito especiais.

Talita, que me pediu para fazer uma cena envolvendo a Biblioteca do Vaticano. Aqui está o seu pedido.

Stella, que também me deu sugestões importantes sobre a magia da Sakura.

Andréa, que me ajudou com o nome dos Papas.

Obrigado a todas vocês!

Este capítulo também é dedicado ao aniversariante dessa semana. Dessa vez não é uma pessoa, e sim uma cidade. São Paulo, minha cidade natal, completa 450 anos de existência no dia 25! Parabéns à terceira maior metrópole do mundo, perdendo apenas para Nova Iorque e Tóquio!

Até o próximo capítulo de Chrono!

Peace, Love and Hope to all and each one of you. Now and Forever.

Namárië