Capítulo Dezoito — O Apagar de uma Luz

"Não podemos perder tempo!" disse Patrick, levantando-se a ajeitando a espada no cinto. Juntos, ele e Kirsten abriram outro portal, não muito longe dali.

O grupo de amigos rapidamente caminhou pela passarela e atravessou o portal rumo ao seu destino. Cada um deles estava imerso em seus próprios pensamentos.

Shaoran sentiu seu corpo começar a rodopiar novamente. Sua visão ficou turva e o costumeiro zunido voltou aos seus ouvidos, enquanto sentia-se cair vertiginosamente rumo a lugar algum. Já estava quase se acostumando com aquela maldita sensação.

Fechou os olhos enquanto girava. O enjôo costumeiro não viera dessa vez, o que o deixou extremamente aliviado. Agora só rezava para sair logo daquele liquidificador gigante.

Ao lado dele, Eriol e Katrina pensavam em Amanda Kasperhouser. Há muito não ouviam falar da feiticeira e, até onde sabiam, ela estava morta. Pelo menos era o que eles acreditavam. Mas o Destino sempre se encarrega de nos pregar peças e, como sempre acontece quando se lida com o universo da magia, nada era realmente aquilo que parecia ser. Se Amanda atingisse seu objetivo, toda a humanidade estaria condenada.

O grupo aos poucos parou de girar e a claridade voltou a tocá-los. Lentamente eles sentiram a velocidade diminuir e seus pés puderam tocar solo firme. Quando finalmente conseguiram voltar a abrir os olhos, notaram que não mais estavam na Passarela do Tempo. Diante deles se exibia, imponente e majestosa, a cerejeira sagrada do Templo Tsukimine. Olharam ao para trás e puderam ver o pórtico de entrada erguendo-se alguns metros mais a frente. Um pequeno caminho de pedras ligava a árvore sagrada à entrada do pátio onde se encontravam. O Sol estava alto no céu e tocava o topo da frondosa árvore com seus raios quentes e revigorantes.

"Estamos no Templo!" gritou Kerberus, exasperado. "O bosque é do outro lado da cidade!"

"Tenha calma, Kerberus, temos tempo." disse Patrick consultando um relógio de bolso prateado, cuja tampa exibia o emblema da Ordem do Tempo. "De acordo com meus cálculos, estamos no início da tarde e o ataque de Klaus só ocorrerá na hora do crepúsculo."

"Ainda assim, como espera que cruzemos a cidade? Vocês parecem que vão para uma Feira Medieval ou algo do tipo vestidos desse jeito." falou o guardião.

"Ora, podemos nos teleportar até lá!" disse Sakura, pensativa. A idéia até que não era má. Eriol, entretanto, balançou veemente a cabeça, deixando clara sua reprovação.

"Não podemos." ele disse. "Devemos evitar utilizar nossos poderes por enquanto. Não podemos correr o risco de atrair atenções indesejadas, se é que me entendem. Além do mais, devemos poupar nossas energias. Creio que uma simples magia de camuflagem não irá comprometer nosso objetivo aqui."

E dizendo isso, a reencarnação de Clow estendeu as mãos na direção do grupo. Os trajes de batalha se iluminaram e deram lugar a trajes sociais.

Nada mais simples, ele pensou, sorrindo.

"Agora vocês parecem um bando de executivos engomados." desdenhou Kerberus, fitando o grupo com um olhar de diversão.

"Pare de reclamar, Kero!" ralhou Sakura, dando um cascudo no topo da cabeça do guardião. Kerberus grunhiu uma série de palavras ininteligíveis e tornou a assumir sua forma falsa, seguido por Spinel, Yue e Ruby.

O grupo desatou a caminhar lentamente. A despeito do turbilhão de emoções pela qual passavam suas mentes e seus corações, eles não tinham pressa para chegar até o bosque. Como Patrick havia dito, pela primeira vez desde que a Jornada começara, eles tinham o tempo a seu favor.

Andavam com cuidado, evitando passar por locais onde poderiam encontrar qualquer pessoa conhecida. Não seria nada bom se isso acontecesse.

Enquanto andavam, Sakura pegou-se pensando no que ouvira na Passarela do Tempo sobre Amanda e seu plano monstruoso. Estava decidida a pará-la definitivamente. Em sua cabeça, os anos obscuros pelos quais havia sido obrigada a passar iam lentamente clareando. As provações, os sofrimentos, as lutas... Tudo havia sido apenas um aquecimento, uma preparação para aquele momento derradeiro, quando todas as suas habilidades seriam testadas.

Cerrou os punhos com força e respirou fundo, tentando relaxar. Sabia que em breve Shaoran estaria a salvo e teriam um problema a menos para esquentar a cabeça. Logo tudo aquilo estaria terminado. Finalmente os ventos da boa sorte pareciam soprar para eles. Havia, entretanto, uma última surpresa planejada pelo Destino. E nada no mundo poderia preparar Sakura para aquilo que estava por acontecer.

Continuaram andando cautelosamente, prestando atenção a tudo ao seu redor. Pé ante pé, os companheiros se aproximavam cada vez mais de seu destino, sua determinação se fortalecendo a cada passo.

Eriol ia na frente, tendo Katrina e Patrick ao seu lado. O jovem inglês caminhava com sua habitual elegância e imponência. Ao lado de Katrina e Patrick, a comitiva adquiria um aspecto quase nobre. Um pouco mais atrás vinham Nakuru e Yukito, seguidos de perto por Sakura, Kirsten e Dawn. Shaoran vinha por último, imerso em seus próprios pensamentos e especulações.

O jovem lobo ainda guardava nitidamente em sua memória tudo que vivera no Fim dos Tempos. A imagem de Chrono desenhou-se em sua mente, clara como a alvorada, sorrindo exageradamente como o velho sempre fazia. Sentiria saudades dele, daquele jeito expansivo e ainda assim tão carinhoso que o ancião demonstrava.

Dawn olhava para todos os lados, ora admirada, ora assustada com todas aquelas estranhas construções, tão diferentes do que ela estava acostumada. Fitou um edifício demoradamente, pensando em como aquilo havia sido levantado. Aquela imensidão de concreto e cimento era quase esmagadora e fazia nascer no coração da garota um sentimento estranho e opressivo. Tudo aquilo era ordenado demais, certo demais, cético demais. Havia sim certa beleza naquilo tudo, mas não havia vida.

Por todos os lados, pessoas iam e vinham em um fluxo contínuo e ininterrupto. Não pareciam reparar umas nas outras, diferente do que acontecia no vilarejo onde vivera, onde todos se conheciam; onde as senhoras saudavam os transeuntes das janelas de suas casas e as crianças corriam pelas ruas, despreocupadas.

Nas ruas pavimentadas, gigantescos besouros de metal, dezenas deles, levavam suas vítimas ainda vivas em seu interior. A garota olhou para tudo aquilo horrorizada, que ser monstruoso podia conservar suas presas em seu estômago de forma tão vil? Conforme prosseguia, Dawn começou a sentir medo daquilo tudo. Era estranho demais... Horrível demais para ela suportar. Sua energia começou a oscilar perigosamente.

"Dawn, o que foi?" Kirsten perguntou, passando o braço em torno do ombro da garota.

"Como essas pessoas conseguem sorrir dentro desses monstros de metal?!" ela perguntou, chocada. Os companheiros se olharam, notando o quanto ela estava assustada com tudo aquilo. Kirsten tentou dizer algo, mas naquele momento uma viatura de polícia passou, sua sirene soando alto.

"Pare de gritar!" berrou a garota, levando as mãos aos ouvidos. Não houve tempo para ninguém reagir. No instante seguinte, um alto estrondo ecoou. O ruído agudo de freios e pneus cantando fez-se ouvir e a viatura explodiu, deixando somente cinzas e fuligem.

"Oh Deusa!" exclamou Sakura, seus olhos arregalados. Katrina correu e abraçou Dawn, que começou a chorar em seus braços.

"Não faz sentido!" a garota murmurou. "Isso tudo não faz nenhum sentido!"

"Tenha calma, criança." Katrina disse em seu ouvido. "Está tudo bem. Veja, aquilo não é um monstro, é um automóvel. Nós usamos aquilo para nos locomover. São como carruagens, mas sem cavalos."

"Sem cavalos? Mas como isso é possível?" ela perguntou inocentemente. Katrina sorriu melancolicamente e acariciou com suavidade o rosto dela, aparando as lágrimas que escorriam. A confusão no olhar da garota era evidente. "Isso não faz sentido nenhum! Este lugar está morto. Não há alegria aqui, somente uma frieza opressiva!"

Patrick balançou a cabeça. Ele deveria ter previsto isso. O choque cultural era muito grande. Para alguém acostumado à imensidão da natureza e à terra quente sob os pés, aquele conglomerado cinzento deveria parecer o Inferno na terra. Pois ali não existia cor, não existia vida, não existia calor algum. Havia apenas o frio do metal e do vidro, a monotonia do cimento e a disposição tão terrivelmente ordenada das construções ao redor. Pessoas em ternos caminhavam com pressa pela calçada, verificando seus relógios tão mecanicamente que não se podia dizer se as máquinas eram os relógios ou elas próprias. Cada reação, cada movimento parecia ser parte de um conjunto inconsciente e contínuo de gestos e expressões, repetidos a intervalos regulares previamente programados.

Robôs, pensou o cavaleiro, observando os pedestres. Algumas pessoas se aglomeraram em torno da viatura destruída. O som de murmúrios e exclamações encheu o ar e, por um breve instante, aquele lugar pareceu ter alguma vida. Então, o corpo de bombeiros veio e apagou o fogo. A agitação lentamente desvaneceu e com ela a sensação de vitalidade. Devagar as pessoas retomaram seus rumos, automaticamente, com o mesmo entusiasmo melancólico de antes, como se nada houvesse acontecido.

"Vamos sair daqui." Patrick falou com a voz vacilante. "É o melhor que temos a fazer."

Um a um eles se viraram e retomaram o caminho até o bosque. Katrina passou seu braço em torno do ombro de Dawn, oferecendo conforto a garota. Um profundo silêncio recaiu sobre os companheiros. Nada era proferido, mas eles sabiam que todos pensavam nas palavras de Dawn: Este lugar está morto. Não há alegria aqui, somente uma frieza opressiva.

Chegaram ao bosque por volta das três horas. A tarde estava fresca, típica de início de Primavera, com uma brisa suave soprando por entre os galhos das árvores. Não fosse a tensão que pairava no ambiente, aquela seria uma ótima oportunidade para um piquenique.

Dawn acabou por se acalmar e quando eles chegaram à mata a garota já estava totalmente restabelecida. Katrina ainda a abraçava quando eles pararam na frente do bosque. Adentraram o local cautelosamente, observando o suave movimento das árvores que balançavam com o vento.

"Este bosque é antigo." Katrina sussurrou. "Posso ouvir as vozes lamuriosas das almas que residem aqui. Seu lamento toca fundo meu coração."

Sakura estremeceu ao ouvir as palavras da Guardiã da Luz. Os músculos de sua face se retraíram e ela ficou subitamente tensa. Ela também podia sentir as almas naquele lugar. Não as ouvia como Katrina, mas sabia que elas estavam lá.

"Aqui estamos." murmurou Shaoran.

"Sim. E agora nós esperamos." disse Eriol, desfazendo o feitiço das roupas e sentando-se em uma pedra logo ao lado.

Amanda Kasperhouser, pensou o inglês, franzindo o cenho. Aquele nome despertava no fundo de sua mente memórias antigas, de quando ele era conhecido como o Mago Clow Reed. Nessas memórias a lembrança de Amanda se confundia com outro nome: Klaus von Karajan. Conforme o véu obscuro de erguia, Eriol ia juntando as peças daquele intrínseco quebra cabeças, revivendo o terrível combate que se desenrolara naquele fatídico dia...


Encontraram-se em um galpão que servia como depósito de uma nova fábrica de tecidos, mais uma que começara sua produção seguindo o grande alvoroço da Revolução Industrial na Inglaterra. Clow há dias tentava despistar o sacerdote, que parecia um chacal espreitando sua presa. Naquele momento, o feiticeiro mantinha seus sentidos alerta, pronto para se confrontar com o bruxo.

Ao seu lado, Satsuki tinha a expressão fechada. Junto com Yue e Kerberus, a jovem encarava profundamente seu rival. A aparência frágil dela contrastava com sua postura rígida e disciplinada.

Klaus sorriu. Atrás dele, seus dois servos trocaram olhares desdenhosos por baixo dos capuzes que escondiam seus rostos nas sombras.

"Yuri! Allan! Matem!" ele ordenou. Os dois bruxos saltaram na direção de Clow, mas pararam ao ver Yue e Kerberus se colocarem na frente de seu mestre.

"Vocês lutarão contra nós!" rosnou o leão dourado, seus olhos brilhando com uma ferocidade assassina.

Os magos sorriram e avançaram. Os guardiões abriram as asas e voaram acima das cabeças de seus oponentes. Kerberus rugiu e lançou uma imensa bola de fogo na direção deles. Allan e Yuri ergueram as mãos espalmadas e soltaram um grito gutural. A bola de fogo vacilou e no instante seguinte evaporou no ar. A dupla se regozijou pela defesa bem sucedida, mas então percebeu a armadilha. O projétil havia sido apenas uma distração. Escondido no meio da fumaça, Yue se empertigou, ergueu as asas e desceu rodopiando, em um mergulho intenso e frenético.

"Pule!" gritou Yuri. Tarde demais. Allan tentou saltar, mas a asa forte do guardião o atingiu e ele foi de encontro ao chão. A dor que veio a seguir foi quase insuportável. Kerberus bradou e cravou suas garras no peito do homem, dilacerando carne e ossos. O feiticeiro engasgou e seu capuz caiu, revelando um rosto jovem e retorcido pelo medo. A última coisa que seus olhos captaram foi o porte altivo de Yue, indiferente à sua dor e agonia.

Yuri olhou horrorizado para o cadáver do companheiro, seu rosto coberto por uma máscara hedionda de fúria e ódio. Gritando alto, o mago se lançou em um ataque suicida contra os dois guardiões. Correndo loucamente, ele abriu os braços e clamou pelo poder destruidor de Hecate, Deusa Grega da Escuridão, invocando uma treva tão pesada que até mesmo a luz pareceu fugir com medo. Yue, entretanto, sendo um profundo conhecedor da escuridão, sorriu. Sua energia se espalhou e envolveu Yuri em sua própria sombra, de onde o bruxo nunca mais saiu.

"Bando de inúteis!" berrou Klaus, que enfrentava os dois irmãos.

Clow tateou os bolsos e retirou uma de suas recém criadas cartas. Satsuki olhou de relance e assentiu. Então, erguendo o báculo, o mago invocou o poder do Disparo. Dezenas de projéteis dourados foram atirados contra o bruxo, que saltou alto e os rebateu.

Klaus tornou a pisar em solo firme e juntou as mãos em uma prece obscura. As sombras que haviam no depósito se aglutinaram em um ser gigantesco, cuja aparência monstruosa por muito tempo permaneceria na memória de Clow.

A criatura atacou com seu toque frio, suas garras passando perigosamente por cima da cabeça de Clow. Apesar do tamanho brutal, o monstro era ágil. Seus ataques deixavam pouco espaço para o mago reagir.

Vendo seu irmão lutar contra o ser, Satsuki recuou um passo e se ajoelhou sobre o chão. Espalmou ambas as mãos sobre o solo, os polegares unidos, seus dedos formando um leque. Clamando a Bênção de Gaia, a feiticeira liberou seu poder. O galpão estremeceu e o solo se abriu sob os pés da criatura. A terra rugiu e engoliu o monstro, que caiu com um grito abafado.

Satsuki respirou satisfeita, vendo a grotesca criatura desaparecer sob a terra, mas sua alegria não durou muito. Ocupada com o monstro, a jovem maga não viu Klaus se aproximar sorrateiramente por trás dela. Com um grito de espanto ela sentiu seus músculos se contraírem e enrijecerem. Caiu sobre os joelhos, sem conseguir se mover. Sentido o suor escorrer por sua testa, Satsuki fechou os olhos. A lâmina fria de um punhal de dois gumes brincou entre seus longos cabelos escuros e pousou em seu pescoço. Klaus sorriu sadicamente para Clow e deslizou a lâmina pela garganta da garota. Clow nada conseguiu fazer.

O corpo da feiticeira caiu sobre o chão. A jovem suspirou e engasgou em desespero. E Clow nada pôde fazer senão assistir impotente, enquanto a vida deixava o corpo de sua irmã e carregava sua alma para longe; para um lugar onde ele não poderia segui-la.


"Satsuki..." Eriol murmurou, sentindo os olhos úmidos. A lembrança da jovem feiticeira ainda parecia tão nítida em sua cabeça, tão viva, tão insuportavelmente clara. Subitamente, ele desejou não precisar mais compartilhar as memórias do Mago Clow. A dor estava estampada nelas e machucava seu ser de forma profunda.

O jovem inglês sentiu uma mão em seu ombro e se virou. Shaoran o fitava com preocupação. Ele balançou a cabeça, tentando tranqüilizar o guerreiro e mentalmente acalmar a si mesmo.

"Pensando?" Shaoran perguntou, sentando-se ao lado de Eriol.

"Sim." ele respondeu. "Recordava-me dos velhos tempos, quando o Mago Clow ainda vivia. Tanta coisa aconteceu... Ele morreu e eu nasci. E só agora eu vejo que o propósito disso tudo é muito maior do que eu e até mesmo ele previu."

"Você renasceu, Eriol. Renasceu para terminar o que Clow não conseguiu. Ainda assim, a missão do Mago Clow nesse mundo parece ter sido cumprida antes que ele morresse."

Eriol suspirou e sorriu. "Sim, meu amigo, o Mago Clow cumpriu sua missão em vida."

"Eu não compreendo." disse Shaoran. Eriol o fitou de forma inquisitiva. "Como você sabe que ele cumpriu sua missão? Quero dizer, como saber se a hora de uma pessoa realmente chegou? Pois eu já vi pessoas viverem muito e ainda assim não fazerem nada realmente. E vi crianças viverem pouco e ainda assim deixarem para trás somente lembranças de alegria e felicidade."

"Então você já encontrou a resposta que procurava, meu amigo." respondeu Eriol, sorrindo como só ele sabia fazer. "O valor e a vida de uma pessoa não são medidos por aquilo que ela recebe, mas sim por aquilo que ela doa aos outros."

Shaoran sorriu e assentiu. Olhou ao seu redor. O Sol se movia rápido pelo firmamento, onde alguns pássaros voavam despreocupadamente. A brisa fresca havia parado de soprar e naquele momento já não fazia tanto calor. As árvores lançavam suas sombras em torno da clareira, formando um bonito mosaico em diversos tons de verde.

"Bem que o mundo podia parar agora, não é? Nem que fosse só por um instante." sussurrou Kirsten, sorrindo suavemente. Eriol concordou com a cabeça. Kero voou sobre as cabeças dos companheiros, desfrutando do ar melancólico mas ainda assim pacífico que a clareira proporcionava.

"Até parece um passarinho amarelo voando." brincou Sakura, apontando para o pequeno guardião. Todos riram com a comparação. Kero pousou sobre a cabeça da garota, meio emburrado com o comentário, mas ainda assim satisfeito por ver que as expressões carregadas de todos havia cedido espaço para um belo sorriso.

Katrina andava em círculos, atenta às vibrações do local. De vez em quando murmurava alguma coisa e sorria. Lentamente ela começou a cantarolar uma melodia suave, e logo a melodia se transformou em uma canção. As atenções de todos se voltaram para a Guardiã, cuja voz gentil parecia enternecer seus corações.

Canta o freixo ao vento
A memória do passado
Baixo, quieto e lento

Livra o coração do fardo
Traz a paz merecida
Deitam os seres lado a lado

Vozes da história esquecida
Cujos ventos pelo mundo sopram
Cantem a alegria perdida

Sakura sorriu, admirada com a sensação de paz que a voz de Katrina transmitia. Então, lentamente, inúmeros pontos luminosos começaram a se acender na clareira, vindos do bosque. Os pontos rodearam os amigos e vozes etéreas puderam ser ouvidas, juntando-se à canção de Katrina em um coral lindo e melancólico. Eram as vozes das almas que habitavam aquele bosque e que naquele momento transmitiam seus sentimentos aos companheiros.

Almas que dançam e rodam
Contem-me sua eterna dor
Mostrem-me porque choram

Relembrem o sentimento do amor
Sintam a paz nova e revigorante
Olhem do horizonte a beleza e a cor

Ouçam o brilho das vozes errantes
Sintam a tristeza que aflora
Chorem a lágrima brilhante

Oh Lua calada conte-me agora
Destas pobres almas o segredo
Mostre onde a felicidade mora

Com sua mão, afaste-as do medo
Guie-as para o futuro e para a glória
De quatro folhas seja o trevo.

Adeus, bondosas almas da História
Sua canção eu guardo na lembrança
Sua voz para sempre na memória.

A voz de Katrina foi baixando, até restarem somente as vozes surreais dos espíritos que dançavam ao redor. A tristeza tão profunda que elas emanavam parecia ter sido esquecida e agora uma paz morna tomava conta do lugar. Devagar as vozes foram cessando e, uma a uma, as luzes começaram a se apagar.

Quando tudo acabou e o bosque voltou ao normal, Sakura olhou ao redor, procurando as luzes que antes enchiam o ambiente. Para ela, aquele bosque nunca estivera tão escuro como naquele momento.

"A escuridão se aproxima." disse Patrick, levantando-se do tronco que lhe servia de apoio. "Está na hora."

Os companheiros sentiram a energia de Klaus se aproximar da clareira rapidamente. Sua aura era fria como a neve, tão hostil que parecia que seu espírito permanecia eternamente armado contra o que quer que fosse.

Eriol invocou seu poder e isolou todo o bosque com sua mágica. O combate que viria a seguir não deveria envolver nenhuma vida inocente.

Apostos, os companheiros esperaram. Não demorou muito e Klaus apareceu, vestindo seu habitual manto negro. Quando avistou o grupo no centro da clareira o mago hesitou. Recuou um passo, mas foi impedido de fugir por seu orgulho. Certamente não era aquilo que ele estava esperando encontrar.

"Olá, Klaus!" cumprimentou Eriol sorridente. "Como vai, meu velho?"

"Clow..." rosnou o bruxo. "O que faz aqui? Como...?"

"Esqueça as perguntas. Estou aqui apenas para evitar mortes desnecessárias." proclamou Eriol profeticamente. "Proponho que esqueça os planos que tem em mente e ouça o que tenho para dizer."

"Sou todo ouvidos." disse o sacerdote. "Se vou concordar com suas palavras já é outra história."

Eriol limpou a garganta. Ninguém mais ousava dizer nada. Sakura estava visivelmente incomodada com a presença daquele que matara seu amado há tantos anos. A garota respirava profundamente, tentando se concentrar. Ao seu lado, Katrina segurou sua mão, acalmando a jovem maga.

"Sabemos quem te mandou e sabemos qual o seu objetivo. E embora sua ambição tenha fundamento, deve dizer que ela não passa de ilusão. Jamais conseguirá tanto poder assim para derrotar Amanda."

"Ora, cale-se, Clow!" gritou Klaus, dando uma passo para trás e cerrando os punhos ameaçadoramente. "Acabo de decidir que não vou concordar com suas palavras."

Eriol riu, divertido.

"Ora vamos, Klaus. Não é uma atitude sábia querer duelar conosco. Você não pode enfrentar a todos nós ao mesmo tempo."

"Mas nós podemos!" bradou um voz enérgica. De trás de Klaus surgiram Mikhael, Christian, Eric e Zilah. A feiticeira cravou os olhos em Patrick e gritou um palavrão, mostrando o braço decepado com ódio.

Klaus sorriu malignamente ao ouvir a voz de Mikhael.

"Ora, ora, mas parece que o jogo começa a virar, não é mesmo?"

Eriol abriu a boca para dizer alguma coisa, mas foi imediatamente detido por um gesto grosseiro de Mikhael.

"Ouvimos o que disse. O que o faz pensar que acreditamos em você? Matem todos!" ele bradou.

Zilah deu um passo na direção de Patrick, mas foi detida por Sakura, que se colocou na frente dela.

"Eu serei sua oponente." falou a garota com firmeza. Zilah gritou de frustração e tomou posição. Ao redor, todos se preparavam para a batalha. Shaoran, Patrick e Kirsten sacaram suas espadas, atentos ao movimento de Eric e Christian. Katrina e Dawn encaravam Klaus. Eriol havia invocado seu báculo e naquele momento fitava Mikhael profundamente, seus olhos azuis brilhando com intensidade.

Os companheiros puderam ver seus oponentes se movimentarem de forma ameaçadora. Mikhael urrou e ergueu as mãos, e a chuva de fogo começou a cair novamente. Cada um deles correu pare se proteger, ao mesmo tempo em que se concentravam em seus próprios adversários.

Sakura invocou o escudo e saltou na direção de Zilah. A bruxa esquivou-se facilmente da investida, tendo a chuva flamejante a seu favor. Os esforços de Sakura pareciam em vão. Por mais que ela se esmerasse em atacar, Zilah sempre se defendia habilmente.

Shaoran e os guerreiros do Tempo não pareciam estar tendo melhores resultados contra Christian e Eric. Alguns esqueletos avançavam em sua direção, conjurados pela magia negra do velho necromante, enquanto Eric fazia sua espada de duas mãos dançar entre os três amigos.

Klaus sorriu e saltou, convocando o poder das sombras. Tentáculos de treva sólida emergiram das profundezas do bosque para atacar Katrina e Dawn. A Guardiã da Luz ergueu uma barreira de luminosa para se proteger e atirou um raio fulminante na direção do mago. As densas labaredas que caíam do céu, porém, dificultavam a visão, e o projétil acabou passando a centímetros do alvo.

Eriol olhou ao seu redor. Aquilo não era nada bom. A situação não estava a seu favor. Embora estivessem em maior número, as habilidade de Mikhael não eram para ser subestimadas.

Não vamos vencer desse jeito, ele pensou. Precisamos de ajuda.

Naquele momento, quando suas esperanças ameaçavam minguar, o jovem se recordou das palavras de Magno, um pouco antes de cruzar o portal rumo àquela Jornada insana.

"Se precisares de minha ajuda, ergue teus olhos até os céus, e de lá virá meu socorro."

Sem pensar duas vezes, o Guardião do Sol levantou os olhos até o alto. Densas nuvens cinzentas se aglomeravam sobre suas cabeças. Então, com uma trovoada, a chuva começou a cair em grossos bátegos.

"Seyfried." murmurou Eriol, com um sorriso. A densa chuva caiu ferozmente, apagando o incêndio que se instalara na floresta momentos antes. Do alto, duas figuras imponentes se fizeram ver. Uma mulher de pele bronzeada e olhos azuis intensos e profundos como um oceano. Ao seu lado estava um homem alto, com os cabelos claros cortados impecavelmente. Seus olhos castanhos faiscavam contra a luz que refletia nas gotas de chuva, dando-lhe um aspecto levemente surreal.

"Eriol!" chamou a Guardiã da Água. "Magno nos mandou para ajudar!"

A mulher pisou na grama molhada com suavidade. Ao redor, o vermelho do fogo era lentamente extinto para dar lugar ao negro das cinzas. Eriol e Katrina se aproximaram de Seyfried e Durval, gratos por ver os dois amigos. Os Guardiões trocaram sorrisos cordiais, antes de se virarem na direção de Mikhael e Klaus.

Os dois sacerdotes trocaram olhares preocupados: não era uma idéia muito inteligente tentar enfrentar quatro dos maiores magos viventes ao mesmo tempo. Reagrupando-se, os dois feiticeiros tomaram refúgio atrás de uma árvore, enquanto assistiam à acirrada disputa entre Sakura e Zilah. A mente de Mikhael passou a trabalhar rápido procurando uma saída para aquilo tudo. Enquanto pensava, não pôde deixar de notar a estranha apreensão de Klaus, que dirigia olhares ansiosos a Sakura constantemente.

"Calma." ele sussurrou para o colega. "Em breve teremos as cartas e a senhorita Amanda nos recompensará."

"Você é idiota ou o que?" Klaus grunhiu de volta, totalmente descrente. "Acha mesmo que aquela vadia vai recompensar alguma coisa que fizermos? Ela não liga para ninguém a não ser seus próprios interesses. Junte-se a mim, Mikhael, e juntos teremos mais poder que Amanda Kasperhouser!"

Mikhael olhou para Klaus com descrença. "Está mesmo pensando em trair Amanda?"

"Trair?" Klaus inquiriu, divertido. "Não se trata de fidelidade ou traição. Estou apenas assegurando meu futuro e impedindo que Amanda destrua todas as chances que tenho de me tornar um mago poderoso. Clow disse a verdade quando falou que o que ela queria era se tornar uma deusa. Não sei como ele descobriu, mas ele sabe."

"E como você descobriu?" inquiriu Mikhael, dando ênfase ao 'voc'.

"Eu tenho meus métodos." Klaus gesticulou, sem dar muita importância para o companheiro, que ao poucos entendia tudo o que se passava. "Enquanto todos estavam preocupados seguindo ordens como cordeiros domesticados eu estava me colocando a par dos planos de minha mestra. Se você foi tolo o bastante para confiar em Amanda, sinto dizer, mas só posso considerá-lo um idiota. Amanda me ensinou a lutar de igual para igual em um duelo justo, mas também me ensinou a atirar areia nos olhos do adversário quando ele menos estivesse esperando."

Mikhael ferroou Klaus com o olhar e grunhiu um palavrão para si mesmo. Ele deveria ter percebido. Sua devoção acabara por torná-lo um pobre marionete de uma feiticeira que não tinha escrúpulos. Se ao menos ele não tivesse sido tão cego...

"O seu problema, Mikhael, é sua honra." sussurrou Klaus maliciosamente, como se adivinhasse os pensamentos do colega. "Você dá muita importância para a honra e de que ela lhe valeu?"

"Ora, cale-se, Klaus!" ele resmungou, sua mente sagaz agora trabalhando como um furacão. "Vamos acabar com eles."

Mas naquele exato momento um grito rouco encheu o ambiente. Klaus e Mikhael espiaram por entre as árvores. Shaoran saltara por cima dos corpos sem vida dos esqueletos com um brado feroz e cravara sua espada no peito de Christian. Foi com uma satisfação mórbida que o jovem guerreiro viu o velho bruxo engasgar. As dezenas de esqueletos que recheavam a clareira estremeceram e foram reduzidos a pó. O sangue escorreu por entre os dedos do rapaz e ele sentiu o espírito do Lobo que o tomara na Passarela do Tempo sorrindo e uivando dentro dele.

Naquele mesmo instante as lâminas de Patrick e Eric se chocaram, provocando um ruído agudo de metal partindo metal. A espada de Eric trincou com o impacto forte das lâminas trabalhadas. Aproveitando a chance, o cavaleiro forçou ainda mais, fitando fundo o único olho bom de seu adversário. Houve um estalo seco e a arma de Eric se quebrou em mil estilhaços. Patrick sabia que aquela era a hora. Seu brado forte encheu o ambiente e ele girou o punho. Sua espada deixou um rastro prateado no ar e traçou seu caminho até o pescoço do guerreiro de Tenebras, que não teve tempo de reagir. Seu corpo tocou o chão já sem vida, enquanto o dragão no punho da espada de Patrick reluzia com a vitória.

"Vamos." falou Klaus, seguindo Mikhael. Deixaram o abrigo sorrateiramente e esgueiraram-se pelas sombras na direção da batalha. Dois de seus companheiros estavam mortos, isto reduzia drasticamente suas chances de vitória. Mikhael não conseguiu deixar de reparar no guerreiro chinês. De alguma forma ele parecia mudado, aparentava estar mais forte e decidido, de certo modo mais maduro.

Ele é perigoso, pensou. Mas tal pensamento logo se dissipou diante da euforia do combate que era travado. Os dois companheiros saltaram de volta para a clareira e foram parar ao lado de Zilah, que pousara no chão após saltar e escapar de uma hábil investida de Sakura. Ganhara, todavia, um corte no rosto.

Os três bruxos começaram a ser cercados. A morte de Eric e Christian em muito complicava a atuação do grupo. Klaus olhou ao seu redor e grunhiu um palavrão, a situação se invertera bruscamente e a maré do Destino parecia virar-se contra ele naquele momento.

"E pensar que enquanto estamos aqui aquela vadia se diverte em seu castelo!" ele gritou. "Quando conseguir as cartas vou fazê-la se ajoelhar diante da minha presença por todas as humilhações que já me fez passar!"

Mikhael e Zilah se entreolharam, não sabendo ao certo o que fazer. Uma voz estridente, entretanto, acabou por capturar as atenções de todos.

"Então era verdade que estás a me trair, Klaus." o bruxo pareceu congelar. Seus olhos arregalaram e ele sentiu o peso da frustração dominar todo seu corpo. Das profundezas da floresta uma figura esbelta se fez ver. Dois homens de porte imenso a acompanhavam. Sakura sentiu seus músculos enrijecerem, tamanha a energia obscura que emanava do corpo daquela mulher, que nada fazia para esconder sua presença pestilenta.

"Gloriosa Amanda!" começou o bruxo, mas foi obrigado a se calar no momento seguinte com um gesto abrupto de Amanda. A feiticeira ergueu uma das mãos e seus olhos brilharam. Ato contínuo, fechou o punho com força, arrancando um grito de agonia de Klaus, que apertou o peito desesperadamente, sentindo sua alma se partindo em duas. Os outros assistiam à cena impassíveis. Algo não permitia que se movessem. Não levou mais que alguns segundos, mas para quem viu, aquele suplício pareceu durar horas. Klaus se contorceu e rolou no chão, chorando como uma criança. Tentou respirar, engasgou e não respirou mais. O silêncio reinava.

"Tu sempre foste um ótimo brinquedo, Klaus, mas não te enganes. Eu não sou burra." ela proclamou, indiferente. Foi só naquele momento que Shaoran pôde ver o rosto da mulher. Seus olhos negros combinavam perfeitamente com seus traços finos e seus cabelos escuros. Não aparentava ter mais de 40 anos, muito embora o jovem guerreiro soubesse as futilidades e armadilhas da aparência. Aqueles olhos revelavam uma alma antiga... e muito perigosa.

"Amanda...!" exclamou Mikhael. O homem não precisou terminar para que ela compreendesse sua dúvida.

"No momento em que o fluxo do tempo começou a ser alterado eu tomei medidas para me manter a par dos acontecimentos. Qual não foi minha surpresa ao descobrir que Klaus conspirava contra mim." ela virou-se para encarar o grupo com desdém. "Clow, Katrina, Durval e a Rainha Seyfried. Não é sempre que tenho a chance de encontrar quatro dos maiores magos viventes. Perdoai-me por não me curvar perante vós, mas minhas costas doem. Não é fácil ter quase trezentos anos de idade."

"Poupe-nos de sua ironia, Amanda!" falou Seyfried com sua voz imponente. Amanda riu.

"Perdoai-me, vossa majestade!" sibilou ela com malícia. "Oh, mas que falha a minha! Esqueci-me que tu és uma princesa, muito embora eu não consiga compreender como ainda podeis jurar fidelidade a um deus que levou vosso povo à destruição. "

"Suas palavras são venenosas!" proclamou Seyfried, cujos olhos brilhavam perigosamente. Durval pousou a mão sobre o ombro da feiticeira e balançou a cabeça.

"Calma." ele sussurrou. Seyfried suspirou e concordou. Amanda ainda sorria irritantemente, deixando à mostra seus dentes brancos e impecáveis.

Shaoran apertou fortemente o punho da espada, observando os dois seres que acompanhavam Amanda se moverem atrás de sua mestra sorrateiramente. Eles tramavam algo, ele podia sentir, mas não o pegariam de surpresa. Cada músculo de seu corpo respirava a excitação do campo de batalha, dando ao guerreiro a exata noção do perigo que espreitava. Por isso, estava preparado quando eles saltaram em sua direção.

Shaoran, Kirsten e Patrick ergueram suas espadas e tomaram posição. Logo ao lado, Sakura e os guardiões se reagruparam, preparados para retomar o combate.

Recuperados do choque inicial, Mikhael e Zilah voltaram a se concentrar na batalha, muito embora o sacerdote negro não perecesse estar feliz em voltar a lutar. Ambos viram quando os dois guerreiros que acompanhavam Amanda saltaram em direção à batalha e prontamente fizeram o mesmo.

Mikhael avançou vorazmente contra Patrick com as mãos abertas. O cavaleiro mal teve tempo de se esquivar, tamanha a velocidade e volúpia de seu adversário. Mikhael dava poucas brechas para ele revidar, lentamente acuando-o contra as árvores. Brandindo a espada com vigor, Patrick tentou acertar um golpe às cegas, mas atingiu somente algumas folhas ao léu.

Não muito longe, Shaoran, Dawn e Kirsten não pareciam estar tendo muito mais sorte. Eles enfrentavam os dois lacaios de Amanda a duras penas. Os homens eram guerreiros exímios e compensavam a desvantagem numérica com a força descomunal de seus corpos.

Sakura desviou o olhar de seus companheiros e tornou a fitar Zilah, sua concentração totalmente focada nos movimentos de sua adversária. Mesmo sem uma das mãos, a sacerdotisa ainda era perigosa; subestima-la naquele momento poderia significar sua própria destruição.

Zilah correu na direção de sua oponente com a mão boa a frente. Com um movimento rápido e traiçoeiro ela tentou atingir Sakura. Suas garras passaram a milímetros do rosto da garota, que quase pôde sentir sua face sendo desfigurada. Separaram-se, ofegantes, sem desviar o olhar uma da outra. Sakura apertou o báculo nas mãos, sua mente trabalhando furiosamente na tentativa de pensar em um modo de acabar logo com aquela disputa. Zilah saltou e naquele momento Sakura invocou a Espada, ao mesmo tempo em que um grito agudo ecoou por todo o bosque.


No centro da clareira, Eriol e Katrina encaravam Amanda fixamente, apenas esperando pelo momento certo. Junto a eles, Seyfried e Durval mantinham-se a postos, atentos à aura sombria que cercava a bruxa. O Guardião das Sombras havia conjurado seu cajado de ferro e agora o empunhava com as duas mãos.

Amanda não hesitou e num piscar de olhos avançou contra seus oponentes. Uma grande foice se fez ver em suas mãos pálidas, dançando perigosamente, ansiosa por colher sangue assim como a foice de um fazendeiro anseia pela colheita do trigo. Eriol viu a feiticeira voar em sua direção, mas não se moveu. Naquele instante, Kirsten pôde comprovar que o brilho que vira anteriormente entre as vestes do mago não havia sido mera ilusão. Jogando a capa para trás, Eriol sacou uma bonita espada, cujo punho era cravejado de rubis. Com um gritou rouco o inglês bloqueou habilmente a investida de Amanda, empurrando-a a alguns metros de distância.

Amanda fitou Eriol com rancor. Ali estava ele, imponente, austero, uma representação da majestade em forma humana. Segurava a espada em uma das mãos e o báculo em outra, em uma combinação perfeita de defesa e ataque. Teria que mudar de estratégia se quisesse vencer. Seus olhos correram a clareira com urgência, ávidos em encontrar algo que a ajudasse. Seu olhar recaiu sobre Dawn. A garota se esforçava para lutar como seus companheiros, mas estava visivelmente assustada.

E o medo é a chave para o fracasso, ponderou ela maquiavelicamente.

Recompondo-se, a bruxa viu quando seus dois guerreiros saltaram em uma investida brutal contra a garota. Era a chance que ela precisava. Espalhando sua aura maligna por todo o local, Amanda tocou Dawn com sua presença. Sorriu. Então, penetrando fundo nas lembranças da garota, a bruxa evocou a força de seus maiores medos.

Dawn viu os dois homens saltarem em sua direção. Ela não entendia como dois seres tão grandes podiam saltar àquela altura descomunal. Seu coração batia forte, a adrenalina corria-lhe o sangue, pulsando com intensidade. Ela se preparou para rechaçar o ataque, mas naquele momento sentiu algo se acender em sua mente. Gritos de raiva e protesto chegaram aos seus ouvidos, gritos que faziam-na reviver seus mais obscuros pesadelos. Diante de seus olhos, estava novamente a casa de seus pais, queimando como uma tocha imensa e inumana. Os aldeões gritavam loucamente vendo a casa em chamas. Ao lado, Sakura e Katrina queimavam em enormes piras, alimentadas pela dor da agonia e do sofrimento.

Desesperada, Dawn perdeu o rumo da ação. Seus olhos não distinguiam mais a batalha que se desenrolava. Com um grito forte a garota caiu de joelhos no chão, sentindo aquilo que ela tinha mais medo: a solidão. Naquele momento a ação pareceu congelar. Existiam somente Dawn e os imensos guerreiros que investiam contra ela.

Veloz como um raio de luz, Katrina correu na direção da menina, seu vestido branco esvoaçante deixando um rastro fantasmagórico por onde passava. Interpondo-se entre Dawn e seus algozes, a Guardiã da Luz ergueu as mãos e lançou uma teia de raios de luz sólida que alvejou os corpos dos dois guerreiros. Aliviados, os companheiros soltaram a respiração, que haviam prendido sem ao menos perceber.

Amanda, entretanto, aproveitou-se do breve, porém decisivo momento de distração que tomara seus adversários. Rápida e sorrateira a feiticeira voou na direção de Katrina, que ainda se recuperava do feitiço realizado.

A Guardiã da Luz tinha a respiração descompassada após proteger Dawn. Seu corpo ainda tremia levemente com a excitação dos últimos instantes. Distraída que estava, não percebeu quando feiticeira de Tenebras passou por Eriol, Seyfried e Durval como um furacão insano. A próxima coisa que sentiu foi a lâmina da foice de Amanda transpassar seu corpo com violência.


Zilah saltou e investiu uma vez mais contra Sakura. A guerreira esticou perigosamente as garras na direção da jovem feiticeira em um ataque hábil e veloz. Mas Sakura estava preparada. Elevando seu poder ela clamou pela força da Espada. Saltando de encontro a sua oponente, ela brandiu a arma com graça. A espada cortou o ar até Zilah, que não conseguiu escapar do ataque furioso da garota.

Entretanto, ela não teve tempo para se regozijar com a vitória. No momento em que Sakura tornou a pisar no chão um grito agudo tomou seus ouvidos.

"Não!" berrou Dawn a plenos pulmões. Sakura se virou, exasperada, bem a tempo de ver a foice de Amanda atravessar o peito de Katrina. A garota congelou, sem poder acreditar no que estava vendo. Tudo aconteceu com imensa rapidez. Amanda ria freneticamente com a foice nas mãos enquanto o corpo de Katrina caía de encontro ao chão do bosque. Antes que qualquer coisa pudesse ser feita, a bruxa desvaneceu no ar, deixando somente a lembrança agourenta de sua presença vil. Aproveitando-se do momento de caos, Mikhael se embrenhou no meio da floresta e desapareceu.

Sakura correu até Katrina e a tomou nos braços. A Guardiã da Luz agonizava, a dor era visível em seu semblante. As lágrimas rolavam pela face de Sakura, desesperada que estava.

"Não chore, Sakura." sussurrou Katrina, enquanto aparava uma lágrima que insistia em correr o rosto da garota. "Não chore, pois este era o meu Destino. Eu o aceitei no momento em que decidi tomar parte da Jornada. Não chore, pois motivo não há..."

Mas Sakura não conseguia simplesmente parar de chorar. Não conseguia deixar de sofrer, pois Katrina era muito mais que uma mestra, era uma amiga, uma irmã. E pensando nisso, Sakura chorou ainda mais. A dor que sentia em seu coração era por demais dilacerante e parecia arrancar pedaços de seu ser.

Ao redor, inúmeros pontos luminosos piscavam tristemente, chorando pela partida daquela que os enchera de alegria e compaixão. Katrina afagou os cabelos da garota com carinho. Então, sorrindo, piscou para Sakura. A última coisa que a jovem ouviu foram as palavras de despedida da Guardiã da Luz. A garota soluçou e seu grito veio para traduzir em palavras aquilo que os espíritos do bosque não conseguiam dizer:

"KATRINA!!!"


Nome: Katrina Le Faye
País de Origem: Irlanda do Norte
Idade: 52 anos
Data de Nascimento: 23 de Setembro de 1954
Data da Morte: 20 de Julho de 2006
Tipo Sangüíneo: AB
Elemento Regente: Luz
Ocupação: Guardiã da Luz do Supremo Conselho de Magos e Wicca Veterana da Irlanda do Norte.
Passatempo: Cantar e caminhar em locais onde haja natureza abundante.

Ficha pessoal: Katrina nasceu na Irlanda do Norte filha de pais ingleses. Desde muito cedo já mostrava gosto pela natureza, encorajada pelos pais, botânicos renomados e prestigiados. Katrina tinha uma vida plena e farta. Sua família era bastante rica devido à fama que tinha no campo da pesquisa biológica. Entretanto, um duro golpe mudaria drasticamente tudo isso.

Foi durante um passeio de domingo que o grupo terrorista IRA promoveu mais um de seus ataques. Pegos no meio do fogo cruzado, os pais de Katrina foram baleados. Katrina viu os pais morrerem diante de seus olhos. Confusa e desesperada, a jovem, então com 13 anos, refugiou-se no único lugar onde se sentia bem: a floresta. Foi lá que Katrina recebeu o toque da Deusa Mãe, que a acolheu em seu momento de angústia e a ensinou a canção cósmica do universo.

Alguns anos mais tarde, Katrina se mudaria para a Escócia, acolhida por um dos irmãos de sua mãe. A jovem, é claro, nunca mais foi a mesma após o ocorrido. Engana-se, entretanto, quem pensa que ela se tornou uma pessoa amarga, como é comum ocorrer após um trauma tão grande. Katrina se mostrou alguém muito doce e compreensiva. Os ensinamentos da Deusa ajudaram-na a se manter no caminho certo.

Sempre amante da natureza, Katrina então passou a integrar movimentos de defesa da flora e da fauna. Não demorou muito para ela tomar contato com grupos de wiccas. Acolhida por um dos grupos, Katrina passou a estudar avidamente os ensinamentos da Deusa e seus propósitos neste mundo. Logo era considerada a bruxa mais poderosa e avançada dentro do grupo que integrava.

Seus esforços não deixaram de chamar a atenção de Magno, que logo a convidou a integrar o Supremo Conselho de Magos. Uma vez dentro do Conselho, Katrina logo ganhou o respeito e a admiração de seus companheiros devido a sua doçura, sabedoria e força de vontade. Desde então já atuou como mediadora em diversos fóruns e debates astrais, bem como guia para espíritos perdidos ou transtornados. Sua empatia com os diversos elementos da criação foram decisivos para sua posição de Guardiã da Luz.

Quando não estava atuando junto ao Conselho, Katrina costumava dar aulas de Ecologia em Cambridge.


Olá, pessoal! Calma, calma, guardem os tomates, os ovos, as bombas e ameaças de morte, por favor! Eu sei, três meses sem atualização e quando finalmente eu apareço faço uma coisa dessas com vocês... Mas infelizmente foi necessário... Em uma batalha há perdas para ambos os lados, sem distinção.

Este foi um capítulo que eu particularmente gostei de escrever, por ser algo que eu já tinha planejado desde o primeiro momento em que sentei para planejar a história de Chrono. Por muito tempo relutei em escrever esse capítulo, mas foi necessário. A morte de Katrina é um marco. A partir daqui serão desencadeados uma série de fatos que levarão ao fim da história. Sim, Chrono passa, a partir de agora, a se encaminhar para seu desfecho. Espero que vocês continuem acompanhando a história!

Peço desculpas pela demora, mas a volta da greve na faculdade atrapalhou um bocado a minha agenda. Somente agora é que eu estou mais livre. Espero poder trazer o próximo capítulo mais em breve.

Não percam, no próximo capítulo de Chrono, Sakura e os outros sofrem com a partida de Katrina. Mas eles vão descobrir que a aliança mais improvável pode-se formar com a pessoa que menos esperamos quando um novo companheiro surge para se unir ao time. A seguir: Lágrima.

Gostaria de agradecer a todos que esperaram pacientemente por este capítulo. agradeço também a todos que mandam reviews e e-mails sempre. Obrigado de coração! A opinião de vocês é que me motiva a continuar escrevendo!

Um obrigado especial para a Bruna e a Stella, que são obrigadas a me aturar enquanto eu reclamo da minha falta de inspiração ou de tempo e que ainda por cima suportam todas as minhas idéias malucas! Amo vocês!

Fico aguardando reviews e comentários!

Até o próximo capítulo!

Peace, Love and Hope to all and each one of you. Now and Forever.

Namári

Felipe S. Kai