3 - Tsunami ou Como uma onda no Mar

Como uma noiva eu te carrego,

Enlevado, observo,

Tua dor e teu orgulho

Permeados em tuas negras capas.

Negras, minhas mãos te sustentam,

Negras, tuas vestes te envolvem...

O branco dos olhos só se enxerga quando se mata... ou se ama.

Lilibeth

- Acredito que aqui ficará confortável, Snape, até eu preparar a cama.

- Dormirei aqui mesmo, Shacklebolt.

- Você precisa de apoio para esses pés, Snape !

- Você entende muito de queimaduras, Shacklebolt... ou será de pés ?

- O que quer dizer, diga, Snape. Não tenho paciência para joguinhos.

- Estranho... sempre disseram-me que você é o mais paciente dos Aurores... sempre sabe a hora certa de perguntar... emboscar...atacar...

- Disseram errado, Snape. E não entendo tanto assim de emboscadas.

- É, quem entende de emboscadas sou eu, não é, Shacklebolt ? Afinal, o Comensal da Morte aqui sou eu, você é o grande Auror, defensor dos fracos e oprimidos.

- Severus... se me permite, prefiro que falemos sobre outros assuntos, ou será uma noite muito longa e desgastante ...

Novamente o apertar as têmporas... ele tem dor de cabeça,e eu tenho queimaduras. Mas eu sei me curar, enquanto ele... Mas vejamos até onde vai esse tão proclamado auto-controle...

- Como preferir, Shacklebolt. Sejamos civilizados. Tanto quanto seu treinamento permitir na presença de um Comensal da Morte, antes de torturá-lo. Você já participou de uma sessão de "retirada de informações" de um Comensal da Morte ? É muito interessante...

- Já, Snape. É desumano e vergonhoso. Mas também já fui o primeiro a chegar a uma casa após ter sido atacada por Comensais. Caso não saiba, Snape, fui eu que recolhi os Longbottom... era minha primeira missão.

Os fortes são forjados nas mais altas chamas, Kingsley... ou você esperava o quê ? Se quiser se aproximar de mim, terá de chegar ao meu nível. Se precisará abaixar ou suspender o seu próprio, só o tempo dirá...

- Shacklebolt, já PENSOU em como é ser um ex-comensal da Morte, odiado por todos, indesejado na sociedade bruxa apenas por existir ? Tudo que eu faça, tudo será pouco, porque eu ostento e ostentarei enquanto viver essa Marca Negra no braço ! Posso me arrepender publicamente, posso ser morto barbaramente pelo próprio Lord, pode tornar-se pública minha situação de espião e continuarei sendo um eterno proscrito !

- Snape... já imaginou o que é ser eternamente negro ? Nenhuma profissão, nenhuma atitude, nenhuma magia oculta o que minha pele proclama em alta e boa negritude. Se existem trevas, para muitos elas estão entranhadas na minha pele, faça eu o que fizer, seja eu quem for, sempre serei apenas um "negrinho" cuja única chance de se dar bem na vida foi fazendo-se Auror, e sendo sempre e sempre o melhor de todos ! Se você fez-se torto por escolha própria, Snape, eu nasci torto!

- Eu nunca o chamaria de negrinho, Shacklebolt... Kingsley.

O sorriso torto, o sarcasmo ácido e inteligente, o olhar perscrutador e analítico, esquadrinhando meu corpo inteiro... será que finalmente iríamos nos entender depois desse rasgar de corações ? E a minha risada alta, franca, quase escandalosa quebrou o gelo que tinha em volta do meu peito e permeava a casa toda. Ser feliz é saber rir da própria dor.

- Realmente, Snape, seria muita temeridade... Até para você.

- Principalmente com os pés desse jeito.

E esse desvio para um assunto tão agradável me permitiu analisar com dedicação o objeto do meu desejo : ali, ao alcance de minhas mãos, esperando pelo meu toque estavam os deliciosos e – porque não ? – delicados e másculos pés de Snape. Deliciosa antítese, essa. Meus olhos prenderam-se neles e nada os tiraria dali... nem estar na presença de um pretenso Comensal da Morte era o suficiente para me tirar daquele transe. Tara maldita e deliciosa, essa. Seria minha perdição,eu sabia...

- Doem ?

- Não, incomodam apenas. Logo irão desinchar e as bolhas irão murchar. Mas por enquanto não posso me locomover, e pela quantidade de chá que já tomei, vou precisar em breve disso. Quando se descobriu podólatra, Kingsley ?

Era isso. Sem delongas, afiado e direto como uma flecha. Apenas isso conseguiria tirar meu olhar de seus pés.

- Em Hogwarts. Eu tinha...

- 15 anos.

- Exato, Mestre das Poções.

- Idade de descobertas, essa dos quinze anos... Foi quando comecei a me interessar por isso, também.

- Então você não adivinhou.

Sobrancelhas levantadas esperando a formulação correta, mesmo sabendo a resposta... esse é você, Severus Snape. Sempre foi e sempre será um professor, queira ou não.

- Você não adivinhou o que eu pensava hoje à tarde, quando eu olhei para baixo. Você sabia

- Sabia. Os iguais sempre se reconhecem. Onde é o banheiro, Shacklebolt ?

- Er... ali. Vou levita-lo até lá. Err... precisa de ajuda ?

Belo gesto, esse, de tocar o brinco. Algo quase fálico nele, algo quase mágico...indique-me seus caminhos,mostre-me suas defesas, belo gigante negro, pois os percorrerei todos.Custe o que custar.

- Por enquanto não. Kingsley. Poderia preparar uma infusão de Belladona e Calendula meio-a-meio ? Aparentemente ainda estou com febre.

- Claro.

Como sabe ser doce essa voz viperina. Apenas e tão somente quando quer. Não me importo : se é uma serpente, não é das legítimas, pois tem pés. E que pés... E de serpentes e pés eu sei como tratar.