Capítulo 1:
Fagulhas de Dúvida
Os primeiros raios de sol que conseguiram atravessar as janelas logo seguiram para atingir sua face calma e livre de pesadelos. Durante o tempo em que tinha adormecido novamente, Lílian Evans conseguira ver-se sonhando coisas bonitinhas e alegres, como uma imensa floresta extremamente colorida onde animais saltitantes caminhavam. Seu semblante deixava que um sorriso transpassasse seus lábios. Sentia o calor da manhã atingir-lhe com força, mas a resistência para continuar ali era maior.
- Lily – a voz atingiu seus ouvidos em tom tão baixo que, por um momento, a garota pensou que meramente fosse parte do seu sonho. – Lily, acorde! – exclamou a menina baixinha com compridos cabelos cor de chocolate.
- O que foi? – quase gritou, remexendo-se no acolchoado enquanto, sem perceber, derrubava seu travesseiro colorido. Céus! Ela precisava dormir depois daquela noite tão horrível com o maldito sonho indecifrável e com a presença desprezível de Tiago Potter. Mas ninguém pensava nela; só a chamavam para favores atormentadores. Queria matar Christine por tê-la acordado naquele dia tão… ridículo.
- Estamos atrasadas, sabia? – retrucou a garota, cruzando os braços impaciente enquanto mantinha um olhar reprovador sobre a ruiva ainda deitada de barriga para baixo. – E você sabe que eu odeio chegar atrasada nas aulas da professora Minerva. Agora vamos, Lily, levante-se, e não quero cara emburrada para o meu lado.
- Será que nem ao menos dormir eu posso neste castelo? – bufou a ruiva, sentando-se na cama e coçando os olhos enquanto notava suas roupas já arrumadas em cima da cabeceira. – Eu estou tentando há dias ter um mínimo de sonhos bons e, quando finalmente consigo, você simplesmente me desperta? Mas que droga, Cris!
- Não tenho o dom da adivinhação ainda… Desculpe-me! – disse ela, dando de ombros e jogando o uniforme no rosto de Lílian, que parecia acordar aos poucos. – Aliás, por ser uma excelente monitora, deveria estar guiando os alunos do primeiro ano a suas respectivas salas, não é, Senhorita sem bons sonhos?
- Mas que horas são afinal? – Levantou-se em um pulo, esperando a resposta da morena que batia levemente as mãos em um dos quadros sujos no quarto. O que menos queria era ver o desprezível Potter lhe desaprovando por não ter descido no horário correto. Precisava se apressar.
- Poucos minutos para a aula de Transfiguração… - Lílian suspirou impaciente, andando até o banheiro com as roupas nas mãos que quase caíam ao chão, mas a ruiva as mantinha apertadas entre os dedos delicados e miúdos. O velho espelho cinza com sua forma arredondada parecia inexplicavelmente embaçado, o que a fez deduzir que alguma de suas amigas deveria ter tomado banho há pouco tempo. Bocejou demoradamente, piscando seus olhos verdes constantemente e colocando a blusa do uniforme da grifinória.
Não poderia demorar de maneira alguma, afinal, era monitora. E, por ser autoridade, tinha que dar o exemplo aos mais novos e aos irresponsáveis. Lembrou-se imediatamente de Potter e seu ego mais do que atormentável. Parecia um abuso a sua própria consciência pensar no "dono da verdade", ou talvez fosse simplesmente algo que a proibia de manter uma conversa civilizada com o pobre garoto. Ela não tinha culpa de sua ignorância constante.
Seus cabelos vermelhos escorregavam pelas curvas de seu pescoço e se escondiam entre a blusa recém-colocada; ao redor de seu rosto, suas bochechas mantinham seu aspecto de sempre, vermelhinhas e vistosas. Cheias de vida, como sempre lembrava das palavras de sua mãe, a qual havia herdado os fios finos e lisos que agora eram amarrados em um laço atrás da nuca, em um nó bem feito. As mãos da garota escorregaram até a saia, que vestiu depressa, arrumando a camiseta por dentro da mesma. A gravata borboleta apertadinha na medida do possível lhe deu um ar de superioridade, o que a fez sorrir logo em seguida.
Escovou os dentes brancos secando as mãos numa toalhinha laranja berrante que nada combinava com o azulejo bege do pequeno banheiro feminino. Abriu a porta novamente, deparando-se com Christine Miller batendo os pés em um barulho não muito agradável. A mesma sorriu em deboche enquanto franzia a testa, o que geralmente acontecia em casos extremos de impaciência da garota. Seus cachos de chocolate até a cintura estavam soltos e revoltos, refletidos ao sol vindo da janela. Seus olhos brilharam quando a viu pronta para sair.
- Pensei que não ia mais sair deste banheiro. – Inclinou a cabeça até o móvel e correu, lhe entregando uma mochila exageradamente pesada, mas que, para Lílian, estava um tanto leve, já que era acostumada a algo mais pesado.
- Agora que saí, quero saber por que não me acordou antes. – Olhou para a garota, saindo do quarto e descendo as escadas que as levariam à Sala Comunal, que permanecia sem um único ruído.
- Como assim, "não me acordou antes"? – A amiga fez uma careta nada amigável. Se é que poderia dizer que Christine estava amigável naquela semana; talvez estivesse com problemas sérios, ou simplesmente eram suas teimosias de cada mês. Lílian revirou os olhos e apenas abanou as mãos em um singelo pedido de paz para a amiga. – Sabe, Lily, às vezes, eu sinceramente não a entendo; primeiramente, você diz que eu não deveria tê-la acordado e, depois de cair no mundo certo, pisando no chão, que é incrivelmente "gelado", me dá uma terrível bronca dizendo que eu a deveria ter lhe acordado antes?
- Eu admito, eu realmente não estou muito bem hoje. Você sabe que eu não tenho um bom humor nas manhãs, principalmente quando sou acordada e por saber, graças às incríveis ironias do destino, que estou exageradamente atrasada. Perdoe-me – disse, apressando os passos enquanto sentia seu estômago se embrulhando de fome. Talvez Cris a perdoasse pela briga de cedo, mas ela mesma não se perdoaria por ter motivos para que Potter a chamasse de irresponsável. O que definitivamente não era.
- Sim, eu a perdôo. – A ruiva sorriu grata para morena, que retribuiu o sorriso enquanto roubavam duas maças da mesa do Salão Principal, que também estava vazio. Apenas uns alunos inconseqüentes e matadores de aula permaneciam conversando alto, olhando de esguelha para Lílian, que estava atrasada demais para lhes dar bronca.
Não que já não estivesse acostumada a olhar sua professora de Adivinhação. Realmente, ela era "notável", mas uma certa questão que definitivamente a fazia descontrolar-se era observá-la falando, andando e piscando diversas vezes seus olhos tão pretos quanto uma sala vazia e sem luminosidade alguma.
Seu rosto pálido, juntamente com suas sardas espalhadas por todos os cantos de sua bochecha, parecia um pesadelo, ou melhor, um bom motivo para que Lílian perdesse o controle de seus atos e dar uma grande gargalhada, mas ela sabia de que não poderia rir de maneira alguma se algum professor tinha um rosto não tão apreciável. Contudo, era um tanto difícil não olhá-la, já que suas roupas eram respeitosamente roxas.
A ruiva desviou o olhar de sua professora e ofereceu um aceno gentil a Cris, que quase dormia em uma das cadeiras próximas à janela. A amiga tinha alergia ao cheiro sufocante da sala da professora de Adivinhação. Sua primeira aula com a mesma foi um desastre. A morena passou mal e teve de ir para a ala hospitalar, onde foi tratada muito bem. O que deixou Lílian mais aliviada, depois de passar horas sem saber notícias da amiga. Christine revirou os olhos, indicando a professora, o que fez Lílian sorrir em pensar que não era a única entediada na aula.
- Vênus - a voz estridente e quase distorcida da professora ecoou pela pequena sala, ocupada por uma dúzia de pessoas. - Quero que todos vocês analisem a ação de Vênus sobre nossos corpos durante todos os dias até a semana que vem. - Por que a voz dela não podia soar mais doce? - Adianto que, hoje, este planeta está com suas funções voltadas para o amor. É um ótimo dia para tentarem arranjar namorado. - Um olho fechou-se brevemente em uma piscadela ridícula. Lílian mordeu seus lábios para que uma gargalhada não escapasse dali.
Estava começando a acreditar que Cassandra Filet daria uma brilhante apresentadora de um daqueles programas cômicos da tevê trouxa.
Recostou-se na cadeira minúscula demais até para um aluno no primeiro ano e voltou-se para a amiga, que agora emitia sons semelhantes a roncos. Riu baixinho e a sacudiu. A morena ergueu os olhos amendoados e mirou a outra com puro tédio.
- Agora é a minha vez de reclamar por ter me acordado – resmungou, voltando a colocar a cabeça entre os braços. – Será que essa mulher nunca irá parar de falar? – exclamou baixinho.
E como se aquilo tivesse sido o mais profundo apelo para os deuses, o sinal bateu alto por todos os corredores vazios de alunos até aquele momento. Sem que a professora dissesse qualquer palavra a mais, todos saíram correndo pela escada em forma de caracol que dava passagem para a sala. Era um verdadeiro mistério o porquê de alguns, tais como Lílian e Christine, cursarem aquela aula, embora a possibilidade mais concreta era o mero fato de que os estudos não eram exigidos, somente uma mente muito fértil.
- Você tem Estudo dos Trouxas agora? – perguntou Lílian, fuçando em sua mochila lotada por dezenas de livros, penas e tinteiros. A amiga concordou com a cabeça, desatenta. Uma coruja atravessava o corredor com rapidez inigualável, chamando a atenção de todos. Com suas penas mais escuras até que os olhos da professora de Adivinhação, ela deixou que um envelope amarelado propositalmente caísse nas mãos da menina com cabelos chocolate.
- Acho que é para você Lily – sorriu, colocando o papel nas mãos pálidas da outra. Os olhos esmeralda miraram por segundos demais a letra que escrevia seu nome; não a reconhecia.
Lily,
Estou muito surpreso que não tenha aparecido hoje de manhã para conter a baderna de todos os primeiranistas da Grifinória. Principalmente porque, com a euforia pelo tempo quente, as criancinhas ficaram agitadas demais. Se quiser acreditar na palavra de um monstro grotesco, acredite que eles até estavam ameaçando se lançar no lago da Lula-Gigante. Todos nós ficamos muitíssimo preocupados. Imagine se a ira das pequenas criaturinhas não fosse contida simplesmente porque a tia Lily, a única capaz de ajuizá-los, passava maior parte da sua manhã cochilando?
Espero que pelo menos você resolva comparecer à reunião hoje à noite. Caso tenha se esquecido, devemos estar na sala de sempre às oito horas.
Beijos e abraços carinhosos do seu Tiago
Ps: Para aproveitar o bilhete e não importunar mais de uma vez a pobre coruja que acabei de ganhar, gostaria de insistir, mais uma vez, para que saísse comigo durante o próximo passeio até Hogsmeade. Poderíamos colocar todo o peso de vigiar os outros ao monitores-chefes e tomarmos um sorvete. Pense sobre a idéia, Lily. Posso entrar nos seus sonhos ao invés de em seus pesadelos.
Christine mirava a amiga com curiosidade, mas não ousou nem ao menos abrir a boca quando visualizou os olhos esmeralda faiscando de ódio. A ruiva respirou fundo e, com toda a calma do mundo, amassou o papel entre os dedos trêmulos, apertando-o com força a ponto de quase machucar a si mesma. Seu olhar tornou-se mortífero para qualquer um que ousasse se aproximar dela. Seus lábios abriram-se como se para pronunciar qualquer coisa, mas nenhum som escapou de sua garganta. Como tinha ódio de Tiago Potter!
Jogou o papel no chão, mas, logo em seguida, o apanhou novamente. Olhou para a morena a sua frente e rangeu entre os dentes.
- Potter vai me pagar por tentar ser tão espertalhão! – O sobrenome do garoto saiu como um palavrão horrível. Deixou então que seus pés a guiassem até a aula de Aritmancia e que sua mente arquitetasse um plano perfeito de vingança.
Perfeito… Algo que pudesse machucá-lo ou coisa pior. Vingança nunca havia sido uma saída tão forte quanto o que pensava naquela ocasião. Nunca alguém a fazia ficar tão fora de si mesma quanto o maldito Tiago Potter. Mas ele pagaria por isso. Francamente!
Adentrou a sala gigante com várias mesas alinhadas e decoradas com uma cor marrom bastante convidativa. Lílian se jogou entre as cadeiras, tentando não pensar em mais nada, apenas em seu belo plano perfeito. Ajeitou-se o mais rápido possível conforme as batidas de seu coração e podia ouvir, no fundo da sala, a voz de sua professora de Aritmancia dando as boas-vindas para todos os alunos presentes. Mas ela não se importava.
Podia sentir seu estômago roncando, talvez pelo fato de, até aquele momento, ter apenas se deliciado com uma única maçã. Isso certamente seria um obstáculo para seus pensamentos, já que dificilmente conseguia pensar estando com fome. Mas nada era impossível, afinal. Retirou um pergaminho da bolsa e uma pena, molhando-a logo em seguida em um tinteiro que há poucos dias havia comprado.
A tinta foi despejada no pergaminho bege e deslizou corretamente, formando as primeiras palavras.
Não estou certa do que esperar de mim mesma. Às vezes, acho que tudo que sinto é um caso estranho e que me transporto para lugares que nunca conheci antes. Nunca senti tanta raiva em apenas uma única semana tediosa. Talvez sejam as semanas de provas, ou talvez pensamentos negativos que resultam em catástrofes. Uma opção lógica de tudo é um tanto complicada de se encontrar. Secretamente, quero matar alguém. E me vingar do que as chances desta vida me dão. O que fazer para que o mundo me esqueça? Gostaria de, pelo menos um dia, não ter pesadelos estranhos e que apenas me deixam confusa. Mas, como anteriormente eu citei, é difícil.
Escrevia tudo tão rapidamente que jurava que seus dedos não agüentariam tanto tempo aquele mesmo ritmo. Respirou fundo, tentando usufruir todo o ar que poderia para devolver todo o sentimento de vingança e tudo de mal que batia aceleradamente em seu coração.
No entanto, há coisas que me deixam ainda mais confusa e maléfica, se é que posso me ditar assim. E o autor de tudo que sinto está sentado a apenas quatro cadeiras atrás de mim, certamente com um sorriso sarcástico pronto para me flertar. O que necessariamente jamais conseguirá, pois até onde minha consciência me leva, eu ainda tenho meus dois pés no chão.
Tiago Potter….
Circulou o nome do rapaz enquanto formulava o que deveria escrever. Estava conectada a apenas seu único mundo. Aquele padrão de fórmulas bizarras.
- Eu gostaria de saber o que você está escrevendo nesse pergaminho – comentou a amiga.
Soltou um sorriso frouxo e continuou…
- Então quer dizer que você não me deixará ver o pergaminho?
- Não!
- E por quê?
- Já disse que não.
- Eu só quero saber…
- Não. – Debruçou-se na cama, se espreguiçando.
A morena de belos cachos chocolate jogou um olhar desapontado e cobriu a cabeça com o cobertor.
– Depois você diz que confia em mim.
- Eu confio em você! – disse a ruiva calmamente.
- Se confiasse, contaria.
- Você saberá em breve. – Apagou o abajur e apenas observou o céu com centenas de estrelas brilhantes, causando um calor agradável em seu coração.
- Eu deveria mesmo acreditar em você?
- Deveria. – Bocejou. – Você estará no plano também.
Cris se descobriu e jogou os pés para fora da cama, focando sua atenção na bola de cabelos ruivos.
- Vou?
- Certamente!
- E quem lhe disse que eu participarei de suas idéias mirabolantes, Lílian Evans? – indagou a morena, desgostosa.
- Ninguém me disse, é apenas um fato – sorriu.
- Um fato?
- Um fato!
Cris lhe jogou uma almofada na cabeça, soltando uma gargalhada logo em seguida. Os cachos de chocolate da moça voavam com a brisa que entrava através da janela aberta e seus olhos vivos brilhavam de curiosidade.
- Se eu lhe dissesse que não, você não poderia fazer nada! – falou.
- Pois eu digo que poderia sim! – respondeu Lílian, gargalhando. – Porque você tem tantos motivos quanto eu para concordar…
- Lílian Evans! – gritou Christine enquanto lhe apontava sua varinha. – Se não me contar agora o que pretende, lanço uma maldição imperdoável sem pensar duas vezes! – ameaçou em meio à vontade de contorcer sua face em uma expressão divertida.
- Não pensei que você fosse do tipo estourada, querida. – As duas riam de modo como não faziam há séculos. Como duas crianças, viam-se estendidas na cama de Lílian, sentindo o ar faltar-lhes nos pulmões graças às gargalhadas que ainda escapavam compulsivamente de suas gargantas para dominar o quarto.
- Minha barriga dói! – sussurrou a morena, levando as mãos para controlar a respiração rápida. Aos poucos, as risadas cessavam e suspiros aliviados das duas tomavam o lugar. – Vamos, Lily! – ela virou-se para a amiga, se apoiando no próprio cotovelo para que pudesse enxergar a amiga. – Conte-me! – implorou.
Lily ergueu as sobrancelhas, levando um dedo miúdo ao queixo. A careta de duvida completou o silêncio esperançoso da morena. – Será que eu devo lhe contar?
- Será que eu devo estuporá-la? – Cris apontou mais firmemente a varinha.
- É… Creio que você deva merecer! – Revirou os olhos.
- E?
- Precisarei da sua ajuda para descobrir algo realmente sério…
- Que tipo de "algo sério"? – Perguntou Cris, parecendo interessada. A amiga era secretamente fascinada pelos planos da ruiva. Geralmente, eram totalmente construtivos.
Lílian riu enquanto suas covinhas iam se tornando ainda mais vermelhas.
O dia já tinha amanhecido com seu brilho esplendoroso quando todos os marotos se viram reunidos no Salão Comunal para que pudessem descer. Tiago Potter, como monitor da casa, tinha de se certificar de que todos os alunos já estavam lá embaixo antes de sair e, como bons amigos, todos os outros marotos acompanhavam o garoto.
- Pontas, por que você não larga logo esse cargo inútil? — Sirius colocou as pernas sobre uma das mesas redondas que tomavam conta do Salão Comunal e mordeu um bolinho que tinha tirado de dentro do bolso.
- Há quanto tempo isso está aí dentro, Almofadinhas? — Lupin mirou o amigo com nojo. O outro comia de boca aberta enquanto não entendia a real razão daquela pergunta. Olhou o bolinho novamente e terminou de comê-lo.
- E ainda existem pessoas chatas que insistem em dizer que é ruim ter amizades com os elfos da cozinha, não é, querido Pedrinho? — o moreno mirou o amigo com uma cara engraçada e todos os outros riram do modo imbecil de Sirius quando ele acabava de acordar.
- Definitivamente, Sirius, acho que é melhor você não abrir a sua boca até que a terceira aula tenha passado — comentou Tiago, gargalhando. — Ou então você corre o risco de ser assassinado por seus próprios amigos, ou quem sabe por uma das suas garotas. — O amigo logo ficou quieto e foi inevitável sorrir. Conhecia Sirius desde que usavam fraldas e aquilo lhe trazia muitos conhecimentos sobre o amigo. — E, respondendo à sua pergunta, querido Almofadinhas, mantenho esse cargo nada inútil porque é ele quem nos livra de boas enrascadas. Você sabe que seu pai não suportaria se você levasse mais repreensões do que você já leva! - Sirius olhou para o amigo de modo estressado. Odiava lembrar que toda aquela gente que se via forçado a conviver era sua família.
- Tudo bem. – Franziu as sobrancelhas. – Não argumento mais nada! – Fez uma careta indignada. – Afinal, eu sei que o que mais lhe dá prazer nisso tudo é ficar mais perto da ruivinha.
- Admito! – falou Pontas com um ar extremamente sonhador – Estar perto dela é uma das minhas melhores vantagens, apesar de seu gênio teimoso. Mas digamos que, se ela fosse como as outras, não haveria graça alguma. – Pensou por alguns segundos enquanto gargalhadas soavam entre os amigos. – O cabelo também ajuda muito!
- Você sempre foi fascinado por ruivas – lembrou Sirius com um ar malicioso.
Tiago sorriu brevemente ao se lembrar da sua antiga paixonite de criança. Uma garota no mínimo dez anos mais velha do que eles, que fazia com que o garoto de dez anos ficasse abobado por simplesmente vê-la passar na rua. Entretanto, assim que recebera a carta de Hogwarts, todas as suas fantasias mais doces foram por água abaixo, e ele só tinha percebido o quão infantil tinha sido aquele sentimento quando mais velho.
- Mas convenhamos que agora é muito diferente, Sirius – argumentou. - Eu não tenho mais dez anos de idade!
- Digamos que, quando está próximo da cenourinha, age como se tivesse - explicou Remo enquanto gargalhava. O outro se viu sem ter o que dizer e simplesmente encolheu os ombros.
Aquilo era, de certo modo, verdadeiro. Nunca tinha sentido uma atração tão forte por outra garota. E era por isso que Lílian Evans dominava-lhe os pensamentos.
- Pontas, eu sei que este é seu trabalho e até já compreendi suas reais intenções com ele, mas estes bolinhos estão um pouco murchos e eu realmente estou afim de tomar um café da manhã decente hoje - resmungou Almofadinhas, bufando. – Ah! Olha quem vem aí.
Tiago virou seus olhos castanhos para "alguém" que caminhava calmamente entre as escadas, com os braços entrelaçados na amiga que sorria com algo interessante. A boca carnuda e brilhante, que ele deduziu ser de um mero gloss fraco, passeava em palavras indecifráveis para ele, ao mesmo tempo em que seus cabelos presos na nuca balançavam, deixando-o encantado e inteiramente zonzo. Eram os dotes irresistíveis de Lílian Evans. Era complicado manter sua identidade masculina olhando para ela! Completamente perturbador encaixar seus pensamentos… O que necessariamente ela usava para enfeitiçá-lo tão facilmente?
- Precisa de um babador? - murmurou Remo, dando altas gargalhadas por toda a Sala Comunal.
Tiago percebeu que a risada absurda do amigo chamou a atenção de todos os Grifinórios que passavam andando e mantendo conversas civilizadas por ali. Lílian observou o maroto que relutava contra as próprias gargalhadas. A ruiva simplesmente balançou a cabeça e revirou os olhos, comentando algo com Christine Miller.
"Coisa de garotas", pensou Pontas, descontente. Entretanto, no momento em que ousara se virar para seus amigos, a voz que perturbava seus pensamentos atingiu seus ouvidos.
- Sinceramente! - Tiago pôde sentir o olhar de reprovação lançado não sobre si desta vez, mas sobre seu amigo. - E eu achava que Remo Lupin fosse o melhor de vocês quatro! - O garoto ficou púrpuro. - Sabia que seria de muito bom grado se você jogasse estas porcarias no lixo e não na lareira? – perguntou, irritada. - Imagina se o bolinho estivesse enfeitiçado com alguma coisa? Poderia ocorrer um grande acidente dentro do Salão e todos ficariam feridos por sua culpa…
- Evans, não faça tempestade por tão pouco caso! - Sirius defendeu Remo de modo desinteressado. - Foi só um bolinho. Que mal pode haver nisso?
- Uma novidade para você, Black: ao menos as regras básicas devem ser cumpridas - retrucou. - Imagina se todos jogassem seus restos de comida dentro da lareira. Seria uma beleza, não? - Ela cruzou os braços e revirou os olhos. Definitivamente, não tinha acordado com um bom humor exatamente agradável e aquilo poderia colocar todo o plano por água abaixo.
Sentiu a impaciência tomar conta de seu corpo e sua respiração começar a ficar incontrolável. Por que sempre que se aproximava daqueles garotos tinha que se sentir tão completamente irritada e fora de controle? Então, sentiu algo lhe fisgar o estômago. A lareira tinha se apagado magicamente. E nem ao menos brasas haviam restado. Olhou assustada e quase se rendeu à sua própria armadilha, mas logo recuperou o controle.
- Veja só! - exclamou. - Espero que os elfos consigam acender novamente esta lareira, senão vocês estão mortos! - Assim, deu as costas para os quatro e voltou a seguir para fora do salão.
Os marotos olharam aquilo, espantados. Uma mistura de dúvidas surgiu em suas mentes e penetraram lentamente em seus paladares. O primeiro a se manifestar foi Remo, que se levantou da poltrona e foi olhar mais de perto a lareira, até então sem nenhum vasculho de fogo.
- Que bolinho danado! – comentou Pedro, brincando com seus próprios pensamentos. – Eu bem que disse que ter amizade com elfos não trás frutos bons. – Ele pareceu confuso – Ou seria 'bons frutos'?
- Bolinho? – Um sorriso discreto se alinhou na boca comprimida de Sirius. – Se querem mesmo saber minha opinião, a ruivinha me pareceu bem poderosa.
- Por que será que eu tive a mesma opinião que você? – Pensava mentalmente, sentindo uma adrenalina gostosa afagando seu coração.
- Magia! – falou Remo. – Há uma grande acumulação de magia por aqui. – O garoto respirou fundo. – Dá para sentir na carne isso… Uma atmosfera de fragmentos para um bruxo de verdade.
Tiago e Sirius se aproximaram da lareira, sentindo uma brisa momentânea arrepiar suas nucas. A corrida repentina de pó parecia bem espalhada por todos os cantos, e algo em especial brilhava naturalmente. A curiosidade pareceu mais viva em Tiago, que passou um dedo pelo teto sujo da lareira, a qual espirrou um jato quente de eletricidade. Um choque amigável.
- Curioso – Tiago permitiu-se pronunciar. – Muito curioso.
- Lílian Evans deve ter muito mais poderes do que imaginamos – sussurrou Sirius enquanto mirava os amigos de modo extasiado.
Christine corria atrás de Lílian enquanto a última caminhava em passos largos.
- Lily! – exclamou ela, segurando o braço da amiga assim que conseguiu alcançá-lo. – Você pode parar de correr um instante e me explicar exatamente o que está acontecendo? – perguntou de modo impaciente. – Você é minha melhor amiga, droga! Eu pensava que você me contava tudo!
- O problema, Cris, é que eu já não entendo mais nada! Desde que eu cheguei aqui, coisas estranhas começaram a acontecer. Eu pensava que fosse por eu ser bruxa – explicou, se sentando em um dos muros do corredor gigantesco. – Mas eu finalmente entendi que é muito mais do que isso. Que tem alguma coisa maior do que eu dentro de mim que faz com que coisas anormais aconteçam sem que eu tenha controle sobre elas, Cris! Eu tenho medo disso. Medo que seja algo terrível demais. Medo que todos descubram. Eu simplesmente detesto não entender nada! - A menina permitiu que o desespero tomasse conta de seu corpo e escorreu até o chão enquanto cobria o rosto com as mãos.
Cris ajoelhou-se ao lado da amiga e acariciou-lhe o cabelo de modo doce. Não tinha exatamente o dom para acalmar as pessoas, mas sabia que, naquele momento, precisava tentar muito mais.
- Por que você não me disse isso antes, Lily? – perguntou baixinho. – Eu poderia ter te ajudado e todas essas preocupações nunca teriam chegado até seus pensamentos. – A ruiva ergueu os olhos vermelhos para a amiga, enquanto mordia seus lábios e sorria levemente. Sabia que era verdade. – Entretanto, eu só posso ajudar agora. E eu prometo que irei ajudar, certo? Mas você tem que ajudar também… – riu enquanto abraçava a amiga. A outra sustentou o abraço, apertando o corpo da amiga fortemente contra o seu. Sentia como se pudesse cair a qualquer instante, e agora tinha certeza que poderia contar com sua melhor amiga.
- Obrigada – sussurrou baixinho.
- Hei, amigas são para essas coisas! – afirmou. – Agora se levante. Essa parede é muito fria e, se pegar friagem nas costas, pode piorar para uma gripe forte. – Naquele momento, Lily se lembrou meramente de sua mãe, doce, calma e preocupada. Cris se assemelhava a ela.
Sorriu simplesmente, transmitindo sinceridade. Afinal de contas, Cris era alguém especial. Mas, às vezes, sentia dentro de seu coração que algumas coisas deviam ser omitidas e trancadas em um baú sem chaves. Somente assim poderia manter a ordem dos fatos. Mesmo que isso significasse que estava sozinha, ela e seus problemas.
- Conte-me mais detalhadamente sobre isso – falou a amiga, mandona. – E quando eu digo 'tudo', não é apenas por mera coincidência. – Será que ela lia seus pensamentos?
Respirou fundo, tentando avaliar tudo que andava acontecendo consigo mesma. Era algo complicado de explicar; afinal, machucava profundamente seu 'eu'. Era doloroso, pois sentia que a ferida escondida estava aberta e cutucá-la era certamente uma péssima idéia. Poderia sangrar depois… Mas guardar tudo aquilo somente para ela doía ainda mais.
- Você já sentiu como se magia circulasse pelo seu sangue a cada tufão de respiração? – perguntou, mais para si mesma.
- Sim – sorriu a morena.
- O que eu quero dizer é que… – Olhou-a profundamente. – Você já sentiu que alguma coisa se apodera de seu próprio corpo quando fica nervosa ou simplesmente… - As palavras pararam em sua garganta. - Quando penso em coisas absurdas, elas acabam acontecendo.
