Capítulo Dois:

Você Desconfia de Alguma Coisa?

Lílian Evans tamborilava seus dedos sobre a mesa de madeira, enquanto seus pensamentos voavam alto o suficiente para que pudesse ser considerada louca. Mesmo que as aulas de Defesa Contra as Artes das Trevas fossem interessantes, podia afirmar com total convicção que aquele não era exatamente um dia em que sua atenção estava a toda. Quer dizer, não para a aula, já que suas idéias e dúvidas se voltavam para outra questão. Descobertas ocasionais.

"Todos os humanos mordidos por um lobo durante a puberdade acabam por se transformar em lobisomens também. Para os que desconhecem o fato, os bruxos apresentam substâncias em seu sangue que reagem de modo diferente ao entrarem em contato com a saliva do animal. Os genes são modificados e, a partir deste momento, durante todas as noites de lua-cheia, a vítima da mordida se transforma na criatura mais fantasiada pelo mundo trouxa (...). Entretanto, existe uma poção capaz de tornar a fera mais calma do que seria sem o efeito das plantas e antídotos (...)"

O trecho do livro de DCAT martelava em sua cabeça de modo irritante. A inquietação tomava conta de seu corpo e seus dedos apertavam impacientemente a pena velha com a qual ela rabiscava o pergaminho amassado. Idéias e coincidências enchiam sua mente de preocupação e curiosidade. Sentia que, agora, tinha uma grande chave de ouro. Mesmo não sabendo se poderia usá-la em seu plano contra Tiago Potter, já era de muita alegria ter chegado àquela conclusão. Entretanto, precisava tirar uma dúvida.

Professor, eu tenho uma dúvida – anunciou, erguendo o braço.

Fale, Srta. Evans – pediu o velho senhor de meia idade, enquanto se sentava sobre a mesa grande e espaçosa que fazia questão de usar por inteiro.

Se uma escola de bruxaria descobrisse que um de seus alunos é um lobisomem, seria permitido que o aluno permanecesse no colégio? – perguntou, mordendo os lábios. Sua perna tremia e a respiração começava a ficar rápida. Estava tão extasiada que nem ao menos notara o olhar curioso que todos os marotos tinham lhe lançado.

Se a escola tivesse recursos suficientes para proteger tanto o aluno em questão como todos os outros, e contasse com a ajuda de uma excelente enfermeira, não vejo por que não, Srta. Evans – respondeu, sorrindo.

Hogwarts teria tal estrutura? – estava a ponto de bala e, se não perguntasse aquilo, poderia morrer de tanta curiosidade.

Sim, Srta. Evans. Hogwarts tem uma ótima e exemplar enfermeira, além do amplo espaço para abrigar um lobisomem – afirmou o professor, pensativo.

A ruiva sentiu um enorme sorriso abrir-se em sua face antes de começar a escrever compulsivamente. Chris olhava para a amiga de modo divertido e confuso.

Acho que descobri um enorme segredo dos marotos, Chris! – sussurrou baixinho, antes de voltar sua atenção para os papéis.

O resto da aula teria sido muito mais apreciado se Maurice Gaarder, um aluno da Corvinal, não tivesse passado mal e vomitado por todo o caminho de um dos corredores que davam passagem até a porta. E era por isso que a aula terminava mais cedo aquele dia: para que todos conseguissem sair a tempo para o almoço. Não que o professor ou até mesmo as alunas não tivessem tentado limpar o chão com feitiços, mas, aparentemente, era inútil.

Vamos, Lily – chamou Chris, impaciente. – Eu simplesmente detestaria perder o almoço por um lapso mental seu! – exclamou, enquanto pegava o material da amiga e o jogava dentro da mochila trouxa.

Christine Miller! – gritou a ruiva. – Pode deixar que eu mesma levo meus materiais, certo? – perguntou, rindo. – Além do mais, preciso te explicar… – a frase e a excitação foram cortadas assim que Tiago Potter e seus amiguinhos fanfarrões cruzaram seu caminho.

Lílian manteve o olhar mortal junto a um sorriso malicioso para o menino descabelado até que ele sumisse de visão. Sentiu em sua pele todo o temor que rodeava aqueles quatro amigos. Os cabelos de sua nuca arrepiaram-se e seu coração bateu aceleradamente. Havia alguma coisa estranha ali.

Você viu o quão concreta foi a pergunta da Evans, Pontas! – exclamou Sirius assim que colocou seu pé fora da sala de aula. – E ainda quando te encarou… Parecia que seus olhos iriam arder em chamas vivas se não saíssemos logo dali! – comentou, jogando os cabelos para trás em um movimento que fez com que algumas primeiranistas suspirassem docemente.

Mesmo que ela tenha descoberto que… – Lupin parou um instante e mirou os amigos com uma expressão que deixava a frase se completar sozinha –… não importa! – concluiu. – Eu acredito que Lílian seja uma garota realmente legal já que, no final das contas, ela só nos odeia por causa do nosso caro amigo Tiago! – brincou, batendo levemente nas costas do garoto. – O que eu quero saber é se vocês sentiram – disse com um tom quase que sombrio demais. – Não sei se fui somente eu, mas meu corpo tremeu e foi possível sentir um calor imenso atingindo meu rosto e minhas vestes no exato momento em que a Evans olhou para você – anunciou, a voz baixa e o dedo apontado para Tiago.

Era como ter medo de dar mais um passo e cair em um abismo – murmurou Pedro, sacudindo para longe os próprios pensamentos.

Tiago lançou um olhar estranho para todos os três antes de se pronunciar.

Meu corpo sentiu-se aconchegado e meu coração nunca bateu tão ritmado antes – afirmou com um sorriso brando. - Eu senti algo tão forte atingir meu corpo que podia jurar ser muito mais do que ódio.

Todos os outros miraram o garoto com uma expressão estranhamente amedrontadora, exceto por Sirius, que se permitiu gargalhar.

Você anda com conclusões bem profundas, não é mesmo, Pontas? – O garoto se apoiou na parede de pedras e respirou fundo.

Cale a boca, Sirius! – mandou Tiago, corando.


Não fosse pelo horário completamente tardio, talvez aquele fosse um passeio adorável. Espremidos na agora curta capa da invisibilidade de Tiago Potter, todos os marotos caminhavam oscilantes pelos corredores mais secretos de Hogwarts.

Fazia algumas semanas que o incidente da lareira havia acontecido e, com o passar das noites, a lua-cheia já tinha se aproximado. Lupin começava a dar indícios de sua transformação, e era por isso que eles se encaminhavam para perto do Salgueiro Lutador do colégio. Deveriam se transformar em seus respectivos formatos animais rapidamente, para que pudessem ficar ao lado do amigo sem que corressem riscos de vida.

Seus passos eram lentos e cautelosos, enquanto os ouvidos ficavam atentos a qualquer ruído. O mapa do Maroto tinha sido esquecido naquele dia, e era por isso que todos sentiam seus corações agitados. Até ali, ninguém os tinha seguido… Ou, pelo menos, era o que eles achavam.

Hei! Você pisou no meu pé – sussurrou Pedro, se referindo a Sirius.

Remo revirou os olhos, apenas concentrado em sair rapidamente do castelo. Seria mais fácil se pudessem obter o auxílio do mapa. Mas, já que o uso do mesmo não era possível, manter os ouvidos atentos seria o mínimo necessário. Simplesmente apertou ainda mais os passos, seguido dos amigos, que resmungavam pelo aperto da capa. Sentiu uma vontade incrível de sorrir, mesmo que "aquela" fosse a noite de seus pesadelos. Precisava se agarrar aos poucos pensamentos felizes.

Olhou de esguelha para o céu. Em poucos instantes, se transformaria em algo indesejável… A lua cheia parecia acordar timidamente no céu, além do horizonte. Os poucos calafrios que sentia iam aumentando a cada passar dos segundos.

Poucos instantes depois, já se viam livres. O salgueiro lutador anunciava uma palavra mais adequada para os marotos. A liberdade…

Finalmente! – esbravejou Tiago, retirando a capa apertada de seus corpos. – O calor estava intenso aí em baixo.

É mesmo! – Sirius andou um pouco pela grama verde e admirou contente o céu que em poucos instantes lhes mostraria o quadro belo da lua cintilante. – Prontos para virar animais? – brincou.

Sim! – Pontas passou a mão pelos cabelos. – Você parece bem animado. É como eu já lhe disse: "Você deveria viver para sempre sendo um cão". – Ele mostrou os dentes brancos e soltou uma gargalhada marota. – Afinal, você já possui uma cara de cachorro abandonado!

Eu teimo em lhe responder, meu caro amigo, que eu viveria sendo um cachorro, mas jamais me acostumaria com as pulgas! – Piscou.

Todos riram, exceto Remo, que mantinha uma postura mais adequada àquela ocasião. Visualizava a lua. As ondas de calor da noite eram deliciosas e tremendamente silenciosas. Podia analisar o quanto a lua era luminosa e, ao mesmo tempo, não. O brilho emitido nos gramados era apreciativo e bem calmante. Talvez porque precisava de uma noite como aquela para se preparar com mais cautela para que sua transformação não fosse algo doloroso.

Temia todos os dias por aquela semana em especial, na qual seus sentidos se tornavam incontroláveis e a solidão parecia instalada mais profundamente em seu coração. Um lobo e a caça. A verdade era que já deveria estar acostumado, afinal, a ajuda dos amigos era sempre presente. Porém, a escuridão sempre tornava a encurralá-lo, o empurrando para o caminho mais difícil e temeroso.

A lua, simples, quieta, triste e bela, permanecia no céu sempre… Todas as noites…

Sentia muita saudade dos velhos tempos, nos quais sorria com mais facilidade do que nos dias atuais. Afinal, ser Remo Lupin não era algo realmente fácil de lidar, principalmente em questões de confiança. Então, se apenas focasse em analisar o quanto a vida ainda era bela, confortava-se ao menos um pouco. Mas acreditava que ser alguém mais centrado em suas atitudes e responsabilidades era essencial. Talvez fosse este o ponto principal que levara os amigos a manter uma amizade com ele. O ponto forte da coragem. Mas achava que, em parte disto, essa virtude se assemelhava mais a Tiago Potter.

Cara, não se preocupe. – Tiago tocou levemente seu ombro. – Vai dar tudo certo… Apenas acredite que vai!

Sei que já deveria estar acostumado, mas… – Voltou sua atenção para os amigos. - Acho que vocês deveriam se transformar em alguns minutos. – Sua forma física já começava a ser alterada e aquilo era sinal de alerta.

Sirius ajeitou os cabelos, prendendo-os em um desajustado rabo-de-cavalo. Estava impaciente e, de passagem, nervoso. Respirou fundo e virou-se de costas para os amigos para que, um segundo depois, permitisse que um sorriso se formasse em seus lábios.

Parte de toda a preocupação que insistia em esconder fora embora no instante em que seus olhos focaram uma porção de cabelos vermelhos voando tão rapidamente no ar que, talvez, nem mesmo o animal mais esperto pudesse notá-los. Entretanto, viver com uma família de bruxos das trevas trazia algumas premiações.

Afastou-se alguns passos e voltou-se, novamente, para os amigos. Remo Lupin e Pedro já não estavam mais ali e somente Tiago o aguardava, impaciente.

— Acho que temos visita, Tiago! — brincou, enquanto acenava com a cabeça na direção em que a garota dos olhos cor de esmeralda deveria estar. — Mas acho que podemos tratar da sua cenourinha mais tarde — sugeriu, gargalhando brevemente. — Vamos lá embaixo logo. Remo precisa de nossa ajuda.

Assim, desceram as escadas que se escondiam no Salgueiro Lutador, deixando Lílian Evans e Christine Miller acreditando que nenhum deles fazia idéia de que tinham estado ali.

Ela sabia! Sempre soubera que, por trás de sorrisos malandros, deveriam existir segredos. Bem ocultos!

O sorriso vitorioso estampou-se em sua face e seus olhos convidativos pareciam cada vez mais brilhantes. Já podia olhar de longe os marotos sumindo ao entrar em um local bizarro. Semelhante a uma caverna que os levaria a um lugar mais reservado. "E é lá que eles tramam suas traquinagens", pensou, enquanto ainda observava a árvore violenta se espreguiçando e esticando suas raízes.

Já ouvira falar e havia passado horrores com ela. Mesmo assim, sabia de um ótimo feitiço para acalmá-la. A velha árvore maldosa… Seu coração saltitou de ansiedade e podia jurar que seus cabelos ruivos a estavam dando força para segui-los e descobrir o segredo tão precioso dos marotos.

Eu falei! – Virou o corpo para Chris. – Eles se escondem naquele lugar reservado e devem tramar muitas coisas ocultas. – Passou a andar de um lado para o outro. – Eles simplesmente escondem algo e… Pare de me olhar com essa cara, vamos entrar lá e desmascarar qualquer coisa que estejam fazendo lá dentro.

Então você vai sozinha. – A amiga revirou os olhos e deu-lhe as costas. – Se quer mesmo saber, talvez seja, sei l�, alguma espécie de clube, o que não quer dizer que eles tramam a morte das pessoas, Lily. O que há com você? – ela falou rápido. – Virou alguma espécie de "senhorita sanguinária"?

Chris! – Esbugalhou os olhos. – Você não consegue reconhecer a cara de culpa que todos têm quando voltam dessas semanas? Você não tem curiosidade de saber o plano "deles"?

Não. – Chris cruzou os braços. – Isso não é da nossa conta.

A morena deu uma boa olhada na feição indignada de Lílian e deduziu que seus pensamentos vingativos pareciam vivos e tremendamente ativos.

Temos que aproveitar enquanto eles não podem ver a gente – murmurou baixinho.

Christine Miller entrelaçou as mãos e olhou profundamente para a amiga.

– Tudo isso era para ser uma simples brincadeira e você está complicando tudo, Lílian Evans. Lembre-se que a ausência deles nos dias de aula é aceita por Dumbledore. Isso quer dizer que talvez seja algo realmente sério. – Se encolheu no blusão por causa do frio. – E eu creio que você já saiba o que está acontecendo lá em baixo – falou ainda mais baixinho. – Não complique as coisas.

Eu só queria ter certeza. – Olhou o céu, admirando a plenitude da lua.

A lua cheia já diz muita coisa, não?

A ruiva balançou a cabeça negativamente.

Você está com raiva porque eles descobriram seu segredo, mas transtornar a vida de quem não tem culpa não é do seu feitio, Lily – afirmou a morena.

E se eu pudesse ajudá-lo?

Não que eu ache que você seja uma má pessoa, Lily, mas, neste caso, eu realmente duvido das suas boas intenções! – confessou a menina, enquanto ajeitava os cabelos chocolate em um coque muito mal arquitetado. – Acho melhor ficarmos longe disto tudo. Imagina o quão difícil deve ser para Lupin esconder um segredo tão grande? Criar uma obsessão por ele não irá ajudá-lo em nada!

Lílian bufou irritada. Era verdade que não suportava Tiago Potter, mas nunca tivera algo realmente concreto para que pudesse sentir o mesmo por Remo Lupin. Ele parecia um garoto legal, o único com juízo entre aqueles quatro amigos, e ela realmente queria ajudá-lo. Mesmo que aquilo implicasse recorrer ao primeiro para que tivesse maiores conhecimentos.

Vamos embora então, Chris. – Sentia-se derrotada demais pela falta de ânsia da amiga. – Eu resolvo isso amanhã de manhã – avisou, virando-se de costas e caminhando contra o vento que começava a ficar cada vez mais forte.

De algum modo estranho, sua cama parecia pequena demais, como se, ao se deitar ali, seu corpo ficasse esmagado entre a parede. As cobertas eram quentes demais e o colchão parecia cada vez mais duro. Lílian Evans afastou os cabelos ruivos dos seus olhos e mirou a paisagem que sua janela lhe proporcionava. A lua cheia não brilhava mais e, no seu lugar, o horizonte era, pouco a pouco, tingido por tonalidades de amarelo, vermelho e laranja.


-Cinco da manhã – sussurrou, irritada, assim que verificou o horário.

Sentou-se na cama e esfregou o rosto com força, espantando o sono que ainda se aprisionava em todos os seus pensamentos. Trocou de roupa e, logo depois, se arrastou para o salão comunal.

Como era previsível e óbvio, nenhum aluno estava acordado, principalmente por ser sábado. O cômodo estava vazio e, se ela se atrevesse a emitir qualquer palavra, possivelmente sua voz ecoaria infinitamente. Assim, seguiu em silêncio para a poltrona mais isolada. Cruzou as pernas e colocou o livro velho e gasto sobre seus joelhos.

Era verdade que não estava com grande capacidade para raciocinar durante aquele horário da manhã, mas sua fascinação em descobrir mais coisas sobre os marotos fazia com que sua mente pensasse rápido o suficiente.

Remo Lupin era um lobisomem. Isso ela já sabia e fazia questão de repetir dezenas e dezenas de vezes. Era fascinante e amedrontador demais. Entretanto, em meio a toda a história de contos de fadas, havia uma dúvida que martelava em sua cabeça: o que o resto dos amigos fazia junto ao garoto numa noite de lua cheia? Era perigoso se aproximar de um lobisomem quando este já estava em seu estágio de transformação, e qualquer leigo saberia disso. E, mesmo se tratando dos marotos, Lily sentia que aquilo poderia lhe trazer mais surpresas do que poderia imaginar.

Encostou-se na poltrona vermelha e mexeu no cabelo, enrolando-o de modo compulsivo. Suspirou, mas logo se permitiu sorrir. Tinha tido uma maravilhosa idéia.

Você quer que eu entre na enfermaria e dê em cima do Lupin, Lily? Está maluca! - exclamou Chris quando a amiga lhe sussurrou sua idéia em voz baixa.

Primeiro: fale mais baixo! — pediu, colocando o dedo sobre os lábios da menina. - Segundo: é claro que eu não quero que você dê em cima dele! Por Merlin! Mas é você quem faz aulas de enfermagem. Pode inventar alguma coisa para entrar na enfermaria e puxar papo com o Lupin. Pergunte alguma coisa que leve ao fato dele ser… - ela parou um instante e olhou ao redor -… você sabe - completou baixo.

-Como eu irei puxar o assunto sem mostrar que eu sei do segredo dele, Lílian Evans? - Os cabelos chocolate caíam sobre seus ombros de modo bagunçado. A garota começava a se irritar com as idéias malucas da amiga e sua súbita obsessão por aqueles quatro amigos. - Eu não vou fazer isso! Cansei das suas idéias à la Agatha Christie! - confessou.

Por favor, Chris! - implorou mais um pouco. - Pelo menos entre na enfermaria no instante em que os outros três entrarem também e preste atenção na conversa. Eu preciso descobrir o segredo deles antes que eles descubram mais sobre o meu, que nem eu mesma tenho consciência do que seja! - Ela mordeu os lábios carnudos.

Está certo - se rendeu, sorrindo. - Eu aceito. Mas desde que você me prometa que irá parar de ser tão louca e inconseqüente a partir de hoje.

Prometido! — concordou Lily.


-Sirius, você quer parar de se lamber um instante? - pediu Tiago em tom de brincadeira. O amigo ajeitava o cabelo e olhava-se no espelho, notando os mínimos defeitos a serem ajeitados.

Tiago, meu caro, tenho que estar impecável para a minha queridinha - respondeu Sirius com um sorriso malicioso nos lábios. Seu jeito de galanteador de Hogwarts realmente tinha muito fundamento.

Eu acho que você deveria parar de se aproveitar dessas pobres garotinhas que insistem em acreditar em você. Não concorda, Rabicho? - o outro se virou para o baixinho que lia distraído um gibi bruxo. Afirmou com um aceno e gargalhou. - Até o Pedrinho cansou de tanta pegação! - Tiago imitou a risada do mesmo.

Mas agora não é garotinha. É uma sonserina do sexto ano que sabe muito bem o que quer e o que não quer, caros amigos. Digamos que ela deva conhecer minhas reais intenções. - Deu uma piscadela e sentou na cama para calçar os sapatos.

Pois veja se sabe mesmo. Ainda mais sendo uma sonserina! – exclamou. - Acho que tudo o que você não precisa são problemas!

Sossegue, Tiago Potter. Já fiz você me tirar de muitas frias este ano. Prometo ausentá-lo delas por algum tempo! — afirmou, sorrindo. — É só uma amiguinha das minhas primas e, exatamente por isso, deve saber exatamente que eu não sou do tipo que leva algo muito adiante.

Você nunca vai mudar, não é mesmo, Almofadinhas? – perguntou Tiago, ainda rindo.

Como se você fosse um santo, Potter! - Sirius se levantou e vestiu uma malha azul marinho - Não se preocupe, porque, exatamente por ser relativamente cedo para um encontro, eu não esquecerei de ir hoje, okay? Às sete, estarei na frente do Salgueiro - confirmou antes de sair.

Tiago balançou a cabeça e se largou no colchão velho, mirando Pedro.

Eu realmente não sei de onde ele tira tanta disposição - confessou o mais gordo, voltando a atenção para seu gibi logo depois.

E eu ainda não sei da onde você tira tanta paciência para ler gibis em plena semana de lua cheia – retrucou Pontas, vendo seu reflexo no espelho.

O gordo deu de ombros, virando uma página pela centésima vez naquele mesmo dia.


Era tremendamente insano da parte dela demorar daquela forma. Fazia praticamente 20 minutos que permanecia na sala de Astronomia – um local particularmente apropriado para encontros de casais, mesmo que ele, Sirius Black, gostasse mais de locais planejados. Um exemplo de utilidade era certamente a Sala Precisa. Porém, fora ela quem escolhera o local e o horário.

Bufou. Não suportava atrasos, principalmente porque em poucos instantes teria que correr ao encontro dos marotos, o que necessariamente gastaria a maior parte de seu tempo e diminuiria as possibilidades de aproximação com ela. Parou de andar e respirou fundo, sentindo uma brisa repentina e salgada atormentar seus instintos. Esperar não era exatamente o seu forte. E nunca fora.

Inesperadamente, a porta se abriu e de lá saiu a figura perfeita de suas fantasias. Os olhos incrivelmente azuis refletiam a pele branca e sedosa que tentavam as sensações ocultas do moreno. Os cabelos lisos e encaracolados nas pontas se remexiam conforme a loira andava devagar até onde ele se localizava – próximo a uma das mesas no fundo da sala. As covinhas perfeitas adornavam um sorriso fascinante que o fez tremer da cabeça aos pés.

De alguma forma incrível, aquela garota em especial mexia com ele. Afinal, desde as férias, quando a conhecera através de uma de suas primas, Heather Black, sentia uma química inimaginável, talvez porque sempre se encantara por loiras que possuíam um temperamento forte. Mesmo assim, os olhos azuis conversavam misteriosamente com os seus negros e, incrivelmente, eles se entendiam.

"Hoje é o meu dia," sussurrou uma voz suave em sua consciência. Respirou fundo e jogou um de seus melhores sorrisos tentadores.

Você demorou! – disparou a dizer, chegando mais perto da moça.

Oh, não era a minha intenção. – Sua voz parecia sarcástica e soava harmoniosamente. A garota jogou os cabelos para trás e respirou fundo. – Eu tive alguns problemas até chegar aqui, mas acho que o que realmente importa é o agora, principalmente esse encontro, que vai ser bem útil.

Inteiramente útil. – Ele piscou e ela simplesmente revirou os olhos.

O semblante sonserino reluziu através da pequena escuridão do local e, mais uma vez, ela se aproximou e sentou em uma das cadeiras empoeiradas.

Era estranho estar com ela. Nadine Sullivan parecia ser, de certa forma, imprevisível; mesmo que seu olhar fosse calmo e terno, seus atos eram inteiramente diferentes. Porém, ele não estava sozinho com ela para analisá-la, por mais que isso lhe desse prazer. Estava ali simplesmente para agir. E sem demoras.

Passou a mãos entre os cabelos e sorriu novamente.

– Sabe, Sullivan, você é fascinante.

É. – Ela recolheu uma de suas mechas e continuou: – Todos me querem e me amam, principalmente garotos safados como você! – Ela sorriu, dengosa.

Oras, eu não sou safado!

Você é um anjo, Black…

– Acha mesmo? – Ele ergueu uma das sobrancelhas. - Já me disseram que sou bonito, sensual, gostoso, mas anjo? – Ele soltou uma gargalhada. – Desta vez você me surpreendeu, senhorita Sullivan!

Modéstia à parte, eu surpreendo a todos!

Acredito que sim. – Ele mordeu os lábios.

Levou uma de suas mãos á dela e sentiu um leve choque na barriga. Eram sensações novas e quentes. Muito quentes. Explorou mais a aceitação da loira e puxou sua mão delicada, levando-a aos lábios e lhe dando sinceros beijos. Ela apenas sorriu.

"Ela já caiu na minha," pensou.

Conhece Michele Brown? – Ela sussurrou, fazendo-o estremecer. – Uma morena de cabelos lisos e olhos puxados, que estuda na Corvinal e que dormiu com você semana passada? – O sorriso doce lhe pareceu amargo. – A quem você chutou após uns cinco dias de diversão?

A flecha perigosa o acertou ao fundo e, de repente, ela desvencilhou sua mão de seus lábios. O sorriso, que antes parecia incrivelmente tentador, tornou-se perigoso. Os olhos azuis pareciam fuzilá-lo com raiva e ódio. E sentiu que, naquele momento, seus planos de prazer desmoronavam a cada segundo. Tudo que mais queria naquele momento era sair daquela sala e se esconder na caverna onde finalmente poderia se tornar um verdadeiro cachorro.

Na verdade, não – mentiu, sem saber que piorava sua própria situação.

Oh… - Ela se levantou e deu as costas a ele. – Seu simples esquema de sedução é apenas curtir as garotas e depois jogá-las aos prantos, mesmo sem saber que elas nutrem um sentimento diferente… Um sentimento puro e verdadeiro. – Ele percebeu que as mãos da garota se contraíram e se preparou para levar um soco. – Você não percebe que, em meio a tantos desejos, existe uma palavra em especial que é mais do que uns belos momentos de prazer, e que inesperadamente você pode machucar um coração com uma simples frase. – A garota continuou parada. Parecia calcular seus próprios atos.

Sei disso, Nadine, mas eu preciso satisfazer as minhas necessidades! – ele voltou a olhar para ela. – O que acha de curtirmos os únicos momentos juntos?

É. – Ela se aproximou dele, o abraçando. – Sabe, você tem mãos ágeis. – Ele a apertou, passando as mãos por suas costas e se encaminhando para suas nádegas. – Mas antes eu gostaria de adverti-lo que ninguém… – Beijou o pescoço do rapaz, que gemeu de prazer –… eu disse ninguém, brinca com Nadine Sullivan! - A loira o empurrou, roubando sua varinha e apontando a mesma para seu pescoço. – Se brincar mais uma vez com uma de minhas amigas, você vai sofrer danos, bonitão…


Era verdade que o frio começava a se tornar infernal e que o vento soprava tão forte que até mesmo o Salgueiro Lutador tinha parado de se sacudir para que guardasse o pouco calor que seus galhos conseguiam alcançar.

Entretanto, Chris não era a tal árvore e, definitivamente, não via frente aos seus olhos a opção de permanecer encolhida entre seus tão quentinhos cobertores naquela manhã gélida de domingo.

— Vamos, Chris! Você tinha prometido ir até a enfermaria hoje — resmungou Lily, cruzando os braços e fazendo birra como uma pequena criança. — Se não for até lá agora, eu juro virar uma obsessiva pelos marotos! — brincou, fazendo sua pior cara (ou tentando).

— Oras, não tente me enganar! — Christine gargalhou alto, enquanto prendia os cabelos em duas trancinhas. — No dia em que você se tornar uma compulsiva doentia por aqueles quatro, eu me uno àquele garoto maluco do primeiro ano e durmo com ele.

— Ele ficaria muitíssimo feliz, Srta. Miller! — respondeu de modo travesso. — O modo louco como ele pede para tirar fotos suas me assusta! — confessou, largando-se novamente na cama. Aquele era um dos pontos positivos de se ser monitora-chefe: ter um quarto somente dela. — Você tem mesmo certeza que não quer que eu vá junto?

— Se você for, eles vão suspeitar de alguma coisa. Na aula de Defesa Contra as Artes das Trevas, eles já me pareceram suspeitosos demais. Imagine se a Vossa Majestade entrar na enfermaria sem qualquer motivo aparente — explicou, olhando-se uma última vez no espelho.

— Bom, eu poderia fingir estar passando mal, mas já que você insiste… Eu apareço lá mais tarde!

A morena balançou a cabeça e deixou o quarto rapidamente. Seus passos eram largos e nem mesmo toda a quantidade de lã que vestia conseguia reter o vento frio que gelava seus ossos. Mesmo que tivesse prometido à amiga que tentaria descobrir alguma coisa, jamais ficaria satisfeita com a sua decisão de aceitar o horário que a enfermeira tinha lhe oferecido. Afinal, nove horas da manhã não entrava em seus conceitos como algo realmente agradável.

Bateu na porta de madeira três vezes antes que se permitisse entrar no cômodo aquecido. Tirou o casaco mais pesado que vestia e o pendurou no cabide da entrada. Lançou um olhar rápido por todo o lugar e ficou feliz ao perceber que Remo Lupin estava l�, já rodeado por todos os outros marotos.

— E então, Sirius, como foi seu belíssimo encontro com Nadine? — perguntou Pedro, sentando-se sobre a mesinha de cabeceira e encostando-se na parede.

— Simplesmente não foi, meu caro — confessou, um tanto quanto envergonhado. — A garota é realmente maluca. Só aceitou o encontro porque queria avisar que era errado brincar com os sentimentos alheios.

— Não posso dizer que ela está errada, Sirius, meu chapa — Remo permitiu que sua voz saísse de modo rouco. Ainda se sentia cansado demais. — Você precisa mesmo parar com toda essa galinhagem! Daqui a algum tempo nenhuma garota de Hogwarts terá coragem de cair em suas garras e você enlouquecerá.

— Se isso acontecer, e eu repito se, eu preferiria me transformar em um cachorro para sempre. Teria mais oportunidades, entende?

Todos os outros contiveram suas gargalhadas e calaram-se assim que uma estudante do sexto ano da Corvinal lhes lançou um olhar assassino.

— Desculpem a invasão de privacidade, — Christine sorriu timidamente — mas pediram que eu lhe desse isso exatamente às nove e quinze, Lupin! — explicou enquanto virava um pouco de uma estranha poção borbulhante na xícara do garoto. — E você tem que tomar tudinho!

O garoto engoliu tudo o mais rápido que pôde e não temeu na hora de fazer uma careta muitíssimo engraçada. Sacudiu a cabeça e entregou a xícara nas mãos da menina. Por um instante, pareceu uma pequena criança que tinha ódio de remédios ruins demais.

Você precisa descansar um pouco — avisou. — Acho melhor seus amigos saírem daqui a alguns minutos, certo? — Olhou para todos os outros, que sacudiram as cabeças em tom de zombaria. — Vocês têm meia hora a mais — anunciou, observando o relógio que estava pendurado em uma das paredes.

Então, em passos lentos e curtos, seguiu para arrumar a cama que ficava ao lado da que tinha acabado de visitar. Tinha escutado boa parte da conversa até ali, mas não compreendera metade do que tinha sido dito - até porque, havia somente uma pequena pista ali. Fingiu-se de distraída e continuou, cantarolando baixinho uma canção qualquer.

— Eu acho que nos saímos brilhantes estes dois dias — admitiu Pedro, pulando para o chão novamente. — Foi uma idéia de gênio essa que tivemos!

— Assim como todas as outras, não é mesmo. caro Rabicho? — Tiago deu uma piscadela e continuou. — Mas, de qualquer forma, espero que esta noite a gente não esqueça o mapa outra vez! Já basta o fato de Filch quase ter nos alcançado ontem à noite enquanto íamos até a Casa dos Gritos! Não quero mais confusões por hoje e, muito menos, pessoas nos perseguindo! Já pensou se descobrissem que nos transformamos em animagos ilegalmente? — sua voz soava tão baixa que Christine não a teria escutado se não tivesse sua audição realmente aguçada.

A menina largou o travesseiro que fingia afofar por um instante. Entreabriu a boca, ficando estática por alguns segundos. Eles eram animagos! Aquilo era grande demais, entretanto, teria que esperar mais uma hora inteira para que contasse a Lily, já que seu horário ia até as dez e quinze.

A impaciência que se resguardava em seu corpo era tanta que ela nem ao menos deixou que a menina terminasse de falar. Enrolada na sua toalha cor de abóbora e com os cabelos pingando, ela se sentou na cama e sorriu animada.

— Eu disse que eles tinham um segredo, Chris! — exclamou, surtando de excitação.

— Você realmente estava certa, amiga. E ele é muito mais interessante do que eu poderia imaginar! — Não havia como negar que, agora, ela tinha ficado realmente animada por descobrir aquilo. — Mas o que vamos fazer com este fato, Lily? — perguntou, curiosa. — Não podemos escrever em um cartaz enorme e espalhar por aí…

A ruiva levantou-se, enquanto mordia os próprios lábios. Seguiu para o armário mais próximo e procurou por uma roupa. Era verdade que tinha lutado muito para descobrir aquilo, entretanto, agora que tinha um segredo tão gigantesco na palma das suas mãos, mal sabia o que fazer com ele.

— Eu realmente não sei, Chris — confessou. — Talvez precisemos de tempo para descobrir como agir sobre isso.

— Olhe lá o que a Srta. vai pensar! Não quero confusões para o nosso lado… Meu pai me mataria se eu recebesse qualquer advertência sobre algo sério demais.

— Nós não vamos nos meter em confusão. Não se preocupe.


A noite já tinha caído sobre o enorme castelo que abrigava dezenas de jovens aprendizes. Não que os ponteiros do relógio antigo já tivessem ultrapassado as dez horas, mas, aparentemente, a maioria dos alunos estava cansada demais depois de um sábado de puro divertimento, e era por isso que o Salão Comunal da Grifinória se encontrava basicamente vazio.

No canto da direita, meia dúzia de estudantes do quinto ano lia compulsivamente seus exercícios anteriores, enquanto faziam anotações em um ritmo quase que sobrenatural. Já do outro lado, todos os quatro marotos descansavam suas idéias antes que as colocassem para discussão. Sentados próximos às janelas gigantescas, observavam o céu de modo estranhamente paciente.

A lua cheia já tinha ido embora, mas aquilo não fazia com que o céu ficasse menos brilhante, assim como não podia arrastar para longe a alegria de Remo Lupin ao visualizar, cansado, a lua minguante.

— Vocês acham que Lílian sabe alguma coisa além do segredinho do nosso amigo Aluado? — perguntou Rabicho, quebrando, finalmente, o silêncio.

Todos olharam para o garoto de modo estranho. Aquela tinha sido realmente uma pergunta fundamentada em fatos que vinham ocorrendo naqueles dias, e o fato de Pedro Pettigrew ter tirado tal conclusão era grandioso e assustador demais.

— Está ficando muito inteligente, Pedrinho — brincou Black, enquanto dava tapas amigáveis nas costas do outro. Ele sorriu, bobo.

— Eu realmente estou estranhando as atitudes tão pacíficas da Lily — confessou Tiago, se ajeitando melhor na poltrona laranja. — Entretanto, o mais estranho foi o fato de eu ter visto ela e a Miller só sorrisos e bons modos durante todas as manhãs nestes últimos dias!

— Isso é a mais concreta verdade, Sr. Pontas! — concordou Sirius. — E, seja lá o que for, precisamos ter nossa munição a postos para qualquer ataque surpresa! Não sabemos o que elas suposta e quase que muitíssimo claramente sabem, mas devemos descobrir alguma coisa que se contraponha a um peso tão forte.

— Que tal se investigarmos sobre aqueles estranhos… — Remo parou um instante e respirou fundo. Estava cansado ainda. —… acontecimentos que rondam a cenourinha do Tiago? — sugeriu com um sorriso nos lábios. — Já concluímos que existe um grande campo de magia envolvendo tudo, mas posso apostar toda minha pouca fortuna que, assim como é certo que todo mês a lua cheia virá me atormentar, é concreto que Lílian Evans envolve um grande segredo.

— Pois então podemos começar as "investigações" amanhã mesmo — anunciou Tiago, empolgado. — Os marotos vão entrar em ação! — gargalhou.


Já fazia mais ou menos um mês desde que tinham tido a idéia de simpatizarem com os marotos. Não que aquilo fosse uma tarefa tão difícil para Chris, mas, em contra partida, a outra parecia nervosa demais. Aquilo, definitivamente, merecia ser classificado como um grande "exagero".

O que esta fazendo, Lily? – indagou a morena, que observava a respiração da ruiva.

Lílian apenas acenou com a cabeça, passando a respirar mais profundamente e soltar o ar centenas de vezes, de forma que seu peito se movimentava para cima e para baixo freqüentemente. A mesma sorriu e olhou de esguelha para a parte mais afastada onde, ela sabia, os marotos conversavam sobre algum assunto interessante, já que suas caras assustadas os denunciavam perfeitamente.

Estou apenas treinando… – Respirou fundo, puxando o ar e inflando seu diafragma. – Para não perder a paciência quando for falar com os marotos… É importante… – E soltou o ar, descansando novamente o diafragma. – Manter uma calma constante… – Respirou –… para que tudo dê certo... – Soltou o ar. – Principalmente agora, que vou ter que treinar esse mesmo circuito de respirações para conseguir uma amizade com eles!

Uma linha fina de riso delineou os lábios da morena, que logo soltou uma verdadeira gargalhada que ecoou por todo o salão e chamou mais a atenção da mesa a qual Lily minutos antes olhava. Os marotos olhavam-nas estranhamente e Chris era capaz de perceber o quanto Lily pareceu perturbar-se com aquilo. Suas faces, naquele momento, eram semelhantes aos seus cabelos.

O que deu em você? – perguntou a ruiva, parecendo desconcertada. – Agora todos estão nos olhando!

Por sua culpa, okay? – O sistema de humor da morena estava vivo demais naquele dia em especial, a ruiva percebeu. – Eu não teria rido… – soltou mais uma risadinha –… se você não tivesse passado a imitar um cachorro tendo aulas de comportamento respiratório! – Terminou o comentário soltando mais uma onda de risadas.

Mas… – Jogou seu olhar mais furioso para a amiga. – Isso não é engraçado!

Não é?

Claro que não! Estou apenas tentando manter um pouco do juízo para tentar descobrir mais coisas desses garotos, dos quais Hogwarts inteira deveria ter medo!

E para isso é necessário ter acessos de respiração-cachorro? – A morena jogou os cachos cor de chocolate para trás, olhando mais fixamente para a ruiva.

Não é respiração-cachorro! – gritou a plenos pulmões, sentindo o peso da vergonha. – Christine Miller, acho melhor você me acompanhar até os jardins, senão serei capaz de te flutuar até lá. – Os olhos verdes fuzilavam os da morena, que soltou outra gargalhada e a acompanhou até os jardins.

O ar fresco parecia imensamente calmante, porém, com os nervos agitados da ruiva, não parecia fazer efeito algum. Afinal, a velha história do tempestuoso gênio de Lílian Evans não era apenas uma lenda contada por sábios e esquecida depois da fúria. A ruiva teimava em relembrar de sua fúria todos os dias, e era exatamente isso que preocupava Christine. Porém, amigas eram para 'aquelas' coisas em especial. Então, era ela quem teria que acalmar a fera.

Lily, me entenda, só estava brincando…

Brincando? – A moça colocou as duas mãos na cintura. – Eu gostaria que você me entendesse também. É necessário para alguém fazer respirações que acalmam, okay, Srta. Christine Miller?

Mas é que… – O sorriso voltou para a face da morena. – Você é muito exagerada, Lily!

Exagerada? – esbravejou.

C-laro! Tudo que você tem que fazer é dizer um "olá" para os marotos e pronto! – A morena revirou os olhos. – Depois não gritar com eles, não brigar com eles, não passar detenções a eles, não criticá-los, não…

Chega! – gritou, forçando as respirações novamente. – Isso é uma tarefa complicada. – Suspirou. – Precisarei de muita... – soltou o ar – … muita calma!

Ela recalculou tudo no caminho para o encontro perfeito com os marotos. O local seria a mesa de encontros, a propriedade espetacular do grupo mais medonho para ela, Lílian Evans. Seria uma questão de segundos até vê-los olhando-a com suas caras mais do que assustadoras. Prontos para atacá-la e jogá-la para fora de suas mesas. Afinal, havia arquitetado o plano, juntamente com Chris, de sentarem na poltrona real dos reis. E assim, eles reclamariam por elas terem invadido a "mesa maravilha" profissional dos marotos.

E era l�, exatamente l�, ia pensado Lily, onde cometeria o erro fatal, porém espetacular, de fazer amizade com eles.

Suspirou. Sabia o quanto seria complicado para seu ego comunicar-se com os marotos sem o auxílio de gritos, detenções, brigas, raiva, tormento e, principalmente… dor de cabeça!

Segurou firme a mão da amiga e sentou-se na mesa à qual os marotos viriam logo depois do treinamento de Quadribol.

Enfim, chegamos… - murmurou Chris. – Estou ansiosa…

Eu não vejo a hora de voltar para o meu quarto e começar as minhas respirações – comentou Lily, desanimada.

Lily querida, aos poucos você se acostuma!

Me acostumar de verdade, eu acho que eu nunca conseguirei, mas quem sabe chegar a um acordo comigo mesma e meadaptar à idéia – respondeu, tentando evitar o sorriso que começava a se formar em seu rosto. As três garotas que faziam parte do time atravessaram o retrato da Mulher-Gorda e passaram pelo salão com rapidez inigualável. – Não se esqueça, Chris, precisamos parecer…

Despreocupadas e naturais - frisou assim que visou o rosto da amiga começando a ficar vermelho.

Assim que Christine calou sua boca, os marotos atravessaram a porta de entrada com sorrisos expressos em cada um de seus rostos jovens. Tiago Potter mirou Lily assim que se colocou dentro do cômodo. Seus cabelos pretos estavam molhados – provavelmente pelo banho – e ele vestia uma blusa de lã branca que subia em uma gola alta em seu pescoço. Suas calças jeans eram em um tom mais azul que o normal e, não fosse pelo fato de estar tão concentrada, a ruiva teria percebido que a cor oscilava.

Falavam sobre algo realmente muito interessante, ou, pelo menos, era o que Lílian pensava, porque caminharam até a "mesa de encontros" sem nem ao menos notar as duas garotas que se fingiam entretidas em suas revistas trouxas.

Pois acho que deveríamos dar mais queijo suíço para o Rabicho na próxima… – Sirius parou de falar assim que seus olhos cruzaram com os cor de esmeralda. O que raios ela e sua amiga faziam ali?

Mirou os amigos com um sorriso e deu os ombros, indo se sentar em uma das outras cadeiras que tinham ficado livres. Tiago foi o primeiro a seguir os passos do amigo e escolher o lugar bem à frente do monte de cabelos vermelhos. Já Remo e Pedro viram-se designados aos últimos lugares.

Sem que um soubesse do pensamento do outro, cada uma das pessoas sentada ao redor daquela mesa mantinha idéias diferentes. Os marotos acreditavam na sorte de terem a chance para descobrir mais alguma coisa sobre Lílian Evans, enquanto esta e sua amiga apostavam na idéia de que estavam se dando bem no plano de desmascarar o quarteto.

Boa tarde, senhoritas – cumprimentou Tiago em um modo debochado de cortesia.

Boa tarde – respondeu Lílian prontamente, baixando sua revista para visualizar a expressão indescritível do garoto. Sorriu levemente e fingiu-se interessada em um último parágrafo de uma entrevista. – Tiago, você poderia, por favor, me passar essa revista que está bem ao lado dos seus pés? – perguntou controlada. Ela havia dito por favor!

Aqui est�, Lily – esticou o braço e passou a revista antiga para as mãos pálidas, enquanto reprimia um sorriso de satisfação no rosto. Aquilo tudo estava sendo cortês e amável demais para Lílian Evans. Talvez, aquela cena fosse o comprovante de que ela sabia alguma coisa… – Vocês não deveriam estar nos jardins, ajudando no cultivo de pepinos selvagens? – questionou, tentando não adicionar nem ao menos uma pitada de ironia na sua frase.

Hagrid nos disse que, por causa do frio, os pepinos se aquietaram um pouco e nos liberou do trabalho voluntário – explicou Chris, se pronunciando pela primeira vez. – Sinceramente, eu fico até feliz. Não que eu não goste do Hagrid. Na realidade, eu o adoro, mas ele tem criaturas asquerosas demais dentro daquela velha cabana! – explicou, fazendo cara de nojo.

Todos riram gostosamente, afinal, era claro que, apesar do carinho que todos guardavam pelo guarda-caças da escola, havia um certo medo da afeição louca que o meio-gigante tinha por animais extraordinários.

Isso é porque vocês nunca chegaram a conhecer o Rudolf. Era uma lesma gigante que se arrastou para cima do Pedro quando o viu deitado no chão, comendo um pedaço de bolo de chocolate. Demoramos séculos para que conseguíssemos tirar aquela coisa de cima dele – contou Remo, gargalhando. – Pedrinho ficou fedendo a merda de lesma por semanas!

E foi por isso que ficou na enfermaria por semanas – explicou Sirius, rindo.

Na minha sincera opinião, Hagrid deveria ser professor de Trato de Criaturas Mágicas – comentou Chris. De algum modo estranho, estavam se dando bem. – Aposto como as aulas seriam muito mais interessantes do que as nossas… Já imaginaram, por exemplo, milhares de lesmas gigantes na aula em vez de páginas e mais páginas de livros?

Sairíamos daqui prontos para trabalhar em um zoológico! – concluiu Lílian. Todos ririam. Se ao menos soubessem o significado daquela enigmática palavra… A ruiva respirou fundo. – Zoológico é um lugar onde diversas espécies de animais do mundo trouxa ficam expostos. As pessoas pagam e vão visitá-los.

Eles balançaram as cabeças, concordando, embora não tivessem compreendido plenamente a explicação da garota.

Hei, vocês dois não tinham uma reunião de monitores-chefes? – perguntou Lupin, observando os últimos vestígios de sol desaparecerem no casto horizonte.

E estamos muitíssimo atrasados! – exclamou Lílian, levantando-se com rapidez enquanto lançava um olhar que pedia que Chris continuasse ali. – Vamos, Potter! – disse pacientemente, segurando-o pelo braço e o arrastando para longe.

Eles formam um casal tão bonitinho. – Sirius piscou os cílios dezenas de vezes e imitou um suspiro doce, fazendo com que todos os três ainda presentes rissem.

E assim que os dois atravessaram a passagem, Chris voltou-se rapidamente para os outros três que ainda permaneciam em silêncio. Precisava falar alguma coisa…

Então, vocês já sabem do Baile de Inverno?


— Ande mais devagar, Lily! — resmungou Tiago, segurando levemente o braço da garota. Não fosse pelos inúmeros tecidos que o cobriam, poderia ter sentido a pele alva dela pela primeira vez. — Não estamos tão atrasados assim!

Lílian parou um instante e mirou o garoto, impaciente. Respirou fundo. O fato de ser chamada de Lily por ele já não a afetava mais. Havia se tornado um costume irreversível; entretanto, ter de suportá-lo repetindo seu apelido dezenas e dezenas de vezes com seu ridículo tom de conquistador barato a estava tirando do sério.

— Potter, eu não sei quanto a você, mas eu aprecio pessoas que cumprem seus horários e suas responsabilidades. Assim sendo, estamos atrasados, e é melhor apressarmos o passo se não quisermos receber uma bronca e quisermos chegar a tempo de alcançar ao menos o final da noite com os outros — disse a garota, ajeitando os cabelos. A última sugestão tinha escapado de seus lábios, sozinha, sem qualquer preparação física ou mental. Gelou por um instante, admirando o rosto confuso de Tiago.

— Então acho melhor irmos andando… Antes que fique tarde demais ou que nossos pés se tornem tão frios que fiquem impossibilitados de dar mais passos — sugeriu, colocando as mãos dentro dos bolsos do casaco grande enquanto recomeçava a andar.

Lílian Evans e Tiago Potter. Lado a lado. Sem brigas, sem discussões, sem gestos de impaciência. Apenas apreciando aquele primeiro grande passo.