Sinto não ter encontrado a inspiração para escrever e postar o capítulo mais cedo (teria postado antes, se o site tivesse funcionando direito ...). Mas, agora que o posso fazer, espero sinceramente que se divirtam com este capítulo de uma fic escrita especialmente para vocês. :) (Mariana pensando: Hm... Parece que, no final das contas, vai ter mais capítulos do que eu imaginava... kuzo...) :P Hehehehe, divirtam-se!


Capítulo18: O passado que ainda vive


Hong Kong, China. Uma semana antes

Era noite e o silêncio sepulcral. O vasto território da propriedade com aparência escura e sombria dava um ar ainda mais misterioso ao local. A despeito da noite sem Lua e da atmosfera sem vento, as duas figuras, posicionadas no telhado de um templo exclusivo daquela mansão, mantinham-se em extrema alerta, como se estivessem em um campo de batalha, prontos para qualquer ataque do inimigo.

Bom... Pelo menos era assim que deveriam estar, mas...

Voz cansada e irritada: 'Ah! Não Agüento mais isso!' Disse uma das figuras, esparramada nas telhas do aposento sagrado, em puro tédio. A outra figura, sentada firme e corretamente ao lado do primeiro, lançou-lhe um olhar de esguelha, fuzilando-o com os olhos.

Voz grave e série: 'Fale baixo, Kerberus. Você está em uma missão, não em um sofá da sua confortável casa, não fazendo nada mais do que dormir e comer.' Kerberus, em sua forma real, espatifado no telhado, entediado, irritado, cansado e faminto, apenas voltou os olhos dourados para o outro felino, atualmente em altura superior, logo voltando a encarar o gramado, como fazia anteriormente.

Kerberus (com um grunhido): "Um mês... Um mês e uma semana! Eriol-sama não tem compaixão de mim. Mal cheguei em casa, e mal uma semana tinha se passado, o maquiavélico já me fez vir para cá e, deixe-me acrescentar, tendo de aturar um chato como você. Para quê? Apenas para espiar esses chineses que não fazem nada mais do que andar para lá e para cá com cara de quem comeu e não gostou. Hunf! Isso é ultrajante!'

SpinelSun (soltando um suspiro derrotado): 'Você não tem jeito, Kerberus. Até mesmo em uma situação grave como esta, ainda age imaturamente... Sinto pena de Yue em ser seu companheiro como Guardião.' Ao ouvir o nome do Guardião Lunar, Kerberus mais uma vez fechou a expressão, sem encarar o outro felino.

Kerberus: 'Eu estou pouco ligando para aquele arrogante convencido, que deveria se chamar Guardião do Gelo. Aquele lá é outro! Que age quando bem entende, sem dar a mínima para a opinião dos outros. Sumiu pouco antes de nós e sem deixar uma explicação sequer para a pobre Sakura-chan, que fica toda preocupada com aquele sem coração.'

SpinelSun (mantendo o olhar na mansão chinesa, a mais de trinta metros de distância deles): 'Tenho certeza que Yue teve seus motivos para partir sem avisar. E também tenho absoluta certeza que ele fez isso justamente para o bem da sua "pobre Sakura-chan".' Falou com desdém. A isso, Kerberus sentou-se imediatamente, lançando um olhar assassino ao outro Guardião.

Kerberus: 'Olha aqui, bola de pelo inútil! Não ouse falar da min...' Mas não pôde concluir, Spinelsun interrompeu-o.

SpinelSun (em um sussurro): 'Shhh... Cale-se.' E antes que o guardião dourado pudesse dizer algo ele continuou, agachando-se no telhado, para melhor se camuflar. 'Cale-se e abaixe-se Kerberus. São eles!' Os olhos cheios de raiva do Guardião de Sakura imediatamente ficaram sérios, enquanto ele voltava sua face para a saída da mansão e abaixava-se também.

Kerberus (em um sussurro também): 'É a primeira vez que vemos todos eles saindo juntos... Algo está acontecendo...' Mas Spinelsun não respondeu, estreitando seus olhos e apurando seus ouvidos naqueles há vários metros de distância. Kerberus logo se posicionou também, pressentindo que nada bom estava por vir.

Na distância eles puderam perceber doze pessoas, vestidas em túnicas, descerem as escadas da enorme mansão, umas três ou quatro vezes maior do que aquela onde habitava Sakura. Dois deles destacavam-se, uma vez que se encontravam alguns metros de distância dos outros, mais à frente.

SpinelSun (estreitando os olhos seriamente): 'Vamos!' E em um segundo os dois saltaram, sumindo como um raio. Espiões prontos para se localizarem melhor e observar o inimigo.

-...-

Enquanto isso, na saída da mansão Li, os anciãos encontravam-se reunidos, mirando dois dos seus, em especial, sérios e cheios de gravidade.

Yang: 'Lembre-se, Tai Ming. Seu objetivo é descobrir o que Xiao Lang está fazendo e capturar as cartas que por direito são nossas.'

Tai Ming (sorrindo serenamente): 'Não se preocupem, meus caros. Irei fazer o que é melhor para nosso clã, nada mais.

Agni (1) (seriamente): 'Ouça bem, Tai Ming, se Xiao Lang realmente é um traidor, deve trazê-lo vivo a nós, para um julgamento justo.'

Tai Ming (fechando a expressão): 'Ele não se entregará de boa vontade, querida Agni. Se ele demonstrar-se uma ameaça contra mim e a Senhora da Luz eu...' Foi interrompido pela senhora do Fogo.

Agni: 'Se assim for... Tem nosso consentimento para matílo...' Concluiu pesarosa.

Spinelsun e Kerberus, que agora se encontravam nas sombras de algumas árvores próximas à entrada da mansão estreitaram seus olhos, Kerberus quase grunhindo. Era perceptível o sorriso maldoso no rosto de senhor da Astúcia e ele podia jurar que aqueles outros seres humanos ali também perceberam isso, mas nada disseram. O motivo? Kerberus podia ser desligado como sua dona, mas assim como ela, certas coisas não escapavam dos seus olhos felinos. Aquele homem não era apenas um mero ancião, seu poder afetava até mesmo os mais poderosos magos, como aqueles ali presentes... Será que era magia? Ou será que o espírito regente do ancião era mais persuasivo do que ele imaginara?

Tao: 'Faça o que for necessário, Tai Ming. Contudo, eu quero que alguns ninja meus vá com vocês, apenas em caso de precisarem de alguma ajuda.' Diante das palavras do Senhor da Razão, Tai Ming pareceu se alterar ligeiramente, mas logo sua expressão fria e serenamente falsa estampou-se em seu rosto.

Tai Ming: 'Agradeço a ajuda, meu caro amigo. Mas creio que não seja necessário e...' Mas foi interrompido novamente.

Tao: 'Faço questão. Meu sobrinho morreu naquele lugar, se realmente houve alguma injustiça, quero estar presente de alguma maneira para que os culpados sejam punidos propriamente.' Tai Ming pareceu querer dizer algo mais, mas nada iria dizer, isso talvez causasse alguma estranheza aos presentes e ele sabia que era exatamente isso que o senhor da Razão queria que ocorresse. Tao nunca fora um aliado seu, afinal de contas, e ele não se surpreenderia se o senhor da Razão estivesse bastante desconfiado de suas intenções. Por fim, sorriu para o outro homem.

Tai Ming (sorrindo calmamente): 'Agradeço e admiro o seu senso de justiça e responsabilidade, meu caro.' Uma pausa foi feita, antes de Tai Ming continuar. Desviando o olhar para encarar os outros como um todo. 'Bom, se nada mais há de ser acrescentado, creio que seja o momento de Lin Bai e eu partirmos.'

Sin: 'Faça uma boa viagem, e que a Lua faça das noites tão claras quanto os dias em sua caminhada.'

Os outros anciãos deram suas próprias bênçãos e após alguma movimentação de serviçais carregando algumas bagagens, os dois anciãos, o senhor da Astúcia e a senhora da Luz, saíram pelos enormes portões da mansão.

Enquanto isso, escondido e concentrado naqueles humanos como estava, SpinelSun não percebeu, a ponto de ter tempo de fazer ou dizer algo, quando Kerberus desapareceu, mais rápido do que ele alguma vez vira. O guardião de Eriol ficou surpreso, mas resolveu permanecer ali e tentar ouvir algo mais dos anciãos.

En Liu (com um olhar sério seguindo os passos ainda visíveis dos dois anciãos que partiam): 'Caso eles não voltem no prazo estipulado ou se algo acontecer que esteja fora dos nossos planos... Creio que nós mesmos teremos que declarar guerra contra o Mestre das Cartas Clow e talvez, contra Xiao Lang...' Os outros presentes ficaram em silêncio por algum tempo, medindo as palavras e o peso do que o senhor da Terra acabara de dizer.

Itami (em sua voz quieta e calma): 'Não nos precipitemos... Lembrem-se que nada temos de concreto para julgar.'

Tao (se adiantando, antes que qualquer um pudesse protestar): 'Exatamente. Se Xiao Lang for inocente, devemos ficar do seu lado, sendo ele o futuro líder de nosso Clã.' Fez uma pausa antes de continuar. 'Mas se ele nos traiu, principalmente por motivos egoístas...' O senhor da razão fechou ainda mais sua expressão. 'Serei o primeiro a me opor e votar contra sua expulsão do clã... E em último caso...' Mas o sábio ancião deixou as palavras no ar, sendo claro como água que todos ali compreendiam o significado do aviso do mais sábio Senhor da Razão que eles tiveram nos últimos quinhentos anos.

SpinelSun ouvia toda a conversa, escondido no mesmo lugar, olhos estreitos, respiração lenta, presença escondida. Caso alguém o percebesse ali, com certeza ele não escaparia, em hipótese alguma... Mais alguns segundos se passaram antes dos anciãos se retirarem para aquela enorme mansão, enquanto os portões fechavam-se definitivamente.

O guadião solar de Eriol aguardou mais alguns momentos, apenas para se certificar que ninguém estava por perto antes de partir, veloz como sempre, em busca de Kerberus.

-...-

O felino dourado aguardou as despedidas, anormalmente silencioso, severidade em suas faces. Assim que os dois anciãos se afastaram dos outros, indo em direção dos portões da casa, ele seguiu-os rápida e silenciosamente, sem dar mínimo tempo para SpinelSun vê-lo partir ou perguntar o que iria fazer.

Moveu-se de um ponto ao outro, suas patas poderosas não combinavam com o silêncio que faziam no gramado. Antes que Tai Ming e Lin Bai tivessem saído da propriedade, ele já estava do lado de fora. Escondido nas sombras, quietamente, cauculista, como ninguém poderia imaginar algo do tipo vindo do felino dourado, tão famoso por seu vício em doces e em jogos de azar.

Aquele ali não era mais Kero-chan, um pequeno bichinho, mais parecido com um ursinho de pelúcias, brincalhão e "bocudo". Não... Ali se encontrava Kerberus, Guardião das Cartas Clow regido pelo poder do Sol, pronto para defender e cumprir seu cargo como protetor da Mestra das Cartas.

Lin Bai e Tai Ming finalmente cruzaram os portões, caminhando lentamente, seguindo em direção a uma carruagem a alguns metros de distância. Os olhos de Kerberus contraíram-se em periculosidade, seus instintos protetores para com Sakura falando mais alto do que qualquer senso de gravidade do que poderia estar prestes a fazer, mais alto que o risco em que ele se colocava agora.

Aqueles dois iriam atrás de Sakura e do moleque chinês. Dois grandes magos, poderosos, prontos para fazer qualquer coisa para conseguir o que queriam... O Guardião Solar não permitiria que eles alcançassem seus objetivos mesquinhos... Não tão fácil...

Kerberus agachou-se ainda mais por entre as sombras dos arbustos próximos dos portões da casa, mexendo lentamente seus ombros, relaxando-os e diminuindo qualquer tensão, assim como um leão, prestes a saltar sobre sua presa. Um leve rosnar passou por sua garganta, enquanto seus olhos brilhavam em determinação.

O Guardião mexeu-se um pouco mais, esperando o momento certo para atacar seu inimigo... Em meros segundos, os dois anciãos passaram muito próximos dele, dando, assim, a oportunidade aguardada. Kerberus mostrou suas garras e preparou suas patas traseiras para um ataque sem defesas. O Senhor da Astúcia seu alvo cobiçado. Era agora!

-...-

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Um raio passou pela mente do felino antes que suas patas pudessem se mover e, com olhos arregalados, o guardião se petrificou, sem condição alguma de concluir seu objetivo. Enquanto Tai Ming entrava na carruagem, seguido pela mulher em túnica branca e dourada... Que entrara em seu campo de visão assim que fora atacar...

Kerberus ficou mudo, congelado, surpreendentemente sem reação. A carruagem partiu e vários segundos passaram-se antes que SpinelSun finalmente o encontrasse, ainda no mesmo estado.

SpinelSun (bravo): 'O que deu em você, Kerberus! Eu estava lá observando e você sumiu de repente! O q...' Contudo, diante da face petrificada do outro guardião, a face raivosa de SpinelSun sumiu, dando lugar para uma surpresa. Aproximou-se mais do outro guardião, batendo sua pata levemente no ombro do Guardião de Sakura. 'Kerberus, o que houve?' O felino dourado piscou duas vezes, antes de voltar a si, sem ainda encarar o outro.

SpinelSun ficou sério, sentindo que algo havia acontecido para deixar o outro guardião naquele estado. Aliás, sem dúvida alguma de que algo havia acontecido. Jamais, em todos os anos que pudera conhecer o Guardião de Sakura, o vira naquele estado... Ficou silencioso, esperando uma resposta do felino dourado, que deu um longo suspiro, fechando os olhos por um segundo, antes de encarar o outro.

Kerberus (seriamente): 'Temos que partir imediatamente, SpinelSun.' O tom absurdamente sério do Guardião deixou o outro totalmente sem reação. Aquele não era o Kerberus que ele conhecia. Contudo, mesmo com a expressão incrédula de SpinelSun, o Guaridão Solar continuou em seu tom sério. 'Vamos. Nossos mestres correm grande perigo... Maior do que eu poderia imaginar.'

E antes que o outro pudesse argumentar, Kerberus já havia revelado suas asas e levantava vôo. Em segundos, SpinelSun alcançou-o e, mesmo que ainda estivesse pasmo, sua face séria retornou. Eles corriam contra o tempo e precisariam voar mais rápido do que nunca se quisessem estar presentes antes que aquela batalha inevitável começasse.

Os dois voavam em silêncio, presos em preocupações para com seus mestres, SpinelSun sem convicção de que deveria perguntar algo e Kerberus mais sério do seria no mínimo normal para ele. Em sua mente mantinha-se a imagem do momento em que sentiu aquela sensação... Uma sensação mais do que incômoda... Simplesmente... aterrorizante... Foi em apenas um flash que ele sentiu aquela energia maligna, mais maligna do que qualquer outra que ele já pudesse ter sentido, exatamente no momento em que queria atacar Tai Ming.

Contudo, o que mais o deixara pasmo, era que a energia não viera do ancião da Astúcia. Aparentemente seu maior inimigo.

Não... Fora quando aquela mulher, de expressão calma e angelical, vestida quase como um anjo na Terra, entrara em seu campo de visão, caminhando quase lado a lado com o Senhor da Astúcia...

Talvez seus inimigos fossem mais perigosos do que Eriol imaginara... Talvez... Aquela batalha fosse mais complexa e mortal do que qualquer um imaginara...

Kerberus (em um sussurro, para si mesmo): 'Sakura... Que guerra é essa em que te colocaram...?'

E os dois felinos alados sumiram no azul escuro dos céus, onde as Estrelas pareciam estar menos brilhantes que o normal... Talvez prevendo o que aquela por quem olhavam estava prestes a enfrentar...


Voz feminina: 'Já era mais do que na hora dessa serva do tempo e do destino se revelar... Pois haveríamos de nos encontrar novamente, não é mesmo, pequena regida pela Estrela?'

As orbes verdes de Sakura diminuíram em espanto ao que acabara de ser dito e ela sentiu sua mente ainda mais confusa quando aquela mulher que tanto a protegera e por quem tanto perdera noites de sono tentando desvendar, abaixou o capuz negro que lhe cobriam as faces.

Não revelando aquele rosto sereno e jovem que pudera ver apenas duas vezes, vezes em que perdera a consciência de puro cansaço e tristeza... Não... Estas eram faces velhas e cansadas, cortada por fios lisos e compridos de cabelos brancos da idade e em que a única coisa que parecia ter vida, mas não brilho, eram os olhos vermelhos...

-...-

-...-

-...-

Sakura ficou estática, boquiaberta, sem saber o que dizer ou o que fazer. Syaoran, vendo a reação da garota, logo sentiu suas faces contraindo, quem era essa mulher que causara tal reação na japonesa? O rapaz se posicionou discretamente, de maneira defensiva, pronto para qualquer tipo de ataque que aquela senhora, aparentemente comum, pudesse fazer.

Yelan e Eriol, no entanto, permaneceram mudos, sabendo que não era hora deles se intrometerem na conversa. E Meylin, por sua vez, ficou parada no mesmo lugar, confusa e totalmente sem idéia do que estava acontecendo ali. Quem era essa velha, afinal de contas?

Entretanto, Sakura finalmente pareceu recuperar a razão, piscando duas ou três vezes e respirando profundamente, talvez tentando recuperar também o controle de seu corpo e mente, que a aparição daquela mulher fizera desaparecer completamente.

Sakura: 'Você...' A moça falou sem convicção, na verdade, apenas uma tentativa de tentar entender o que aquela senhora estava fazendo ali, onde deveria se encontrar a jovem maga que lhe resgatara mais de uma vez. Contudo, a mulher em vestes negras não pareceu se afetar com a reação dos presentes, sua face neutra como anteriormente. Sakura continuou, finalmente... 'Senhora... Yume?'

Syaoran e Meylin olharam para Sakura sem compreender. Aquelas duas já se conheciam? Como? O jovem transformou em palavras suas dúvidas.

Syaoran (voltando o olhar para Sakura): 'Você conhece essa mulher, Sakura?' A garota, por sua vez, simplesmente meneou a cabeça em afirmação, sem conseguir tirar os olhos da face da velha senhora.

Yume (em tom calmo): 'Esta menina me acolheu em sua casa uma vez, jovem guerreiro. E no pouco tempo que fiquei aqui, pudemos nos conhecer um pouco, não?' Syaoran voltou seus olhos sérios para Yume, desconfiança pura em seus olhos.

Sakura (ainda sem entender): 'Mas... Senhora Yume... O que...?' Contudo, a garota não sabia exatamente o que perguntar. Ou melhor, o que perguntar primeiro. Assim que viu o rosto da senhora, suas dúvidas, que já eram muitas, multiplicaram-se em quantidade e tamanho. Afinal de contas, o que aquela velha senhora, que buscara pousada em sua casa uma vez, que lhe contara uma história sobre os Deuses do Poder e lhe revelara seu espírito regente (surpreendendo-a bastante, diga-se de passagem), tinha a ver com aquela jovem mulher que lhe salvara e a Syaoran há pouco mais de dois meses?

Yume (sorrindo calmamente): 'Creio que minha aparência esteja confundindo-a, não? Pois, das duas últimas vezes que nos encontramos, meu corpo e rosto eram um pouco diferentes... Ou seria melhor eu dizer... Mais jovens?' E antes que qualquer um pudesse dizer algo, a mulher começou a brilhar fortemente, e aquela senhora velha e aparentemente cansada, deu lugar, lentamente, a uma jovem alta, austera, vestida em uma túnica de origens antigas e escritas não mais usadas. Longos cabelos negros e lisos, face alva e, por fim, com expressivos olhos vermelhos.

Diante da visão, Syaoran, Meylin e Sakura arregalaram os olhos mais uma vez. Afinal de contas, o que é que estava acontecendo ali?

Foi Syaoran, mais uma vez, que não se agüentou. Deixando sua impaciência dominílo mais uma vez.

Syaoran (olhando Yume nos olhos, com severidade): 'Mas que diabos está acontecendo aqui!' Sakura e Meylin assustaram-se levemente com a súbita onda de raiva do rapaz e pareceram voltar à realidade mais uma vez. E, apesar das palavras nem um pouco delicadas do rapaz, a mesma pergunta surgia e ressurgia na mente das duas moças.

Yume (ficando séria mais uma vez): 'A mulher que vocês vêem diante de vocês, não mais existe. É apenas um reflexo do que um dia foi. Contudo, a alma que ainda habita em meu corpo e neste mundoé a mesma que existiu, em minha eterna agonia e sofrimento, antes de, finalmente, meu velho e cansado corpo acabar com a vida nele existente.'

Mais uma vez espanto tomou conta do local. Se aquelas palavras eram verdadeiras... Isso só podia significar que...

'...'

Sakura: 'Você... Você... É... Um... FANTASMA!' O berro súbito da garota que saiu correndo para se esconder atrás de Eriol deixou todos totalmente sem reação, até mesmo àquela mulher misteriosa. Gotas de incredulidade desceram pela testa de Syaoran e Meylin, enquanto Eriol voltava-se para uma lacrimejante Sakura escondida atrás de si, tentando asseguríla de que nada de ruim estava acontecendo ali.

Yume (após recuperar-se da surpresa, sorrindo um pouco): 'Você continua a mesma de sempre, pequena Sakura.' Ao ouvir seu nome, Sakura voltou-se meio espantada para a mulher, ainda sendo segurada pelos ombros por Eriol. "A mesma de sempre...?" A pergunta ressoou em sua mente, mas todas aquelas surpresas repentinas não conseguiram fazê-la perguntar. Entretanto, Eriol, que observava a garota em seus braços, pareceu entender a pergunta.

Eriol (sorrindo calmamente): 'Você não deveria ter tanto medo de Yume-sama, Sakura-chan...' A garota voltou seus olhos assustados para o mago inglês, que ainda lhe sorria. 'Não quando é este fantasma que zelou por você durante mais de dez anos...

O choque foi evidente. Sakura não mais sabia se conseguia agüentar tantas surpresas, tantas revelações... Era tudo muito repentino, incompreensível... Quem era Yume? O que ela fazia aqui? Como assim cuidara dela?

Estavam todos em silêncio, um silêncio nada confortante. E Meylin finalmente resolveu se pronunciar, o genes da impaciência que tanto ela quanto seu primo pareciam ter herdado fazendo-se presente, não agüentando mais aquela situação e o estado em que estavam deixando sua amiga.

Meylin (olhando diretamente para Yume pela primeira vez): 'A senhora quer, pelo amor dos deuses, dizer-nos de uma vez por todas quem é você e o que pretende? Não vê que essa situação está deixando a todos nós assustados e nervosos. Sem idéia do que ou com quem estamos lidando? Por favor, senhora, diga-nos de uma vez por todas o que está fazendo aqui se seu tempo na Terra já se foi...' O olhar da garota era, ao mesmo tempo, determinado e suplicante. Tudo fora dito em um só fôlego, mas Yume pareceu considerar as palavras da garota lentamente, antes de finalmente resolver falar.

Yume: 'Muito bem... Creio que não há motivos para prolongarmos ainda mais as respostas.' Disse ela, aliviando um pouco Meylin e Syaoran, totalmente perdidos naquela conversa. 'Contudo, talvez fosse melhor nossa pequena Sakura sentar-se e acalmar-se um pouco... Enquanto alguém vá chamar minha outra menina, acho que ela também gostaria de saber de minha história, uma vez que se refere a Sakura também...' Syaoran e Meylin mais uma vez não compreenderam, logo pois, Yelan e Eriol finalmente resolveram fazer parte da conversa.

Eriol encaminhou-se até um banco com assento para duas pessoas que havia no jardim, sentando Sakura lentamente ali, enquanto tentava acalmíla.

Yelan: 'Por favor, Meylin, Xiao Lang, aguardem aqui juntamente com Yume-sama enquanto eu vou preparar um chá para Sakura.' E antes que os dois em questão pudessem pronunciar alguma coisa a mulher andou elegantemente até a entrada da casa, dirigindo-se para a cozinha.

Ficaram em silêncio por alguns segundos, Syaoran lançando alguns olhares desconfiados para aquela mulher estranha, Meylin sem saber o que fazer. Olhava de vez em quando para Yume, cheia de dúvidas e receios, ombros encolhidos, reação um tanto quanto incomum para aquela garota que sabia levantar o nariz até mesmo se fosse para o imperador.

Por sua vez, Yume não parecia estar afetada com os olhares que recebia, sua atenção estava voltada para a garota sentada ao lado de Eriol num banco do jardim. Viu Eriol balbuciar algumas palavras para a menina e esta afirmou lentamente com a cabeça. Logo após, o rapaz levantou-se.

Eriol: 'Eu vou chamar Tomoyo.' Todos voltaram a atenção para o rapaz e só então Meylin e Syaoran lembraram-se que a outra japonesa ainda estava na mansão e que era dela, provavelmente, que Yume se referira segundos antes. Sem prolongar-se mais, Eriol saiu do local.

O clima se tornou ainda mais pesado, visto que os dois únicos que aparentemente conheciam aquela mulher não estavam ali. Meylin sentiu um arrepio pelo corpo e um certo mal estar, sentindo-se deslocada no meio daquele "mundo de pura magia".

Meylin (sem jeito): 'Er... Eu... Vou ajudar Yelan-sama. Com licença.' Syaoran voltou os olhos surpresos para a prima, mas nada viu. A menina já havia sumido dentro da casa.

Agora era só ele, Sakura e Yume...

-...-

-...-

-...-

Silêncio...

Silêncio incômodo e estranho. Sakura ainda estava sentada, apoiada em um dos braços do banco, encolhida e de cabeça baixa. A verdade era que, apesar de Yume parecer ser tão viva quanto qualquer pessoa, a idéia de um ser humano que não deveria mais estar no mundo dos vivos ainda estar... Só pensava em uma só coisa: Fantasmas, fantasmas, fantasmas.

Era tudo e apenas isso. Não contara para Syaoran em suas sessões se havia razão, mas desde pequena temera fantasmas não por acaso.

Primeiro, seu irmão passara os primeiros anos de vida da garota assustando-a dizendo que podia ver e falar com fantasmas e o pior era que as vezes ela o pegava conversando sozinha, deixando-a totalmente aterrorizada.

Segundo... Segundo fora a primeira vez que fora para China, com Eriol e seus guardiões, ao sentirem um distúrbio vindo do país do Kunf Fu.

Ela podia lembrar-se com clareza da sua curta, porém inesquecível viagem para a ilha mais famosa da China, Hong Kong. Seus olhos brilhavam excitados diante de tantas novidades, diferenças e belezas tão... como poderia dizer... tão místicas e misteriosas que parecia rondar aquela cidade.

Foi pouco o tempo, mas seu encontro com o responsável por aqueles distúrbios mágicos traumatizara-a profundamente. Uma mulher que emergira de um livro, buscando pelo Mestre das Cartas Clow. E toda a ira que a pequena garota que mal completara doze anos teve que passar por ser ela e não mais o Mago Clow o Mestre das Cartas. (2)

Depois de algum tempo naquela luta, finalmente Sakura entendera porque aquela mulher, ou espírito, buscara por Clow, mesmo depois de tantos e tantos séculos, confinada em um livro até que as Cartas Clow revelassem seu poder novamente... Entendera os sentimentos daquela poderosa feiticeira que tivera seu coração amolecido pela delicadeza de palavras e pelo carinho dos gestos do maior mago de todos os tempos.

A mulher também entendeu que não poderia encontrílo mais e... No final das contas... Ela desapareceu, lentamente, pronunciando palavras destinadas apenas ao coração do Criador das Cartas.

Sakura lembrava-se perfeitamente que Eriol fora impossibilitado de lutar pois gastou suas energias abrindo o escudo mágico que protegia a entrada do esconderijo da maga e depois, ao tentar lutar ao lado de Sakura e ser engolido pelas águas controladas pela feiticeira.

Mas também se lembrara do jeito triste e doce que ele olhara para aquela mulher quando ela os soltou, a ele, aos guardiões e à Tomoyo, enquanto deixava-se desaparecer do mundo dos vivos. Sakura via nos olhos de seu amigo que o Mago Clow que ainda vivia nele lembrava-se daquela mulher e que... por mais que Sakura não pudesse distinguir o que o poderoso mago sentira pela mulher, havia sim, algo.

Mas ela sumiu, sumiu sem deixar rastros físicos. Contudo, o coração e mente de Sakura jamais esqueceram dos momentos que passou nas mãos dela, por mais que ela os tenha feito sem más intenções. E seu medo por espíritos cresceu ainda mais. Pois uma alma que não parteé porque ainda não terminou sua missão na Terra e assim sendoàs vezes pode ser capaz de cometer qualquer loucura para tal.

A Mestra das Cartas olhou mais uma vez para Yume, tentando ao máximo passar despercebida. Pelo o jeito que ela falara, conhecia-a a mais tempo do que Sakura imaginara. Contudo, ela não estava ali à toa. Havia algum motivo e se ela estava ali, zelando por Sakura, provavelmente tinha assuntos a resolver no qual a japonesa também estava incluída. Mas que tipo de negócios inacabados ela tinha?

A pergunta martelava na mente da garota, que permanecia silenciosa, assim como os outros. Apenas buscando manter a compostura diante do olhar penetrante daquela poderosa Maga que aparecera subitamente em seu jardim.

Sakura levou um susto quando ouviu algo cair no gramado, ou melhor, alguém sentar, quase como um "saco de batatas" no chão. Syaoran deu um suspiro longo enquanto apoiava uma de suas mãos no gramado e a outra no joelho levantado. Fez cara feia para o rapaz, provavelmente pelo susto que dera nela, mas ele não pareceu perceber. Belo psiquiatra, não?

Syaoran (olhando para a garota com olhos inocentes): 'Quê? Que que eu fiz?' Vendo que a carranca dela não diminuíra, o rapaz deu de ombros enquanto fechava os olhos e jogava levemente a cabeça para trás. 'Ah... Tanto faz... Eu precisava sentar um pouco, toda essa situação me deixou bastante desgastado.' A garota substituiu seu olhar de reprovação para um de incredulidade, enquanto uma gota descia por suas testa.

Enquanto a moças tentava achar palavras para o comportamento despreocupado do rapaz, Yume, que ainda se mantinha em pé e quieta, desviou seu olhar de Sakura para o jovem chinês. Observando-o atentamente.

Yume (séria): 'Como estão seus ferimentos, rapaz?' Syaoran se assustou com a súbita pergunta, ainda mais vinda daquela mulher que até agora mantivera-se calada. Piscou duas vezes, sem entender. Mas levantou sua guarda mais uma vez, ao ver a feiticeira se aproximar dele, pronto para pegar sua espada.

Yume andou dois ou três passos em direção ao rapaz antes de parar, ao ver o movimento defensivo dele. Olhou-o nos olhos por um segundo e continuou seguindo em sua direção. Syaoran, contudo, não conseguiu se movimentar ou se afastar da mulher, aquele olhar fizera-o praticamente congelar.

Yume (ajoelhando-se ao lado do rapaz): 'Sendo quem é, acredito que está praticamente curado...' Começou ela, tocando levemente com a mão o tórax do rapaz, que, mesmo querendo reagir, não achou forças para tal. 'Sim... Está quase curado, mas não totalmente... Precisa se esforçar mais rapaz, seu tempo é curto e seu inimigo é forte demais para você lutar sem estar totalmente restabelecido.' A preocupação na voz da mulher não fugiu da percepção do rapaz (talvez finalmente recuperando seus "talentos" de psiquiatra). A mulher tocou um pouco mais no ferimento do rapaz, antes de levantar-se e virar-se para se afastar do chinês novamente.

Syaoran (abaixando a cabeça): 'Você o conhece?' Yume parou no mesmo momento, ficando naquela posição por alguns segundos antes de finalmente mostrar alguma reação.

Yume (quase em um sussurro): 'Sim...' Ela continuou, de costas, entendendo exatamente a quem o rapaz se referia. Sakura observava a cena quietamente, sem querer intrometer-se realmente. 'Seu inimigo é meu inimigo, jovem guerreiro. Apesar dos seus motivos e dos meus serem divergentes, creio que nós buscamos a mesma coisa contra aquele homem.' A voz era calma, porém a raiva e o rancor não passaram despercebidos por Syaoran, na verdade, nem para Sakura, que mantinha-se quieta.

Assim que a mulher concluiu a sentença, um flash passou pela mente do guerreiro chinês, um flash onde se encontrava a palavra sugerida na frase de Yume.

Vingança.

Syaoran (depois de um segundo): 'Diga-me, o que foi que...' Mas antes que o rapaz pudesse concluir a pergunta, uma afobada Tomoyo atravessou a porta da mansão, olhando freneticamente para os lados, sem parecer se importar com a nova presença ali, procurando apenas um rosto. Quando finalmente achou, disparou até seu alvo.

Tomoyo (abraçando Sakura): 'Sakura-chan!' A súbita aparição e movimento da moça fizeram Sakura arregalar os olhos em espanto, sem entender o porquê daquilo.

Sakura (confusa): 'Er... Tomoyo-chan? Algum problema?' Perguntou Sakura, devolvendo, vacilantemente, o abraço da prima. Tomoyo levantou seu rosto do ombro da prima. A visão cortou o coração de Sakura, os olhos de Tomoyo cheios de lágrimas.

Tomoyo (limpando as lágrimas): 'Eriol-kun me disse que você e Li estavam lutando quando uma mulher atirou em vocês e que você se apavorou quando descobriu que ela era um fantasma e eu sei que você tem medo de fantasmas e...' Uma gota escorreu pelo rosto constrangido e incrédulo de Sakura enquanto a prima falava quase freneticamente, sem pausas. Era óbvio, ou melhor, totalmente óbvio, que Eriol quisera explicar em poucas palavras o que estava acontecendo e que a super-protetora Tomoyo iria entender tudo errado.

Sakura (afastando Tomoyo lentamente de si, sorrindo sem graça): 'Tomoyo-chan, acalme-se, sim? Não foi exatamente isso que aconteceu.' Os olhos cheios de lágrimas de Tomoyo acalmaram-se um pouco e ela enxugou mais uma vez o rosto. Sakura sorriu para a amiga. 'Está mais calma agora?' Tomoyo acenou calmamente, de cabeça baixa.

Yume (calmamente): 'Precisa confiar mais na sua prima, serena flor de magnólia(?).' Ao ouvir a voz desconhecida, Tomoyo levantou o olhar surpreso na direção daquela que falara tais palavras. Finalmente se dando conta da presença da mulher (mesmo que, durante sua aparição afobada e angustiada de prima super-protetora, já tivesse passado por seus olhos a forma da maga).

Tomoyo (sem entender): 'Você... A senhora me conhece?' Perguntou meio atônita, meio surpresa. Quem era aquela mulher?

Yume (sorrindo ligeiramente): 'Você passa tanto tempo com minha pequena flor de cerejeira que acha que não saberia quem é?' Tomoyo piscou duas vezes, sem entender direito. 'Minhas duas belas flores, que eu vi uma vez criança, depois jovens e finalmente belas mulheres...' Falou saudosamente, sorrindo um pouco mais ao poder ver e conversar com duas das três pessoas que guardou por tanto tempo. Era uma pena Touya não estar ali neste momento...

Tomoyo ficou quieta, sem saber o que falar, como aquela mulher a conhecia se nunca antes ela havia visto-a? E o que fazia aqui? Ela possuía magia? Sim, provavelmente. E...

Eriol (passando pela porta juntamente com Yelan, Meylin atrás desta): 'Desculpem-me, acho que não encontrei as palavras certas para descrever à Tomoyo o que estava acontecendo.' Falou com um sorriso um pouco sem graça, enquanto ajudava Yelan a carregar uma bandeija com chá verde.

Todos voltaram a atenção para os dois que retornavam e permaneceram em silêncio enquanto Yelan depositava a bandeja na mesinha em frente ao banco em que Sakura e Tomoyo se sentavam e oferecia às duas japonesas um pouco da bebida. Calma era o que as duas mais precisavam no momento.

Assim que finalmente o ritual terminou, Yelan aproximou-se de Yume, que observava a cena a certa distância.

Yelan (sorrindo discretamente): 'Junta-se a nós, Yume-sama?' A mulher olhou para a outra, um pouco aturdida pelo convite que, tinha que admitir, há muitos e muitos anos não recebia, antes de conseguir encontrar voz. No entanto, olhou para Sakura, como se pedisse permissão para aproximar-se. Sakura, após o susto inicial, sorriu delicadamente para a mulher, que, após o gesto, acenou afirmativamente para a matriarca do Clã Li.

Havia alguns bancos ali, e enquanto as moças se sentavam, Eriol ficou de pé, ao lado de Sakura, e Syaoran levantou-se, encostando-se em uma árvore próxima dos outros, ficando em silêncio. Yelan sentou-se em um banco, ao lado de Yume, e Meylin seguiu para o outro banco, de uma pessoa só. Todos envolta da pequena mesa de metal, pintada de branco, ao centro.

Após instantes de silêncio, eles resolveram que era o momento de finalmente começarem aquela conversa. Conversa tão esperada e que tanto demorara para acontecer.

Muitos fatos já foram revelados... Mas muitos, muitos mais haviam de ser ditos...

Seja para bem, seja para mal...


O rapaz olhou com o canto dos olhos a mulher sentada ao lado de sua mãe, quieta e delicadamente sentada. Era estranha demais aquela situação para ele. Na verdade, era a primeira vez que ele lidava com alguém que não é mais vivo, mas também não está morto.

Contudo, de uma coisa ele estava certo. Ela, ao menos, tinha um mesmo objetivo que ele. O motivo dela, ele não poderia dizer, mas se ela estava disposta a ajudílo, não iria recusar. Não... Apesar de todo seu poder de guerreiro e mago e todo seu treino, sabia muito bem que Tai Ming tinha centenas de anos a mais de experiência que ele, por mais estranho que isso podia soar. Logo pois, ele sabia que sua batalha não seria nada fácil e tendo aquela mulher ao seu lado, talvez pudesse cumprir seus propósitos.

Seus olhos recaíram por um segundo em outra pessoa, especificamente uma moça, de longos cabelos castanhos claro e face delicada, com os olhos mais belos e expressivos que ele jamais vira antes. Sakura estava ali também, e assim como Yume era uma das mulheres que provavelmente iria ajudílo em sua batalha. Afinal de contas, não fora por querer a ajuda do Mestre das Cartas Clow que ele foi para o Japão?

Sim... O Mestre das Cartas não era, nem em comparação, a pessoa que ele imaginou ser. E ele podia lembrar claramente o quão irritado, frustrado, indignado e irado ele ficou ao descobrir a verdade. Sem mencionar, acima de tudo, confuso...

Sakura trazia sentimentos controversos a ele. Ele podia odiíla e amíla ao mesmo tempo e era justamente esse duplo sentimento que o fazia evitar a todo custo o que todos diziam estar diante dos olhos de qualquer um. Ele amava ela. Ou pelo menos era assim que Eriol, Meylin, Tomoyo, Touya, Yukito, sem mencionar sua própria mãe(!), pensavam (ou pelo menos ele tinha quase certeza que assim pensavam, pois poucas foram frases concretas sobre isso vindo das pessoas com quem convivera nos últimos meses).

Mas ele não tinha certeza... Não tinha certeza e nem queria ter. Sua vida já estava complicada demais para ele querer complicíla ainda mais com algo que não passa de mera distração para um guerreiro, como sempre lhe ensinaram em seu Clã.

Sakura era uma distração para sua mente e seu corpo de guerreiro e mago, futuro líder do famoso Clã Li. E se ele não evitasse essa distração agora, não sabia se conseguiria fazê-lo depois. Entretanto... Ele precisava da ajuda dela e o que era pior... Toda vez que ele tentava se afastar, mais ele se aproximava daquelas orbes esmeraldas tão convidativas, estivessem brilhando de felicidade, estivessem brilhando de irritação.

Suspirou por um segundo, enquanto fechava os olhos, abaixando a cabeça. Não tinha idéia de como lidar com essa situação. E isso lhe causava ainda mais irritação e problemas. Sakura era uma guerreira, uma maga, como ele. Iria ajudílo contra Tai Ming, iria ajudílo a deter o mal que, por tanto tempo, se instalara em seu Clã. Porém... A idéia de permitir que ela participasse disso não lhe era de todo agrado... Infelizmente...

Droga! Infelizmente ele não era só um guerreiro, voltado apenas para seus deveres como futuro líder. Li Xiao Lang era um homem também, com um corpo que sabia desejar, com uma mente que sabia querer, e com um coração que sabia amar... Sentir e amar...

Como poderia concentrar-se em Tai Ming dessa maneira? Como iria vencê-lo se ele não era mais apenas o guerreiro...?

Talvez houvesse uma resposta, positiva ou negativa. Mas enquanto esta não aparecesse, ele iria continuar agindo como o fizera até agora, fingindo haver entre eles apenas uma velha amizade, recuperada após um certo período de mentiras e mal entendidos já esquecidos. Para ele, Sakura era apenas uma amiga, amiga que iria ajudílo a vencer aquele que tanto agira contra ele e sua mãe, a ponto de conquistar o ódio de um jovem guerreiro e ser humano, com deveres, e com sentimentos... Sakura era apenas uma amiga, era assim que sua mente deveria pensar, já que sobre seu coração não conseguira fixar essa idéia. No entanto, até sua mente, esta que sempre esteve ao seu lado com seu raciocínio lógico, não importasse qual situação, parecia estar querendo lhe desobedecer também.

Eriol (subitamente): 'Creio que podemos começar esta tão esperada conversa, não?' As palavras tiraram Syaoran de suas reflexões e quando abriu seus olhos, voltando-se para o grupo próximo de si, percebeu claramente um par de estrelas verdes mirando seu rosto, preocupada e atentamente. Olhou-as também por um segundo, antes de desviar o olhar, como se nada tivesse acontecido.

Contudo... Um certo par de olhos vermelhos, cheios de sabedoria, mas vazios de qualquer vida... Analisavam o guerreiro chinês, quieta e cautelosamente, sem que, dessa vez, ele tivesse percebido qualquer coisa...

Os olhos analisavam-no com tamanha gravidade que qualquer um, até mesmo o mais ingênuo dos ingênuos, poderia jurar que estes poços vermelhos como sangue podiam ver através da alma do jovem chinês.


Yume observou todos os presentes, estranhando a proximidade que evitara por aproximadamente dez anos. Era algo confortante e ao mesmo tanto sufocante.

Confortante... Pois pela primeira vez em séculos ela sentia verdadeiramente presença humana, presença boa e calorosa.

Sufocante... Quando ela lembrava que uma vez tivera outras presenças também, algumas muito mais queridas, mas que lhe foram tiradas... Trazendo-lhe ao seu estado atual.

Seus olhos voltaram-se para o guerreiro que tanto lhe lembrava seu menino. Aquele a quem criara com tanto amor e tanta dor. Aquele a quem devotara toda sua vida, até o momento crucial em que não mais pôde evitar a esperada de todos, cuja, por vontade dela mesma, chegara mais cedo do que o previsto.

Podia ver o brilho convicto e confiante nos olhos de Xiao Lang, lembrando-o de seu Susano (3).Olhou mais profundamente e sorriu com o que pôde distinguir, tremeluzindo nas profundezas âmbares do rapaz. Ela não se enganara quando previra o que aconteceria quando ele fosse ao Japão, curar uma certa moça, confinada em uma cadeira de rodas por sua própria mente, cheia de dor e culpa. Só esperava que os dois pudessem entender-se...

Mas quando isso acontecesse... Ela não estaria mais ali para assisti-los. Seu cronômetro de vida na terra só estava girando para apenas um propósito, que, quando concluído, iria mandíla para perto daqueles que lhe foram tirados uma vez.

Foi a voz calma de Hiragizawa Eriol que fez a mulher desviar o olhar do jovem guerreiro chinês. E as palavras do inglês abriu a brecha das portas de sua história...


Eriol proferiu sua primeira sentença depois de vários minutos e todos voltaram seu olhar para o mago inglês. Assim que todos pareciam estar atentos ao que o rapaz tinha a dizer, ele levantou seu rosto enquanto abria seus olhos, mirando-os apenas em uma pessoa.

Eriol (olhando Yume nos olhos): 'Yume-sama... Acredito que há algumas pessoas aqui que querem e precisam saber o que você guarda dentro de sua alma... Por favor, peço-lhe que compartilhe conosco sua história.' Yume olhou o rapaz nos olhos, vendo serenidade nele, e em seguida abaixou levemente seu rosto, antes de levantílo novamente para transformar em palavras uma vida de deveres, amores, sofrimento, dor e morte.

-...-

A voz calma e quase sussurrante de Yume-sama finalmente se fez ouvir novamente. E pela primeira vez para contar a todos a história que persegue sua alma sem paz...

-...-

"Eu tinha apenas 17 anos quando eles me escolheram como aquela que daria luz ao líder que eles tanto desejavam. Não houve recusa de minha parte, pois eu sabia o quanto nós precisávamos de concórdia e paz entre nós...

Não demorou muito para finalmente meu marido ser escolhido. E, apesar de ter sido um casamento arranjado, eu amei ele, como jamais amaria outro homem. Ele era sábio, um guerreiro como todos de nossa família, justo e também me amou.

Não éramos puro sangue, estes eram apenas aqueles que eram filhos de membros de nossa família, caso alguém se casasse com uma pessoa de outra família e houvesse um fruto dessa união, seria sempre um sangue impuro para os membros que compunham o que eu chamava de "família".

E era apenas essa a verdadeira razão de meu marido não ter sido escolhido como líder, tinha apenas meio sangue "puro". Entretanto, os mais sábios entre nós acreditavam piamente que nosso filho nasceria puro, que o sangue da família mais poderosa entre todas prevaleceria entre o das outras...

E assim foi... E assim a paz se faria presente. Se não fosse por um pequeno porém...

Um líder jamais poderia ser uma mulher... E o único rebento que meu ventre concebeu... Era exatamente aquele que jamais poderia reinar..."

Yume calou-se por um instante, relembrando-se com evidente dor de sua amarga história.

"A dor tomou conta de meu corpo por vários e vários dias sem fim. Não pelo nascimento de minha filha... Mas pelo castigo que fui submetida por este nascimento.

Meu marido morreu nas mãos de um de nós, como punição pelo nosso... Erro

Mas eu fui mantida viva... Angustiantemente viva... Para criar a mulher que seria dada como esposa a um legítimo membro da família, digno de assumir o posto tão ambicionado e tão esperado por muitos.

Mas este membro nunca veio... Não o membro que eles queriam...

Não... Minha filha chegou à idade de se casar e nenhum deles fora escolhido para possuí-la, como mandava as tradições... E nossa família quase entrou em discórdia mais uma vez... Quase...

Pois eleEle se pronunciou pela primeira vez..."

A mulher parou novamente e, pela primeira vez, Sakura pôde ver um brilho vago passar pelos olhos da mulher próxima de si. Contudo... Aquele brilho não era nada do que a verdadeira vida e alegria poderiam iluminar. Aquele era o brilho opaco e negro do ódio... Puro ódio...

E mais uma vez Yume suspirou e continuou. Dissipando qualquer rastro de sentimentos, qualquer que fosse, de seu rosto.

"Ele era filho de um dos Superiores e... Dessa forma... Era um dos pretendentes de minha querida filha, minha Yukio. Contudo, nossos sábios e nossos profetas não viram nos olhos de nenhum deles, nenhum dos pretendentes, o verdadeiro poder e a verdadeira sabedoria daquele que seria o senhor entre nós...

Contudo... Usando de suas palavras macias e cheias de manipulação... O filho da malícia conseguiu o que queria... conseguiu a permissão tão desejada... Possuir aquela que, por direito, fora escolhida como esposa do primeiro grande líder.

E assim seria... Por mais que alguns deles não tivessem concordado, outros cederam. Cederam aos pedidos dele por medo de uma iminente guerra entre nós... Seria mais fácil assim, mesmo que não fosse o correto..."

A mulher parou mais uma vez, fazendo um ansioso Syaoran, cheio de necessidade de respostas, tentar relaxar seus músculos tensos por mais um "contador de histórias" cheio de pausas e suspenses que apenas atrasava a vinda da verdade que ele buscava.

Mas Yume sabia quando deveria parar e quando continuar. E não foi longo o tempo que ela tomou para continuar a narrativa. Com um leve sorriso estampado em seu rosto, quase imperceptível, mas que deixou Sakura, que estava a sua frente, bastante surpresa com o que parecia ser uma expressão de satisfação um tanto quanto "maldosa".

"Sim... Seria mais fácil daquela maneira. Mais fácil, mesmo que não correto...

Mas o que aconteceu superou as melhores e piores expectativas... O que aconteceu mudou totalmente o curso de uma tradição tão bem elaborada...

Yukio negou seu casamento com aquele que lhe fora escolhido. Pois... Para a surpresa de todos... Ela já havia escolhido seu próprio marido.

Todavia, a alteração das tradições não se deveu à desobediência de uma mulher. E sim... Devido ao fato de descobrirem quem era o futuro marido da Escolhida.

Um homem que cintilava poder, um homem que fazia calar em sabedoria, um guerreiro, um mago, mais poderoso do que qualquer suposto pretendente.

Um homem merecedor do cargo de Grande Líder, sem dúvidas o melhor aos olhos de qualquer um. Sim... Ele seria a exata opção... não fosse... Não fosse o fato de que ele não tinha nenhuma ligação sanguínea com a família...

Pior do que um não puro sangue, ele não tinha o sangue de minha família correndo por nenhuma de suas veias e isso... Isso o faria repudiado e inaceitável.

E ele não iria ser aceitado... Por mais que tivesse todos os valores que se buscava, por mais que ele fosse o desejado pela própria Escolhida... Ele não seria nosso líder.

E mais uma vez houve discórdia... Mais uma vez iniciou-se brigas e desentendimentos... Mais uma vez e pela última vez, iríamos entrar num caos... Dessa vez sem volta...

Mas havia volta... Pois os deuses ainda olhavam por nós... E foi um de nossos maiores magos, um dos maiores e melhores membros de nossa família, um que seria escolhido como líder se não fosse sua falta de puro sangue, que trouxe a concórdia...

Ele era filho de minha irmã... Com um homem de outra família menos digna de nossa... Porém, aparentemente não menos poderosa. Pois meu primo era o maior dos magos que nós já tínhamos vistos e foi nas palavras dele que finalmente poderíamos nos unir novamente.

Pois, nas palavras dele, havia conhecimento que nenhum de nós esperava ouvir um dia. E ele proferiu suas palavras. Palavras que se referiam àquele que fora negado por nós apenas por não ser de nosso sangue.

E ele disse: Acalmemos nossos ânimos, meus irmãos, minha família... Pois aquele que vocês negam por não ter sangue da divina família é o que mais deve ser reverenciado. Adad, este que foi aceito entre todos os outros por Yukio-sama, a Escolhidaé o legítimo..."

As última palavras de Yume foram pronunciadas ao mesmo tempo por Eriol, em tom calmo e compenetrado.

Eriol (de cabeça baixa e olhos fechados): 'É o legítimo descendente direto do deus Trovão.'

Todos olharam para Eriol e novamente para Yume. Uma luz finalmente clareando a mente de todos os presentes.

Pois a história que agora lhes era contada, não era nenhuma outra, se não a mesma, a única e mesma história dos Deuses do Poder e da origem do Clã Li.


(Continua)

Mary Marcato

04/02/2005


(1) Finalmente encontrei um nome para a Anciã do Fogo. Agni significa: deus hindu do fogo e a própria personificação do elemento que rege. Apesar de ser um deus, eu resolvi usar seu nome na anciã do fogo, já que é um nome bastante feminino, hehehe.

(2) Essa parte do capítulo se refere ao primeiro filme de Sakura. Quem não assistiu, eu vou tentar explicar de pouco em pouco qual a ligação que tem com a fic. Fiz algumas mudanças também, pois no filme, Sakura já conhece Syaoran e como vocês já sabem, Sakura só conheceu Syaoran na minha fic depois dos 16 anos.

(3) Susano vem de Susanowo que é o deus trovão da mitologia japonesa.

OBS.: Apesar de eu estar usando ou adaptando alguns nomes de deuses nos nomes dos meus anciãos isso não quer dizer que eles possuam o mesmo "humor" que os deuses. Então, caso alguém conheça algum desses deuses e saibam que "as vezes são bons as vezes são maus" isso não se aplica na minha fic. Eu usei o nome, mas a história é minha e eu quero usar minhas próprias idéias também. Oras, um pouco de originalidade não mata nenhuma fic, hehehehe.

(?) Ok, este é um caso a parte. Todas as vezes que eu lia sobre CCS, diziam que Tomoyo significa flor de magnólia. No entanto, eu fui procurar novamente para ter certeza e achei outros significados: "vida intelectual", "amiga intelectual" ou "juntos na noite". Como eu sei que, além de flores de cerejeira, Tomoyo gosta de flores de Magnólia, vou continuar chamando-a dessa maneira. Mas se alguém tiver a resposta correta, por favor, gostaria que me passasse. Obrigada.


Comentário da autora: Hmmmm... Queria escrever mais, mas eu gosto de seguir sempre o mesmo "cronograma" em cada capítulo, o que faz eu me limitar até aqui. Espero que estejam entendendo os fatos de minha história, e espero que continuem a ler e a revisarem, pois ainda há muito mais do que um "Conto sobre Deuses" nesta fic. Há uma, das tantas, histórias de seres humanos (mesmo que algumas apenas em nossas mentes). E é a nossa, a História dos Seres Humanos, a mais complexa do que a de qualquer outra espécie, raça ou lenda. Mais complexa, misteriosa e incompreensível de todas.

Agradecimentos: Muito obrigada a cada um de vocês que me escrevem, e-mails ou reviews. Eu leio cada um e, mesmo que não responda na hora (às vezes demoro até demais :P ao que eu peço desculpas) eu não deixo de sorrir e me inspirar cada dia um pouco mais para o próximo capítulo. E a isso eu agradeço a todos vocês. Eu queria colocar agradecimentos especiais aqui, mas eu não estou conseguindo acessar meu e-mail para escrever o que eu queria, então, vou prorrogar para o próximo capítulo, já que meu tempo para postar este aqui "em tempo" está quase acabando :P Então, espero algum comentário, se possível. E obrigada àqueles que continuam a ler. Arigatou minna-san!