A vida é maravilhosa. Pensou Draco Malfoy, ao se esticar mais uma vez na cama, colocando os braços atrás da cabeça. Ele olhava a loira terminando de se vestir à sua frente, sorrindo. Ela deu uns passos, chegou mais perto da cama e falou em seu ouvido:

"A gente se vê por aí," e com isso terminou de abotoar a blusa e Desaparatou.

Ele respirou fundo, sorrindo satisfeito consigo mesmo. Ele tinha tudo o que qualquer homem de vinte e tantos anos podia querer: dinheiro, diversão, belas mulheres. A vida realmente estava sendo muito generosa com ele. Se levantou da cama em um pulo, sem ao menos se preocupar em se vestir. Seguiu para o banheiro da suíte e abriu a torneira da banheira, deixando a água quente enchê-la e fazer preencher o banheiro com vapor. Depois daquela maravilhosa noite, tudo o que ele precisava era de um banho bem quente para recompor as energias.

Parou em frente ao espelho e viu que este estava embaçado. Pegou uma toalha de rosto e esfregou no vidro. Sorriu maliciosamente admirando o próprio reflexo no espelho. Os cabelos loiros estavam bagunçados, e Draco fez uma pequena nota mental de que tinha que cortá-los; também notou que precisava fazer a barba. Ele então chegou mais perto do espelho, olhando fixamente nos próprios olhos. Eles estavam em um tom de cinza escuro, com apenas alguns filetes mais claros Deve ser por causa da luz do banheiro, pensou. Ele não tinha noção de quanto tempo tinha ficado ali, se olhando, e só percebeu que tinha passado tanto tempo quando o espelho embaçou de novo e ele escutou a água da banheira transbordar.

"Merda!" Murmurou antes de correr para fechar a torneira. Foi quando tudo aconteceu. Ele deu um passo em falso, tentou se segurar na pia para recuperar o equilíbrio, mas escorregou na água que estava espalhada por todo o piso do banheiro, batendo com o lado esquerdo da cabeça na quina da banheira, depois com o lado direito no chão e então tudo ficou preto.


A sensação era horrível. Todo o seu corpo doía, como se tivesse sido atropelado por dez trasgos. E parecia que um havia, particularmente, resolvido sapatear em cima de sua cabeça.

"Ai..." Draco gemeu, se remexendo na cama, mas não se importando em abrir os olhos. Levou uma das mãos à testa, sentindo a dor aliviar ao toque dos dedos gelados. Essa é a vantagem dos meus dedos serem frios.

"Que bom que a bela adormecida resolveu acordar, já estava achando que eu teria que te dar um choque ou qualquer coisa do tipo que aqueles médicos usam..." Ao ouvir a voz estranha no quarto, Draco deu um sobressalto, procurando desesperadamente por sua varinha na mesa ao lado e abrindo os olhos, para em seguida fechá-los. A claridade no quarto era tanta que parecia que o próprio Sol estava lá dentro.

"Puta merda, quem diabos é você!" Exclamou, apontando a varinha (ele enfim a havia achado) e colocando um braço em frente aos olhos, para tentar diminuir a claridade.

"Tsc, tsc, tsc... Que tipo de linguagem é essa, Draco? Aposto que não foi isso o que a mamãe ensinou..." Falou novamente a voz estranha e Draco ouviu um estalar de dedos, e quase que instantaneamente a luz no recinto diminuiu.

"Quem é você, porra? O que você quer?" Draco falou de novo, ainda apontando a varinha perigosamente para o estranho. Então tirou o braço da frente dos olhos, para enfim ver quem estava ali.

O homem, que aparentava ter a mesma idade de Draco, estava sentado despreocupadamente em uma poltrona que tinha em seu quarto, com as pernas cruzadas. Draco tentava analisar cada parte ou expressão do intruso. Ele parecia ser um tanto quanto alto - Draco chegou a essa conclusão pelo comprimento de suas pernas. Seu rosto tinha feições bastante femininas, e se não fosse pela voz e pela barba rala, ele poderia ter se passado por uma mulher. Tinha o cabelo dourado e um pouco cacheado, na altura dos ombros, e brilhava intensamente, mesmo com a claridade do quarto já tendo sido diminuída. E por fim os olhos, provavelmente eram os olhos mais azuis que Draco já havia visto em toda a sua vida.

"Bem, agora que você teve bastante tempo para me analisar, podemos bater um papinho, não é?" Ele foi tirado dos seus pensamentos pelo estranho falando mais uma vez. Draco também notou que ele estava vestido totalmente em preto. E então a raiva tomou conta de si, quando ele se lembrou que tinha um estranho em seuquarto.

"Quem. É. Você." Draco falou por entre os dentes, ameaçadoramente, ainda apontando a varinha para o rapaz.

O estranho levantou a mão e a varinha de Draco saiu voando de seus dedos para ela. Ele então ficou de pé, lançando para Draco um sorriso desdenhoso, quase igual ao dele, marca registrada dos Malfoy.

"Vamos deixar uma coisa bem clara por aqui: sem agressividade ou palavras feias," O homem falava didaticamente, como se ensinasse a um menino de cinco anos que não podia brincar com fogo. "Sem essa de 'Oh eu sou perigoso, tenha medo,' para cima de mim. Eu te conheço a mais tempo do que imagina e sei que você não passa de um garotinho mimado por trás dessa máscara."

As palavras dele enfureceram Draco, que apesar da dor pelo corpo e a cabeça, deu um pulo da cama, disposto a atacar o homem.

"Ãh, ãh... Eu falei sem agressividade," Falou o estranho, levantando a mão e fazendo com que Draco ficasse paralisado no meio do caminho, indo parar sentado na cama. "Creio que nós ainda não fizemos as apresentações formais. Permita-me." E estendeu a mão a Draco. "Meu nome é Theodore e eu sou seu anjo da guarda há exatos..." Olhou o relógio no pulso e depois voltou sua atenção a Draco. "Vinte e sete anos, cinco meses, quatorze dias, quatro horas e cinqüenta e sete segundos."


Draco riu. Na verdade havia começado como um riso, terminando então numa gargalhada alta e falsa. Ele cruzou os braços sobre o peito e com uma expressão de puro desdém, falou:

"E você espera que eu acredite nisso?"

"Claro que não," Falou simplesmente "Francamente, depois de passar anos tendo que te seguir por aí, você passa a ser um pouco, digamos assim... Previsível. Então, eu estou me colocando à sua disposição. Pergunte qualquer coisa que só você saiba, e eu vou responder." E cruzou os braços, imitando a posição de Draco.

Draco estava ainda sentado na cama, os punhos cerrados. Então, como se tivesse se lembrado de alguma coisa, exclamou: "Merda!"

"Eu já falei, sem palavras feias..." Theodore começou a falar, mas foi interrompido por Draco se levantando da cama e partindo novamente pra cima dele. Ele apenas levantou a mão, o que fez Draco parar no meio do caminho, paralisado novamente. Era como se um escudo estivesse protegendo o homem.

"Acredite, você não ia querer tentar bater no seu próprio anjo da guarda..." Falou casualmente, como se comentasse sobre o tempo.

"Anjo da guarda porra nenhuma, levanta a manga!" Berrou Draco.

"O quê?" Theodore perguntou, cinicamente se fingindo de desentendido.

"Você ouviu, levante a manga da sua camisa."

"Você não acha que está esquecendo da palavrinha mágica?"

" 'Crucio?'" perguntou Draco por entre os dentes.

"Ok, eu estou exigindo um pouco demais de você..." Ele comentou rolando os olhos e enrolando calmamente a manga da camisa preta. "Viu? Sem marca negra. Aliás, eu estou longe de ser um Comensal da Morte...".

Theodore observou Draco se acalmar um pouco e sentar na cama.

"Pergunte qualquer coisa, eu posso te provar quem sou eu."

"Qual a minha cor favorita?"

"Preto, claro. Essa foi fácil."

"Minha forma animaga?"

"Uma doninha branca. Francamente, essa qualquer um responderia."

"Meu lugar favorito?"

"O Jardim de Inverno da Mansão Malfoy."

Draco respirou fundo. Até agora as perguntas que ele fazia eram simples. Qualquer um com um pouco mais de percepção saberia. Estava na hora de tentar alguma mais... Íntimo

"O que eu fiz com o meu anel com o brasão da família?"

"Escondeu dentro do livro 'Animais Mágicos da Bulgária'. Quinta prateleira, terceira estante da biblioteca da mansão."

"Quem me ajudou a fugir da Inglaterra?"

"Remus Lupin. Vê ? Eu sei tudo por que eu estive toda a sua vida junto de você. Eu estava lá quando você caiu da vassoura e ficou uma semana com um dedo quebrado, com medo que seu pai descobrisse que você voou sem permissão; e quando você ficava escondido em uma das passagens secretas da mansão, observando alguma reunião de Comensais; e quando você tinha acessos de raiva por que Hermione Granger tirava notas maiores que as suas e Harry ganhava no quadribol; e quando você acordava no meio da noite e ia para o jardim de inverno, deitava no chão e ficava olhando as constelações pelo teto de vidro, tentando achar a do seu nome; Ou quem sabe quando..."

"As últimas palavras da minha mãe." Interrompeu Draco. Aquela pergunta provaria qualquer coisa. Ele tinha certeza que mais ninguém sabia sobre aquilo.

"'Eu faria tudo novamente,' e essa foi a última vez que você rezou."

O silêncio tomou conta do quarto. Draco olhava fixamente para o homem à sua frente, decidindo se acreditava nele ou não. Não é possível, ele sabe de coisas que ninguém mais poderia saber. Pensou. Então, levantou as mãos, como que fazendo um sinal de paz, para depois levantar da cama.

"Ok. Não que eu acredite, é claro, nessa baboseira toda de anjo da guarda, mas suponhamos que o que você diga seja verdade, ao que devo a honra da sua visita?"

Theodore abriu um sorriso, os dentes brancos pareciam iluminar o recinto. Então ele levantou da cadeira também, caminhando para próximo de Draco. Passando um braço sobre os ombros do loiro, falou:

"Eu estou aqui, meu amigo, para fazer de você um homem decente."


Draco estava sentado na beirada da cama, esfregando o rosto com as duas mãos, a cabeça ainda doendo muito. Ele não conseguia assimilar nada do que estava ouvindo desde que havia acordado. Tudo parecia surreal demais. Anjo da guarda? Francamente...

"Ok, eu sei que é um pouco difícil entender, pode ser o choque inicial também. Sabe, normalmente a pessoa nunca vê o seu anjo da guarda, só em ocasiões extremamente especiais. E creio que o Chefe achou que essa era uma delas."

"Chefe?" Perguntou Draco, ainda incrédulo.

"É, Chefe. O Cara Lá de Cima. O Todo Poderoso. Senhor Supremo," Theodore apontou os dois indicadores para o teto. "Deus."

"Ah, claro, Chefe. Por quê eu não pensei antes..." Comentou sarcástico.

"Bom, o fato é que, resumindo tudo, você está ferrado." Ele fez uma pausa no discurso e tirou o sobretudo preto. "Não que eu, no papel de seu anjo da guarda, não tenha um pouco de culpa nisso, é claro, cerca de dois por cento ou quas..." Theodore parou no meio da palavra, pois havia mordido o lábio inferior. "Droga! Não posso mentir. Ok, cerca de dez por cento. Mas Ele tem que reconhecer, eu estou fazendo um bom trabalho! Você passou dos vinte e cinco anos, e isso já é um grande marco!"

"Desculpe, passei dos vinte e cinco anos?" Indagou Draco, com a boca um pouco aberta.

"Ah, é que há uma espécie de lenda lá em cima de que os meus protegidos não sobrevivem para ver o vigésimo quinto aniversario, mas nós já sabemos que isso não é verdade, não é? E eu também tenho um pequeno déficit de atenção... Nada muito alarmante." Theodore estava de pé, e falava ao mesmo tempo que gesticulava "Por exemplo, o caso de Robin Caine, digo, o cara antes de você, reconheço que o acidente com o piano foi culpa minha..."

"Acidente com o piano?"

"É, um piano caiu em cima dele. Eu estava distraído na hora, esqueci de movê-lo uns trinta centímetros e então, bam! Ou com o Robert Patrick, que morreu engasgado com um pomo de ouro... Quer dizer, são pequenos acidentes sabe?"

"Então, se hipoteticamente, essa história de anjo da guarda for verdade, eu fui premiado com o mais incompetente de todos!"

"Hei, incompetente, não! Eu estou trabalhando duro, ok? Você não faz idéia de como foi difícil te convencer a aceitar a proposta do Remus..."

"Aham. Agora você vai me dizer que foi você quem me fez aceitar a proposta do Lobisomem? Aquilo foi uma decisão única e exclusivamente minha!" Resmungou Draco, cruzando os braços e rolando os olhos.

"Ah, que cabeça a minha! Eu ainda não te expliquei como a coisa toda funciona," Disse, dando um tapinha na testa. "Eu sou seu anjo da guarda, mas isso não quer dizer que eu vá me meter na frente de um feitiço para te salvar ou que eu vá segurá-lo pelos pés quando você cair de uma vassoura. Existe uma coisa chamada Livre Arbítrio, que te dá o direito de fazer o que bem entender com a sua vida. Mesmo que sejam coisas estúpidas." Ele falava rápido, emendado uma frase na outra. Fez uma pausa para respirar e continuou. "O meu trabalho é te dar conselhos subconscientes, entende? Aqueles que você acha que vieram da sua suprema inteligência. Coisas simples como, por exemplo, levar um guarda-chuva ao sair de casa mesmo que não tenha nenhuma nuvem no céu, mas que depois chova. Aparentemente eu só te impedi de ficar um pouco molhado, mas se você se aprofundar mais, verá que aquela vozinha irritante que falou para você levar um guarda-chuva lhe impediu de pegar uma violenta pneumonia e, conseqüentemente, morrer. Alguns chamam isso de efeito borboleta, em que uma pequena ação muda o curso de toda uma vida. Mas eu chamo isso de Trabalho." Finalizou, respirando fundo e sorrindo satisfeito consigo mesmo.

Tentando absorver toda a informação que lhe era transmitida, Draco ficou um tempo olhando para o nada, com apenas uma sobrancelha levantada. O que será que eu bebi ontem à noite?

"Então quer dizer que você é uma espécie de consciência minha?" Perguntou, tentando entender.

"Não. Consciência é consciência, cada um tem a própria, apesar da sua não ser muito limpa. Eu já disse, dou conselhos subconscientes, sugestões, esse tipo de coisa que você quase não escuta."

"Ah, claro. Então a grande questão é: O que você esta fazendo na minha frente?"

"Ah, é, já ia me esquecendo. Às vezes eu fujo um pouco do contexto principal... Pois bem, eu estou aqui para te ajudar, de um jeito um pouco mais intensivo, a ser um cara legal. Por que, convenhamos, você é um cretino e nós dois sabemos disso."

Draco pensou por um instante que o comentário do outro o havia ofendido, mas tentou relevar. Tudo estava muito confuso.

"E o que você ganha com isso?"

"O que? Você acha que é um jogo de interesses? Por favor, você tem que começar a entender que às vezes as pessoas podem fazer as coisas sem querer nada em troca." Theodore falou rápido, e então olhou para Draco. O outro o olhava ainda desdenhoso.Ok, ele não estava convencido. "Tá bom, você venceu. Tecnicamente eu não ganho nada, eu só não perco. Sabe, Ele anda muito estressado ultimamente, eu particularmente acho que é essa história de onipotente, onipresente, isso esgota às vezes, sabe? É sempre 'Meu Deus pra cá, meu Deus pra lá'. Então Ele deu uma espécie de ultimato, e se eu falhar, ou melhor, se nós falharmos, eu serei rebaixado. Você tem idéia do que é isso? Eu vou deixar de ser um anjo para ser um querubim." Theodore terminou de falar, lançando um olhar suplicante a Draco. Nem de longe lembrava a personalidade altiva de cerca de uma hora atrás que havia baixado a guarda dele.

Ele analisava as possibilidades, apesar de ainda achar que aquilo tudo era loucura da sua cabeça ou algum tipo de efeito colateral de uma mistura de muitas bebidas da noite anterior. Então alguma coisa ocorreu a Draco, e ele imediatamente perguntou:

"Se você falhar, o que exatamente acontece comigo?"

"Você morre e vai para o inferno." Respondeu simplesmente.

Soltando uma risada alta, Draco o olhou com o velho sorriso desdenhoso na face.

"Você não é a primeira e nem será a ultima pessoa a me dizer isso. E, bem, morrer todo mundo vai um dia."

"Pois é, mas eu sou a única a poder te mostrar como é efetivamente o inferno." Theodore fez uma pausa e continuou "A escolha é toda sua. Livre arbítrio"

"Inferno, ãhn? Acho que vou querer dar uma olhada."

"Ok, você quem pediu" Murmurou Theodore depois de um longo suspiro, levantando da poltrona e andando em direção a Draco sentando na cama. Ele parou em frente, estendendo a mão esquerda, quase encostando a palma na testa do outro. "Vai ser uma experiência um tanto quanto... Interessante."

No momento que a palma da mão do homem tocou a sua testa, Draco sentiu um puxão no estomago, uma sensação um pouco parecida com a da viagem por chave de portal. Instintivamente fechou os olhos, esperando a familiar sensação acabar. Durou alguns segundos a mais e então ele sentiu quebrar o contato da mão com a sua testa e abriu os olhos. Seja o que for que ele esperava, não era nada parecido com o que ele viu.


Aos poucos a música suave preencheu seus ouvidos, e apesar da fraca iluminação, assim que Draco abriu os olhos reconheceu o lugar como sendo o salão de baile da Mansão Malfoy. Dando um giro de trezentos e sessenta graus em torno do próprio eixo, ele se viu no meio de uma festa. Dezenas de pessoas ao seu redor, vestidas em traje de gala, dançavam, bebiam, conversavam e riam. Draco sentiu alguém se materializar ao seu lado e então olhou, vendo Theodore aparecer. Dando mais uma olhada ao redor, Draco soltou uma risada e com um sorriso malicioso estampado no rosto falou para o homem ao seu lado:

"Se isso é o inferno, imagina só o paraíso..."

Theodore apenas lhe lançou um olhar triste, e sacudiu os ombros. Quando Draco já estava prestes a soltar um comentário do tipo 'Pode me deixar aqui para sempre', a musica parou e ele viu um aglomerado se formar em um lado do salão. Levantou uma sobrancelha e curiosamente, sentiu seus pés caminharem involuntariamente em direção à suposta confusão.

Á medida que ele chegava mais perto, parecia que as pessoas abriam espaço para ele passar. Como um Rei, pensou por um instante, mas então sua linha de raciocínio foi cortada pela cena que viu.

No meio de toda a multidão estava um garotinho loiro, de cerca de sete anos, vestido obviamente em pijamas, com um robe cinza por cima. Sou eu. Pensou, congelado. Segurando o garoto firmemente pelo braço estava um homem loiro alto, vestido em um impecável smoking e com uma mascara cobrindo metade do rosto. Mas não foi preciso muito esforço mental de Draco para ele perceber que era seu ai. Aliás, toda a imagem daquela cena estava se remontando na sua cabeça, como se ele estivesse vendo um filme repetido.

Ele recordava de tudo, cada som, cada detalhe. Lembrava exatamente o que Lucius iria falar, antes mesmo das palavras deixarem a sua boca. "Seu merdinha enxerido..." murmurou para si mesmo ao mesmo tempo em que as exatas palavras eram vociferadas pelo seu pai à sua frente, puxando o braço do garoto para cima, fazendo-o ficar de pé. Todos ao redor olhavam, alguns sorriam e soltavam comentários maldosos do tipo 'Ele merece um bom castigo' ou 'Se fosse o meu filho...'.

A lembrança da cena veio junto com a enxurrada de sentimentos que a acompanhavam. Vergonha, Medo, Humilhação. Draco viu a si mesmo, pequeno, ser arrastado pelo pai para fora do salão, enquanto este sussurrava promessas de castigo. Aos poucos a multidão se dispersava, voltando às atividades de antes do acontecimento. Ele passou uma mão pelo rosto, sentido-se molhado de suor gelado. Olhou mais uma vez ao redor, em busca de Theodore, e não o encontrou. Ao invés disso avistou uma mulher, sorrindo em sua direção e mordendo o lábio inferior provocantemente.

Ela era morena, e vestia o que parecia a Draco o vestido mais decotado que ele algum dia havia visto. Ele notou que ela também possuía uma mascara cobrindo o rosto. Deve ser um baile de máscaras. Pensou, antes de notar que a bela mulher caminhava em sua direção. Ainda receoso com os acontecimentos prévios, Draco sorriu, levantando uma sobrancelha.

Seus corpos estavam prestes a se encostar quando ela parou de caminhar. Seu hálito quente transpassava a máscara e acariciava a face de Draco. Ela inclinou um pouco a cabeça, agora respirando bem próximo ao ouvido dele, a sensação lançando arrepios por toda a sua espinha. Então, com uma voz rouca e sensual, sussurrou, quase inaudivelmente:

"Não está na hora de se juntar a nós, Draco?"

"Ãhn?" Foi tudo o que conseguiu dizer. Em alguma parte muito longe da sua cabeça, Draco ouvia um 'Afaste-se' urgente, mas resolveu ignorá-lo. A mulher então chegou a cabeça para trás, e ele tentou olhar nos olhos dela, através da mascara. Viu um sorriso malicioso se formar em seus lábios, e em seguida viu que ela levantava uma mão para tocar-lhe a face. Por antecipação Draco fechou os olhos, mas no exato momento em que fez isso, se arrependeu.

Quando os dedos da mulher encostaram-lhe a face, foi como se um ferro em brasa o estivesse marcando.

"Ahhhhh" Gritou de dor, abrindo os olhos imediatamente. A mulher segurava seu queixo com força, as unhas cravando em sua pele. Ela soltou uma gargalhada gutural, e Draco viu que todos os seus dentes estavam pretos, podres. Ainda rindo e segurando o queixo de Draco, ela levou uma mão atrás da própria cabeça, desatando o laço da máscara e fazendo-a cair no chão.

A primeira coisa que Draco viu, apesar da dor lancinante da queimadura no rosto, foram os olhos dela, vermelhos, que de alguma forma lembravam os de Voldemort. Então sua atenção se desviou para o resto do rosto e ficou horrorizado. Ela estava totalmente desfigurada, a pele repuxada, gosmenta, como se tivesse sido mergulhada em uma banheira com ácido. Aumentado o ritmo da respiração, ele sentiu uma enorme dor de cabeça, como se tivesse sido atingido por um raio.

Fechou os olhos, sem saber se conseguiria suportar a dor, e foi então que o jorro de lembranças e sentimentos o atingiu. Todas as imagens, pensamentos que durante anos ele havia lutado para enterrar o atingiam, de uma só vez. Cenas que ele queria esquecer, o olhar suplicante de sua mãe. Ele sentia tudo, dilacerando-o: dor, ódio, remorso, medo, vergonha.

Draco tentou se desvencilhar da mulher, em vão. Abriu os olhos novamente e viu que uma roda havia se formado ao seu redor, todos já sem as máscaras, com seus rostos desfigurados, dentes podres à mostra, sorrindo, gargalhando, se divertindo com a sua agonia. Fechou os olhos de novo, não suportando a visão e a dor. No fundo começou a ouvir algo baixinho, sem conseguir identificar o que era. Aos poucos o barulho foi se tornando maior e ele enfim percebeu que eram vozes. As vozes aumentavam, e Draco então distinguiu claramente o que diziam:

"Junte-se a nós, Draco!"

Parecia um cântico, milhares de vozes, agora já tão altas que faziam seu ouvido doer. Trincou os dentes com uma força imensa, apertou ainda mais os olhos fechados. Meu Deus, faço qualquer coisa para que isso pare. Foi seu último pensamento coerente e então tudo parou.


Ele levou as mãos à frente, a fim de impedir a queda que parecia inevitável. Sentindo o toque dos dedos em uma superfície gelada, Draco abriu os olhos, assustado, e então sua visão focalizou a sua própria imagem um pouco embaçada. Demorou um pouco para ele perceber que estava se olhando no espelho. Sua respiração se acalmou, e ele abriu a torneira e jogou um pouco de água no rosto. Pelo canto do olho viu a torneira da banheira aberta, jorrando água e quase a fazendo transbordar. Dando um suspiro de alívio, Draco foi até ela para fechá-la.

"Que alucinação foi essa!" Exclamou alto, voltando sua atenção para o espelho. Pegou a toalha de rosto e desembaçou-o .

"E quem disse que foi uma alucinação?" Uma voz já conhecida falou atrás dele, e Draco se virou, assustado.

"Quer dizer que não foi um sonho? E que...? Não pode ser!" Ele gaguejava, então fez uma pausa, respirou fundo e falou alto. "O inferno não é a minha antiga casa!"

"O que você esperava, Draco? Satã com chifres e cara de bode, sentado em um trono vermelho, segurando um tridente e cercado de labaredas? Cada um tem o seu próprio inferno, materializado pela sua primeira e mais horrível lembrança. Por alguma razão a sua é daquele baile, a de outras pessoas é diferente!"

Draco ficou o encarando por alguns segundos, como se tentasse entender o que se passava. Fechou os olhos novamente, e ainda conseguia ver algumas das imagens horríveis que havia acabado de reviver. Sacudindo a cabeça, esperando que todas desaparecessem, abriu os olhos novamente e falou decidido, como há muito tempo não falava:

"Eu faço qualquer coisa para nunca mais voltar para lá."


N/B: Gemola, você sabe como eu estou amando essa fic, né? Esse capítulo ficou sensacional, muito engraçado! Aposto como as pessoas vão morrer de rir... E o mais importante é que você goste, se divirta, e não nos abandone, pobres mortais leitores (ainda num acredito no que a Mocha fez...)! Ti anhamu!

N/A: Por isso que eu amo essa menina! A melhor beta do mundo!