Enquanto Você Dormia
Capítulo 5: Desperta-te de um doce sonho
Thora esperava na sala de espera sozinha, apertando a bolsa contra si, nervosa. Carlinhos havia despertado, ela recebera o recado no trabalho e havia sido liberada para visitá-lo. Achava que os Weasleys também deviam ter sido contatados e esperava-os na sala de espera.
Sentia medo de entrar na sala para ver Carlinhos, obviamente ele não a reconheceria, mas e se a reconhecesse? Como a mulher do bar apenas, ele não se lembrava de que ela o salvara a vida, é claro, mas devia se lembrar da mulher do bar.
O que mais a doía, no entanto, não era a repulsa que podia vir dele, mas de sua família, em especial Gui, quem ela cada vez mais saía junto, conversava e criara uma amizade. Molly e Arthur que a tratavam como filha, Gina que se mostrava bastante empolgada com a cunhada mais velha, os gêmeos que a mostravam seus experimentos em sua loja de logros, Rony que a tratava bem embora ela soubesse que ele não era a pessoa mais simpática do mundo e Percy que fazia o esforço de comparecer quando ela os visitava.
Cada vez mais se sentia a pior das criaturas, um ser repugnante e amaldiçoava-se por não tê-los contato a verdade antes e ter se aproveitado da hospitalidade deles. Parecia-lhe que não era só Carlinhos quem despertava, mas ela também, despertava de um belo sonho. Um sonho onde ela voltava ter uma família, coisa que ela sonhava há tanto tempo em ter.
Ela ouvia os ponteiros do relógio se movimentarem e os passos pelo hospital, a cada segundo que se passava se sentia mais sozinha. Mas isso era sua culpa e apenas sua, criara uma ilusão e como se não bastasse englobara nesta ilusão todos os outros.
Não havia palavras para resumir o mal que ela fizeram às custas de seus caprichos. Abriu a bolsa retirando o suéter Weasley que ganhara de Molly, teria de devolvê-lo, é claro, já não fazia mais parte da família.
- Senhorita. – Um enfermeiro se aproximou dela. – Chamamos também aquele amigo de teu noivo.
- Paul? – Thora perguntou.
- Este mesmo. Ele acaba de voltar de sua viagem.
- Fez bem. – Thora sorriu.
O enfermeiro se retirou, deixando Thora novamente sozinha com seus pensamentos. Paul, ele a apoiara, não é mesmo? Será que ele poderia ajudá-la agora? Teria ele alguma forma de diminuir a raiva certa que sentiriam os Weasleys e Carlinhos? Não, ela não podia esperar tanto dele, ela tinha de resolver tudo sozinha, sem a ajuda de ninguém, o que se tinha de fazer, afinal, era contar a verdade e agüentar as conseqüências.
Voltaria a sua antiga rotina, bem isso não parecia tão mal. Parecia? Oh, a quem ela queria enganar, é claro que era deprimente voltar à antiga rotina. Casa, trabalho, TV, alimentar a coruja, comer, dormir... Oh, que coisa mais triste. Ela tinha plena consciência que sua vida não era nada interessante.
Mesmo que até então ela estivera vivendo numa mentira, ela nunca se sentira tão viva. Os encontros na casa dos Weasleys, mesmo com algumas brigas que saíam, conseguiam tirar-lhe todo o estresse após um cansativo dia de trabalho, as saídas com Gui serviam-lhe como uma anestesia de algum fortificante e as visitas a Carlinhos no hospital...
Oras, ali estava algo que até então ela não havia se tocado, ela já não mais ficava horas a admirar o rapaz e há algum tempo ela já não sentia mais aquele sentimento platônico. Talvez o encanto do rapaz ruivo que ela nunca havia conhecido havia passado quando pela boca de outros ela fora o conhecendo aos poucos.
Não sabia explicar, só sabia, embora tentasse disfarçar, que ela começava a dar o lugar que Carlinhos ocupava em seu coração, para a outra pessoa, a pior pessoa que ela poderia ter escolhido, o irmão mais velho dele, Gui.
Fora inevitável, ela deixara se levar pelo jeito divertido e carinhoso de Gui. Deveria não ter ido a nenhuma saída junto com ele, já que sabia que isso a fazia sentir mais carinho por ele do que devia, mas ela não conseguia parar si mesma e deixara a coisa fluir.
Era isso agora, como se não bastasse a mentira toda, ela estava agora apaixonada pelo outro filho mais velho da família Weasley. Isso, claro, contribuía mais ainda para a culpa que carregava em cima de si.
- Senhorita? Oh, o que faz aqui? Os Weasley já chegaram, estão agora com o Sr.Carlos, não virá junto? – O médico sorriu para ela. – Venha, vou junto a ti.
Thora não achou argumento para não ir junto e levantando-se acompanhou o doutor, sentindo que o coração iria sair-lhe da boca de tanto que estava nervosa. Parou em frente à porta e foi entrando vendo que todos os Weasleys estavam curvados para a maca onde estava Carlinhos.
- Ainda está acordado? – O médico perguntou passando do lado de Thora e parando ao lado de Arthur e Molly. – Sim, Sr.Carlos, você pode reconhecer todos a sua volta?
Thora ouviu um resmungo e então, pode finalmente re-ouvir a voz dele:
- Mamãe, papai, Gina, Rony, Fred, Jorge, Percy, Gui... – Levantou a cabeça. – Quem é aquela?
Thora congelou, era agora, apertou com mais força a bolsa e esperou o começo da berraria.
- Não a reconhece, Carlinhos? – Perguntou Gina, indecisa.
- Não, quem é?
Antes que Thora pudesse explicar, Molly caíra em prantos "Meu filho está com amnésia, não está totalmente curado, que lástima, que lástima!". Thora chegou a se locomover até Molly a fim de acalmá-la, mas Arthur e Gui passaram rápidos carregando ela para a sala de espera para que ela pudesse acalmar-se.
O médico não estava gostando de toda aquela agitação e resolveu encerrar a visita, empurrando Percy, os gêmeos e Rony para fora, esperando que Gina e Thora saíssem por vontade própria. Acabou que Thora, pegando o recado pegou Gina pela mão e a arrastou até a sala de espera onde todos os Weasleys estavam acalmando a Sra.Weasley.
Qualquer outra pessoa se sentiria bem com o fato de que não fora desmascarada, mas isso só fizera Thora se sentir mais mal, eles realmente acreditavam nela. Resolveu sair à francesa, e dando passos para trás saiu da sala de espera dando de cara com Paul, para sua surpresa.
- Você por aqui? – Arriscou, sem-graça.
- Acabo de voltar de viagem. Então é verdade, ele acordou?
- Sim.
- Bem... – Paul se curvou vendo pela janela o interior da sala de espera. – O que houve? Molly está chorando.
- Bem, ele obviamente não me reconheceu e acham que ele está com amnésia.
- Oh, compreendo, e você achou melhor não contar agora por causa do estado dela, não é mesmo? Bem, de fato, eu faria o mesmo.
- Não me sinto bem com essa situação, não mesmo. Quero deixar as coisas a limpo o mais rápido possível, embora isso vá resultar no desprezo desta família adorável.
- Não faça nada por enquanto, eu gostaria de estar ao seu lado quando contar a eles. Bem, eu incentivei você de alguma forma.
- Oh, não, por favor, não se culpe. A culpa toda é minha, não há dúvida sobre isso, eu não gostaria que eles deixassem de gostar de você por causa desta minha trapalhada.
- Você realmente me parece uma boa pessoa. – Ele sorriu. – mas confie em mim, não fale nada por enquanto, vá para casa e bloqueie todos os meios de comunicação, avisarei-os de qualquer modo que você está um pouco abalada e prefere ficar sozinha.
- Obrigada. – Thora disse fraca e saiu.
Paul demorou poucos minutos para convencer os Weasley que o melhor a se fazer era ir para a casa, prometendo que qualquer coisa ele avisaria. Explicou-lhes que era um grande amigo e colega de Carlinhos e que estava de férias após um trabalho que tivera até de viajar e por isso só aparecera naquele dia.
Gui que o conhecia, ajudou-o a convencer a família a deixar as coisas por conta dele, no final. Algo que deixou Paul curioso fora o fato de Gui ser o único a perguntar por Thora, se ele sabia onde ela estava, se ela estava bem e se havia algo que ele podia fazer por ela.
Paul o assegurou que ela estava bem, mas preferia ficar sozinha, ele a conhecia e haviam se encontrado na entrada do hospital, e que o que ele podia fazer por ela era deixá-la sozinha.
Na verdade, aquela aparentemente aproximação de Gui e Thora fez com que Paul fechasse a cara. Não havia ninguém no mundo que se preocupava mais com o amigo do que Paul, e a chegada de Thora para Paul fora a chance de fazer Carlinhos se assentar, e começar a ter responsabilidades com as pessoas.
Algo dizia a Paul que aquele relacionamento de Gui e Thora poderia resultar em algo que ele não queria. Era melhor ele agir o mais rápido que podia, iria persuadir o amigo a se casar com Thora.
Entrou na sala de Carlinhos pedindo que a enfermeira se retirasse.
- Paul, meu amigo, como está? Creio que perdi a viagem, não é?
- Sim, perdeu, uma pena, pois com certeza você teria adorado, cada uma que você se mete, hein? Ataque de ex-comensais...
- Falando neste ataque e tudo mais, me parece tão confuso tudo isso, eu não me lembro de nada, e ainda tem aquela moça, eu não a reconheço e todos estão fazendo um drama por isso! O que está ocorrendo, Paul?
- Na verdade, é bem simples, a moça te salvou de um ataque de ex-comensais que viram em você algum de seus parentes, creio que ajudaram tanto a exterminar os comensais. Parece que houve algum engano e os médicos disseram a seus pais que ela era sua noiva, e a coitadinha nada pode fazer para desmentir o fato. Como já se tinha a preocupação com você e essa sua estadia em coma, ela preferiu ficar quieta e esperar que você se recuperasse para contar a verdade. Mas eu a impedi de contar hoje, sabe por quê?
- Realmente, não faço a mínima idéia.
- Porque você seria o maior idiota do mundo se não se casasse com ela.
- Como é que é?
- Você entendeu Carlinhos. Essa sua vida de solteiro não convence, qualquer um vê que depois que você não tiver mais capacidade de cuidar de animais ficará sozinho porque sua família você nunca visita e dá sua devida importância, não é que não goste deles, nós sabemos, mas você não se esforça para demonstrar. Essa moça pode ser o que irá te salvar, o que irá te fazer lembrar-se de como é que se relaciona com as pessoas e tudo mais.
- Você acha?
- Acho, e eu sei que para você não faz diferente estar ou não casado com ela, nunca te vi apaixonado. Ela gosta de ti, você não se recorda dela, ela trabalha naquele bar que freqüentávamos, Turin, até brincava com você com o fato dela sempre o olhar. Sabe, amor também se constrói, Carlinhos.
- E ela não é feia, não é mesmo?
- De jeito algum, ela é até bonitinha.
- É. – Carlinhos parou pensativo. – Porque não, afinal?
Paul suspirou aliviado, sentia esperança que agora não teria mais de se preocupar com o amigo.
Thora remexia na comida a sua frente, não sentia fome, e muito menos sono. Era impossível fazer qualquer coisa com a excitação do que estava ocorrendo. Esperava que Paul conseguisse realmente ajuda-la, embora soubesse que o certo era ela resolver as coisas sozinhas.
Rori não havia voltado da viagem para entregar a carta ao Sr. Bucker pedindo desculpas, que ela não poderia comparecer ao trabalho por uns dias, alegava que estava gripada.
Não podia ficar assim, ela sabia, mas ela preferia tentar acabar com tudo aquilo para enfim poder voltar a sua antiga rotina e esquecer aquela época tão feliz que ela vivera.
Tomou um susto quando uma coruja entrou em seu quarto deixando uma carta que Thora logo viu ser de Paul. Leu o conteúdo desta e sorriu aliviada, ela achava que iria conseguir resolver aquele problema finalmente.
Arrumou-se e sem perder tempo dirigiu-se ao hospital, na esperança de dar fim a tudo aquilo.
(continua...)
