CAPÍTULO IV
Ali estava agora, Remus Lupin, olhando a janela
e recordando o passado, como se dia algum houvesse passado desde
então. Todas as suas conversas com os amigos e tudo que
eles haviam lhe contado se materializava na sua frente, como se
estivesse mergulhando em várias penseiras ao mesmo tempo...
inclusive a dele mesmo.
Olhou com um sorriso doce um
pergaminho que fora largado de forma displicente no sofá.
Tonks torcera o nariz, resmungara alguma coisa entredentes, mas
conseguira se conter e não falar nada. Estava começando
a aprender a ser menos impulsiva e isso o aliviava.
Pegou o
pergaminho, que era nada menos do que uma carta de Margareth, que
uma coruja entregara naquela manhã. Mais um convite para um
show de dança da amiga que conseguira realizar o seu sonho
de ser bailarina, superando as suas limitações com
força e garra. Margareth nunca esquecia dele quando dançava
publicamente. Sem exceção, onde quer que ele
estivesse, recebia aquele envelope cor de champanhe.
Ela não
era mais aquela menina tímida e complexada em todos os
campos: era feliz com o seu marido e dois filhos e a profissão
dos seus sonhos e tinha uma alegria contagiante.
Fora
justamente esse convite que levara Remus a lembrar o passado de
forma tão forte.
Sabia que, pouco tempo depois de
Margareth ter se tornado amiga de Mary, Cecille e Stacey, tivera
uma conversa muito importante com a "bolinha".
-
Medo? - Mary não podia acreditar no que a sua mais nova
amiga havia dito. Ela tinha medo de Remus. Saberia do problema
dele? Não. Não poderia saber... ou poderia...
Inspirando bem fundo, se animou a perguntar - Medo... de quê?
Margareth baixou os olhos e murmurou:
- Ora... Você
sabe...
O coração de Mary disparou... Era isso
mesmo? Ela estava falando do "segredo" dele? Ainda
assim, insistiu, gaguejando:
- S... sei do quê?
Margareth suspirou:
- É que... ah, ele é tão
calado, tão tímido, tão parecido comigo... Eu
queria tanto ser amiga dele, mas tenho tanto medo de ser
rejeitada.
A outra sentiu um misto de alívio por ela
não saber de nada, uma pontada de ciúme pelo
interesse dela em Remus, mesmo só como amiga e uma enorme
indignação por ela temer ser discriminada apenas por
não andar direito... se ainda fosse perigosa, como ela...
Logo depois, se arrependeu de novo e a sua indignação
foi transferida para todos aqueles que se atrevessem a discriminar
Margareth apenas por causa de uma deficiência. Com certeza
Remus não seria uma dessas pessoas.
Esse final que
pensou, repetiu por palavras, enquanto a amiga a olhava, de olhos
muito abertos, como se jamais alguém tivesse falado com ela
assim e um sorriso bailou nos seus lábios.
- Você
acha mesmo? - Inquiriu, em tom entusiasmado.
- Tenho certeza!
- Afirmou Mary, com confiança. - Remus é diferente
dos outros. É claro que ele gosta de brincar e de se
divertir, mas nunca levanta um dedo para fazer mal seja para quem
for. - Sentiu as suas faces se encherem de um rubor quente, ao
acrescentar - Já até me defendeu.
Margareth
olhou-a e Mary viu nos olhos dela um brilho ligeiramente divertido
que jamais havia visto antes.
- Você gosta dele, não
gosta? - Perguntou Margareth.
O rubor das faces de Mary
aumentou violentamente e ela quase precisaria de um balde de gelo
na cabeça para aplacar o calor que dela emanava nauquele
momento. Replicou, tentando disfarçar o seu embaraço:
- É... é claro que gosto. Ele é legal.
-
Não foi isso que eu quis dizer. - Continuou a outra. - Mas
se não quiser falar, não fale. Só posso te
dizer que eu fico quieta no meu canto, mas fico observando as
pessoas... e sei muito bem reconhecer os gestos de uma pessoa
apaixonada.
Foi a vez de Mary baixar os olhos e pedir:
-
Por favor, não conta nada para ele. Eu queria tanto tê-lo
como amigo... isso só iria estragar essa amizade, que eu
sei que é a única coisa que posso esperar dele.
-
Talvez não... - Comentou Margareth, com ar distante.
-
O que você quer dizer com isso?
- Nada em concreto. Só
acho que você deveria lutar pelo amor dele. Mas não
se preocupe, que eu não vou falar nada. - também ela
se ruborizou. - Eu não tenho nem coragem de me aproximar
dele.
Não foi preciso se aproximar de Remus. Foi ele
quem se aproximou, minutos depois. Queria tirar a limpo aquela
história, de como Mary sabia que ele era um lobisomem... se
é que sabia mesmo e não fora apenas uma impressão
boba da sua parte.
Logo que o viu, Margareth tentou se
levantar rapidamente, mas se desequilibrou, corando violentamente,
ao mesmo tempo que Remus e Mary a seguravam, um de cada lado, e
ajudavam a se levantar.
- Obrigada... - Murmurou, de olhos
baixos e saiu o mais rápido que pode, morrendo de vergonha,
deixando os dois muito constrangidos atrás dela, seguindo-a
com o olhar.
- Ela não precisava ser assim. - Começou
Lupin, em tom triste. - Porque é que ela foge de quem só
quer ser amigo dela? Eu jamais faria mal a ela... em plena
consciência dos meus atos. - Esse finalzinho, ele
acrescentou, para testar a reação de Mary.
Todavia,
ela estava consternada demais com a reação da
amiguinha para pensar em lobisomens e segredos. Replicou apenas,
em tom desolado:
- Ela morre de medo que as pessoas não
gostem dela. Tem medo de ser rejeitada, discriminada, só
porque não consegue andar como as outras pessoas...
- O
quê! - Remus se virou rapidamente para Mary. Um brilho
inconformado brilhava no seu olhar. - Mas como é que pode
uma coisa dessas? Discriminá-la porquê? Isso lá
é motivo? - Mesmo no meio da sua indignação,
conseguiu se lembrar do que o levar até ali e acrescentou -
Ainda se ela fosse perigosa, como...
- ... um lobisomem... -
Concluiu Mary, lendo os seus pensamentos, não porque
tivesse poderes de legilimência, mas porque já tinha
entendido onde ele estava querendo chegar.
O coração
dele disparou. Ela sabia. Olhou-a nos olhos e ela não
desviou o olhar, como era seu costume. Disse apenas, em tom
forçadamente casual:
- Sim, Lupin. Eu sei do seu
problema com a lua cheia. Também não sou muito fã
da lua.
Remus não sabia como reagir, o que diser, o que
fazer... De todas as pessoas no mundo que poderiam descobrir o que
ele era, ela era quem ele mais temia que descobrisse. Porquê?
Ele mesmo não sabia. Talvez porque ela acabasse fugindo
dele, achando-o uma companhia pior ainda do que os seus amigos.
Talvez porque tinha pena de vê-la fugir do seu único
defensor dentro do grupinho dos marotos ou talvez... mas isso não
podia ser. Ele não queria... não podia... Mas
estaria? Seria isso? Estaria apaixonado por ela?
O olhar
compreensivo de Mary, que mostrava que ela jamais fugiria dele ou
o discriminaria lhe deu a certeza que, por muito difícil
que fosse conviver com a ideia de estar apaixonado por uma
desafeta dops seus melhores amigos, era isso que estava
acontecendo; e ela não o discriminava. Ela não tinha
medo dele. Ela o aceitava como ele era.
A única coisa
que lhe ocorreu naquele momento foi perguntar:
- Como é
que você descobriu?
Mary suspirou, replicando:
-
Bom, acho melhor a gente se sentar, porque vai ser uma longa
história.
Remus obedeceu e em pouco tempo os dois
estavam sentados na relva, ele sorvendo cada palavra dela como se
fosse uma aula interessantíssima. Ela prosseguiu:
- Na
verdade, eu já desconfiava. Sempre achei você meio
estranho... desculpe, não é para ofender... quer
dizer, estranho, mas legal... - Ela já ia maldizer a sua
falta de jeito, quando ele, com uma pequena gargalhada, disse:
-
Eu entendi. Continue, por favor.
Ela assim fez:
- Bom, a
verdade é que eu, a Stacey e a Cecille ficamos curiosas a
seu respeito. A Stacey é uma das pessoas mais curiosas que
eu já conheci e, no final do 3º ano, resolveu que a
gente devia tentar descobrir aonde você e seus amigos se
enfiavam nas noites de lua cheia. Certa vez, seguimos vocês
até a floresta proibida. Eu vi vocês entrando no
Salgueiro e ouvi os seus amigos comentando que você estava
virando lobisomem.
Remus suspirou:
- Então foi
assim...
Ela anuiu:
- Foi.
- Eu... - gaguejou ele -
Não preciso pedir para você não contar a
ninguém, não é? Nem você nem as suas
amigas.
- Claro que não! - Exclamou Mary, em tom
ligeiramente ofendido. - Eu jamais faria tal coisa! Quanto as
minhas amigas, elas nem sabem de nada.
- Como não sabem
de nada? - Ele se espantou. - Elas não estavam com você?
Foi a vez de Mary suspirar, respondendo:
- Não. Nós
nos perdemos umas das outras e eu nunca contei para elas... Essa é
uma outra história, que contém o meu próprio
segredo das trevas... - Ao vê-lo erguer o sobrolho,
continuou - Sim, não é só você que tem
algo escuro para esconder. Agora, assim como eu prometi guardar
segredo sobre você, eu peço que você guarde
segredo sobre mim.
Ela se sentia estranhamente confiante.
Talvez por partilharemn segredos, ela se sentia mais própxima
dele do que de qualquer outra pessoa e isso a deixava... feliz.
Sim, "feliz" era a palavra certa.
- É claro
que eu guardo segredo. - Afirmou Lupin, interrogando-se sobre qual
segredo poderia ser tão negro quanto o fato dele ser um
lobisomem. - Prometo. Jamais trairia a confiança de alguém.
Mary sorriu, meio encabulada:
- Eu sei... - Disse,
enquanto a confiança voltou a tomar conta dela. - Bom,
quando eu percebi que você era um lobisomem, o meu coração
começou a pular de um jeito que quase pulou pela boca. Eu
já desconfiava, mas uma coisa é desconfiar, outra é
ter certeza. Dei um passo em falso, pisei um galhinho de árvore
e os seus amigos escutaram o barulho. Eu me assusteiu e fugi dali.
Só então percebi que as minhas amigas haviam
desaparecido. Corri sem rumo, desesperada, me embrenhando cada vez
mais na floresta, sem saber para onde ir, totalmente apavorada, no
escuro... até que escutei um estranho bater de asas atrás
de mim. Pequenos olhos vermelhos me cercavam e eu percebi, com
horror, que eram morcegos.
Remus sentiu o estômago se
revolver, adivinhando já o que ela ia dizer em seguida.
Todavia, deixou-se ficar calado, escutando-a, enquanto a voz dela
ia ficando cada vez mais trêmula:
- Eles me cercaram.
Eram milhares. Eu gritava, pedia socorro, mas não tinha
ninguém para me acudir. Aí, eles pegaram em mim e me
levaram, voando, não sei para onde. Não sei, porque
perdi os sentidos. O medo me fez desmaiar. Acordei na manhã
seguinte, com Madame Pomfrey e Dumbledore, um de cada lado, me
pedindo calma e contando que eu havia sido mordida por um
vampiro...
Mary parou um pouco para respirar. A recordação
de tudo aquilo fazia com euq ela se sentisse muito mal. Era como
reviver tudo de novo. O coração de Remus se encheu
de piedade, carinho e compreensão e ele não
conseguiu evitar passar um braço por cima dela... e foi
então que Mary desabou, começando a chorar
descontrolada, com o rosto escondido no ombro dele:
- Eu sou
uma vampira, Lupin! - Soluçava. - Eu... eu... eu não
quero ser! Vivo fugindo daquelas festas noturnas que eles dão...
vivo me escondendo da lua, seja em que fase for... até do
sol eu tenho que me esconder... Tenho que usar uma poção
malcheirosa que imepede o sol de me transformar em cinzas!
Remus
nunca soube dizer dizer o que o levou a cometer tal ousadia. Fosse
por carinho, identificação, amor... a verdade é
que a abraçou com ternura e os seus lábios se
encontraram num beijo que jamais esqueceriam.
