MISSÃO: CRIANÇA – CAPÍTULO 03

HEERO ACORDA

Um vulto aproximou-se da recepção. Uma enfermeira se levantou e fez sinal ao recém-chegado. Foram até o elevador, entraram e saíram no andar da UTI. A enfermeira fez sinal ao guarda da porta e ele se afastou discretamente. A pessoa colocou o braço no vidro:

-Obrigado pela sua discrição, Julie.

-Por nada, senhor. Ela está se recuperando bem. O jovem que foi internado no mesmo dia que Lady Une já está no quarto comum e talvez tenha alta em um dia ou dois...

-Danos internos, han?

-Como se algo pesado tivesse caído sobre ela. Ou se ela tivesse batido contra uma parede, entende?

-Não. Mas o importante é que ela vai sobreviver...

-Oh, sim, senhor Treize... Vai... E sem seqüelas.

Enquanto isso, no quarto, Sally estava explicando a um Heero de olhos arregalados onde estavam os outros ex-pilotos e fazendo o quê.

-Que absurdo! Então, se eu acordei, o garoto lá do outro lado também se recuperou?

-É o que parece. O duplo do doutor J disse que o Heero de lá só se salvou da parede da casa que caiu porque a mãe pulou em cima dele...

-Bem, absurdo ou não, eu vou, claro. Quando será conveniente?

-Quando o garoto lá estiver forte o suficiente para sair do hospital e ir para o laboratório do avô, para fazermos a transferência... Seu corpo se recupera rápido, mas o garoto só tem dez anos...

-Também se recupera rápido. Criança se recupera de tudo...

Enquanto isso, na outra dimensão, os ex-pilotos Gundam deixam seus duplos se virarem na escola como podem, observando tudo com assombro. Como a vida pode ser tão simples? Duo se diverte muito com seu garoto, porque ele é hiper ativo e inteligente. Todo mundo gosta dele, até a irmã, mesmo que ele atazane a vida dela todo dia... Mas a paciência tem um limite...

Num dia, Duo entrou na cozinha para tentar beliscar alguma coisa fora dos horários, sem que Meiran o detivesse... Viu a cozinheira recebendo as compras e resolveu ficar por ali, para ver se atacava nos pacotes mesmo. Ela tirou uns vidrinhos incolores da sacola.

-Quéisso, Moira?

-Anilina pra enfeitar o bolo, curioso...

-Ah, Moira... eu sou criança, mas não sou tonto... Anilina é um negócio colorido, pra dar cor no bolo, essa aqui não tem cor nenhuma...

-É novidade. A cor aparece quando molhamos o bolo, seja com leite ou guaraná... Olha, vou por umas gotinhas aqui no copo d'água pra você ver...

-Noooossaa... é verdade... como pode?

-Pergunta pro seu pai... é alguma coisa relacionada com reação química. – a cozinheira olhou prum lado, depois pro outro e sacou um pacote de biscoitos do embrulho. – Aqui está o que você estava procurando...

-OBA! Valeu, Moira... – apanhou o pacote e foi correndo pra baixo da escada esconde-lo. Depois foi buscar Quatre e Wufei.

-Onde é o incêndio, Duo?

-Moira me deu um pacote de bolacha e eu quis dividir com vocês... que mal tem isso?

-Tem que se minha mãe ver, vai bronquear... você não liga porque é o queridinho dela, mas comigo a coisa é feia... Coisa mais injusta!

-Blá-blá-blá... – resmungou Duo, abrindo o pacote e dando uma pra cada um. Enquanto mastigava, sua mente travessa voltava sempre ao frasquinho de anilina... Quatre e Wufei quase viam as engrenagens do cérebro de Duo trabalhando.

-Porque ta tão quieto, hein? – Wufei cortou o fio dos pensamentos do outro. – Vai se meter em rolo de novo?

-Hum? Acha? – mas o Duo maior riu, aprovando a idéia. E nem passou pela cabeça dele evitar que o duplo agisse... Cada um tinha seu próprio xampu e condicionador, o de Duo e Quatre infantil, o de Zechs para cabelos claros, o de Noin para cabelos normais e o de Relena para cabelos cacheados. Assim que Relena saiu do banho e foi enxugar os cabelos, soltou um berro:

-DUUUUUUUUUOOOOOOOO!!

O garoto, que estava jogando videogame com Quatre, deu um pulo mas foi até a beira da escada pra ver o resultado da sua travessura. O cabelo de Relena estava mesmo verde. Quatre não queria mas começou a rir. A irmã desceu possessa:

-Agora você me paga, seu desgraçado! Eu vou cortar esse seu cabelo... Você vai ver...

-Ah, num vai não. – e saiu correndo.

Relena passou no escritório do pai e pegou a tesoura na gaveta. Perseguiu o irmão pela casa toda. Quatre foi correndo buscar Wufei, que começou a correr atrás deles, o barulho da perseguição atraindo Meiran. Assim que ela viu a cor do cabelo de Relena e a tesoura na mão da menina, foi buscar uma varinha fina, especial pra essas ocasiões. Apesar de colocar cadeiras, poltronas e mesas entre eles, a menina estava mesmo irritada e acabou alcançando o irmão. Derrubando-o de cara no chão, sentou-se em suas costas pra cortar o cabelo dele, que andava pelos ombros...

Entre risos e lágrimas, Duo tentava se livrar e pedia:

-Não, Lena. Não faz isso... não...

Wufei segurou o braço dela, mas como menino, ele era um pouco mais novo e mais fraco. Ela se livrou dele com um safanão e ouviram um primeiro "tic". Duo deu um berro e o piloto fez força pra tirar a irmã do duplo de cima, sentindo que a coisa tinha ido longe demais. Wufei segurou-a pela cintura e puxou-lhe o braço, agora com força. Meiran chegou, dando uma pancada com a vara verde na mão de Relena, pra soltar a tesoura, nas mãos de Wufei, pra ele soltar a menina e ia dar nas pernas de Duo, pra castiga-lo por um monte de coisas, mas ficou com a varinha no ar, ao vê-lo chorando aos soluços, segurando uma mecha do cabelo castanho-claro:

-Me-me-meu cabelo! Ce cortou meu cabelo, Lena... eu queria deixar ele crescer igual do papai...

Relena esfregou a mão.

-Porque, Meiran? Ele que apronta e eu que apanho?

-Isso a cozinheira falou que é anilina. Só lavar a cabeça que sai. Mas correr atrás do seu irmão com a tesoura é algo que poderia levar a um acidente com sérias conseqüências até pra você. E você – apontou para Wufei. – não deve apertar o braço das meninas dessa maneira.

Wufei deu um passo atrás, tentando não responder para que seu duplo não apanhasse mais.

-Mas mulh...mamãe, eu tava defendendo o Duo...

-Fez bem. Apesar de não conseguir evitar a tragédia toda. Mas tem que aprender a ser gentil com as mulheres, ta bem?

O chinês suspirou.

-Agora me ajude a por tudo isso no lugar. Você também, Relena. Depois pode subir e tomar outro banho. Vem, Duo. Vai ficar de castigo no quarto, esperando seus pais.

O garoto nem resmungou. Subiu correndo, segurando a mecha cortada, batendo a porta do quarto. Noin chegou quando tudo estava arrumado e Relena na escada. Meiran fez sinal pra menina continuar subindo e levou a patroa para o escritório.

-Foi a luz ou o cabelo da minha filha está verde?

-Está. Duo colocou anilina no xampu dela...

-Por todos os santos! Esse é o meu Duo. Não há rotina com ele... E onde ele está agora? Colocou ele de castigo, Meiran? Que foi? Aconteceu alguma coisa além disso?

-Relena ficou muito brava – com razão, claro – e retaliou. Se Wufei não tivesse segurado o braço dela, ela teria cortado TODO o cabelo do irmão.

-Cortou muito?

-Uma mecha grande. Acho que estragou o resto...

-Hummm... E ele queria deixar crescer pra ficar igual ao do Zechs... Vou subir lá e falar com ele...

Duo queria assumir a frente e fazer seu duplo sair da fossa, mas ficou pensando se alguém cortasse sua trança, como reagiria. E se sentiu sem ação. A porta abriu e Lucrezia Noin entrou. O garoto se jogou nos braços dela, chorando e o ex-piloto do Deathscythe adorou a sensação de ser confortado por uma mãe amorosa.

-Agora vai ter que cortar, não vai, mommy?

-Mas cresce logo, meu querido...

-Não, não, não, vai demorar... já tava quase do tamanho do cabelo do papai... eu ia poder fazer um rabo de cavalo igual ao dele... agora vou ter que começar tudo de novo... eu nunca mais quero ver a cara da Lena...

-Você que aprontou, Duo. Tem que pagar as conseqüências das suas travessuras também...

-Mas o dela era só lavar...

-HEY! CADE TODO MUNDO? Ninguém pra receber o senhor da casa quando ele chega? – gritou alguém lá embaixo, seguido por outro grito: "PAPAI!!"

Logo Zechs estava subindo, com Quatre no pescoço. Se abaixou um pouco pro caçula não bater a cabeça no batente da porta e entrou no quarto:

-Iiihh, baixa de guerra... Se ferrou dessa vez, hein, campeão?

-ZECHS! Já ta difícil levantar o moral dele e você ainda vem com essa?

-Amor, sinto muito. Mas nosso filhote tem que aprender que junto de toda ação vem uma reação contrária, nem sempre agradável. Eu também não gosto de ver ele com essa cara de cachorro que caiu da mudança, mas ele que foi atrás da encrenca...

Os olhos violetas nem tinham mais da onde verter água. Foi quando Relena parou na porta, quase chorando.

-Papai... eu sinto muito...

-Eu também... se eu tivesse chegado mais cedo, poderia ver se você ficou bem de cabelo verde... – Noin socou o braço dele, Quatre deu uma gargalhada, quase caindo de cima do pai, Duo e Relena ficaram de olhos arregalados, depois riram, o clima ficando mais leve. Wufei que estava escutando, no patamar da escada, desceu com um sorriso.

-Tudo bem agora?

-Sim, mãe. Tudo bem... Boa noite... – mas o recém-chegado nem viu nem escutou. Subiu as escadas correndo, em direção às vozes lá em cima. – Que aconteceu, Trowa?

-Meu irmão acordou... Talvez tenha alta em alguns dias... – suspirou o garoto mais velho. Meiran o abraçou e Trowa começou a chorar. – Mas minha mãe não dá sinal de vida. To com medo, muito medo...

N/A: nhaaa... um pouco mais de travessura e um pouco de angst. E nada de Heero, podem reclamar... calma... eu chego lá.