Capítulo 1: O Cupido Caolho

Maldita lua cheia.

Tinha me deixado completamente esgotado. Mal conseguia parar em pé; e tudo à minha volta girava. O quadro no saguão berrava. A tontura aumentou e senti meus joelhos perdendo a firmeza. Me agarrei em alguma coisa na metade do caminho até o chão.

Era Tonks, tentando me ajudar a ficar de pé. Moody se jogou sobre mim, gritando que eu havia sido envenenado; e então saiu correndo para a cozinha atrás de alguma coisa, berrando enlouquecido. Ela me guiou até a sala, andando com muito cuidado e olhando para todos os lados, como se esperasse um ataque-surpresa vindo de algum lugar inesperado.

"Senta aqui."

E me mostrou o divã em frente à lareira. Sentei-me e ela se sentou também, segurando minhas mãos, nossos joelhos se tocando.

"Já tinha percebido que você não estava bem na reunião. Mas... não se preocupa. Vai passar."

Pensei na única resposta que havia. "Não, Tonks. Não vai passar até o fim da minha vida. Não tem cura. A minha... doença me transforma em um pária. Tenho que ser isolado, nem que seja à força, do convívio humano. E se você soubesse disso não estaria sentada tão tranqüila ao meu lado, segurando as minhas mãos." Essa era a verdade, mas eu não podia simplesmente dizer a ela...

Ficamos então em silêncio. Fechei os olhos, sentindo apenas o calor do fogo e o calor das mãos dela ainda nas minhas. Já estava quase me sentindo alguém outra vez. Ouvi a voz de Moody vindo em minha direção. Tonks ficou de pé, não sem antes chutar para longe um livro que havia sido esquecido no chão. Ela murmurou um "oh!" e Moody me estendeu uma xícara de chá e continuou a conversa interrompida:

"Tenho uma missão para os dois amanhã à noite."

Ergui os olhos enquanto tomava a bebida fumegante; e ele então começou:

"A propriedade é protegida com feitiços e vocês não podem aparatar lá... primeiro, vão ter que ir até a floresta." Ele tirou um pergaminho amassado do bolso de trás da calça. "Depois, têm que chegar... até aqui", o dedo torto passeou sobre o pergaminho, apontando uma região montanhosa, cheia de estradinhas estreitas e curvas, até chegar a uma casa, muito isolada, marcada com um grande X vermelho.

"E o que vamos investigar, afinal?" perguntei; e tomei mais um gole do chá. Espiei o mapa e descobri que era da casa de campo dos Lestrange. Que ótimo.

"Os Comensais estão esperando, amanhã à noite, um carregamento de pó-de-pesadelo. Vão atacar o Ministério; provavelmente, tentar dar um golpe. Apesar de perigoso, é uma caixa pequena e sabemos que apenas dois deles irão receber a entrega. Você e Tonks darão conta do recado. Mas vamos ficar de prontidão, se precisarem de reforços ou demorarem demais para voltar."

Não parecia ser nada tão difícil assim; e Tonks disse que estaríamos de volta "antes mesmo dos reforços conseguirem dizer 'Lorde Voldemort é um escamoso megalomaníaco'".

"Ah. Uma última coisa", Moody acrescentou. "Ela vai ser sua parceira daqui pra frente", ele disse, apontando Tonks. Ela me deu um tchauzinho com a mão e sorriu. Eu ergui a sobrancelha. Uma parceira. O que ele queria dizer com isso?

"Bem... como você sabe, Tonks não é auror há muito tempo... e quero alguém experiente, em quem eu confie, ao lado dela até que possa sair sozinha numa missão."

"Entendo."

Não teria problemas em acompanhá-la de perto por algum tempo; eu gostava de seu jeito e, tinha certeza, era recíproco. Concordei com a cabeça. Mas ainda havia mais...

"Além disso, conheço o suficiente dos dois para saber que se completam." Eu e ela nos entreolhamos; a princípio, surpresos. E então sorrimos um pro outro. "Você vai ensiná-la a ser mais responsável e paciente, enquanto ela entra com o impulso e..."

"... impulso pra tropeçar, ele quis dizer", ela acrescentou sorrindo; e me fazendo sorrir também de um jeito que eu não podia evitar.

E Alastor Moody jamais poderia adivinhar que Cupido inusitado, mas extremamente eficiente, ele se tornou. Sempre afirmando que nós dois nos completávamos, começou a nos mandar juntos para todas as missão que podia. Passamos a nos conhecer bem melhor e a compartilhar coisas que não comentávamos com outras pessoas. Ele nem sonhava o quanto estava certo. Nós nos completávamos. Em todos os sentidos.

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Passei o dia seguinte todo estudando um velho livro sobre Artes das Trevas; a fim de me prevenir do que poderíamos encontrar pela frente. A noite veio rápido. Quando Tonks chegou, analisamos o velho mapa outra vez e decidimos que iríamos usar uma entrada secreta, que nos levaria até a adega. De lá, passaríamos a explorar a casa. Os Comensais deveriam se reunir no segundo andar então, teríamos alguma vantagem. Tudo pronto, aparatamos até o meio da floresta escura; e não demoramos a encontrar a entrada, escondida numa pequena caverna.