Capítulo 4: Segredinhos
"O que foi?" lhe perguntei, quando ela me olhou pela terceira vez sem dizer nada.
"Só estou tentando lembrar", ela finalmente respondeu, e deitou a cabeça sobre os braços cruzados, escondendo o sorriso que eu sabia que estava ali. Seus olhos negros brilhavam, como se refletissem as estrelas da noite lá fora. Ela estava sentada no chão ao meu lado, cruzando as pernas; as Esquisitonas estampadas em sua camiseta acenando alegremente para mim. Não estava sendo uma noite muito movimentada; era aquele tipo de missão onde nós mais conversávamos, sobre todo tipo de coisa, do que propriamente agíamos.
"... e então, no meio do treinamento, ele simplesmente parou de falar no meio de uma frase e saiu correndo porque havia se esquecido que era aniversário da mulher dele! E aí...", ela se interrompeu... "Remus, você é casado?" e mudou de assunto sem mais nem menos.
Ri do absurdo da idéia.
"Não, nunca fui..." e nunca poderia ser. Suspirei e tentei responder algo que não me comprometesse. "Não sou exatamente... o tipo namorador, como deve dar para perceber. Tive apenas alguns casos ao longo dos anos, mas... nada assim muito duradouro."
"Hey, eu também! Não sei. Em Hogwarts eu era muito mais a palhaça da turma do que a garota que algum cara levaria para o baile, sabe" ela me olhou meio triste; e eu quase disse "hey, eu também! Nunca fui uma companhia ideal pro baile". "Mas dane-se. E depois... bem, não encontrei ninguém que valesse a pena. Mas eu não me importo tanto assim, por enquanto, prefiro aproveitar o momento. Ser livre..." ela finalizou, abrindo os braços.
Um movimento repentino na rua logo abaixo chamou nossa atenção, mas não passava de um gato vagabundeando atrás de comida. Ficamos de olho nele até que sumisse. Olhei então para o céu completamente negro exceto pelas estrelas; e outra vez para a rua logo abaixo. Dumbledore era, secretamente, dono de uma velha casa bem de frente para o Gringotes. Todo mundo na Ordem se revezava na missão de vigiá-lo contra possíveis ataques dos seguidores de Voldemort; e naquela noite era nossa vez. Imitei-a, deitando a cabeça sobre os braços cruzados, e olhei para o lado disfarçadamente; Tonks também vigiava a rua. Pude estudar seu perfil com calma, o nariz meio pontudo, os cílios compridos, o cabelo curto. A testa franzida. Ela suspirou, pela quarta ou quinta vez na noite.
"O que foi, Tonks?"
"Oh... coisas" ela respondeu, estranhamente em poucas palavras, depois de alguns segundos.
"Pode me contar, se quiser."
Ela suspirou e um quê de tristeza cruzou seu rosto.
"Ah. Atacaram a empresa de câmeras e onióculos do meu pai na noite passada. Minha mãe acha que tem a ver a volta dos Comensais... por causa dessa bobagem "traição de sangue". Os dois estão querendo se mudar para a França, tentando transferir os negócios pra lá mas... não acho que seja certo fugir. E não sei se alguém está realmente seguro hoje em dia", ela disse, rápido demais, e então se desculpou.
"Hey, está tudo bem, você sabe que pode se abrir comigo", respondi, segurando a mão dela.
Naquele instante, não sei exatamente porque, ela cresceu para mim. Talvez por estar descobrindo um outro lado dela. Um lado que, apesar de parecer sempre "a palhaça da turma", também tinha preocupações. Ela me pareceu mais humana, mais real. Senti uma vontade súbita e inexplicável de abraçá-la em vez de apenas segurar sua mãos e, por que não? cuidar dela, como ela havia feito comigo na casa dos Lestrange. Minha mente sempre se voltava para o que havia acontecido lá. Aquelas horas na adega haviam nos levado a um certo grau de intimidade. Você não fica sofrendo ao lado de alguém sem que alguma coisa mude.
Quando olhei para ela novamente, seus olhos estavam fechados e ela respirava pesadamente. Achei que podia dar conta do recado sozinho, estava tudo muito calmo por ali. Toquei seu braço de leve; e ela se abriu os olhos, bocejando. Disse a ela que poderia ir dormir; e ajudei-a a ficar de pé.
"Hmmm. Não queria ter apagado assim, me desculpa", ela disse, esfregando os olhos e passando a mão pelos cabelos. Eles estavam adoravelmente despenteados, as pontas indo para todos os lados. "Ops", e Tonks tropeçou nos próprios pés enquanto a levava para a cama. Senti minhas bochechas queimando outra vez quando pensei no que Sirius diria se ouvisse essa frase.
---
"Claro que não, Hermione. Não tem a ver. Nós somos apenas amigos. Ele..."
As três garotas se calaram assim que entrei no quarto; portanto, não precisei nem tentar adivinhar qual, ou melhor, quem era o assunto da conversa. Tonks pareceu ficar vermelha, Hermione gaguejou um "oi" e Gina se limitou a olhar para os cadarços desamarrados de seus tênis. Respondi a todas com um aceno de cabeça e me dirigi ao meu objetivo naquela difícil missão: conseguir interromper uma sessão de fofoca entre amigas.
"Tonks... vamos?"
Ela parou na porta do quarto, acenando antes de sair. Posso jurar que escutei risadinhas vindo de dentro do quarto enquanto descíamos as escadas. Mas não era para menos: Tonks tinha se pendurado em meu braço.
"É agora, não é?"
"Você pode dizer só pelo jeito do Sirius."
Estávamos saindo para buscar Harry, e Padfoot não tinha parado quieto um minuto sequer nos últimos quatro dias. Sempre mudando algumas coisas de lugar e levando outras coisas para "o quarto de Harry", ou mexendo em velharias e dizendo "Há! Aposto como Harry vai gostar disso." Era Harry isso e Harry aquilo. Ele estava muito animado. E eu não podia deixar de sorrir vendo -o tão bem assim. A velha casa toda transpirava bom humor.
"Remus... você não acha os adolescentes engraçados?"
"Como assim?"
Ela riu.
"Bem... escuta só essa! Mione começou a dizer que acha muito suspeitas essas missões juntos... as nossas conversas na cozinha e tudo o mais. 'Segredinhos', ela disse. Mas eu disse que não tem a ver. Não é porque dois adultos se dão bem que eles estão necessariamente, hm, apaixonados, não é?"
"Claro."
Talvez alguma parte de mim tenha lamentado, bem lá no fundo, pois respondi numa voz estranha, que vinha do fundo da garganta. Mas tratei logo de me recompor. Já havia me conformado há muito tempo em nunca esperar nada de bom da vida. Eu nunca havia dado muita sorte com as mulheres; reservado por natureza... e pela maldição da Lua Cheia. E mesmo se, por acaso, eu viesse a sentir algo por ela... havia a diferença de idade. Eu não me importava absolutamente com isso. Mas... vendo-a no quarto com as outras garotas, eu me dava conta de que ela se daria muito melhor com pessoas de sua idade. E, finalizando, eu me dizia que gostava de Tonks, como gostava de Harry e tantos outros. Portanto... não. Definitivamente não-apaixonado.
Ficamos em silêncio, ainda de braços dados, cada um perdido em seus pensamentos, até chegarmos ao grupo de bruxos que nos esperavam no saguão. Moody cumprimentou Tonks pelo bilhete enviado aos Dursley; e começou a explicar o plano de resgate.
Durante nosso vôo, eu pegava Tonks às vezes olhando para mim; daquele mesmo jeito meio misterioso que vinha se tornando constante desde que Sirius fez sua pequena revelação. Às vezes eu me pegava olhando para ela também, e me dizia que era para provocar... dar o troco. Com o tempo, começou a virar uma espécie de código entre nós. Um segredo que compartilhávamos. Só nós sabíamos o que aqueles olhares significavam, a história por trás deles...
