Capítulo 8: Inconseqüente
Tonks não vinha fazendo muitos progressos nas aulas de dança. Por isso, naquela noite, resolvi que ia tentar algo diferente.
"Estava pensando em tentar um passo novo hoje."
"Tudo bem, desde que seja mais fácil do que os outros."
"Mais fácil? Eu já estava te ensinando o mais fácil. Esse vai ser mais... complicado."
Ela jogou a cabeça para trás e riu. Muito sério, segurei suas mãos dela e coloquei-as lentamente atrás o meu pescoço, meus olhos fixos nos dela, percebendo cada reação. As minhas mãos, coloquei-as em volta de sua cintura. Quase nenhum movimento... e estava pronto o passo novo, criado especialmente para ela.
"Posso fazer uma modificação?" ela me perguntou, os olhos brilhando; e eu sabia que não vinha nada de bom dali. Por isso, concordei. Com as mãos em minha nuca, ela forçou minha cabeça pra frente, e nossas testas ficaram coladas; e ficamos nos olhando nos olhos. Até que não resistimos; e não ficamos mais apenas nos olhando.
Era apenas a segunda ou terceira vez. Mas eu já havia decorado uma boa parte das suas reações. Sabia que tinha que começar de leve; apenas os toques mais suaves com os lábios, que a faziam delirar. Sabia que, depois, ela se recuperava e me atacava; e eu respondia à altura. Esperava ansioso pelo momento em que ela, parando para respirar, apoiava as mãos nos meus ombros, os olhos fechados, os lábios, machucados e vermelhos e entreabertos esperando por mais um beijo. Que eu lhe dava antes que ela recuperasse o fôlego completamente. Como, esgotada depois de tantos beijos, ela se abandonava em meus braços, me parecendo, mais uma vez, humana e real.
Adorava senti-la assim.
"Preciso contar a ela."
A culpa sussurava em meus ouvidos.
A voz dela sussurava em meus ouvidos; e eu queria acreditar que alto o suficiente para abafar a culpa. Seu corpo chegava perigosamente perto demais do meu...
Por isso, pela primeira vez agradeci o fato de morarmos numa casa tão movimentada, quando ouvi passos subindo a escada em nossa direção.
Nos afastamos bem a tempo, assim que Sirius pisou no sótão. Ele parou alguns segundos, estreitando os olhos. Ergueu uma sobrancelha e deu um sorriso rápido e furtivo, mas nada disse, além de "reunião de emergência, agora". Acompanhei-o escada abaixo, torcendo para que ele não notasse nossos lábios esfolados; e principalmente torcendo para que ela não tivesse notado o quanto eu a queria. Porque eu ainda tinha um pouco de bom senso; e havia jurado para mim que, por mais que a desejasse, não iria adiante sem esclarecer algumas coisas.
"Preciso contar..."
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A tensão dentro de mim só cresceu com o passar dos dias. Desejo e culpa. Vontade e pânico. Estava chegando no meu limite. Por isso, já havia me resolvido: iria contar a ela naquela noite.
Estávamos os dois sozinhos, sentados lado a lado na grande mesa da sala de jantar, fazendo um relatório sobre nossa última missão, sob a luz quente das velas. Nem preciso dizer que, mais uma vez, eu não conseguia me concentrar. Nossas mãos se chocavam de propósito e os olhares duravam mais do que deviam. E eu estava ansioso porque as coisas mudariam dali pra frente, fosse qual fosse a reação dela. Às vezes pensava em como seria se ela fugisse. Não literalmente, mas... fosse se afastando aos poucos, inventando desculpas e mentiras. Não seria minha primeira rejeição, é claro. Mas algumas eram mais insuportáveis que outras. E se ela... deixasse de passar ali suas noites... comigo... e arrumasse alguém?
Fechei os olhos e afundei a cabeça nos braços.
"Tonks, eu... preciso lhe confessar uma coisa", eu disse, a voz abafada contra a manga da minha camisa.
"Conta", ela disse, a voz soando próxima.
"Eu... bem. Você já deve ter notado que eu... fico doente com uma certa frequência."
"Uhum", conseguia saber só pelo tom de voz que ela estava sorrindo.
"Nunca se perguntou o que é?"
"Já, é claro."
A voz sumiu por alguns segundos, enquanto tentava escolher com cuidado as palavras. Meu estômago se revirava, frio. A adrenalina percorria meu corpo, meu coração havia se transformado em um enorme martelo dentro do meu peito. Mas não podia voltar atrás. Era agora ou nunca. Respirei fundo e soltei tudo num jato de palavras, as mãos crispadas, olhando para a frente, sem coragem de encará-la, sentindo a vergonha queimando meu rosto.
"Eu... sou um lobisomem."
Tonks não disse nada. Achei que não tivesse ouvido direito. Ou estivesse realmente assustada. Ou cheia de raiva. Olhei pra ela. Ela sorria.
"Você sabe... lobisomem..."
Dessa vez, ela riu.
"Sei muito bem o que é um lobisomem, seu tolinho. E... eu já sabia."
"Sabia?" me endireitei na cadeira.
"Já tinha ouvido seu nome em algum lugar lá no Ministério. Bem, aí, quando você teve aqueles delírios sobre lua e sangue na adega dos Lestrange... somei dois mais dois e fui atrás investigar, é claro."
Pisquei os olhos várias vezes, a boca aberta, de um modo quase cômico, tenho certeza.
"Oh. E você... se aproximou de mim mesmo sabendo?"
Ela respondeu se jogando no meu colo, me enforcando e me sufocando deliciosamente com um beijo. Então, se aconchegou satisfeita em meu abraço, apoiando a cabeça no meu ombro. Podia sentir seus cabelos em meu rosto e ouvir sua voz em meu ouvido.
"Você é muito mais do que isso, Remus... muito mais. Lobisomem? Ah, por favor. Eu venho de uma família de bruxos puro-sangue... isso sim é apavorante. Não você", ela murmurou e beijou meus lábios suavemente. "Nunca."
Abracei-a, porque ainda não tinha uma resposta. Eu estava preparado para uma retirada estratégica, da minha parte ou da dela. Estava preparado para enfrentar uma tempestade de acusações; e para pedir desculpas por não ter contado antes. Mas já devia ter desconfiado. Ela era um pouco inconseqüente às vezes... não era de surpreender que não se importasse com alguma coisa tão... "simples". Eu ainda não havia conseguido assimilar tudo, entender o que aquilo mudaria. No que eu mudaria. Sabia que ainda era exatamente o mesmo, nada ia destruir aquela fera que vivia dentro de mim. Porém, tudo o que eu conseguia pensar naquele momento era que ela não se importava! Tinha vontade de socar o ar com os pulsos e beijá-la loucamente.
