"Foi bom pra você?" Sirius me perguntou, erguendo a sobrancelha.

"O quê?" fechei o livro com estrondo enquanto minha voz soava quase aguda, tamanho o meu espanto.

"Perguntei se foi bom pra você."

"Não sei do que você está falando."

"Ora. Não adianta nem tentar disfarçar, sabe. Aqueles sons no seu quarto ontem à noite eram inconfundíveis."

Senti toda cor deixando meu rosto e então, no instante seguinte, as bochechas pegarem fogo.

"Oh. Que bonitinho, o Moony corando." Ele se aproximou usando um tom absolutamente sarcástico; e me deu um apertão na bochecha. "Sabe... aqueles sons, realmente..." e olhou pensativo para o teto, como se tentasse se recordar de algo.

Tapei a cara com as mãos. Sirius sempre havia sido extremamente aberto em relação a sexo e sempre havia me deixado sem jeito. Não havia mudado nada nesses vinte anos.

"Quais sons... exatamente?" Tomei coragem para perguntar, a voz vazando por entre os dedos.

"Ora, você sabe. Duas... ou três, quem sabe? xícaras se partindo; uma janela que bateu "por acaso", alguns berros de dor... ah, isso sem contar a mesinha que foi parar no chão. Posso te dizer tão claramente como se tivesse visto. Vai negar? São provas inconfundíveis de que a minha priminha esteve no seu quarto ontem à noite."

Senti o ar deixando meus pulmões enquanto o fuzilava com os olhos.

"Você é um idiota."

E ele se dobrou de rir.

"Mas, falando sério agora", ele puxou a cadeira para mais perto, enxugando as lágrimas. "Quem diria, huh? Você sempre foi o mais lento pra tomar alguma atitude..."

"Isso foi há muito tempo atrás"; desconversei.

"Bom, bom. É bom que seja assim, sabe"; e, estendendo os braços, apoiou uma mão em cada ombro meu e me encarou muito sério. "Fico feliz que seja você. Sério mesmo. Sabe, eu e Tonks... não tivemos muito contato nos últimos anos mas ela é a parte da família que eu faço questão de considerar. Eu até me ofereceria como padrinho se isso... bem, se isso não trouxesse tanta desgraça"; e seu tom de voz se tornou perigosamente amargo enquanto seu semblante se escurecia.

"Ainda é muito cedo para se pensar nisso, Sirius"; forcei um tom de voz alegre para impedir que a tempestade desabasse.

Ele baixou a cabeça e assim permaneceu por longos minutos. Então, de repente, se ergueu da cadeira com um salto, gritando:

"Cerveja amanteigada! Cerveja amanteigada! Vamos comemorar o novo Moony!"

E eu apenas balancei a cabeça, sorrindo.

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Havia uma cláusula intocável no meu relacionamento com Tonks: ela jamais chegaria perto de mim enquanto estivesse transformado e logo depois; ou sequer, me veria. Snape havia voltado a me preparar Wolfsbane ocasionalmente, por ordens de Dumbledore; mas havia ainda outra questão: não me atraía nem um pouco a idéia de ser visto esgotado, exausto, suado, às vezes ardendo em febre como quase sempre ocorria após cada lua cheia. Então, havíamos concordado: nada de visitas até que eu me sentisse bem o suficiente para sair do quarto.

Por isso, naquela noite, quando senti as mãos dela (eu sabia que eram dela, não me pergunte como) afastando o cabelo úmido da minha testa, pensei estar ainda delirando. Mas as mãos se demoravam acariciando minha testa em fogo; e eram tão sólidas... esforcei-me para abrir os olhos e então a vi; e não era nenhuma ilusão. Seu rosto, a poucos centímetros do meu, sorriu, enquanto os olhos negros dardejavam.

"Oi", ela disse, roçando os lábios em minha testa.

"O quê... o quê você está fazendo aqui?" Reuni forças para perguntar; e minha voz soou tão baixa que me surpreendi que ela tivesse conseguido ouvir.

"Vim cuidar de você", ela disse simplesmente.

Fechei os olhos outra vez, franzindo a testa.

"Pedi ao Sirius..."

"Eu o forcei", ela me interrompeu. "Forcei-o a dar a chave do quarto para mim." E então, seus lábios tocaram os meus no beijo mais suave. "Agora, vamos. Deixa eu dar um jeito em você."

Tentei protestar mas ela já havia afastado o lençol puído e encharcado que me cobria. Sobre a mesinha ao lado da cama, havia agora uma vasilha com um líquido perfumado, que ela ia passando delicadamente em meu corpo, com uma toalha. Ombros, braços, peito, costas... aos poucos, meu corpo dolorido foi relaxando, a dor se esvaindo.

"Elixir contra a dor", ela anunciou, começando a aplicá-lo agora nos meus pés e pernas, espalhando uma sensação duplamente agradável com o toque de suas mãos. Ainda não me sentia à vontade para encará-la, então permaneci de olhos fechados o tempo todo.

"Olha pra mim", ela sussurrou enquanto estendia o lençol novamente sobre mim; e o outro lado da cama afundava sob seu peso. Senti seus dedos acariciando meu rosto e forçando-o para cima; as pálpebras se ergueram, mas ainda não a olhava nos olhos. Eu estava num estado de perdição completo; olheiras gigantescas, o cabelo amarfanhado, o rosto corado pela febre. E eu já não era muito apresentável em meu estado normal... que mulher se sentiria atraída por tal fiapo de homem?

Eu só havia me esquecido de que a mulher ao meu lado não era uma mulher qualquer. Senti suas unhas compridas se enterrando em minha carne. Ela agora virava meu rosto, forçando nossos olhos a se encontrarem.

"Olha, seu bobo."

E eu olhei.

"Me desculpa", foram as palavras que deixaram então meus lábios delirantes. Me desculpa por ser tão fraco. Me desculpa por não ser inteiro. Me desculpa por ser menos que um homem.

Ela sorriu, meneando a cabeça.

"Desculpar o quê?"

Fechei os olhos outra vez. Ela realmente tinha o dom de conseguir passar por algumas das minhas barreiras tão solidamente construídas. Suspirei.

"Por estar assim."

"Seu bobo", ela repetiu. "Acha que eu me importo? Remus... quando digo que gosto de você, não é só do seu lado brilhante, gentil, adorável e inteligente"; e ela arregalou os olhos, me fazendo sorrir, enquanto numerava todos os adjetivos nos dedos. "Não é apenas porque o sexo, bem... é perfeito. Eu gosto de você todo, seu lado negro... e tudo o mais. Falo sério."

Suspirei outra vez.

"Bem, claro", ela continuou. "Todos temos um lado que a gente não quer que os outros vejam..." ela se concentrou, fechando os olhos, e deixou seus cabelos adquirirem um tom castanho brilhante e crescerem, lisos, até um pouco abaixo dos ombros. Quando seus olhos se abriram, eram cinza-escuros. "Bastante entediante, não acha?" Ela perguntou, erguendo a sobrancelha.

"O quê...?" Franzi a testa.

"Oh. Minha aparência natural. A verdadeira Tonks." Ela finalizou num leve tom de deboche.

Eu não podia acreditar. Já me havia passado pela cabeça, claro, lhe perguntar qual seria a cor natural de seu cabelo, dos seus olhos. Mas nunca achava o momento certo (sempre pensei que aquilo devia ser muito íntimo, quase tal como uma transformação minha, afinal). E agora, ali estava ela... cabelos castanhos e grandes olhos cinzentos. Tentei me soerguer para observá-la melhor; e ela deu uma risadinha.

"Definitivamente entediante. Não combina nem um pouco com a minha personalidade."

Talvez realmente não combinasse. Mas sua aparência real era absolutamente linda; ainda mais bela do que qualquer outra coisa na qual ela pudesse se transformar. Tentei dizer isso a ela:

"Não... não é entediante. Eu acho... perfeita..."

E fechei os olhos, queimando mais do que nunca.

"Oh!" Ela pulou da cama. "Ainda temos que cuidar dessa febre... tome"; e forçou um cálice contra meus lábios. A poção era amarga, mas o beijo que ela me deu em seguida completamente doce. E Tonks me envolveu em seus braços.

"Agora, dorme."