Olhando pra trás, hoje, vejo que o primeiro sinal de que estávamos realmente em perigo foi ter ido, numa certa tarde, até Grimmauld Place, exclusivamente atrás de um beijo dela.
Não que tenha sido a primeira vez em que pensei no quanto seria delicioso beijá-la ou simplesmente estar a seu lado; esses desejos sempre existiram, antes mesmo sequer de estarmos juntos. Sempre existiram aqueles pequenos momentos silenciosos e vazios, geralmente antes de dormir ou quando me encontrava sozinho em meus raros momentos de ócio; pequenos momentos meio suspensos da realidade nos quais eu pensava nela com uma freqüência cada vez maior.
Mas nesse dia era diferente: eu finalmente tinha passado do "e se" para a realidade. Queria me afogar em seus lábios, me deixar envolver por seus abraços. Precisava daquela presença, afundar o rosto em seus cabelos, aspirar seu perfume e nada mais.
Ah, se eu soubesse o que viria depois disso, se eu soubesse o quanto ainda seria fácil parar... mas não. Eu não conseguia enxergar modo algum as coisas se tornando perigosas. Era tudo tão leve, tão inofensivo; e às vezes eu quase agia como um adolescente, despreocupado e sorridente, tão diferente de como eu era na maior parte do tempo.
Naquele dia, então, eu me sentia apenas ansioso e cheio de desejo; e assim que terminei a guarda na Travessa do Tranco, aparatei imediatamente no imundo número doze. Mas não adiantou muito: Tonks não estava lá. Fiquei rondando pela casa, inquieto. Primeiro coloquei em dia os relatórios atrasados de todos os membros da Ordem; depois, revistei todos os andares e cômodos à procura de qualquer ser das trevas suspeito e, por fim, acabei fazendo companhia ao mau humor de Sirius, embora eu mesmo não estivesse em meus melhores dias: não parava quieto em canto algum, resmungando, ansioso e frustrado. Como se fosse véspera de Lua Cheia.
O relógio se arrastava. A tarde se passou no intervalo de séculos; a cada ruído mínimo me virava ansioso à procura dela. Eu mal me reconhecia; devia ter suspeitado de algo, então. A noite chegou e foi embora, se arrastando; uma noite frustrante, fria e vazia. Meu corpo inteiro doía e clamava pelo contato dela, embora eu empurrasse tais pensamentos para o recanto mais profundo de minha mente. Uma coisa era admitir que a desejava; outra, era que o desejo chegasse àquele ponto, como se, não estando ao lado dela, eu não poderia estar completo.
Demorei a pegar no sono e me levantei quando o sol já estava alto. Ainda esfregava os olhos quando saí do quarto; e antes que me desse conta do que acontecia, fui enforcado por braços ágeis em volta do pescoço e sufocado por lábios ávidos que percorriam todo o meu rosto.
"Senti sua falta"; ela sussurrou em meu ouvido, ainda pendurada em meu pescoço, daquele jeito que conseguia me tirar do meu calmo estado habitual.
Abracei-a de volta e a coloquei em segurança no chão; e depois a encarei, muito sério, tentando não demonstrar o quanto estava eufórico.
"Senti falta também, hm... de consertar xícaras quebradas e... ter que te acordar quando até o despertador não resolve"; respondi tentando não sorrir, e falhando, enquanto ela me olhava com um ar divertido de surpresa fingida. De repente, me interrompeu com um beijo enquanto murmurava "mentiroso". Me vi correspondendo ao beijo exatamente da mesma forma: passional, cheio de saudade... e cumplicidade. Era como uma conversa muito particular travada apenas através de lábios, línguas e saliva.
E então ouvimos uma tossezinha descendo a escada. Nos separamos e lá estava Sirius, as sobrancelhas erguidas, os lábios curvados para cima, um ar um pouco insano em seu rosto, parecendo nunca ter visto nada mais divertido em toda a sua vida. E enquanto Tonks o cumprimentava, "E aí?", apenas disfarcei e olhei para o lado, porque ele me conhecia bem demais e não queria que ele lesse nos meus olhos o quanto eu estava... bem, apaixonado.
E eu tentei, juro. Durante uma meia hora eu realmente queria me concentrar no planejamento de nossa missão (ainda em dupla, abençoado seja, o Moody) para a noite seguinte, mas os toques, às vezes propositais, às vezes não, e a presença dela, os olhos, a respiração... Sirius percebia tudo e finalmente nos disse, outra vez aquele ar divertido estampando seu rosto:
"Podem deixar, eu termino isso aqui sozinho. Tá na cara que vocês dois estão com a cabeça em... outras coisas. Vão lá pro quarto, vão"; e fez um gesto displicente com a mão, como se nos enxotasse.
Fiquei chocado com as palavras dele, talvez até tenha corado. Tentei negar, mas Tonks se resolveu por mim: ficou de pé e me puxou pela mão, e ainda hoje ouço as risadas dele nas nossas costas, ficando cada vez mais distantes à medida que subíamos as escadas.
Eu ainda não sabia que era amor.
Não sabia que era amor adorar ouvir sua risada límpida e clara em meus ouvidos, como um patrono, o mais eficiente que jamais existiu; o mais brilhante, o único capaz de desfazer todas as trevas seculares e impenetráveis de Grimmauld Place, 12. Não sabia que era amor ansiar pela visão de cabelos rosa-chiclete, enquanto eu mesmo era tão cinza. Nem que a amava quando o que eu mais desejava era beijá-la até que ela perdesse o fôlego; e vê-la corar quando eu a olhava muito intensamente, tentando lhe dizer com os olhos o quanto eu a queria e o quanto ela era, agora, essencial para mim.
Não me importar quando ela nos próprios pés na ânsia de me beijar; sentir nossos corpos se encontrando sem a barreira de roupas era quase uma escalada até o paraíso; e jurava ter descoberto o segredo da vida quando nossos corpos se fundiam e finalmente nos tornavam um, completos. Sequer imaginava que já a amava profundamente, quando sorria ao vê-la exausta em meu braços, a respiração se acalmando aos poucos, como agora. E outra vez não me importava com o jeito desastrado com que ela sempre acabava derrubando no chão alguma coisa que estava sobre o criado-mudo quando se virava na cama, mesmo quando eu já estivesse entrando em um sono profundo.
Como eu poderia ter desconfiado? Histórias de amor não se supõem começarem assim, com uma amizade descompromissada entre as duas pessoas mais improváveis do universo.
De qualquer forma, ali estava eu, finalmente em paz. Saciado. Ao mesmo tempo, algo começava a borbulhar dentro de mim, em pequenas ondas, quase imperceptíveis. Mas à medida em que fui mergulhando num estado de semi-consciência, livre da minha racionalidade, os momentos perfeitos de nossos últimos meses começaram a surgir um atrás do outro em minha mente; e as ondas foram crescendo.
A cumplicidade que começou a surgir logo que nos conhecemos (e isso incluía a pequena Tonks e o Remus adolescente). Ela cuidando de mim desde o princípio, mas de uma forma que conseguia não me deixar constrangido. As "aulas" de dança. As descobertas de tantas coisas em comuns; e tantas coisas absolutamente opostas, mas que não impediam que o sentimento se desenvolvesse. Ela não se importando com a minha licantropia; pelo contrário: ultimamente ela me procurava assim que voltava ao meu fiapo de humanidade, me ajudando a me reconstruir. Ela se revelando para mim naquela noite inesquecível, os olhos cinzentos, os cabelos brilhantes e a pele muito branca... uma forma que ainda hoje me deixava sem fôlego e fazia meu coração explodir em meu peito.
A verdade caiu em mim como um raio, clareando tudo o que eu havia ignorado até bem poucos minutos atrás. Tentei sacudir a cabeça; talvez fosse efeito daqueles olhos verdadeiros dela, me enfeitiçando com o mais poderoso feitiço de todos os tempos. Um dos únicos para o qual não existe um contra-feitiço, ou, se existe, tantos de nós relutamos em utilizá-lo. O feitiço mais sedutor; tanto que eu mal consegui resistir: de repente tudo parecia convergir para aquelas três fatídicas palavras.
Por alguns segundos, o pânico tomou conta de mim. Talvez fosse algum tipo de premonição do que eu pensava estar por vir, ou traumas passados ou tudo isso junto. Ouvi Tonks rindo em minha imaginação: mais uma vez teimava em ser racional em vez de ouvir meu coração. Ouvi-a murmurando, ainda em minha imaginação, o quanto eu era "adorável, mas precisava aprender a aproveitar o agora, sem se importar tanto com o que vai acontecer mais tarde...", coisa que eu, confesso, nunca fui muito bom em fazer. Então a Tonks imaginária me pegou de jeito, desfez em pedacinhos oe meus medos bobos, distorceu as minhas preocupações. Deixei as coisas seguirem seu caminho; e esse foi, mais uma vez, o meu erro.
Então aspirei o perfume que se concentrava ali na curva de seu pescoço e confessei, suspirando, antes que me desse conta do que dizia, as palavras que eu sempre havia jurado que sairiam primeiro dos lábios dela, e não dos meus:
"Eu amo você, Tonks."
Senti seu abraço se tornando mais forte, e ela murmurou, ainda exausta:
"Fala de novo."
Me apoiei nos cotovelos e olhei para o seu rosto logo abaixo do meu. Ela sorria o maior sorriso que eu já havia visto em seu rosto, tão calmo e feliz. Seus olhos brilhavam e dardejavam todo tipo de sentimento e amor e paixão, exatamente como os meus, eu tinha certeza. Então eu disse, dessa vez com a voz firme, firme como a certeza de que o que eu sentia era agora irreversível:
"Amo você."
F I M
geeente, que final extremamente meloso, eu sei, podem me jogar na cara, hehehe. mas eu gostei assim mesmo. então, este é o fim da minha pequena e fofa fic, que me perseguiu durante meses, me deixando com insônia enquanto eu quebrava a cabeça pensando em momentos meigos (ok, não foi assim tão dramático, na verdade).
muito, muito obrigada pelos comments, pela força, pelos toques e dicas.
bem, como alguns de vcs devem saber, estou escrevendo uma fic snape/tonks agora, mas isso não quer dizer que eu tenha abandonado o lobinho (e adotado um morceguinho, heheh). não! estou planejando já uma outra tonks/lupin, mas vai ser mais pra frente (até por que essa, eu juroo! vai ter um roteiro, hahaha. milagres acontecem). porque eu quero fazer algo bem desenvolvido e tal.
bom, é isso aí )
