Ela

Perdida entre as páginas de um livro, quero ler as letras miúdas, mas não me prendem a atenção. Minha morada é insinuantemente solitária quando não ouço seus murmúrios baixos, seus passos pesados e ao mesmo tempo, leves o suficiente para que não deixem à impressão de que por lá passou. Olho para a janela, nada vejo. Odeio a chuva, quando ela não me permite saber onde ele está.

Será que ele terá a chave, quando decidir voltar? Será que levou um guarda chuva?

Oh, kami-sama, que meus pensamentos percam-se aqui, nesta sala vazia. Como preocupa-me, a chuva sobre aquela pele pálida. Como inveja-me. Ela o toca, ela o sente, ela o beija.

E minha simples aproximação o repudia, por isto, evita-me com tanto ardor.

Compreendo, contudo, sua atitude reservada. Meu amor transbordante deve ser sentido pela tua sensibilidade aflorada. O nojo deve ser insuportável. A repulsa, a vontade de vomitar ao ver-me.

Meu estômago embrulha-se, mas jamais condenarei Sesshoumaru. Tento, de todas as formas possíveis, parecer uma irmã leal e carinhosa, mas meus olhos, oh, meus olhos, são tão traidores quanto meus suspiros noturnos! Eles mostram ao meu irmão a verdade pútrida encravada na mente suja e imoral que é a minha.

Quadros rodeiam a sala de tons pastéis. As íris de meus parentes parecem julgar-me. Como ousam, malditos? Vocês são os culpados. Se eu não houvesse nascido nesta família, nada seria tão complicado, nem tão sujo. Obstante a intensidade e a loucura, meus sentimentos não seriam proibidos.

Porém, talvez jamais fossem correspondidos.

Tais lembranças, tais palavras, tais retratos, tudo foi sufocando-me ao ponto de que correr dali e esperar, na soleira da casa, a chegada dele. Se não olhar-me, juro que não me importarei. Mas se não voltar, não voltar para mim, correrei por tais ruas enlameadas e o buscarei.

Sôo como uma grande fortaleza, mas tudo que quero fazer é cair, ceder.

Força minhas pernas não mais têm, eu sento sobre o chão molhado. A chuva já me castigou, porque devo importar em sujar minha roupa? Dentro de mim, já está tudo poluído.

"Rin".

Brilhantes, tão brilhantes são seus olhos. Abri um sorriso impossível de ser disfarçado, encantada, tola e simplesmente encantada com o seu rosto encharcado.

"O que está fazendo aqui fora?".

"Estava te esperando, Sesshy-kun", observo-o erguer a sobrancelha. Cada nuance em sua face é motivo de descontrole para meu coração. Cada movimento seu é um pedido para meus olhos se cerrem e esqueçam de amá-lo.

"Entre. Vai ficar resfriada".

Assinto com ainda um sorriso no rosto, mas este se desfaz quando ao erguer-me, vejo manchas vermelhas de sangue em suas roupas e em suas mãos.

É justamente nestes momentos, quanto todo o meu corpo fica descontrolado, que temo o destino de meus sentimentos. Aflita, busco-o com minhas mãos e saio do abrigo de nossa casa, entregando-me a viciosa chuva e aos seus olhos dourados.

"O que lhe aconteceu? Você se feriu?".

"Não quero falar sobre isso".

"Mas eu quero, Sesshoumaru! Quem fez isto com você?".

"Ninguém".

"Como ninguém, eu não entendo ...".

"Não há nada para entender. É um problema meu".

"Mas você é meu irmão...".

"EU SEI, ESTÁ BEM? EU SEI QUE SOU SEU IRMÃO, DROGA!".

Afastei-me para que ele pudesse entrar, demasiadamente assustada para acompanhá-lo. Odeia, não odeia? Ele odeia o fato de sermos irmãos por causa de minhas emoções repugnantes.

"Não quero que ele me odeie...".

Ignorando o medo pulsante que crescia em meu peito, eu segui as pegadas molhadas no carpete. Elas levavam para o banheiro. A porta estava entreaberta, eu arrisquei meus passos e a abri.

A visão pegou-me de surpresa e encheu-me de rubor. Lá estava ele, apoiando as mãos contra a pia, olhando para o espelho como na própria face, houvesse uma resposta. Seu corpo forte, sólido, suas costas tão aconchegantes.

Quando pequenos, ele costumava me levar nelas. Dizia que se eu assim quisesse, ele me levaria para voar, pois era meu irmão, e os irmãos devem proteger e amar suas irmãs. Como eu gostaria de deitar minha cabeça nelas novamente. Sentir sua pele firme contra minha bochecha, beijá-la.

Mordo meu lábio inferior, segurando tal vontade.

"Já é tarde. Otou-san não vai gostar se eu contar, quando ele voltar de viagem, que você não tem dormido direito".

Ah, seu tolinho... Eu não durmo direito desde que descobri que o amava.

"Eu não vou dormir até que me explique o que aconteceu".

"Eu bati no Kouga".

"Nani...?".

Deus, meus desejos se concretizaram...

Ao contar a Sesshoumaru sobre Kouga, desejei que nele despertasse um ciúme doentio. Que seus dedos estalassem com a vontade de matar aquele que me tomara, finalmente.

Eu queria que ele o matasse, que jorrasse sangue por mim.

Kami-sama... Acho que estou doente.

Lágrimas caem por meu rosto, eu não as evito. Ao escutar meus soluços, Sesshoumaru vira-se para mim e toda aquela contração de indiferença em sua face some. Tornar-se doçura. Venha me abraçar. Não vê que estou chorando? Venha me abraçar, eu te imploro.

"Ele é um idiota, Rin. Um idiota que você não precisa ter em sua vida".

Se estas palavras foram para me consolar, sinto dizer que falharam miseravelmente. Eu nunca verteria as lágrimas que choro por ele por alguém como Kouga.

Aproximo-me, ignorando qualquer alarme que meu corpo pense em soar. Toco o dorso pintado de vermelho. Quero tirar tal sujeira dele, não permitir que um sangue tão impuro toque a pele que pertence a mim. Meus dedos, sem minha vontade, deslizam por seu peito, descem até seu abdômen e lá param. A outra mão também quer experimentar. E logo, estou tocando-o como não devia, sem ousar olhá-lo, sem saber combater qualquer tipo de nojo que eu despertar nele.

"Todo sujo... você está todo sujo...".

"Rin...".

Deixe eu limpar...

Deixar eu beijar...

Antes que minhas mãos alcançassem o pano que limparia aquelas manchas, ele ergue meu rosto, segurando meu queixo. Nossos olhares se encontram e antes de qualquer atitude, eu noto que não há repulsa. Não me odeia? Como pode, depois do que aconteceu aqui?

"Não quero falar com você. Deixe-me em paz".

Passando por mim, ele novamente deixa-me sozinha.

Volte.

Volte, por favor.

Caio contra o piso branco e os gritos dentro de mim manifestam-se, naquele silêncio tortuoso. Cada demônio em meu coração ri de minhas lágrimas.

Volte, Sesshoumaru.

Volte e me ignore.

...Continua...


Olá, Minna!

Puxa, estou mais do que orgulhosa! O fic teve uma boa repercurssão, fiquei contente!
Imaginava menos elogios, porque não são todos que aceitam temas tão delicados.

Este capítulo foi centrado nas emoções trabalhosas de Rin. Confesso que refiz este capítulo umas três vezes, e apesar de ter apenas quatro páginas, exigiu de mim muita reflexão. Sobraram dúvidas se eu deveria fazer um beijo, uma cena forte. Atendendo aos pedidos de minhas maléficas inspirações, eu não permiti que ambos tivessem um contato íntimo e delator como um beijo. Mas da mesma maneira, Rin não se portou inocentemente. Gosto de imaginar certa loucura nela, apesar da doçura sobrepujar os seus sentidos de mulher faminta por carinho... uau, gostei disso! XD

Respondi os 6 reviews com meu coração repleto de tola felicidade!
Quero agradecer a todos, principalmente a Sra. Daslee, que mostrou-se tão cruel quanto eu... XDDD
Achei alguém que também aprecia tortura mentais e isto valeu meus dias! XDD

Vou estar viajando na próxima semana, quando voltar, o último capítulo desta saga será postado. Eu espero que gostem!

Kisu!