Nós
A chuva cantava e encantava uma melodia silenciosa. O meu corpo tremia de frio e meus olhos não conseguiam deixar de fitar a janela salpicada pela água. Pela primeira vez em tantos meses, eu e Rin tivemos uma conversa. Pude observar, por instantes tortuosos, seus lábios movimentando-se aos sons da voz perturbadora. Pude focalizar, num fracassado repudio fingindo, aquela preocupação imensa dirigida a um sangue não pertencente a mim. Pude imaginar, entre os ladrilhos brilhantes de nosso banheiro, o que teria acontecido se os dedos sobre meu peito erguessem-se e tocassem meu rosto.
A surra que dei em Kouga jamais diminuirá minha apreensão. Rin, naquela complacência humana, pode ter sentido pena. E o carinho que dedicou a mim, amanhã, pode ser dedicado a ele.
Suspiro com toda a força de minha ruidosa respiração. Ao fazê-lo, escuto um gemido baixo.
"Sesshy-kun... você está acordado?".
Sofro da insônia que é desejar e ela não tem o direito de perguntar-me nada quando vive sob minhas pálpebras raramente cerradas.
"Sesshy-kun... por favor, fale comigo".
Qualquer palavra que eu proferisse seria uma denúncia de minha vontade de tomá-la em meus braços naquele instante. Que seja por loucura, que seja pela frieza, eu vou fazer Rin odiar-me. Não ver em mim o irmão bondoso que eu deixei de ser para aprender a querê-la.
"Eu fiz algo de errado?".
O único errado sou eu. Enquanto ela unicamente pensava em cuidar de mim, ao tocar-me daquela maneira no banheiro, imaginei mil e uma cenas de ela entre meus braços, sussurrando meu nome com uma paixão avassaladora enquanto eu a tomo.
"Sesshy-kun, eu...".
Rosno baixinho e o som a fez encolher-se.
O quarto mergulha num silêncio que de calmante nada tem.
Não vê que é quando os ruídos cessam que seu coração torna-se lei suprema em meus tímpanos?
Lógico que não vê.
Cegue-se, Rin.
Cegue-se e me ignore.
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Que belíssimas e esculturais nuvens. Quando a chuva parte, elas permanecem, teimando em deixar a lua aparecer. Eu assim prefiro. Na escuridão, eu posso observá-lo sem ninguém julgar-me ou dizer que é pecaminoso o meu querer.
Sesshoumaru parece ter finalmente, conseguido dormir. Gozando de uma tranqüilidade que eu não tenho, ouço seus eventuais movimentos e eles enfeitiçam-me. Quero tais movimentos para mim e por mais egoísta que possa soar, qualquer outra mulher que tocá-lo não viverá o suficiente, pois a força da loucura de minha paixão pode matá-la. E o fará, se ela não perceber que Sesshoumaru me pertence... me pertence...
Está na hora de tal insensatez terminar.
Eu terei de virar a cabeça para o outro lado e fingir que naquele quarto, encontram-se apenas um irmão e uma irmã.
Mas antes...
Kami-sama, perdoe-me.
Eu vou ter de resistir para sempre, então talvez o certo seja não resistir agora.
Esgueiro-me dentre as sombras e subo na cama pequena de Sesshoumaru tentando fazer os mínimos ruídos.
Um sorriso aberto e sincero cruza minha face certamente transloucada.
O rosto adormece na mesma e adorável expressão de seriedade. As sobrancelhas arqueadas estão levemente erguidas, expressando a desconfiança que ele tem em não poder usar os olhos. O cabelo revolto jorra pelos lençóis igualmente imaculados e quando toco os fios prateados, sorrio em outra imersa tolice. São tão sedosos, tão cheirosos.
Meus pequenos dedos tocam-no na bochecha. Meu corpo debruçasse sobre o dele e meus lábios beijam os dele, com toda a suavidade, para não despertá-lo, para não permitir que ele me veja afogada nesta ação vergonhosa.
Quem dera minha língua tocasse a sua. Quem dera nossos corpos se chocassem, sedentos um do outro.
Mas não passou de um beijo.
E cansada daquele desejo faminto, eu aconchego-me contra ele e fecho meus olhos.
Não veja-me, Sesshoumaru.
"Não veja-me... e me ignore...".
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"Não veja-me... e me ignore...".
Enquanto o sol caía em cima de nossos corpos unidos, eu simplesmente chorava.
A vida seria injusta se ela não me amasse. Ainda mais injusta e impura era se ela correspondesse meus sentimentos.
Meus olhos dourados não conseguiam deixar de temer o que eu faria se ela abrisse as íris castanhas.
Meus instintos masculinos ordenavam distância e o penoso coração, o sangue rápido entre as veias pedia apenas mais alguns minutos daquele abraço delicioso. Qualquer que fosse o amor que Rin nutrisse por mim, não poderia se concretizar.
Toco aquela mão pequena e a ergo junto a mim, observando seus dedinhos minúsculos que no que ela acreditava ser secreto, tocaram meus cabelos. Beijo-os um a um, maravilhado com seu sabor doce. Em seguida, os meus dedos deslizam pelos lábios avermelhados. Os mesmos lábios que ela juntara aos meus e que haviam sido quase impossíveis de resistir.
Somos irmãos, Rin.
E assim por toda vida iremos ser.
Vou assassinar meu desejo, assim quero que ela o faça também. Quando acordar, dir-lhe-ei para ir se trocar para mais um dia escolar. Apaixonado por seu sorriso, eu não responderei quando ela disser que o faria e que não deveria me atrasar.
E a vida prosseguiria.
Eu teria outras mulheres, ela outros homens.
Casaríamos e nos veríamos de meses em meses.
E no coração, repousaria a marca daquele beijo tão casto e ao mesmo tempo, tão impuro.
"Hã... ohayo, Sesshy-kun...".
"Ohayo".
"Desculpe por dormir aqui", o vazio toma-me quando ela se afasta, mas ainda posso cheirá-la. Ainda posso vê-la.
E assim será por todo o resto de nossas miseráveis vidas.
"Eu tive um pesadelo".
Nosso eterno pesadelo, minha Rin.
Um pesadelo que só terminará quando eu morrer.
"Vá trocar-se".
"Hai", ela se afasta mas antes que o faça, dá um pequeno sorriso.
E depois de três meses de total anti-socialismo, eu também sorrio.
Foi uma curta história, eu digo a mim mesmo quando ela sai do quarto. Ainda posso contar em lágrimas as vezes que seus gemidos ecoaram e me tentaram. As vezes em que sorriu gentil e sedutoramente, obrigando-me a odiar as células do meu corpo.
Ignoremos este sentimento, minha pequena Rin.
Ignoremos a realidade como ela é.
Pois ambos sabemos que se em sangue nascemos.
Sabemos também que esta foi nossa pior maldição.
Acabou, Rin.
Ignore-me.
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E naquele corredor, eu fitei a porta.
Pensei nele se trocando e o coração acelerou-se.
Mas... acabou, Sesshoumaru.
No momento em que começou...
Acabou...
Ignore-me.
Tente ao menos.
Eu sei que não o farei.
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Did I disappoint you or let you down?
Eu te desapontei, ou te deixei deprimida?
Should I be felling guilty or let the judges frown?
Eu deveria me sentir culpada ou deixar os juízes franzirem as sobrancelhas?(1)
'Cause I saw the end before we'd begun
Porque eu vi o fim antes que nós começássemos
Yes I saw you were blinded and I knew I had won
Sim, eu vi que você estava cega e eu sabia que tinha ganhado
It may be over but it won't stop there,
Pode ter acabado, mas não vai parar aqui
I am here for you if you only care
Eu vou estar aqui por você, se você apenas se importar
You touched my heart, you touched my soul
Você tocou meu coração, tocou minha alma
You changed my life and all my goals
Mudou minha vida e todos os meus objetivos
And love is blind ant that I knew when,
E o amor é cego e eu isto eu descobri quando,
My heart was blinded by you
Meu coração foi cego por você
I've kisses your lips and held your head
Eu beijei seus lábios e segurei sua cabeça
Shared your dreams and shared your bed
Dividi seus sonhos e divide sua cama
I know you well, I know your smell
Eu conheço você bem, conheço seu cheiro
I've been addicted to you
Eu fui viciado em você
...FIM...
Aqui está, minna! n.n
A última parte de meu pequeno fic dedicado a este casal tão cativante! n.n
Estou muito satisfeita. Em momento algum, eu esperava um final em que ambos pudessem ficar juntos, ignorando os preceitos da sociedade e de suas próprias vidas. Mas a maneira como eu obriguei Sesshoumaru a ser o único conhecedor da reciprocidade do sentimento foi minha cartada mais orgulhosa! n.n
O meu amor por este youkai é tão grande que ele é o alvo das minhas maldades maiores... e que maldade maior é amar, saber que é amado e ainda sim, ter que ocultar o sentimento por respeito ao mundo?
A música final é a brilhante "Goodbye My Lover", do meu querido e apaixonante James Blunt. Eu sou cegamente encantada por este cantor e este jeito desbocado. Se puderem escutar esta música, eu tenho certeza que chorariam como eu chorei no final desta história... XD
(1): Eu traduzi ao pé da letra -- Acredito que signique que ou ele se sente culpado ou permiti que os juízes o julguem... não ficou muito claro para mim, espero que me perdoem.
Meus sinceros agradecimentos a quem acompanhou a história. Espero que tenham gostado de ler tanto quando eu gostei de escrever.
Minha próxima para Inuyasha pode demorar um pouco mas daqui há uma semana, uma nova fic de Angel Sanctuary saíra do forno... n.n
Até lá, então... n.n
