A revolta de Kenny

Parte 2 – Ódio

Chief encarava o líder da sua equipe ferozmente. Estava cansado de obedecer às ordens dele, de agüentar o temperamento explosivo do Tyson, de atender aos dengos do Max e de ajudar a encobrir as galinhagens do Ray por aí. Queria demonstrar de uma vez todos os seus verdadeiros sentimentos. Queria soltar de vez todas as feras que estava escondendo há anos.

Seguindo o instinto violento que tinha agora dentro de si, enfiou um soco no rosto de Kai. Este ficou tão perplexo que não conseguiu reagir e caiu pesadamente no chão, não pelo impacto do golpe, mas pelo susto que levou vendo alguém tão quietinho e delicado fazendo aquela atrocidade.

Vendo Kai caído, Kenny deu uma risada triunfante e cruel. Decidiu deixar Kai sozinho e saiu, para espairecer um pouco na rua. Andou até sentir algo diferente. Um sentimento que nunca havia habitado seu coração: ódio. Algo tão físico quanto paredes, pedras e asfalto. Era como se Kenny pudesse até mesmo tocar nessa nova sensação. Odiou tudo que o cercava: odiou sua inteligência, sua fala calma, sua gravata, seus óculos. Odiou sua família, sua equipe, sua fera bit, seu lep top. Odiou até mesmo a quem mais amava: Emily, a tenista dos All Stars. Odiou sua timidez por nunca ter tido coragem para se declarar para ela.

Pensando assim, ele resolveu mudar. Nunca mais seria um CDF idiota que tem sempre que levar os outros nas costas. Nunca mais teria que sofrer tanto por causa do amor por uma garota. Nunca mais se curvaria às vontades de ninguém. Nunca mais ficaria em casa sozinho estudando enquanto os colegas se divertiam em festas e arruaças. Nunca mais seria um tampinha comportado, obediente e frágil. Este seria o nascimento do novo e indomável Chief.

Voltou para casa com cuidado para não ser visto. Abriu seu guarda-roupa e atirou as roupas todas na cama. Com uma tesoura, picotou várias delas, fez um rasgão ali, deu uma pincelada de tinta acolá, alguns alfinetes aqui... Em pouco tempo, já tinha a indumentária de um autêntico bad boy.

Agora, o próximo passo: uma festa! Arranjaria convidados encrenqueiros em algum lugar e faria... faria... faria... um baile funk! Perfeito! Era a oportunidade para mostrar que não era um molequizinho inexperiente que nunca havia participado de uma farra!

No dia seguinte, ele apareceu no apartamento dos Blade Breakers completamente transformado. Seus quatro amigos tomavam o café-da-manhã, e todas as colheres cheias de comida pararam a meio caminho das bocas abertas. Lá estava o tímido, recatado e quieto Kenny enfiado dentro de uma jaqueta de couro preto e brilhante, um jeans incrivelmente detonado, tênis rasgados e sujos, acessórios punks espalhados pelo corpo todo. O cabelo estava arrumado – ou desarrumado – num topete que se desmanchava por toda sua cabeça, cheio de gel com efeito de brilho molhado. Era difícil de acreditar, mas aquele era mesmo Chief!

Ele deu um "Alô!" gritado para os colegas e saiu andando de um jeito esquisito e gingado, lançando os braços ao longo do corpo a cada passo que dava. É o que conhecemos como "mala".

— Ele está louco. – Kai disse com sua voz pesada e séria, começando assim a RUPASBB (reunião urgente para assuntos seríssimos dos Blade Breakers).

— Não há dúvidas quanto a isso. Resta-nos saber o motivo dessa perturbação. – Ray completava o pensamento.

— Ele está louco e pronto! Vamos colocar uma camisa de força nele e interná-lo em um asilo para doentes mentais! – Kai agora rugia, desejando desesperadamente vingança pelo vexame que havia passado.

— Calmaí, cara! Talvez seja só "aquilo". – era Max quem falava.

— "Aquilo"? É, pode ser... Deveríamos ter pensado nisso antes. – Ray concordava.

— Mas vocês não acham que o Kenny é muito recatado para ter "aquilo"? – Tyson finalmente se manifestava.

— Será que alguém poderia ter a gentileza de me explicar o que diacho é esse tal de "aquilo"!

— Calma, Kai. É que o Chief pode estar... apaixonado.

— Aquele idio...

Kai não pôde completar a frase. Da sala, explodiu o seguinte som, em volume ensurdecedor.

"Quer dançar, quer dançar?

O tigrão vai te ensinar."

Os quatro correram para o outro cômodo e se depararam com malandros, cachorras e preparadas rebo... dançando. E, no centro de tudo, Kenny rindo incontrolavelmente, tentando seguir o ritmo. Mais uma vez, os quatro queixos foram ao chão.

— Faça alguma coisa, Tyson... – Max implorava desesperado.

— Eu! Nunca pensei que passaria por algo parecido!

— A casa é sua, imbecil! – Kai esbravejava.

— Mas o amigo é de todo mundo! Se é pra parar isso, que façamos juntos!

— Eh... pessoal... eu acho que só temos uma coisa a fazer agora... infelizmente... – dizendo isso, Ray se dirigiu ao telefone e discou o número de um hospital psiquiátrico. – Bom dia. Estamos com um problema aqui no Dojo Kinomiya. Poderiam, por gentileza, mandar uma equipe de profissionais urgentemente para cá?

Ouvindo a resposta afirmativa do outro lado da linha, se despediu e pôs o fone no gancho.

— Ray... – era Max quem falava – Não será uma atitude precipitada? Ainda agora, concordávamos que podia ser só "aquilo".

— Talvez seja mesmo, mas, ainda assim, isso está indo longe demais.

E agora? Os quatro Blade Breakers resolveram tomar uma atitude drástica (eu sempre quis dizer isso!). O que Kenny fará agora? E o seu amor por Emily? E as suas roupas? E, o mais importante: as minhas reviews?