A revolta de Kenny
Parte 3 – Mágoa
Chief acordou lentamente, ainda um pouco zonzo. Imagens esparsas de uma festa assolavam a sua mente. Funk. Algazarra. Bebida. De repente, uma sirene. Os homens vestidos de branco. Uma injeção sedativa.
Depois de pouco tempo, seus sentidos voltaram a funcionar direito. Não demorou muito para perceber que estava amarrado em uma cama num quarto de hospital. Tentou se libertar, sem sucesso. Um médico entrou no quarto, com um sorriso mecânico e forçado.
— Como vai o nosso rebelde?
— Tentando descobrir qual foi o idiota que o prendeu aqui para cobri-lo de porrada. – ele respondeu hostilmente.
— Seus amigos tinham razão então. – o doutor começou a examinar uns papéis – distúrbio de comportamento, agressividade, súbito acesso da Síndrome de Tourette...
— Vai tomar no...
— ... que é uma doença na qual as pessoas portadoras têm necessidade de falar palavrões.
— E daí? Vão me internar aqui como seu fosse um doente mental para apodrecer aqui pelo resto da minha vida?
— Não. Apesar de tudo, esses sintomas são normais em adolescentes que passam a vida inteira retraídos e depois resolvem dar um grito de independência. E mesmo que não fossem, não seriam motivo suficiente para internar alguém. Você receberá alta ainda hoje, depois de tomar alguns calmantes. – disse isso e saiu.
Logo depois uma enfermeira veio desamarrá-lo e dar-lhe alguns comprimidos coloridos. E ele, tomado mais uma vez pelo impulso da revolta, disse algo que nunca havia pensado em dizer:
— Ei, sabia que você é uma tremenda duma gostosa? Se for para ser tratado por você, prefiro ficar aqui mesmo.
A moça fingiu que não ouviu e se foi. Um outro médico foi vê-lo e assinou os documentos da alta. Kenny foi liberado e saiu do quarto. No salão principal do hospital, Tyson, Ray, Max e Kai o aguardavam. Chief passou direto pelos oito olhos cheios de expectativa. Com essa ignorância, Tyson foi o primeiro a reclamar.
— Ei, o que é isso, cara? Não nos conhece mais?
— Prefiro não conhecer pessoas traíras como vocês.
— Traíras, nós? Está nos acusando por termos procurado ajuda para você? – Ray se mostrava indignado.
— Não adianta. – a voz grossa de Kai se faz ouvir – Ele está maluco mesmo.
— ESTOU, SIM! – Kenny gritou, chamando a atenção de todos – VOCÊS ME DEIXARAM MALUCO! CHEGA DE FÍSICA, DE FÓRMULAS, DE EDUCAÇÃO! EU ODEIO TUDO ISSO! ODEIO VOCÊS!
— Mas, Chief... – Tyson falava com a voz embargada e se esforçando para refrear as lágrimas.
— ADEUS! – saiu batendo a porta, deixando seus quatro amigos meio tristes, meio zangados.
Ele não podia negar que aquelas lágrimas do Tyson o abalaram. Era a primeira vez que alguém chorava por culpa dele. Nunca tinha machucado ninguém. E agora que o tinha feito, alguma coisa se remexia dentro dele, um mal-estar insuportável que não o deixava em paz.
Subitamente, ele sentiu uma dor aguda na perna esquerda. Olhou para baixo e viu uma menininha num velocípede, o "veículo" pelo qual acabara de ter sido atropelado. A criança dirigiu para ele sua expressão arrependida, o pedido de desculpas implícito naqueles olhinhos meigos e inocentes. Por um instante, Kenny até se sentiu comovido, mas logo se lembrou de que agora era um rebelado. Fez uma cara azeda e sisuda para ela, e resmungou grossamente:
— Menina idiota! Merece um beliscão para deixar de ser uma pivete imbecil!
Ela fez bico e chorou. Os sons irritantes que ela produzia feriram profundamente a alma do ex-CDF. Nunca pensou que ser ruim fosse tão... ruim. Confuso, deu as costas para a garota, tentando ignorar suas súplicas.
Parece que o velho Kenny está voltando a se manifestar por baixo da carapaça de rebelde! Façam suas apostas sobre o que vai acontecer no próximo capítulo! E aproveitem para mandar reviews!
Nota: a "Síndrome de Tourette" realmente existe. Foi descoberta em 1883 pelo neurologista francês Gilles de la Tourette, e trata-se de um impulso incontrolável de dizer palavrões e coisas obscenas, entre outros sintomas, como pular, piscar os olhos freneticamente, cheirar e retorcer-se. (Fanfic também é cultura!)
