Quando achamos que já atingimos o fundo, que a situação não pode piorar, descobrimos que não existe limite para o sofrimento humano.
Eu descobri isso da pior maneira. A minha vida apenas foi bonita nos livros e nos jornais...a realidade sempre foi outra. Porque no silêncio do quarto, os braços que me abraçavam eram sempre os meus, e quando à noite acordava de um pesadelo, descobria-me sempre sozinho. No entanto sempre sorrio, digo palavras doces, mantenho a ilusão da minha perfeição, da minha falsa felicidade. A minha vida não é minha...será que alguma vez foi? Ela pertence a uma causa em que não acredito, a um ideal que não sonho. Assim, aprendi que (vírgula) nesta vida, a única coisa que é minha é a dor. Essa ninguém a quer, ninguém precisa dela, pelo menos por enquanto. E enquanto assim for, eu alimento-me dela da mesma maneira que uma criança bebe o leito materno. E se ela não me é dada, eu vou buscá-la, eu faço surgir, porque enquanto ela tiver aqui, eu sei que existo. Enquanto sentir a dor, eu ainda vou saber qual é a realidade e qual é a mentira.
Harry olhou para o papel à sua frente, lendo as palavras como se doutro se tratassem. Podia dizer de sã consciência que não se lembrava de ter pegado na caneta e escrito aquilo, tal como não se lembrava de ter chegado ao seu quarto ontem à noite. Focou os acontecimentos da último dia e nada. O seu olhar fixou-se no pulso e viu a linha que surgia nele, um feio golpe que iria deixar uma cicatriz...disso ele se lembrava. A suave dor de sentir a carne a rasgar-se, o doce cheiro do sangue a sair livre da ferida livremente aberta...o seu porto seguro.
O relógio na sua mesa apontava 15 minutos depois das 6. Era ainda bastante cedo para se levantar mas sabia que não iria voltar a dormir. Já fazia muito tempo que perdera a capacidade de dormir uma noite inteira. Melhor assim, menos pesadelos para ele...claro que a alternativa era enfrentar a sua vida. Quem disse que as escolhas eram fáceis!
Com um gesto disciplente levantou-se na cadeira e dirigiu-se para o banheiro. Uma ultima olhada na folha e lançou-a na sanita, dando a descarga de seguida. Não precisava de o papel para recordar as palavras, elas eram parte dele, tão constantes como a sua parca sanidade.
Through early morning fog I see
Por entre o nevoeiro da manha eu vejo
the visions of the things to be.
Visões do que há de vir
The pains that are withheld for me
As dores que me estão garantidas
I realize, and I can see...
Eu percebo, e eu consigo ver…
OoO
'- Harry, Dumbledore decretou que as aulas parariam hoje, sabe, para permitir que os alunos compareçam...
'- Harry, está me ouvindo?
O moreno levantou-se da mesa, sentindo os olhares cravados nele. Será que se gritasse e disse-se que a sua cicatriz doía o voltariam a chamar de louco? A sua cabeça doía demais, latejava, gritava...Silencio, paz...cada vez pareciam mais longe.
'- Já volto.
'- Mas...
Um sorriso falso e a aceitação. Será que a sua vida ia ser sempre assim, uma teia de mentiras e de falsas verdades? Será que nunca encontraria calor, paz?
Os seus passos levaram-no para fora do castelo, em direcção ao jardim. O sol batia-lhe na cara mas não o aquecia, mas qualquer coisa era melhor que estar confinado entre aquelas paredes, que protegiam os outros mas o aprisionavam a ele. Andou, imaginando como seria entrar na floresta e ir para algum lugar, qualquer lugar desde que fosse longe dali.
Parou. Chegara a seu destino. O seu olhar triste fixou a casa que se erguia à sua frente. Simples e no entanto tão digna. Uma única lágrima escorreu pelo seu rosto ao mesmo tempo que as suas pernas cediam e os joelhos encontravam o chão. Um punho chocou com o terreno batido uma e outra vez...
'- Hagrid...
o.O.o
A manhã correu lentamente. Os alunos andavam de cabeças baixos, os professores uma mistura de seriedade e tristeza. Até os Slytherin pareciam...diferentes. Era um dia negro para Hogwarts, não se ouviam risos pela escola, típicos de um dia sem aulas, as conversas não passavam de sussurros, olhares vazios e chorosos.
Draco deixara a mesa do pequeno almoço, deixando bem claro que não queria companhia, muito menos a de duas anormalidades da natureza. Vira a sua presa sair do salão, olhos mortos e sorriso aberto. Será que só ele percebia isso? Que o outro andava como um morto, que os seus sorrisos não podiam ser mais vazios?
Apressou o passo, queria tentar alcançar o moreno. Imagens da noite anterior vagueavam na sua mente, como cavalos de rédea solta. Queria prendê-las, fechá-las num canto e não pensar nelas, mas fugiam-lhe pelos dedos. Era extremamente irritante. Essa perturbação não estava prevista, muito menos os pensamentos. E quando deitara a sua cabeça na almofada, o sono não lhe trouxera descanso. Como que uma tortura, recordada tudo o que vira, tudo o que sentira... Não conseguia esquecer aquele olhar vazio, aquelas esmeraldas que pareciam gritar por ajuda num apelo mudo.
That suicide is painless
o suicídio é indolor
It brings on many changes
traz muitas mudanças
And I can take of leave it if I please
e eu posso fazê-lo ou deixá-lo se quiser
Ao virar que um corredor viu finalmente o que procurava. O moreno saía do castelo em direcção à parte oriental do jardim.
Concentração. Resistência. Afastamento. Se ia lidar com o outro, tinha que ter isso em mente. Não sabia bem o porquê de querer saber mais, mas não podia ver de longe. Como que uma borboleta atraída pela chama, ele tinha que se aproximar e rezar para que o calor não lhe fosse mortal.
o.O.o
Não estava ali há mais do que uns minutos , mas parecia uma eternidade. Por que quando você esta bem e feliz o tempo passa correndo e quando você tá na merda e mal consegue respirar, um minuto é eterno?
Todos falavam em como ele era a chave, a salvação, mas no final nem podia salvar aqueles que lhe eram queridos. Pobre Hagrid, gigante não só no tamanho mas também no coração. Devia tanto a ele, mais do que um dia lhe disse, e agora ele se fora. Mais lágrimas percorreram o seu rosto. Há muito que perdera a vergonha de chorar. Hagrid fora quem pela primeira vez lhe dissera que era um bruxo, que lhe mostrou um novo mundo, um escape da vida que vivia com os tios e primo. Hagrid que via em todos os criaturas perigosas e com partes aguçadas, uns animaizinhos grandes e fofos. Quem mais chamaria a um dragão de bebê?
The game of life is hard to play
O jogo da vida é difícil de jogar
I'm goanna lose it anyway
Eu vou perder de qualquer maneira
the losing card, I'll someday lay
o cartão de perda, irei algum dia jogar
so this is all I have to say
então isto é tudo o que tenho a dizer
'- Chorar por ele não vai mudar nada.
As palavras chocaram com os seus pensamentos, num doloroso regresso á realidade. Levantou-se e sacudiu com mãos trêmulas as calças, numa tentativa de mostrar a calma que não sentia. Atrás de si estava a última pessoa que o podia ver assim e a única que reparara.
'- Não sei do que está a falar, Malfoy. Cai fora.
Acreditava mesmo que ele iria embora? O deixaria sozinho na sua dor? Claro, isso e Voldemort iria convidá-lo para montar unicórnios com ele. Infelizmente não se podia virar ainda, não ainda, não enquanto os olhos ainda estivessem molhados pela sua dor.
'- Claro que não, Potter. Mas faça de conta que sabe, afinal você também faz de conta que é inteligente.
'- Essa conversa planeia chegar a algum ponto, Malfoy? Faça de conta que tem vergonha na cara, por uma única vez na sua vida, e sai daqui.
Ou talvez não. Talvez o que ele precisasse fosse de uma briga com o seu nemesis, para sair por um momento da realidade. Vamos Malfoy, não me desaponte. Solte essa língua viperina, me dê uma razão para poder partir a sua cara. Vamos!
'- Claro, eu sou um óptimo actor. Agora faça um favor a toda a gente e se recomponha. Finja que é o grande herói que todos acham que é e não se faça de coitadinho. Todos têm mais que lamentar para ainda se terem que preocupar com a sua dor.
Não, ele não acabara de receber uma lição de moral do Malfoy. Nem pensar. Cerrou os punhos, pronto para se virar e partir para a briga que tanto necessitava para acalmar a dor que sentia, qualquer motivo importava, quando viu que o loiro não mais lá estava. Tão rápido como chegara, ele partira, deixando ainda um eco das suas palavras no ar.
that suicide is painless
o suicídio é indolor
it brings on many changes
traz muitas mudanças
and I can take of leave it if I please
e eu posso faze-lo ou deixa-lo se quiser
the sword of time will pierce our skin
a espada do tempo ira furar a nossa pele
it doesn't hurt when it begins
Não doi quando começa
but as it works its way on in
Mas ela procura a sua maneira de entrar
the pain grows stronger, watch it brim..
A dor cresce forte, veja-a cortar..
that suicide is painless
o suicídio é indolor
it brings on many changes
traz muitas mudanças
and I can take of leave it if I please
e eu posso faze-lo ou deixa-lo se quiser
A manhã deu lugar à tarde e lentamente os alunos concentravam-se no jardim, perto da casa que um dia fora de Hagrid. Dumbledore achara que o meio gigante gostaria de ficar ali, perto da escola em que trabalhara, às portas da floresta que sempre o fascinara.
'- Estamos hoje reunidos para dizermos adeus a alguém que sempre nos foi muito querido.
O corpo estudantil viera em peso. Não todos, isso seria esperar demais, especialmente em tempos de guerra, mas o jardim pintava-se de vermelho e amarelo, alguns grupos de azul e bem afastados, como se não quisessem ser vistos, pequenos sinais verdes observam se longe. De uma maneira ou de outra, Hagrid era parte da escola.
'- Hagrid era alguém com um coração grande. Não olhava para casas, para nomes! Por isso peço que sempre o recordem como alguém que encarou a vida com um sorriso nos lábios e deu a vida pelo que acreditava. Recordem-no com sorrisos, não com lágrimas.
O silêncio abateu-se pelo jardim. Pequenos soluços ouviam-se, mas o silêncio era quase uniforme. Ainda com as palavras do director, os alunos começaram a movimentar-se, uns indo deixar algo perto do túmulo, outros simplesmente virando as costas. A guerra fizera mais uma vítima e todos sentiam que esta estava cada vez mais perto.
a brave man once requested me
Um homem corajoso um dia me pediu
to answer questions that are key
para responder a questões que são fundamentais
"is it to be, or not to be?"
"é para ser, ou não?"
and I replied, " why ask me?"
e eu respondi, "porque pergunta a mim?"
'- Você vem, Harry?
'- Acho que vou ficar mais um pouco, Mione. Vão indo.
Hermione olhou para o seu amigo com pesar no olhar. Era triste ver aquele que sempre tivera um sorriso a oferecer, por mais negra que fosse a situação, ter agora o olhar apagado. O menino-que-sobrevivera dera lugar a um homem triste, que não mais acreditava em esperança.
Harry ficou ali, olhando para onde o seu amigo iria descançar, para sempre guardando a entrada para a floresta proibida. Pelo canto do olho viu Dumbledore olhar para ele, mas o velho director pareceu decidir que ele precisava de estar só e também partiu, antes de plantar perto do túmulo uma bela flor que se observasse de mais perto veria que tinha aguçados espinhos.
that suicide is painless
o suicidio é indolor
it brings on many changes
traz muitas mudanças
and I can take of leave it if I please
e eu posso faze-lo ou deixa-lo se quiser
Não sentia nada. Um vazio dançava no seu peito. Toda a raiva, toda a dor, deram lugar a um vazio, quase como se não se importasse. Era isso que a guerra fazia? Tornava mortes algo comum?
Ficou ali, apenas olhando para o vazio. Queria desaparecer, tirar aquela solidão. Queria sentir dor para saber que estava vivo, queria sentir dor para a poder apagar.
Quando finalmente se afastou, não viu o loiro que ficara para trás, não olhando para o túmulo e sim para ele.
and you can do the same thing if you please
e você pode fazer o mesmo se quiser
N/A: Eu sei que demorou para pacas, mas a escola me rouba muito tempo fora que tinha perdido a inspiração para esta fic, mas a musa já voltou . Brigada á Magalud, pela betagem rápida e á ultima da hora, e as meninas que tanto me apoiaram e puxaram as orelha: Lee e Serim. Em relação a uma duvida que quase todos me perguntaram acerca do cap anterior e o mapa dos marotos, aquilo foi propositado e irei explicar mais tarde, em futuros caps.
Beijos e comentem que o botão não morde ;)