Tradições
Por Doom Potter
Capítulo Três – Duda Gremlin Jr.
- Harry? Harry? – chamei ajoelhada ao lado dele, duas pessoas na minha frente me encaravam impacientes. Não as conhecia, mas Harry certamente que sim, notei isso quando ele omitiu uma exclamação de "Você?" antes de cair durinho na neve – Harry? – Não queria usar magia, apesar de ele parecer muito mal contorcendo o rosto estranhamente enquanto eu praticamente o esbofeteava – Querido?
Ele abriu os olhos, e eu tive que me segurar para não rir percebendo finalmente o quanto ele gostava desse apelido. Ao contrário de mim, o casal não impediu uma gargalhada, não pude deixar comparar a risada do homem à um enorme porco grunhindo.
- Querido? - zombou ele olhando Harry, que ainda atordoado tentou se levantar.
Sua expressão era indecifrável. Num misto de confusão e espanto, ele apenas ajeitou seu casaco com o olhar vidrado no homem gordo tentando a todo custo, dizer algo.
- Duda? – perguntou ele num fio de voz.
E naquele momento até eu me surpreendi. O primo mimado de Harry? Aquele que o azucrinara desde criança e mesmo assim levava o carinhoso apelido de anjinho cavalheiro pela mãe coruja Petúnia? Nunca o vira, mas não era muito diferente do que Harry descrevera: enorme (em todos os sentidos) e com uma aparência suína pela cor rosada da pele.
- Duda Dursley? – indaguei no ouvido de Harry, ao que ele confirmou com um pequeno aceno da cabeça. – Seu primo?
- O próprio – falou o leitão (apelido de última hora) quando Harry pareceu emudecer por completo - Muito prazer, senhorita. – cumprimentou ele razoavelmente simpático, estendo a mão para que eu apertasse.
- Ginevra Potter – foi a única coisa que consegui dizer antes de apertar a mão dele e receber um olhar incrédulo seguido por uma risadinha desdenhosa. – O prazer é meu.
- O gato comeu sua língua Harry? – perguntou ele divertido pela falta de reação do primo – Essa é minha esposinha Jane. – e a mulher que o acompanhava sorriu para mim, tinha um rosto bonito apesar das olheiras, os cabelos loiros compridos chegando até a cintura muito fina, alias... Fina demais!
Harry não tirava os olhos dela, o que me deixou nervosa por alguns segundos. O que ele tanto olhava naquele graveto ambulante, afinal? Finalmente recuperou a fala, antes que eu pudesse fazer tal pergunta.
- Ela... Você... – gaguejou ele – É esposa do Duda?
- Sim, sou.– constatou ela agradável e sorrindo, - Duda fala tanto de você... – Que atrevimento! Ela nem disfarçou. Humpf!(foi esse o som que saiu da minha boca, mas ninguém notou)
- Duda fala de mim? – pediu Harry sem entender.
- Claro que falo, priminho. – respondeu Duda pomposamente – Como você é corajoso, destemido... – enumerava as palavras com os dedos, se aproximou puxando a mão de Harry e sussurrando em seu ouvido "Pelo menos para a sua gente". – E que capturou aquele malfeitor perigoso... Como era o nome dele mesmo?
- Voldie Moldy, amor? – eu segurei firme o braço de Harry, abafando uma enorme risada que se transformou numa quantidade enorme de ar escapando pelo canto da boca e chamando a atenção de todos.
- Desculpe, é que... – disfarcei cruzando os braços e encarando-os curiosa. – Como disse que se chamava o criminoso?
- Voldie Moldy? – indagou Duda e nem Harry conseguiu segurar a risada dessa vez.
Quem diria que um dia, dois bruxos pudessem rir ao invés de gritar quando esse nome fosse mencionado. O casal nos olhava como se fossemos loucos, e aos poucos conseguimos cessar as gargalhadas, com dificuldade é claro.
- Bem, o negócio é o seguinte – retomou Duda sem se importar em perguntar o porque das risadas – Jane e eu estamos com um pequeno problema, nosso filho...
- Filho? – aparvalhou-se Harry novamente.
- É, - Duda respondeu simplesmente e continuou com seu relato – Como eu dizia, nosso filho estava freqüentando uma creche nova que abriu perto do mercado, e lá ele conheceu uma garotinha loira cujo nome não me recordo agora... – era muito estranho ouvi-lo formar tantas frases com facilidade, mesmo assim ao dar uma pequena pausa e tossir, a esposinha continuou.
- A questão é que essa garota ofereceu a ele umas balinhas estranhas que dissera ter ganhado dos tios, isso acabou por... Modificar sua aparência – ela engoliu em seco olhando pela janela escura do carro – Por favor, ele é apenas um bebê, Duda disse que você poderia ajudar.
Eu sinceramente não estava entendendo nada, e Harry parecia sentir o mesmo. Enquanto isso a mulher foi até a porta traseira do carro e abriu-a tirando um... Não sei que palavra usar aqui, talvez monstrinho descreva melhor. Tinha a pele verde e orelinhas pontudas, olhos esbugalhados, mas havia sim vestígios de sua cara humana, que me atrevo dizer, era assustadoramente parecida com o pai.
- Nem conseguidos descobrir o que ele comeu – falou Jane com a voz embargada, - Por favor, ajude-o voltar ao normal – e Duda colocou as mãos nos ombros dela para consolá-la.
- Claro que ajudaremos, - não sei se foi um sentimento maternal ou culposo que me invadiu naquele momento. Harry tossiu tentando chamar minha atenção, mas eu ignorei, pois sabia que ele não concordava – Só que não conseguiremos tratar dele com vocês aqui, estão hospedados em algum lugar por perto?
- Ah sim, - respondeu Jane – Meus pais tem uma cabana não muito longe daqui, se quiser podemos vir buscá-lo amanhã cedo.
Olhei Harry de esgueira, ele encarava o brotinho de Duda temeroso. Este não parava de se mexer inquieto nos braços do pai, que apenas o segurava igualmente incômodo.
- Claro, sem problemas. – eu sorri para ela, parecíamos mais duas amigas dona-de-casa trocando uma receita de bolo. Jane com certeza sabia fazer muitos bolos, contribuindo para a dieta balanceada de Duda. De fato, essa intimidade não pareceu me incomodar.
Harry do contrário, fuzilava a família do primo como se quisesse lançar uma azaração qualquer em cada um deles. Provavelmente achava que isso estava acabando com nossa lua-de-mel, e com certeza culpava o primo pelo ocorrido, chegando sem aviso ou previsão em nossa casa.
Alias, era realmente chocante o imprevisto! Trouxas primos mimados de Harry com esposas magrelas e filhos enfeitiçados era a última coisa que podíamos esperar nesse dia. Coincidência? Acho que não, algo estava muito estranho por ali. Será que fomos vítimas de uma brincadeirinha de mau gosto?
- Como foi que nos encontrou aqui? – perguntou Harry irritado.
- É, também achei estranho, - respondeu Duda coçando o queixo e passando o filho para a esposa – Há meses que procuro o nome Potter na lista telefônica (poupei-me o trabalho de perguntar o que significava aquilo e o deixei continuar), mas não o encontramos. - ele bateu no capô com a mão gorda sem se importar com qualquer dano – E esse carro raramente quebra, no meio dessa floresta ainda.
- Uma coincidência incrivelmente agradável! – sorriu a mulher afagando os cabelos ensebados da sua cria.
Harry não parecia muito feliz com o comentário, pensei tê-lo visto colocar a mão no bolso do casado e apalpar algo, fechando os olhos arrependido. Deve ter aprontado alguma, pois desviou o olhar de mim para Duda:
- E esse é...
- O Ford Anglia do papai, sim. - e olhou o carro um segundo – Vamos, benzinho?
Jane se adiantou colocando o monstrinho nos meus braços, que o ajeitei um pouco atrapalhada levando um olhar preocupado da mãe (tenho culpa se ele não parava de se mexer?) antes que entrasse no carro. Duda abriu o vidro e esticou o braço segurando um enorme pote fechado:
- Se ele se de trabalho, use isto. – Harry apanhou o pote mecanicamente assistindo Duda dar alguns esporros no volante e o carro finalmente ligar, seguindo vagarosamente pela neve fofa.
Observei abismada o Ford desaparecer por entre as árvores cobertas de neve e me virei para encarar Harry, que mantinha uma expressão incrédula e brava ao mesmo tempo. Já era noite, e aquela lua cheia lhe proporcionava uma iluminação fantasmagórica em seu rosto:
- Ginny, como... Por que... – ele gesticulava balançando os braços, mas nada concreto saía. – Por que aceitou cuidar desse... Do filho de... Como é o nome dele afinal?
- É mesmo! Nem sequer perguntei o nome dele.
- Exatamente, porque essa situação é ridícula. – ele bateu na própria cabeça sem entender – Como foi que eles vieram parar aqui? Não é possível!
- Mas deixando todos esse detalhes de lado. – eu só aceitei cuidar do pirralho por um motivo – Como vamos encontrar Fred e Jorge sem usar magia?
- Fred e Jorge? – ele indagou confuso.
Sabem... Eu amo muito o Harry, mas às vezes ele pode ser realmente lento. Talvez fosse pela quantidade de feitiços que tomara durante a guerra, mas é claro que eu nunca falaria isso para ele. Por acaso sou insensível? "Ok", sempre penso comigo quando ele demora a chegar lá. "Respire fundo e explique, devagar ele entende".
- Garotinha loira? Ninguém lembraria com facilidade o nome de Clementine DeLacour Weasley né? – perguntei e senti o monstrinho tentar a todo custo, pular dos meus braços me fazendo segurá-lo mais fortemente.
- Realmente não é muito comum, mas o que a filha de Gui e Fleur tem haver com isso? – "Respire, Ginny".
- Umas balinhas estranhas que ganhou dos tios? – ele balançou a cabeça ainda confuso. – HARRY! – me sobressaltei sem querer – Querido... (tentei consertar, mas acho que ele estava realmente aborrecido, pois fez uma careta) Pouco antes de Fleur arrumar uma babá, ela relutantemente deixou Clementine passar uma temporada com Fred e Jorge. Mamãe não achou uma boa idéia, mas eles insistiram tanto que ela até acreditou que quisessem criar um pouco de juízo.
- Você realmente acha que... – eu balancei a cabeça freneticamente e a ficha dele pareceu cair. Finalmente. – Mas porque a deixariam numa escolinha de trouxas?
- Provavelmente estavam ocupados com a loja de logros... Ah, sei lá. – eu não tinha pensado nisso (Harry pode ser lento, mas faz perguntas ótimas) – Quem sabe quiseram testar alguma nova experiência e usaram a garota como cobaia?
- Isso é bem a cara deles.
- A questão é que essas balinhas só podem ser produtos das Gemialidades Weasley.
- Mas isso não explica como Duda veio parar aqui.
- Isso é o de menos, - falei quando o pequeno Duda começou a balançar os braços e tossir – Precisamos curá-lo logo.
Harry se curvou olhando para o menino como se tentasse pensar numa solução, eu fiz o mesmo:
- Ele parece um pouco mais verde do que quando chegou, não acha? – falei por falar quando ele não mostrou reação.
- Acho que está sufocando – ele falou rapidamente – Ginny, você está prensando o estômago dele! – eu afrouxei os braços e senti o monstrinho tomar fôlego e me morder.
- AI! - Deixei-o escorregar, mas ele caiu em pé no chão como um gato. Começou a correr em volta de mim, numa velocidade incrível que eu mal podia enxergá-lo. – Harry! Faça alguma coisa! – berrei desesperada quando o moleque correu para dentro, pulando em cima dos sofás e rindo sem parar.
Harry e eu tentamos pegá-lo no ar, mas ele, de alguma forma começou a andar pelo teto. O que será que os gêmeos fizeram com ele? Transformaram-no numa aberração! Harry sacou a varinha, mas eu o impedi de usá-la pulando em sua frente e gritando para que parasse.
- Ginny, nunca vamos pegá-lo sem mágica – falou ele enquanto no teto, Duda Jr. ria sem parar.
Foi quanto algo me ocorreu, Harry largara nossa arma secreta de qualquer jeito numa mesinha na pressa de apanhar o pequeno delinqüente. Eu fui até lá, peguei o pote e senti um arrepio. Como era gelado! Abri incerta e percebi dentro dele estava nada mais nada menos do que meu desejo súbito do dia: sorvete.
Fitei o doce com um aperto no peito. Será que o moleque sossegaria se comesse só um pouquinho? Com certo receio, eu estiquei o pote para que ele pudesse ter uma visão melhor do que estava ali, percebi que Harry me olhava com expectativa.
- Como devo chamá-lo? – sibilei para ele, que deu de ombros antes de dizer numa voz irritada.
- Que tal Gremlin estraga-lua-de-mel?- lancei-lhe um olhar reprovador. Como podia fazer piadinhas sarcásticas numa situação como esta?
- Gremlinnnn? – chamei entoando uma voz melodiosa, embora não soubesse exatamente o que significava aquela palavra. Ele olhou para mim tão atento que até cheguei a me perguntar se Harry tinha acertado o nome dele. – Olha só isso, - e continuei balançando o pote aberto para ele.
- Sol...ete. – esganiçou ele pulando de volta no sofá, esticando os braçinhos gordos por cima do encosto e na minha direção.
- Você quer? – perguntei inocentemente e ele balançou a cabeça positivamente abrindo um enorme sorriso não muito bonito, pois seus dentinhos eram pontudos e avermelhados - Quer mesmo? – falei já mais apreensiva enquanto dava sinal para Harry apanhá-lo por trás.
- Te peguei! – percebendo que tudo aquilo era um plano para capturá-lo, Gremlin (Ué? Ele atendeu não foi?) nos olhou tristonho antes de abrir o bocão!
O choro dele era muito estridente e fez Harry soltá-lo e levar as mãos à orelha, imitando meu gesto que deixei cair o pote a fim de proteger minha audição que certamente deixaria de existir se eu não o fizesse. Numa fração de segundo, Gremlin correu até onde o pote cairia e apanhou-o no ar. Levou na mesma velocidade até a poltrona e apoiando no colo enquanto mergulhava a mão inteira adentro, ele começou a lambuzar todo o rosto fartando-se de sorvete.
Pelo menos isso o fez ficar parado...
