Capítulo 2 – Farejando a verdade

A resposta de seu avô realmente tinha sido esclarecedora. E assustadora. Ele não tinha idéia de que carregasse esse estigma, essa herança maldita. Agora ele tinha que dar um jeito nela. Mas havia alguém em Hogwarts que sabia de seu segredo.

E ele iria descobrir quem era no faro.

Afinal de contas, Severus era um Koboldine mestiço. Seu avô lhe explicara que o gen reaparecia às vezes entre os Snape, fruto de seus ancestrais mais liberais no tocante a relacionamentos entre espécies. De geração a geração, era passado o segredo de que a condição de ser um mestiço descendente de Kobolds era reconhecida ao entrar na puberdade koboldiana – um pouco mais tardia do que a humana – na infeliz ventura de haver um outro Koboldine por perto, pelos feromônios que secretavam, e tinha um cheiro de frutas.

E esta era a desgraça: se fosse um outro Koboldine dominante, os dois iriam se engajar num combate feroz, sangrento, que não raramente só terminava com a morte de um dos dois. Na hipótese mais feliz, um Koboldine seria o dominante e o outro o submisso, então os dois poderiam se acasalar alegremente, e a prole gerada carregaria o gen Koboldine. No caso de o acasalamento se dar entre dois indivíduos machos, a relação homossexual obviamente não produziria progênie, mas o gen seria passado à geração seguinte. Mas não havia hipótese capaz de fugir às duas alternativas que seu instinto lhe apresentava: reprodução ou morte.

Pelas reações de Severus, dissera o avô na extensa carta (que a coruja da família tivera até dificuldade em carregar, de tão pesada), seu neto era um Koboldine do tipo dominante, buscando acasalamento. Portanto, além de Severus Snape havia um outro Koboldine em Hogwarts, um que era seu parceiro ou parceira. Encontrá-lo tornara-se sua missão nos próximos dias. Havia mais coisas na carta, obviamente, mas essa missão era muito mais imperiosa no momento.

Severus seguia aquele cheiro que ele não conseguia definir, mas que parecia lembrar pêssegos recém-colhidos, frescos, suculentos, capazes de encher a boca d'água. O aroma estava particularmente presente no Grande Salão – o que não era grande vantagem porque toda Hogwarts também estava lá. Nos corredores, às vezes era apenas um resquício do odor, suave e brando. A área de Slytherin e as masmorras dificilmente tinham o odor, exceto perto da sala de Poções.

O que parecia indicar que o alvo de Severus era um aluno, e um que não estava em Slytherin.

O enigma se resolveu em pouco tempo. Estranhamente, os Marauders deram uma ajudinha.

Foi uma ocasião em que, seguindo o cheiro de pêssegos cedinho de manhã, Severus dobrou o corredor distraidamente e estacou: os quatro estavam diante dele, como se o esperassem. Numa fração de segundo, Severus sentiu o forte cheiro de pêssego, mas o brilho nos olhos cinza de Sirius Black detonaram-lhe o instinto de sobrevivência, e o Slytherin deu meia-volta, correndo por onde viera. Os quatro foram correndo atrás dele.

Severus corria, nunca em linha reta, e foi o que o salvou quando Black lançou um raio amarelo ("Reducto!"), e Potter o imitou ("Immobulus!"), mas os dois atingiram a parede, zunindo ao lado do rapaz que corria sem parar.

- Vem cá, Snivellus! Vem bater um papinho, eheheh!

Severus dobrou outro corredor, as vestes escolares voando. Ele se virou e lançou um feitiço engordurante no chão, um que fez Peter Pettigrew deslizar direto para a parede, chocando-se com grande impacto, provocando xingamentos que fizeram Severus sorrir um pouco. Mas logo ele não sorria mais, porque os três restantes engajaram-se numa perseguição à presa solitária. Os demais alunos reparavam na caçada, alguns apontando, outros rindo – nenhum interferindo.

Chegando à escada, Severus pôs-se a descer os degraus de dois em dois, o cheiro de pêssego a persegui-lo. Quando ele ganhou os corredores, buscando o refúgio nas masmorras, viu no final do corredor uma dupla de encrenqueiros Gryffindor se posicionando para cercá-lo: os irmãos Fabian e Gideon Prewett.

Sem parar de correr, ele tentou buscar alguma saída: uma porta aberta, algum outro corredor, uma passagem... Nada. Ele teria que enfrentar os dois demônios.

Como se fossem goleiros, os gêmeos abriram os braços e posicionaram-se, fechando o corredor. E de repente foram empurrados para frente, estatelando-se de barriga no chão. Por trás deles, surgiram Rosier, Wilkes, Avery e Rokwood – seus amigos de Slytherin. Severus diminuiu o passo, mais tranqüilo. Agora não estava sozinho.

O problema é que os Marauders não diminuíram o passo e se atracaram contra o rapaz, jogando-o no chão também pelas costas. Estava armado o tumulto.

Os dois grupos se chocaram violentamente. Os gêmeos Prewett revidaram os empurrões com uma demonstração Muggle de agressão – Fabian jogou Rosier no chão e Gideon deu uma rasteira em Wilkes. Rokwood e Avery caíram em cima de Potter, Black e Lupin, que partiram para cima de Severus. Bem, quase.

De repente, James Potter estacou. Rokwood encarregou-se de Black e Avery deu um safanão em Lupin, deixando Severus livre para dar um jeito em Potter, que o encarava com um olhar confuso, o rosto intrigado. O cheiro de pêssegos tornou-se tão forte que adquiriu um caráter de inexorabilidade.

O tempo parou.

Os alunos continuavam a brigar, mas Severus e James estavam alheios ao furdunço. Lentamente, Severus aproximou-se do Gryffindor que o encarava, em transe. De repente, ele empurrou-o contra a parede e o segurou lá, preso. Sem oferecer a mínima resistência, James se deixou ser acostado contra a parede, e Severus inalou o doce cheiro de pêssegos, agora que estava frente a frente com a fonte do aroma inebriante.

- Ora, ora, Potter... Então era você que estava empesteando o castelo inteiro?

Os olhos por trás dos óculos estavam arregalados. James parecia perplexo por responder, de maneira mansa e submissa:

- Sim, Severus.

A gritaria estava cada vez mais no ambiente de fundo, mal registrado pelos dois rapazes, intentos em se reconhecerem como dois iguais. Severus se aproximou ainda mais do rosto de James, e o rapaz Gryffindor virou a cabeça para trás, oferecendo-lhe o pescoço. Era de lá que saía aquele cheiro maravilhoso, verificou Severus, que enfiou seu avantajado nariz e inspirou profundamente. Nada lhe parecera tão maravilhoso antes em toda a sua vida. Se pudesse, ele atiraria James ao chão e ali mesmo satisfaria seus desejos mais carnais, os mesmos que o perturbavam há tantas semanas. Mas ele notou que James estava confuso, talvez não totalmente consciente. Talvez ele simplesmente não soubesse...

Sem largá-lo, Severus chegou bem perto do rosto de James e encarou-o dentro dos olhos:

- Você é meu, Potter... Mas acho que merece saber até que ponto você é meu.

Alguém tentava puxar Severus, que rosnou e deu um tapa forte no agressor, que foi parar na parede oposta. James não se mexeu e parecia vidrado no rapaz de Slytherin. Finalmente o mundo externo parecia reaparecer para Severus e ele viu que tinha dado um safanão em Sirius Black, que estava esparramado no chão, ostentando um ferimento roxo na maçã do rosto, aos gritos:

- Seu nojento! Largue o James!

- Severus, por favor, não! – gritou outra voz, uma que Severus sabia quem era. Um Slytherin mais novo três anos, a quem Severus considerava amigo e quase protegido: Regulus Black. – Não, Severus, deixe ele, você vai se meter em encrenca.

James olhava Sirius no chão, aparentemente intrigado com a atitude de seu melhor amigo em querer separá-lo de Severus. Ele não entendia direito tudo aquilo. Ficar perto de Severus era tão bom, e era tão certo.

Um dos Prewett gritou:

- McGonagall está vindo!

Os últimos que ainda trocavam tapas e socos se separaram, a muito contragosto. Severus voltou a meter seu grande nariz no pescoço de James, que achou o gesto delicioso.

- Depois nos falamos, Potter. Dessa vez, quero que venha até mim.

- Sim, Severus.

Regulus puxou as vestes de Severus:

- Severus, largue! Ela já está chegando!

Relutantemente, sem tirar os olhos de James, Severus afastou-se lentamente, puxado pelo jovem Regulus. Os outros Slytherin já tinham saído correndo, e Regulus puxou as capas de Severus:

- Vamos, vamos!

Sirius se ergueu, as jovens feições atraentes contraídas numa máscara de puro ódio:

- Isso não fica assim, Snivellus! Você vai pagar! E você também, pirralho!

Arrastado pelo pequeno Regulus, Severus virou-se e saiu correndo atrás dos demais Slytherins, deixando James aparvalhado e tendo que lidar não só com a Profª McGonagall, mas também com seus amigos, que não entenderam o que tinha dado nele.

O pior é que James também não sabia.