Segunda Chance
Parte II
Dor.
O local onde a bala atingira parecia latejar mais forte agora, e isso o despertou. Apertou os olhos com força antes de abri-los, a luz intensa vindo de algum local a direita o cegou, e ele voltou a fechá-los.
Ouviu uma voz proferindo uma série de xingamentos, e demorou alguns minutos para compreender que a voz pastosa era sua. Efeito dos remédios provavelmente.
Levantou o braço direito, esfregando os olhos antes de abri-los, lentamente dessa vez. Piscou algumas vezes até se acostumar com a luminosidade e encarou o teto branco sem conseguir entender o que tinha acontecido.
Lembrava-se de pessoas o perseguindo, mas essa não seria a primeira vez... Troca de tiros, novamente um acontecimento rotineiro em sua vida... Lembrava-se do som dos tiros, do barulho das balas atingindo paredes... Gritos... Sangue... Lembrava-se de sentir dor e cair...
Ok, isso explicava a dor que sentia no ombro esquerdo. Cobriu os olhos com o braço direito enquanto fragmentos de cenas da noite anterior repetiam-se em sua mente como cenas de um filme. Troca de tiros com uma dupla de desconhecidos... Misturar-se a multidão... Encontrar com um homem poderoso que tinha prometido matá-lo se não fizesse algo...
Tinha algo faltando ali... Suspirou antes de abrir os olhos, podia se preocupar em lembrar dos detalhes depois. Não precisava ser um gênio para deduzir que precisava sair dali. Não conseguia se lembrar a razão de estar sendo perseguido, mas permanecer em um hospital, deitado em uma cama sem nenhuma arma para se proteger era informação suficiente para que ele começasse a se mover.
Virou a cabeça procurando pelas roupas que usara na noite anterior sem sucesso. Fechou os olhos, xingando-se mentalmente. 'É claro que se estive envolvido em um tiroteio, não deve ter sobrado muito de minhas roupas...'
Respirou fundo antes de sentar-se na cama. A dor tornou-se quase insuportável e por pouco ele não se deixou cair novamente no colchão. Apertou os lençóis, respirando fundo algumas vezes, esperando que a dor diminuísse antes de analisar o quarto com cuidado.
Havia outra cama ao lado da sua, vazia no momento, uma inconfortável cadeira, também vazia, dividia o espaço. Observou as costas da cadeira em silêncio... Era obvio que ninguém viria visitá-lo... Então porque a visão daquele simples objeto parecera despertar algo em seu peito?
Balançou a cabeça, afastando tais pensamentos e estendeu a mão para a jaqueta marrom de aparência macia que jazia sob as costas da cadeira. Arrancou a agulha de soro em seu braço e jogou a peça nas costas, sentindo o peso de maneira familiar. Só podia pensar que os remédios estavam ficando mais fortes... Ou tinha batido a cabeça em algum lugar na noite anterior o que o estava fazendo delirar.
Levantou da cama lentamente, testando se a as pernas suportavam o peso de seu corpo. Não podia haver humilhação maior do que cair enquanto tentava fugir. Apoiou a mão nas costas da cadeira e seu olhar caiu na pequena mochila no assento.
Kenshin parou, os olhos fixos na mochila entreaberta. Novamente aquela sensação de algo apertando seu peito... Não, dessa vez era como se um punhal afiado atingisse seu coração. Fechou os olhos, tentando livrar-se daquela sensação que paralisava seus músculos, impedindo-o de se mover e a visão de um par de orbes azuis apareceu a sua frente.
O som de passos aproximando-se do quarto o despertou, ignorando o aperto em seu peito, terminou de abrir a mochila e puxou um par de calças de dentro, vestindo-a o mais rápido que o ferimento permitiu.
Caminhou na direção da porta, cada passo fazendo aquela incomoda sensação piorar. Podia sentir a cabeça latejando... Uma espécie de voz murmurando em seus ouvidos que alguma coisa estava errada Balançou a cabeça, tentando calar aquela voz insistente e irritante, e colocou a mão na maçaneta.
- Acho que estarei segura sozinha, Soujiro... Por mais perigoso que você acredite que aquele cara seja, você tem que entender que ele está desacordado!
Kenshin piscou, a mão apertando a maçaneta com mais força ao senti-la girar sozinha. Ignorando a dor no ombro esquerdo, enfiou a mão no bolso interno da jaqueta, retirando uma pequena adaga. Encarou-a confusa, sem entender como poderia saber que a encontraria ali.
- Certo, ficarei na porta.
- Eu já disse que não é necessário! – A voz feminina soou impaciente e o som distinto de um tapa pode ser ouvido. – Tire sua mão daí, eu já disse que posso me virar sozinha!
- Eu só estava tentando ajudar...
Kenshin deu um passo para trás, quando a porta abriu de uma vez, inconscientemente baixou a mão que segurava a adaga e encarou assustado a garota morena que, usara o peso do corpo para conseguir 'desemperrar' a porta, caia em sua direção.
- Kaoru? – O nome escapou de seus lábios e a garota o encarou assustada.
- Como você...?
Rápido demais para que ele conseguisse ter alguma reação, sentiu, mais do que viu, o corpo delicado ser empurrado na direção do seu. Um gemido abafado soou contra seu peito e ele arregalou os olhos ao sentir a adaga afundar no ventre da garota.
Kenshin abraçou a garota que não emitiu nenhum protesto, apenas apoiou-se em seu peito. Uma outra sombra surgiu no vão da porta, trajando o uniforme característico de segurança.
- Senhorita Kaoru! – A voz quase infantil despertou Kenshin que voltou sua atenção ao rapaz bem a tempo de vê-lo retirar a arma do coldre e apontá-la em sua direção. – Solte ela!
- Eu não...
- Kenshin...
O rapaz ruivo parou de falar, baixando a cabeça para a garota em seus braços, buscando um sinal de que ela havia realmente dito seu nome... Que não fora apenas uma peça de sua imaginação.
Segurou-a com mais força, ouvindo um gemido mais alto em protesto, ignorando as palavras do segurança, ergueu a mão que segurava a adaga e tocou os cabelos negros delicadamente.
E antes que tivesse a chance de esclarecer algo, ou simplesmente registrar o que estava acontecendo ouviu o estampido do revolver, seguido por um clarão, antes que tudo se tornasse escuro.
oOoOoOoOoOoOo
- Incomoda-se de compartilhar comigo a razão por estar me encarando dessa forma?
- Você matou o cara...
- Tecnicamente, não fui eu quem o matou.
- Duas vezes seguidas!
- Já disse que não matei ninguém!
- Eu sei que anda entediada, mas não é razão para ficar abusando de seus poderes e matando o cara assim...
- Cale a boca ou mato você da próxima vez!
-...
oOoOoOoOoOoOo
Kenshin abriu os olhos confuso, olhou em volta sem conseguir entender o que estava fazendo naquele telhado. Apertou o revolver com força e levantou, olhando em volta.
- Kenshin! – A voz autoritária chamando seu nome foi o suficiente para que ele se abaixasse novamente. – O que diabo acha que está fazendo?
- Apreciando a vista? – Encolheu-se contra a parede quando balas passaram voando sobre sua cabeça.
- Faça isso encolhido se não quiser morrer!
O rapaz ruivo concordou com um aceno e continuou abaixado contra a pequena mureta. Segurou a arma com mais força e fechou os olhos, tentando se lembrar como tinha chegado até aquele local.
Não se lembrava de nenhum roubo combinado para aquela noite, fazia meses que não se envolvia em nada escuso por causa de Kaoru...
'Kaoru!' Era isso que estava errado ali, não devia estar participando de nenhum plano suicida e sim fugindo dos comparsas para se encontrar com Kaoru.
Abriu os olhos, erguendo-se novamente, esquecendo do aviso de não levantar se não quisesse ser morto.
- Se abaixa, idiota! - O mesmo homem falou novamente, jogando algo em sua direção – Eu sei que você é naturalmente estúpido, mas hoje...
Kenshin piscou ao sentir o impacto da bala em seu peito. Abriu a boca, sem produzir nenhum som e deu um passo para trás. Ouviu o som de mais alguns tiros enquanto procurava se equilibrar. Um gemido escapou de seus lábios quando mais duas balas atingiram seu corpo impulsionando-o para trás.
Sua única reação foi abrir os braços enquanto despencava do telhado. A arma escapou de suas mãos e ele fechou os olhos, pouco antes de atingir o chão de concreto, pensando que nunca as palavras de Hiko pareceram tão verdadeiras... Era realmente estúpido para morrer desse modo.
oOoOoOoOoOoOo
- Megumi...
- Cala a boca! Eu sei o que estou fazendo.
- Você matou ele de novo!
- Quer parar de falar que eu matei o cara?
- Ok... Como você chama o que acabou de acontecer?
- Acidente de percurso.
-...
oOoOoOoOoOoOo
- Kenshin?
O rapaz ruivo piscou, baixando os olhos para a garota que o encarava curiosa. Balançou a cabeça, sentindo uma leve tontura. Sorriu com a mão delicada tocando seu braço e esforçou-se para continuar com a expressão neutra no rosto.
- Sim?
- Eu fiz uma pergunta, estou esperando a resposta.
- Pergunta? – Ele repetiu tentando ganhar tempo, enquanto continuava a caminhar ao lado da garota.
- Você está estranho, tem certeza que podia ter saído do hospital? – Kaoru perguntou, colocando a mão na bolsa a procura da chave. – Estava falante até poucos minutos atrás e de repente parou no meio da rua e eu pensei que fosse desmaiar...
- Homens não desmaiam. – Falou calmamente, parando na frente da porta.
- Idiota. – Ela murmurou, girando os olhos com um suspiro. – 'Homens não desmaiam.' – Ela repetiu, forçando a voz a ficar mais grave. – Claro, claro... Mais alguns minutos e dirá que não sentem dor também.
- Kaoru... Qual era a pergunta? - A garota abriu a porta em silencio, ignorando-o por alguns minutos. Ele suspirou, tentando ignorar o inicio de dor de cabeça que estava sentindo – Kaoru? – Observou-a destrancar a porta calmamente antes de virar-se em sua direção novamente.
- Perguntei a razão de me acompanhar até aqui. – Kaoru encostou-se na parede e esperou pela resposta por alguns minutos sem sucesso. Suspirou desanimada e virou-se – Esqueça, tenho um dia cheio amanhã... Tenho que organizar as coisas para o funeral – Apoiou a mão na maçaneta e começou a empurrar a porta quando sentiu a mão dele sobre a sua. – Resolveu responder?
- Não é seguro ficar sozinha.
- Bobagem. – Ela forçou um sorriso, ignorando o rubor que tingia suas faces. – O que poderia acontecer em—
- Você é mesmo inocente... – Ele começou lentamente – Não percebe que os mesmos homens que mataram seu pai podem vir atrás de você?
- Deixe de tolices, Kenshin. – Kaoru puxou a mão, libertando-se do toque dele – Ele morreu antes de completar a investigação, não há razão para virem atrás de mim. – Empurrou-o gentilmente – Agora vá embora, está me deixando nervosa.
- Pensa que não sei o que anda fazendo? – Colocou a mão no ombro delicado, sentindo a tensão dos músculos sob sua palma. – Xeretando por aí para encontrar o culpado?
- Você está delirando.
- Não sobrevivi por vinte cinco anos nessa vida sendo idiota, Kaoru... – Aumentou a pressão no ombro da garota, forçando-a a virar-se para encará-lo – E se eu notei, os culpados também... Agora deixe de ser teimosa e vamos para um lugar seguro.
- Não tenho certeza se ficar com você seja um lugar seguro.
Kenshin piscou, as palavras dela parecendo estranhamente familiares. Observou o olhar determinado e baixou a mão, desviando o rosto. Talvez fosse melhor se afastasse-se dela... Forçá-la a viver a seu lado, sempre fugindo não era a mais brilhante das idéias... Talvez fosse até mais perigoso do que deixá-la enfrentar seus problemas sozinha.
- Faça como quiser. – Deu meia volta, começando a se afastar pelo corredor estreito, secretamente desejando que ela o chamasse de volta ou o seguisse, mas nada aconteceu. Apenas o som da porta do apartamento abrindo e fechando enquanto ele atingia a escada e descia o primeiro degrau.
- Não! Me solte!
Ele parou, sentindo o coração acelerar no peito ao ouvir os gritos da garota e antes mesmo que se desse conta estava correndo na direção contrária a que tinha feito a poucos minutos, abrindo a porta com um chute e entrando no apartamento escuro.
Caminhou cuidadosamente, na direção dos sons abafados de duas pessoas lutando. Parou em frente a porta do que deveria ser um quarto e esperou, sua mão automaticamente buscando pelo revolver em sua cintura. Respirou fundo antes de colocar a mão na maçaneta e congelou ao ouvir o som de algo quebrando, seguido por um gemido de dor.
Abriu a porta, e entrou rapidamente. Os olhos buscando freneticamente identificar os ocupantes, não queria acabar ferindo Kaoru acidentalmente. Deu maisum passo, tropeçando na figura desacordada no chão e sem conseguir reconhecê-la, começou a abaixar-se.
- Kao... – As palavras morreram em sua garganta ao sentir a lamina afiada afundar em suas costas. Arregalou os olhos, girando o corpo rapidamente e atirando na pessoa que o atingira. O grito feminino o alertou tarde demais para o que tinha feito. Caiu de joelhos, ouvindo-a murmurar seu nome antes de perder a consciência.
oOoOoOoOoOoOo
- Sua maluca sádica, o que acha que está fazendo?
- Você está começando a me irritar, Sano... Eu não estou fazendo nada!
- Você matou o cara de novo!
- Pare com isso, eu não matei ninguém!
- Não entendo como mais pode chamar o que está fazendo.
- Diversão?
- Então está fazendo de propósito!
- Claro que não!
- Mas está achando divertido ver os dois morrendo vezes sem conta.
- Não posso negar que sim...
- Sádica!
- Desocupado!
- Assassina!
- Idiota! Eu já disse que não estou matando ninguém!
-Apenas brincando com o tempo de modo indevido.
-...
- Admita! Está errando de propósito!
- Ok,ok... Pode ser que eu tenha achado divertido da primeira vez e... Hum... Ah, Sano! Não tem nada melhor para fazer!
- Faça direito ou vamos nos meter em encrenca.
- Tenho uma novidade para você... Já nos metemos...
- Sano! Megumi! O que diabo acham que estão fazendo?
- Droga! Ele vai nos matar!
- Deixa de ser covarde... É só fazer direito dessa vez.
-...
- O quê? Prefere desistir?
- Estamos mortos...
- Tecnicamente nunca estivemos realmente vivos.
- SANO!
- Vai logo, Megumi!
- Primeiro quer me parar... Agora quer que eu vá mais rápido... Idiota indeciso.
- MEGUMI!
-...
- Droga, acho que realmente exagerei dessa vez...
N.A. – Devo dizer que essa parte não estava nos planos originais, mas quando eu vi estava ficando tudo muito sério e... Achei que seria legal fazer algo para descontrair um pouco.
Não tenho certeza ainda, mas no máximo mais uns dois capítulos para acabar.
Obrigada as reviews. Espero que gostem dessa parte também.
Beijos,
Naru
