A Saga de Lúcifer:
UM DEUS MONSTRUOSO E SATÂNICO, UM DEUS DUM PANTÉISMO DE SANGUE
Capítulo II
Limbo, atemporal
- Isto não é uma divergência de opinião, não é um castigo e muito menos uma nova posição.
O Luminoso observava os anjos enquanto falava. Os olhos negros fixavam-se nos olhos de sua legião, encarava um a um.
- Não vai haver perdão, não somos mais parte do séqüito Dela.
Azazel, o anjo mais jovem sustentou o olhar dele. Ofegou.
- Somos um novo panteão. E vamos ocupar o nosso lugar, o Dela.
"... o meu lugar..."
- Vocês são a minha Legião, que vai crescer... Vamos nos infiltrar em todos os panteões, vamos observar e recrutar os mais aptos para a nossa causa. E vamos pegar o que é nosso por direito.
"... o que é meu..."
- Luminoso... como serão os mais aptos? – Azazel se arrisca a perguntar.
Ele dá as costas ao jovem e começa a andar em direção a um portal. Pára na frente dele, se vira e responde:
- Serão ascensores, como eu.
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Montanha, 28 d.C.
No sopé de uma montanha, uma multidão se aglomera. Crianças choram nos colos das mães e jovens bebem, tentando afastar o calor. Apenas os homens e os velhos estão sentados. Mas, todos ouvem. Escutam um homem que prega, um novo profeta. Atrás do pregador, alguns homens estão de pé, totalmente silenciosos. Menos dois.
- E então? – Judas sussurrou.
- Ele continua a recusar. – Tiago respondeu no mesmo tom.
-...BEM AVENTURADOS OS POBRES DE ESPÍRITO, PORQUE DELES É O REINO DOS CÉUS...
- Os romanos estão apertando o cerco... logo não vai haver mais resistência para ele liderar, Tiago!
- Ele acha que violência só gera violência.
- De fato... a violência do César contra nós gerou a violência que vamos empregar contra eles.
-...BEM AVENTURADOS OS MISERICORDIOSOS, PORQUE ELES ALCANÇARÃO MISERIC"RDIA...
- Fiquei sabendo que você sugeriu que Pedro fosse o guia... – Judas disse suavemente.
- Ele é leal.
- E nós não?
- Nós somos... inteligentes.
-...BEM AVENTURADOS OS LIMPOS DE CORAÇÃO; PORQUE ELES VERÃO A DEUS...
- Eu nunca o trairia!
- Nem todas as traições são malignas... Talvez, ele só precise de uma motivação para liderar nosso povo...
- Está sugerindo que...?
-...BEM AVENTURADOS OS QUE TÊM FOME E SEDE DE JUSTIÇA, PORQUE ELES SERÃO FARTOS...
- Talvez Emanuel, tome uma atitude mais condizente com a nossa necessidade... se for obrigado a toma-la...
Os dois homens se fitaram longamente, então, com um aceno de cabeça, um se afastou com passos rápidos, sem se importar com os murmúrios de desaprovação dos companheiros, quando passa por eles. Um deles se aproxima do que ficou e diz:
- Tiago... por que Judas não esperou Jesus terminar de falar?
- Ora Pedro... ele deve ter alguma coisa urgente para fazer...
- Ele foi o único de nós que não abandonou tudo para segui-Lo.
- Percebi um certo tom de censura na sua voz.
-...
-...BEM AVENTURADOS SOIS V"S, QUANDO VOS INJURIAREM E PERSEGUIREM E MENTINDO, DISSEREM TODO O MAL CONTRA V"S POR MINHA CAUSA.
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Areópago, 28 d.C.
Todos os deuses do mundo estavam reunidos naquela colina. Pulsares energéticos explodiam. A tensão de estarem todos juntos e completamente ignorantes do motivo, fazia com que discussões surgissem a todo momento.
- Diga-me Atena... como é ser a líder dos olimpianos? Anda se divertindo com os raios do finado Zeus? – Zombou um pequeno demônio oriental.
- Muito! E a minha maior diversão é usa-los para matar insetos insignificantes como você.
Insultos começaram a ser trocados entre os olimpianos e as entidades xintoístas. Os deuses romanos imediatamente se colocaram atrás dos gregos, claramente os apoiando, enquanto os deuses astecas e incas se movimentavam para o lado dos orientais.
- Talvez você devesse aprender a segurar a sua língua, Atena... Esse seu séqüito desfalcado não mete medo em mais ninguém! – Quetzalcoatl falou diretamente a deusa.
- Ainda somos capazes de manchar essa terra com o seu sangue, imbecil! – Rugiu Ares, deus da guerra, pronto a defender a honra de seu panteão.
- Parem! Não foi para isso que viemos! – Rá, supremo dos egípcios se intrometeu.
- E por acaso você sabe para que viemos? – Inquiriu, irritadamente, Baldur dos Asgardianos.
- Todos fomos convocados pela Presença... isso não é o bastante? – Osíris falou tentando acalmar os ânimos.
- Não para mim! É um desaforo ser convocada dessa forma, sem nem ao menos ser avisada dos motivos ou ser recebida como se deve! – Shiva, uma deusa hindu exclamou, sendo imediatamente apoiada por quase todos os deuses ali presentes.
- Você não é nada. E não deve reclamar de nada. Sinta-se grata por ser ao menos lembrada pela Presença.
Todos se voltaram para a voz e viram um ser se aproximar. Sua pele albina contrastava com seus cabelos vermelhos. Sua armadura dourada reluzia. Um poderoso pulsar energético emanava dele. Era um anjo.
- Sou Gabriel. Vim trazer-lhes as ordens da Presença. Ela determinou que todos os panteões devem se retirar do convívio com os mortais. Seus cultos estão proibidos, assim como suas interferências na Terra.
- Você está dizendo que a Presença determinou o fim do politeísmo! – Tupã, um deus menor gritou. – Isso não é...
- Isso não está em discussão. – Cortou friamente Gabriel. Olhando para todos, ele continuou. – A Presença determinou que os mortais só prestarão adoração a quem realmente os criou. Vocês não são mais necessários. Mas Ela, em sua magnanimidade, permite que vocês retornem a seus lares e lá permaneçam.
O anjo partiu. Imediatamente começou uma discussão. Alguns se recusavam a acreditar no que fora dito, outros se lamentavam pelo inevitável. E logo, todos levantavam a voz gritando acusações e ofensas, uns contra os outros, alguns contra a própria Presença.
Não se sabe dizer quem foi o primeiro a perceber o que ocorria, contudo, logo todos estavam novamente silenciosos. Encontravam-se cercados por anjos. Então, aconteceu. Um deus menor, olimpiano, caminhou até os anjos e parou na frente deles, se voltou e lentamente seus trajes gregos se transfiguraram na armadura que os anjos usavam. Seu pulsar cresceu assustadoramente, ele sorriu:
- Agora... a segunda opção...
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Cosmos, 28 d.C.
A Presença observava cuidadosamente o novo ser que havia criado. Era poderoso, era belo, e totalmente devotado a ela. Um novo anjo, com uma única diferença dos demais, já era um ascensor, sofrera a transformação assim que nascera.
Albino, com o cabelo longo e tão branco quanto à própria pele, trajava uma armadura prateada. Os olhos, grandes e vermelhos, lhe davam uma aparência estranha no conjunto, mas o porte e o rosto de um rapazinho faziam com que ela se tornasse assustadora. A imagem de um anjo de combate.
A Presença parecia satisfeita com o resultado.
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Areópago, 28 d.C.
Era uma divisão, deuses e anjos se encarando. O deus-anjo, ainda sorrindo, deu um passo a frente.
- Eu sou Lúcifer. Não sou um deus grego menor, embora vocês tenham pensado assim desde sempre. Isso foi proposital.
Seus olhos fixaram-se em Atena, depois se moveram lentamente para os deuses atrás dela.
- Sou um ascensor, forte o bastante para fazer frente à Presença.
Murmúrios incrédulos se fizeram ouvir.
- Já sabíamos que Ela tentaria suprimi-los, por isso nos infiltramos em seus panteões, para observar e oferecer uma chance de não serem anulados.
- A única coisa que você está nos oferecendo é uma guerra. – Osíris falou.
- Já estamos em guerra! Vocês vão lutar de qualquer forma. Fiquem do meu lado e não precisarão se esconder em seus templos-túmulos a relembrar glórias passadas...
A voz mordaz de Lúcifer provocou um sorriso nos outros anjos e uma movimentação entre os deuses. Incas, astecas, hindus, xintoístas e algumas entidades menores caminharam até os anjos e lá ficaram. Era a confirmação do apoio. Olimpianos, romanos, asgardianos, egípcios, africanos e germanos se aproximaram. Era a recusa.
- Quetzalcoatl... resolveu se revelar!... – A fúria em Woden abalou a colina.
- Sou aliado de Lúcifer há muito tempo, Woden! Caso você não se lembre, sou um ascensor, fiz minha escolha mais cedo do que você imagina.
- Vocês ainda têm uma chance... Então?
- Dispensamos a sua "oferta", Lúcifer. – Atena recusou friamente.
Lúcifer fez um sinal com a mão. Portais começaram a se abrir e os dois blocos começaram a partir, não tinham mais nada a dizer um ao outro. Ideologias diferentes, era a Cisma Divina.
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Cosmos, 28 d.C.
Gabriel segue de cabeça baixa até a Presença. O resultado de sua missão o deixou deprimido.
- Pai... Aconteceu como o Senhor disse. Os panteões se dividiram. Olimpianos, romanos, egípcios, africanos e germanos continuam conosco, o resto aderiu a Abbadon.
- É a sua hora, Miguel. – A Presença comandou.
Gabriel observou o jovem anjo com uma ponta de apreensão.
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Monte das Oliveiras, 28 d.C.
O lugar está quente, sem nem uma brisa soprando. O ressonar dos homens é ouvido junto com o barulho dos pequenos animais noturnos. De repente, o som de lâminas sendo desembainhadas.
- PEGUEM-NOS!
Archotes iluminaram o local. Soldados romanos avançaram e berrando, acordaram o grupo que estavam no local. Alguns tentaram resistir, mas foram desarmados e arrastados até uma clareira, onde o centurião esperava.
- QUEM DE VOCÊS É O HOMEM CHAMADO JESUS?
Silêncio. Onze homens foram capturados. Nenhum falou nada.
Aborrecido, o centurião levantou a espada e, num corte rápido, decepou a cabeça de um rapaz que o estava encarando.
- Não! André! – Pedro jogou-se sobre o corpo do rapaz, mas foi brutalmente levantado pelos soldados.
- Quem de vocês é Jesus? – O Centurião perguntou novamente, com clara impaciência.
Novo silêncio. Quando o centurião estava preste a levantar a espada novamente, Judas apareceu de trás do centurião e abraçando um homem, gritou:
- ESTE É JESUS!
- Traidor!
- Crápula!
O grupo tentou atirar-se contra Judas, mas foram impedidos pelos soldados. Com ódio fitavam o traidor.
O centurião bradou uma ordem e Jesus foi separado dos demais e amarrado, foi sendo levado sem pronunciar uma única palavra.
- Aqui está tua paga.
O centurião atirou algumas moedas aos pés de Judas, este nem esperou e agarrando as moedas saiu correndo na frente da tropa. Não estava disposto a encarar os ex-amigos e muito menos a ouvir os lamentos de Pedro que estava abraçado ao corpo do irmão morto.
Chorando e praguejando, os apóstolos levantaram o corpo de André e deixaram o monte. Nenhum deles viu que um par de olhos negros os acompanhava.
Ainda no monte, o ser saiu das sombras. Lúcifer. Interessado, observava os dois grupos.
"... muito inteligente, Jesael..."
De repente, uma explosão o jogou para trás. Sentindo a pele queimar, adivinhou que fora atingido por uma poderosa onda de energia. Levantou a cabeça e viu.
Era jovem, muito jovem. Seus olhos brilhavam vermelhos na escuridão.
- Seu moleque... – Lúcifer cuspiu enquanto contra-atacava com uma bola luminosa que envolveu o oponente e explodiu. – Quem é você?
A poeira levantada pelo impacto começou a se dissipar, o garoto estava de pé, mas um pequeno filete de sangue lhe escorria dos ouvidos.
- Sou Miguel. Primeiro Anjo de Combate. Eu nasci para matar você!
Rapidamente, ele se jogou contra Lúcifer, os dois rolaram pelo chão. Uma nova onda de energia saiu das mãos de Lúcifer explodindo no abdômen de Miguel. Lúcifer se levantou, mas o rapaz já havia se recuperado. Uma rajada de energia branca saiu da boca de Miguel e o atingiu, mas ao invés de explodir, queimou.
- Ahhhhhhhhhhhhh...! – Lúcifer pulsou e a energia branca se dissipou.
Ele estava bem machucado por esse ataque, sangue lhe escorria das mãos, e apesar de estar de pé não estava sentindo as pernas. Juntando toda a calma que adquirira com a experiência, esperou que Miguel o atacasse novamente, e quando o jovem anjo pulou para cima dele com as mãos brilhando de energia, Lúcifer desferiu uma violenta rajada que o apanhou em pleno ar.
- Forte... mas muito burro. – Lúcifer cambaleou enquanto abria um portal.
"... não é que esse guri realmente conseguiu me ferir... estranho... heim!..."
Lúcifer voltou-se e viu Miguel tentando se levantar, sangue saía em abundância de um corte profundo feito no peito, e ele escorregava na poça que já se formava embaixo. Desistindo de se levantar, ele abriu um portal no chão mesmo e caiu nele.
"Anjo de combate... Parece que a Presença finalmente resolveu admitir que me considera uma ameaça..."
E entrou no portal.
FIM DO CAPÍTULO VI
O título desse capítulo é um verso de Fernando Pessoa.
