Durante o dia, Kurama, Kuwabara e Yusuke assistiram aos preparativos do desafio: os ladrões riscaram um círculo no chão, delimitando uma arena que depois foi devidamente varrida e, quando a luz começou a diminuir, tochas foram acesas e penduradas nas árvores.

Hiei não dirigiu a palavra aos amigos desde que os preparativos começaram, tudo era familiar demais -sabia exatamente há quantos anos viraos mesmos preparativos para outro desafio - para seperder resolvendo qualquer outro assunto e além do mais, Yusuke e Kuwabara pareciam estar se divertindo com tudo aquilo. Menos Kurama que desde que chegara mantinha um olhar baixo e perdido.

"O que vocês querem aqui, afinal?" – ele perguntou desviando o olhar quando a arrumação terminou.

"Eu acho que nós é que devemos fazer esta pergunta a você." – falou Kurama.

"Eu fui chamado aqui." – Hiei respondeu, cruzando os braços sem gostar do tom do amigo.

"Chamado por Lyn?"

"Exatamente."

"E porque você veio?"

Hiei franziu a testa, suspeito. - "Você está me interrogando, Kurama?" – Hiei acabava de juntar as peças eles: estavam ali por causa do roubo de Lyn – "Koenma os mandou aqui, não foi?"

"E os reis autorizaram." – acrescentou Yusuke, tentando se afirmar na conversa, afinal, ele era o representante do Mundo Espiritual.

"Lyn está sendo acusada de roubar um dos Tesouros do Makai."

"Acho que você não é a pessoa mais indicada para dar lições de moral, raposa."

"Um dos Tesouros do Makai sumiu e o Guardião está morto, Hiei. As armas que Kayo guardava são extremamente perigosas e não podem cair nas mãos de mais ninguém." – Yusuke falou.

"Acho melhor vocês tratarem disso diretamente com ela."

"Hiei, se você sabe de alguma coisa, você tem que nos dizer!" – Yusuke insistiu.

"Tenho?" – ele respondeu amargo.

O sino tocou duas vezes dando o sinal do início da luta. O céu era uma mistura de tons de vermelho e logo toda a luz que restaria era a das tochas. Hiei deu as costas ao amigo e se aproximou da arena.

Gunn surgiu sozinho, seus seguidores estavam escondidos em meio aos ladrões e só se mostrariam caso ele ganhasse a luta, se não, se manteriam calados, alimentando a inveja até um novo desafio contra Lyn. Mas ela não deixaria tal coisa acontecer novamente. Zen estava de pé ao lado do sino observando o grupo se reunir ao redor da arena, seus olhos negros se moviam rapidamente analisando cada um, para onde olhavam, com quem conversavam, qual lado da arena escolhiam. Procurava por traidores.

"Só vejo um motivo para Lyn ter chamado você aqui." – Kurama falou para Hiei quando tomavam seus lugares na arena – "E ele até faz sentido, mas não entendo porque você atenderia o pedido."

"Qual é o motivo?"

"Ela quer sua ajuda para algo, pela fama de Lyn ela pode pagar bem, mas não sei porque você aceitaria ajudá-la. Não agora, não depois de..."

"Você não entenderia..." – ele cortou num suspiro.

"Porque não?"

"Esqueça..." - Hiei respondeu, balançando a cabeça.

Kurama cruzou os braços se sentindo impotente – "Se ela realmente estiver com o Tesouro teremos que levá-la até os Reis e até Koenma. O crime é grave demais, ela terá que ser julgada." – Hiei olhou-o com certo desprezo.

"Você percebe que dependendo da resposta eu terei que ir com ela." – ele respondeu deixando Kurama surpreso, depois, desviou o olhar para a arena encerrando o assunto.

Lyn esperava ao lado do sino, seus olhos azuis estavam faiscantes e era possível ver seus músculos se retesarem em ódio e tensão. Atrás dela, Zen não era mais que uma sombra de olhos negros fixos no bando.

Alguns ladrões gritaram a seu favor, mas ela não pareceu ouvi-los. Gunn abriu passagem pela multidão e alcançou o círculo sob silêncio, alguns até mesmo prenderam a respiração, ao pensarem que ele caminhava seguro daquele jeito em direção a uma batalha já vencida. Lyn não piscou, desamarrou a capa e pisou na arena.

"Você deve estar achando minha decisão muito ousada, não é mesmo, Lyn?" - Gunn falou sem obter nem mesmo um piscar de olhos como resposta – "Pois eu sei que você não é a mesma. Há muito tempo venho lhe estudando e percebi que, por alguma razão, seu poder não é mais o mesmo. Não estou certo?"

"Não." – replicou cheia de desprezo – "Você sabe que não pode me vencer Gunn e está espalhando mentiras para abalar minha liderança. Sou eu quem o conhece suficiente para falar algo verdadeiro, você é baixo, Gunn, e você acaba de me pedir para te matar."

"Prove que eu estou errado!" – Gunn gritou furioso partindo para cima de Lyn, mas a youkai esquivou-se numa velocidade que olhos comuns não poderiam ver.

"Com pressa?" – ela perguntou.

"Quanto mais rápido eu te matar, mais satisfeito eu ficarei." – o youkai rosnou no meio dos socos.

"Ah, que pena! Eu estava achando que quanto mais devagar eu te matasse mais satisfeita eu ficaria. Eu não te pouparei, Gunn! Tenha certeza disso!"

Lyn finalmente partiu para o combate corpo-a-corpo e o primeiro chute que deu acertou Gunn no rosto, arremessando-o longe.

"Está com medo de gastar sua energia?"

"Eu não vou nem mesmo gastar minha energia com você, vai morrer pela minha espada e nada mais!"

Lyn desembainhou sua katana que brilhou vermelha com a luz das tochas.

"Hn. Já deveria tê-lo matado. Não sei porque ela está brincando." – Hiei reclamou sozinho.

Na arena, Lyn havia saltado criando uma distância suficiente para trazer sua espada para trás e descê-la sobre Gunn com fúria.

"Ele está morto." – Kurama sentenciou, porém, a espada não cortou a garganta de Gunn.

Com uma das mãos Gunn produzira uma esfera de luz branca que conseguiu impedir o corte preciso da katana de Lyn. Os olhos dela se arregalaram de surpresa e com a mão livre, Gunn produziu outra esfera e a jogou contra a ladra que voou para trás arrastando as costas pelo chão. Lyn não emitiu nenhum ruído de dor, sentiu o sangue escorrer quente da ferida do roubo que abriu novamente, fazendo a roupa colar no corpo.

"Ele parou aquele golpe fatal com uma bola de energia!" – Yusuke não podia acreditar.

Por um momento, perdeu a respiração e o controle, parecia que seu corpo não obedecia aos seus comandos, que não tinha forças para ataque nem defesa. Sentia-se fria, como se as chamas que dominava e que habitavam nela estivessem se apagando. Mas não perderia para aquele idiota e não deixaria transparecer diante de todo o seu bando que um insolente poderia sequer machucá-la.

Levantou-se demonstrando absoluto controle, ignorando a dor. Estava furiosa. Uma aura vermelha emanou cheia de raiva do seu corpo, se espalhou pelo chão e pelo ar em volta dela e enrolou-se pelos seus braços e cabelos.

"Chega de brincar, Gunn. Você queria poder? Então, vamos começar."

"Eu sabia que essa menina me lembrava alguém." – Kuwabara falou apontando para Hiei – "Ela é igualzinha ao Hiei!"

"Olha, não é que é mesmo?" – Yusuke concordou olhando o amigo mais de perto.

"Hn." – Hiei resmungou sem dar importância.

As chamas iam se alastrando cada vez mais e, embora a dor de trazê-las fosse lancinante, Lyn as tornava cada vez mais fortes graças a sua ira, ela não era nem um pouco paciente, todos ali sabiam disso e aquela luta já estava demorando demais.

Gunn sabia disso, se não vencesse a dama dos ladrões nos próximos minutos, não venceria mais, por isso, criou outra bola de energia e a jogou contra sua adversária. A enorme esfera voou rapidamente, mas Lyn saltou e, com uma cambalhota, aterrissou atrás de Gunn.

"Vire-se para mim. Você vai morrer olhando nos meus olhos."

Gunn obedeceu tentando mostrar dignidade, mas os olhos de Lyn viam o medo dentro dele. Ela abriu a mão esquerda e chamas vermelhas surgiram e avançaram até ele, envolvendo-o por completo. Gunn caiu em poucos segundos com os olhos arregalados e um filete de sangue que escorria pelo canto de sua boca que abria um sorriso débil.

"A es... esfera... – ele gaguejou – ...volta como um bumerangue."

Os olhos de Gunn se fecharam, mas o sorriso vitorioso se manteve. Lyn só percebeu a esfera pouco antes de se chocar contra suas costas. O brilho branco a engoliu e a arremessou contra os espectadores.

Os olhos de Yusuke, Kurama e Kuwabara se arregalaram e, por pouco, Hiei não deixou que seu queixo caísse. Porém, quando a poeira da queda baixou, todos puderam ver que Lyn estava apoiada em um dos joelhos pronta para se levantar. As chamas haviam desaparecido e ela só sentia dor, mas ainda estava furiosa. Levantou-se com os olhos faiscando e encarou seu bando com seriedade e desprezo.

"Mais alguém?" – ela falou a plenos pulmões sem nem mesmo ofegar – "Mais alguém pensa em me desafiar? Alguém aqui duvida da minha força?" – ninguém ousou responder – "Quem o apóia?"

Novamente o silêncio. Lyn olhou-os sem piscar, seus olhos estavam claros novamente e haviam adquirido um desprezo que fez seus escolhidos desviarem os olhos, envergonhados.

"Vocês pensam que me enganam." – ela murmurou ao deixar a arena e seus olhos encontraram os de Zen e ele entendeu quais eram suas ordens.

O bando dispersou em meio a gritos de vitória e Zen ordenou que sete ladrões acendessem uma pira e cremassem o corpo de Gunn no bosque. Ele seguiu com o grupo. Eram cúmplices de Gunn, o vampiro sabia, bastava ver como eles escondiam as mãos que tremiam e como seus olhos rodavam pelo acampamento agora que não tinham um líder para ouvir.

No dia seguinte não se viu mais nenhum deles.

Yusuke, Kuwabara, Kurama e Hiei ficaram parados assistindo Lyn se afastar da arena e se dirigir à sua tenda e Kurama foi o único a notar que Hiei estava perturbado.

Ela não deveria cair...

"O que foi, Hiei?" – Kurama perguntou vendo que o youkai olhava para a tenda de Lyn sem piscar.

"Você tem as suas perguntas, eu tenho as minhas." – ele respondeu se afastando.

"Aonde ele vai, hein?" – Kuwabara perguntou vendo Hiei se afastar.

"Eu não sei, mas de lá não vai sair nada bom. Aposto que ele vai contar sobre nós e nossa missão." – Yusuke falou preocupado – "O que você acha, Kurama?"

"Eu não sei. Vamos esperar que ele volte." – Kurama respondeu com os olhos baixos.

"Tudo bem, nós esperamos. Mas você vai ter que dizer de onde Hiei conhece esta menina e porque ele responde a um chamado dela e com a gente ele finge que não escuta!"

"Eu não sei, Kuwabara. Acho que teremos que contar com a boa vontade do Hiei pra nos falar."

"Vai ser mais fácil a gente descobrir tudo sozinhos do que ele nos contar alguma coisa! Ô carinha mais misterioso, queria ser uma mosquinha pra ouvir essas conversa!"

"Mais provável que os dois troquem ofensas a noite inteira e não cheguem a uma conclusão." – Yusuke falou rindo – "Vamos esperar e ver."

"Vejam! Estão acendendo a fogueira para fazer um assado!" – Kuwabara falou lambendo os beiços – "Que tal a gente arrumar um pedaço desses pra gente, hein Urameshi?"

"Até que enfim você falou algo inteligente, Kuwabara! Você vem Kurama?"

"Não, obrigado. Vou ficar por aqui."

Kurama sentou-se embaixo de uma árvore e cruzou os braços enquanto Yusuke e Kuwabara corriam até a fogueira. O que estava fazendo ali? Não conseguiria levar Hiei a julgamento e sua parte ladrão se recusava a acusar Lyn.

Suspirou.

Odiava ser arrastado.