Gotas - Parte 2

Nas imediações de Azkaban, há sempre névoa. Mesmo que seja verão na Inglaterra.

Há feitiços anti-aparatação por toda a ilha; não há lareiras, por medida de segurança. Portanto, a única forma de sair de lá é por barco, um meio de transporte trouxa, mas razoavelmente útil. Apenas funcionários o usavam, já que prisioneiros raramente eram libertados daquele verdadeiro inferno na Terra.

Mas, naquele dia em especial, um havia saído. Tinha cabelos loiros que batiam embaixo no ombro e olhos estranhamente apagados – o que não era incomum, sabendo-se que havia passado dez anos em Azkaban. Estava apoiado na ponta do barco, tendo como companhia apenas uma jovem pálida e o próprio navegador, um velho com aspecto cadavérico. O barco balançava bastante, deixando Draco enjoado. Tudo ali parecia morto.

Inclusive ele.

Virou o olhar para o mar. Naquele dia em especial, estava raivoso, tempestuoso. De sua cela em Azkaban, muitas vezes conseguia ouvi-lo batendo violentamente nas rochas. Não gostava muito de observar o mar. Trazia lembranças.

Recordações de uma vida sombria. E uma ilha plácida no meio no meio da tempestade.

Uma mulher com sublimes olhos castanhos.

Ele precisava esquecer.

Virou o rosto e percebeu que o porto se aproximava.

Era hora de voltar ao mundo real.


O porto, assim como o barco, parecia morto. Draco caminhava, virando-se uma vez, sobressaltado por ruídos estranhos que provavelmente teriam sido feitos por um gato qualquer. Franziu a testa, ignorou os ruídos e continuou andando. Era o primeiro prisioneiro que saía daquela prisão em nove anos. Estava com as roupas que havia entrado; ficavam bem mais largas no seu corpo agora.

Estava quase no final quando a viu. De início, achou que era uma alucinação provocada pela fome, que já começava a deixá-lo um pouco tonto. Só precisou andar mais alguns metros para ter certeza.

Seus cabelos ruivos estavam mais curtos. Seus olhos ainda estavam tão vivos como se ele os tivesse visto ainda ontem. De repente, dez anos de sonhos transformaram-se em alguém real.

Ginny deu um passo à frente. Antes mesmo de falar com ela, Draco percebeu que estava muito mudada. Parecia muita calma. Não havia hostilidade em seu olhar, apenas grandes olheiras embaixo de seus olhos, fruto de noites sem dormir e de prováveis preocupações. Seria o não mais tão bebê Sean responsável por elas?

"- Eu não sabia que você estava aqui."- disse, a voz rouca por falta de uso. Ela fez um gesto despreocupado com a mão.

"- Soube que você iria sair. Eu precisava vir."

Draco não conseguiu pensar em nada decente para responder. Ginny virou-se e começou a andar em direção ao final do porto. Draco imediatamente foi atrás dela. Segui-la como se fosse um cachorrinho obediente era muito idiota, mas ele não queria realmente refletir a respeito disso. Não agora.

Começou a andar do lado dela.

"- Porque veio até aqui?" – ela olhou para o lado por um instante, como se quisesse se certificar que ele de fato estava ali; um segundo depois olhava de novo para frente.

"- Eu já falei que precisava vir."- respondeu, pacientemente.

"- Potter não deve ter gostado."

O passo dela pareceu desacelerar.

"- Harry não sabe."

Seguiu-se um segundo de silêncio incrédulo.

"- Ele não sabe?"

"- Não estamos mais juntos."

Aquela pegou Draco de surpresa.

"- Não? Mas e... o bebê?"

"- Não é mais um bebê" – parecia ter um ar levemente sonhador agora – "Já tem dez anos."

Draco permaneceu em silêncio.

"Não estamos mais juntos."

Não conseguiu evitar perguntar.

"- Porque você e Potter não estão mais...?"

O tom desconfortável de Ginny parecia indicar que não queria discutir sobre esse assunto, mas ela respondeu mesmo assim.

"- Éramos parecidos demais, digamos assim." – justificou, simplesmente. Parou de andar.

Haviam chegado ao fim do porto. Um portão adiante, e Londres se estendia diante deles. Ginny virou-se para Draco, encarando-o:

"- Para aonde você vai?"

Ele não entendeu a pergunta. Ela devia saber para onde ele iria. Só havia um lugar possível.

"- Como assim?"

"- Malfoy Manor foi fechada há alguns anos. Agora pertence ao Ministério."

Ele não sabia daquilo. Agora se sentia definitivamente perdido. A casa onde passara sua infância e adolescência era a única coisa certa, sem sombra de dúvida, que havia em sua vida pós-Azkaban.

Mas, infelizmente, ela parecia não ser mais dele.

Ginny parecia estranhamente hesitante agora.

"- Se quiser, pode ficar na minha casa."

Draco encarou-a como se fosse louca, ao mesmo tempo em que seu coração dava saltos, como se fosse novamente um adolescente apaixonado.

"- Na sua casa?"

"- É."

"- Potter vai ficar irritado."

"- Harry não vai saber." – afirmou ela. Estava mesmo falando sério.

"- Abrigar um ex-Comensal vai trazer alguns problemas para você" – argumentou, os primeiros vestígios de um sorriso exasperado aparecendo. Ginny deu os ombros e estendeu a mão direita para o portão.

"- De qualquer forma, eu tenho um quarto sobrando."

Draco olhou direto nos olhos dela.

E percebeu que ela estava mentindo.


Acordou com os primeiros raios de sol batendo direto no seu rosto. Estava calor. Seu corpo nu estava coberto de suor embaixo das cobertas.

Esticou a mão direita para o outro lado da cama e surpreendeu-se ao sentir apenas o lençol. Virou a cabeça, intrigado; mas quando ouviu barulho de água, relaxou – ela devia estar tomando banho.

Era muito estranho saber que estava agora no lugar que fora de Potter por quase dez anos.

Ouviu uma porta bater e, segundos depois, alguém se esgueirou junto com ele para dentro dos lençóis.

Ginny havia posto uma camisola. Seus lábios levemente inchados de tanto serem beijados na noite anterior estavam curvados em um sorriso.

Mas havia algo estranho por trás dele.

"- Você está com uma cara estranha."

Ginny sacudiu a cabeça em negação.

"- Não, eu estou bem."

"- Não está."

"- Eu estou. Bem, mais ou menos, levando em consideração que ontem à noite em fiz sexo selvagem duas vezes seguidas com um sonserino pervertido."

Draco riu alto; sua primeira risada verdadeira em sete anos.

"- Fui tão mal assim?" – Ginny olhou para o lado, embaraçada.

"- Não foi. Na verdade, foi... estranho."

Draco fez uma careta.

"- Estranho?"

"- Sim."

"- Porquê?"

"- Talvez porque eu não fizesse há muito tempo" – deu um sorriso travesso.

Draco, porém, já estava pensando em outra coisa.

"- Foi estranho porque eu fui pior do que ele, não é? Potter."

Ginny tomou o cuidado de evitar encará-lo.

"- Vocês tem estilos diferentes, só isso."

Mas bastou um relance, menos de um segundo, para que as direções de seus olhares se cruzassem por acidente. E ele percebesse.

"- Você ainda o ama." – declarou, certo do que falava. A compreensão era amarga.

Ginny encarava os lençóis. Fez um intervalo de alguns segundos antes de responder.

"- Nós ficamos juntos por doze anos. Tivemos um filho e..." – seus olhos se tornaram nebulosos – "... quase tivemos outro. Não se consegue esquecer tudo isso tão fácil."

Draco esticou a mão e pegou sua camisa, caída do lado da cama. Suas ilusões alimentadas por nove anos haviam acabado de se espatifarem no chão.

"- Seu filho está com ele, não é?"

Ginny assentiu.

"- Combinamos que passariam o final de semana juntos. Sean sente muita falta dele."

"- Quando eles vão chegar?"

"- Daqui a algumas horas, creio. Mas porque..."

"- Você quer que eu vá embora?"

Ginny hesitou bastante antes de responder.

"- Seria bom." – respirou fundo – " Falando honestamente. Não sei o que iria acontecer se Sean achasse você na minha cama."

Era o que Draco esperava. Levantou-se e começou a se vestir. Esticada na cama, seus cabelos molhados sobre o travesseiro, Ginny observava tudo em silêncio. Às vezes olhava amargurada para o retrato de Sean ao lado da cama, uma bela criança de vivazes cabelos ruivos.

Em determinada altura, Draco percebeu que tinha que perguntar. Falar o que estava atravessado na garganta.

"- Se o ama, porque dormiu comigo?"

A pergunta pegou Ginny de surpresa. Ela levantou a cabeça e o encarou, incrédula. Não respondeu.

"- Foi porquê, afinal? Gratidão por ter salvado sua vida anos atrás?" – perguntou Draco de novo, talvez se exaltando demais. Ele precisava saber. – "Foi isso? Gratidão?"

Alguns segundos de pesado silêncio.

"- Talvez um pouco."

"- De gratidão?"

"- É."

Naquele instante, ele teve certeza que nunca deveria ter saído de Azkaban.

Abaixou-se e pegou um de seus sapatos.

"- Então, resumindo, você se deitou comigo para me agradecer?"

"- Claro que não!" – Ginny sentou-se na cama, parecendo ofendida – "Houve gratidão sim, mas... por Merlin, será que você não pensou por um instante que eu posso ter desejado você?"

Encararam-se. Draco relembrou rapidamente a noite anterior, a partir do momento que a havia prensado contra a parede da sala, até quando havia adormecido nos braços dela. Ele lembrava; na verdade, ele se lembraria disso para o resto de sua vida.

Sim, ela havia sentido desejo. Definitivamente.

Draco permaneceu em silêncio e voltou a procurar o outro sapato. Ginny permanecia indignada.

"- O que te leva a pensar que não é desejável?"

"- O fato de ter passado uma década em Azkaban." – respondeu ele prontamente.

"- Bobagem" – rebateu ela na mesma hora – "Você pode estar mais magro, mas..."

"- De qualquer forma, você ama Potter, não ama?" – interrompeu ele. Ginny calou-se.

Calçou o outro sapato e dirigiu-se para a porta.

"- Draco..." – ele parou e virou-se.

Era a primeira vez que Ginny o chamava pelo primeiro nome.

"- O quê?"

"- Porquê você me salvou naquele dia?"

Draco fixou o olhar na parede. Poderia dizer tantas coisas, mas... no final, daria exatamente tudo a mesma coisa: nada.

"- Você sabe." – encarou-a uma última vez, talvez esperando transmitir todos os seus sonhos durante os últimos dez anos naquele olhar – "Eu sei que você sabe."

E saiu. Depois de alguns segundos fitando o infinito, Ginny se deitou de novo.

Ela sabia.

As primeiras gotas de uma chuva de verão começavam a cair.