Capítulo 08: Primeiro floco de neve


Órion limpou o suor da testa, sem notar as mãos sujas de óleo. Tirou a chave de fenda da boca e largou o canivete no chão. Estreitando os olhos, ele terminou de apertar os parafusos soltos e observou o resultado de sua dedicação.

Ligou os fios desencapados à gorda pilha que já separara para aquilo. As pequeninas lâmpadas se acenderam, iluminando as arestas de ferro retorcidas que rodavam ao mesmo ritmo da música que os mecanismos que ele enxertara na base de madeira tocavam.

O garoto desligou a pilha e, tomando uma agulha nas mãos, começou a costurar em torno da armação de ferro um pedaço de lona colorida. Não demorou para que se pudesse reconhecer a miniatura de um circo no trabalho que ele fazia.

Quando terminou a tenda, ele puxou para si uma caixa de brinquedos velha. De lá, tirou um leão de pelúcia que podia se esconder mesmo na mão pequena dele, um elefante de tromba levantada, um carrossel de cavalinhos prateados e uma delicada cigana que parecia ter sido congelada enquanto dançava.

Encaixou os brinquedos nos nichos que deixara para isso e voltou a ligar os fios à pilha. O circo ficou todo iluminado, ao mesmo tempo em que a música alegre preenchia o quarto fechado e a cigana girava em torno de si mesma, dançando.

Uma corrente de ar frio penetrou no quarto, fazendo a luminária acima dele balançar. Órion se virou, dando de cara com a irmã, encostada à parede, de braços cruzados, um sorriso divertido nos lábios.

- Lyn? O que você está fazendo aqui? – ele perguntou espantado – Você não deveria estar na academia?

- Eu fugi. – ela respondeu, dando de ombros.

- Como assim, fugiu? – ele perguntou, desligando o brinquedo e pondo-se em pé.

Lyn sorriu ao perceber que, apesar de ainda ser a mais alta, Órion logo a ultrapassaria. Parou ao lado dele, observando a caixa de música que o irmão montara.

- Eu roubei o carro do Harry e vim passar o Natal em casa, oras!

O menino esbugalhou os olhos.

- Você roubou! Porque não esperou para vir com a mamãe? Ela saiu hoje de manhã para vê-la!

Lyn novamente deu de ombros, soltando o cabelo, que caiu ao longo de suas costas.

- Eu não tinha como adivinhar que ela ia hoje.

- E o Harry?

- Ele se vira. – ela respondeu simplesmente – No que você está trabalhando?

A face de Órion de repente ficou muito vermelha e ele começou a empurrar a irmã para fora do quarto.

- Você não devia estar aqui! Eu estou fazendo os presentes de Natal!

Em um abrir e piscar de olhos, a morena se viu de volta ao corredor, com a porta do quarto do irmão sendo violentamente batida a sua frente.

- Esse pirralho... – ela resmungou sozinha e voltou-se para o próprio quarto.

Desarrumou a pequena valise que trouxera antes de cair deitada na cama. Já anoitecia. Se Susan e Lily tinham saído de manhã de casa, certamente ela cruzara com as duas na estrada. Por sorte, não fora reconhecida... Mas sua sorte não duraria para sempre. Sua mãe provavelmente chegaria tarde, o que a livrava até o dia seguinte do castigo que ganharia.

Lyn fechou os olhos, cansada e logo caiu no sono, ainda vestida da viagem. Era quase meia-noite quando ela acordou ao sentir a cama sob si afundar.

Abriu os olhos enevoados e deu de cara com a face do irmão. Órion acabara de se deitar ao seu lado e mordia os lábios, nervoso.

- O que houve, caçador? – ela perguntou, esfregando o rosto e virando-se na cama.

Ele deu um pequeno sorriso ao ouvir o apelido com o qual ela sempre costumava chamá-lo quando não o estava xingando de pirralho. Órion, o caçador amante de Ártemis, que depois de morto, foi colocado no céu pela deusa. Depois, ao se lembrar do que o trouxera ali, voltou a ficar sério.

- Mamma ainda não chegou. – ele respondeu, com um leve sotaque que lembrava a própria fala de Susan.

Ela sentou-se na cama, sentindo o coração acelerar. Depois, meneou a cabeça.

- O carro pode ter quebrado ou alguma coisa do tipo e ela teve que ficar na academia ou em algum hotel no caminho. Não deve ter acontecido nada demais. Tenho certeza que amanhã de manhã, mamma estará aqui para me puxar as orelhas.

Órion sorriu, assentindo. Lyn voltou a se deitar, puxando-o para junto dela.

- Hoje você dorme comigo, caçador. – ela sorriu, cobrindo-o carinhosamente.

Ele apenas fechou os olhos, encostando a cabeça ao ombro da irmã. Ficaram em silêncio por alguns instantes, até que um ronco abafado soou. Órion reabriu os olhos, voltando-se para ela.

- Lyn... Eu não me lembro de ter visto você jantar...

- Eu caí no sono... – ela sorriu, constrangida, levantando-se – Bem, vamos fazer o seguinte... Antes de dormir, vamos em expedição à cozinha. E lá, atacamos a geladeira! O que acha?

Órion riu, pulando da cama ao mesmo tempo que ela.

- Você vai na frente, pequena lince!

Ela respondeu com uma mesura.

- Como quiser, caçador!

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- Eu não acredito que ela... Que ela... Grrr...

- Calma, Harry, eu tenho certeza que tudo isso tem uma boa explicação. A Lyn não faria isso de graça... – Ginny segurou o rapaz pelos ombros, tentando acalmá-lo.

- Eu concordo com a Ginny. – Ron opinou – A Lyn não faria isso se não tivesse um motivo de força maior.

Hermione apenas sorriu, encostada ao umbral da porta da garagem.

- Motivo de força maior? Ela está estranha comigo desde o baile! O que diabos eu fiz? – Harry suspirou, encostando-se à parede.

- Você tem certeza que não sabe, Harry? – Mione finalmente se pronunciou, aproximando-se do amigo.

Ele se virou para ela, exasperado.

- Você acha que se eu soubesse eu estaria perguntando? – ele respondeu, passando as mãos no cabelo, arrepiando-o. Depois ele arqueou a sobrancelha e encarou a amiga com cuidado – Você sabe de alguma coisa, Mione?

A moça apenas sorriu misteriosamente, fazendo Harry e Ron bufarem.

- Você não conhece essa daí, cara? Mesmo que ela saiba de alguma coisa, ela certamente não vai dizer para nós. – o ruivo resmungou, cruzando os braços.

Mione apenas abriu ainda mais o sorriso, enquanto Ginny coçava o queixo, pensativa.

- Eu acho que a Lyn está apaixonada.

Harry sentiu algo se revirar em seu estômago.

- Apaixonada? Quer dizer, apaixonada mesmo?

Ginny revirou os olhos, mas assentiu com a cabeça.

- Mas por quem ela estaria apaixonada? – Ron perguntou, confuso.

Ginny e Mione se encararam por alguns instantes antes da ruiva responder.

- Isso é um tanto óbvio... Para a Lyn estar agindo tão estranho, como se estivesse brava com alguma coisa... Eu arriscaria o palpite de que ela está apaixonada pelo Malfoy.

- O MALFOY! – Harry e Ron exclamaram ao mesmo tempo.

Hermione sentiu vontade de rir, mas controlou-se. O palpite de Ginny estava ainda um tanto longe da verdade... Observando a face pálida de Harry, ela decidiu corroborar a tese da amiga. Talvez pudesse descobrir alguma coisa que ajudasse a resolver a questão...

- Bem, não se pode negar que, apesar de ser um idiota, o Malfoy é extremamente charmoso. E ele também é bem insistente, não é mesmo? – ela sorriu candidamente, piscando o olho.

Harry ficou sem palavras, sentindo o queixo cair. Ronald, por seu lado, estava tão vermelho quanto seu cabelo.

- Você... Você acha aquele loiro aguado bonito? – ele perguntou, acercando-se de Hermione.

Ela apenas deu de ombros, percebendo que aquilo parecia estar provocando os brios de Ron. Por que ele parecia tão transtornado com o fato de que ela achava Draco Malfoy bonito? Tudo bem que eles eram quase inimigos mortais, mas ela não era cega!

Ron mordeu os lábios, cerrando os punhos. Nesse instante, um rapaz de cabelos claros e rosto redondo apareceu à porta. Harry virou-se para ele.

- Hei, Neville. – ele cumprimentou o colega com a voz quase sumida.

- Harry, sua mãe está no saguão. E a mãe da Lyn também. Vocês a viram por aí?

O moreno estreitou os olhos.

- Minha mãe?

Neville apenas assentiu com a cabeça e Harry rapidamente deixou a garagem a passos largos. Logo atrás dele vieram Ginny, Mione e Ron.

- O que sua mãe está fazendo aqui? – Ginny apressou-se para poder acompanhá-lo.

- Provavelmente ela recebeu minha carta e veio ver se eu estou bem, e conhecer você.

- Eu? – a ruiva corou sem perceber – Por que ela veio me conhecer?

Harry parou repentinamente, segurando as mãos de Ginny, observando os olhos dela. Mione e Ron pararam logo atrás deles e a moça meneou a cabeça, levando a mão à testa.

- Ginny... Você quer namorar comigo?

Ron esbugalhou os olhos, enquanto Mione suspirava e Ginny ficava mais e mais vermelha.

- Namorar? – ela perguntou hesitante.

Harry assentiu.

- Eu estou para te perguntar isso desde o baile de inverno.

Ginny mordeu os lábios de leve antes de abrir um sorriso e assentir.

- Sim, Harry, eu aceito namorar você.

- Ótimo. Agora vamos, minha mãe deve estar louca...

Harry voltou a caminhar, dessa vez segurando Ginny pela mão, que ainda estava muito vermelha. Ron e Mione se encararam por alguns instantes, ambos ligeiramente corados e logo Mione começou a correr, parando diante de Harry.

O moreno parou, encarando a amiga.

- Harry... E Lyn? Neville disse que a mãe dela também está aqui. O que você vai dizer a ela?

Ele suspirou, sentindo-se novamente nervoso.

- Tia Susan provavelmente vai cozinhar Lyn quando encontrá-la... Mas eu acredito que não precisa se preocupar, Mione. Lyn deve estar em Londres. Ela vai se encontrar com a mãe quando tia Su voltar para casa e elas se acertam. Eu não vou falar com a administração, se é isso que te preocupa. Não vou meter a Lyn em problemas.

Hermione assentiu e os quatro continuaram a caminhar até o saguão. Lily e Susan estavam lá e o professor Flitwick, um senhor muito velho, o mais antigo professor da academia, parecia estar se despedindo delas.

Harry esperou alguns instantes antes de Flitwick deixar as duas novamente a sós. Lily certamente estava muito feliz por ter encontrado Flitwick, já que o professor conhecera Albus Dumbledore e fora amigo do diretor na época em que ele administrara a academia.

- Mãe? – Harry chamou, parando a alguns passos dela.

A ruiva imediatamente voltou-se para ele. Os olhos verdes dela encararam com atenção a mão dele entrelaçada a de Ginny enquanto ela abria um belo sorriso.

- Olá, Harry! Como você está?

Ele soltou-se de Ginny, que parecia extremamente sem graça e abraçou a mãe. Lily sorriu, notando o quão alto o filho já era. Parecia praticamente uma cópia de James... Em seguida, Harry abraçou Susan, que também tinha um belo sorriso nos lábios.

Hermione observou as duas mulheres com admiração. Elas eram tudo o que ela queria ser. Independentes, inteligentes, respeitadas, altivas... Ginny também estava espantada com a postura delas, especialmente de Lily. Talvez por temer que ela não a aprovasse para o filho.

- E onde está Lyn? – Susan perguntou quando se soltou dele.

Lily observou com a mesma atenção de Hermione o rapaz morder os lábios quase imperceptivelmente. Harry respirou fundo antes de encarar a tia.

- Ela não está aqui. – ele continuou, tentando ser mais claro - Quer dizer, ela não está na Academia.

Susan estreitou os olhos.

- Como assim não está na academia?

- Ela pegou o cadillac hoje de madrugada... – Harry respondeu, pausadamente – Acredito que ela tenha ido para Londres.

- Você está querendo dizer que Lyncis roubou seu carro e foi para Londres sem avisar a ninguém, sozinha e sem habilitação!

Harry respirou fundo.

- Mais ou menos isso, tia...

Lily tentou segurar o riso, enquanto Susan ficava muito pálida.

- Há algum telefone por aqui? – ela perguntou depois de alguns instantes.

Hermione adiantou-se.

- Se a senhora me seguir, eu posso levá-la até um.

Apesar de nervosa, Susan sorriu de leve para Hermione e assentiu. Lily observou as duas partirem e voltou-se novamente para o filho. Ginny e Ron ainda estavam parados, esperando que Harry os apresentasse.

- Bem, vocês dois e aquela adorável senhorita devem ser as necessidades sociais das quais Harry não pode fugir. – ela sorriu marotamente – Eu sou Lily Potter, como já devem ter adivinhado. E vocês devem ser os Weasley.

- O Ron divide o dormitório comigo, mãe. – Harry sorriu para o amigo – Ele é monitor junto com a Hermione, que saiu com a tia Su. A Ginny é irmã dele. E ela divide o dormitório com a Lyn.

Lily estendeu a mão para Ron, que a cumprimentou, sorrindo. Pouco depois, as duas ruivas se encararam. Ginny deu um tímido sorriso quando Lily estendeu a mão para ela.

- Harry já me falou muito de vocês nas cartas dele. Fico feliz que ele tenha encontrado amigos tão especiais, apesar do pouco tempo em que ele está aqui. – ela encarou Ginny com atenção – Você ainda é mais bonita do que ele a descreveu.

Com esse elogio, Ginny corou furiosamente, enquanto Harry sentia as orelhas arderem.

- Mamãe, não seria melhor a senhora publicar minhas cartas no jornal? Assim todo mundo pode saber o que eu digo para a senhora... – ele observou, emburrado.

Lily riu, meneando a cabeça.

- Bem, acho que eles têm o direito de saber, não é mesmo?

Ele assentiu, sorrindo também. Ron percebeu que o sorriso dos dois era extremamente parecido.

- A propósito... Você não devia ser um pouco mais calorosa com sua nora? – ele observou, tentando ficar sério.

- Bem... Isso você não me contou. – Lily arqueou a sobrancelha e voltou-se novamente para Ginny – Aviso logo que, se ele pretende lhe der a metade do trabalho que me deu, eu me separava.

- Mãe!

Ginny sorriu, sentindo-se mais à vontade com o bom humor de Lily.

- Não se preocupe, eu vou tomar cuidado.

- Excelente! – Lily bateu as mãos, virando-se novamente para o filho – Quanto a você, não ouse seguir os conselhos do se pai quando for contar a ele que está namorando ou eu vou tomar as dores da minha nora, ouviu bem, mocinho?

Susan e Hermione foram saudadas de volta com uma onda de gargalhadas.

- O que está acontecendo por aqui? – Susan perguntou, parando ao lado de Lily.

- Acabei de ser informada que tenho uma nora, Su. – Lily respondeu, sorrindo – E então? Telefonou para casa?

Susan assentiu, visivelmente aliviada.

- Lyn chegou há alguns instantes. Estava trancada no quarto, então deixei para falar com ela quando chegar. Hoje à noite, aquela mocinha não me escapa!

- Bem, já que está tudo certo agora... Que tal irmos almoçar? – Lily sugeriu.

Os outros assentiram alegremente e, conversando, dirigiram-se para o refeitório.


Já entardecia quando Artur Weasley chegou à Academia na velha vã azul celeste que costumava usar para passeios em família. Ron, Ginny, Mione e Harry embarcaram depois de uma calorosa despedida.

Lascelles, encostado ao capô do rolls royce dos Potter, observou Lily e Susan abraçarem cada um dos jovens. Harry foi o último a embarcar, depois de ter sido puxado de lado pela mãe que conversou rapidamente com ele em voz baixa.

O loiro cruzou os braços, sorrindo maliciosamente quando a vã afinal deu partida, levando os jovens para longe. Lily e Susan aproximaram-se dele lentamente. Ele as ajudou a subir no carro antes de ocupar seu lugar no banco de motorista.

Ajeitou o retrovisor, encarando as duas mulheres se acomodarem, conversando alegremente. Finalmente, era hora de colocar o plano em prática. Já estavam à espera dele na taverna. À espera dele e das convidadas...


Pessoal, hoje não vai dar para escrever n/a... Tô na casa de um amigo meu... Mas fiquem com o capítulo. No próximo, gandes revelações...

Beijos,

Silverghost.