- Preto e Branco -

Mexi o líquido dentro do copo com um movimento circular de meu pulso. Meu coração batia acelerado demais. Tanto que minhas faces estavam róseas devido à fluidez de sangue em meus tecidos.

Dava para ver claramente que havia um músculo saltado em meu braço que parecia latejar lentamente, bombeando o sangue para a mão que descrevia círculos enquanto segurava o copo de conhaque.

O líquido âmbar sofria as conseqüências, balançando suavemente e criando pequenas ondas que se chocavam umas com as outras dentro do copo.

Uma veia em minha testa também latejava, exibindo a irritação que crescia vertiginosamente dentro do meu corpo.

Chegava a ser impressionante o fato de eu ainda não ter estourado. Geralmente não conseguia permanecer tanto tempo irritado. Mas aquela era um exceção.

Ergui os olhos para o espelho à minha frente e vislumbrei minha imagem. Belo, como sempre. Não havia palavras para descrever tamanha beleza que se aglomerava em meu corpo.

Encostei meus belos lábios rosados no copo e o inclinei levemente, deixando que o líquido âmbar entrasse em minha boca. Abaixei o copo degustando o líquido que queimava minha garganta enquanto descia.

Levantei os olhos novamente, encarando o corpo da garota adormecida em minha cama. Tão jovem, tão tola.

Depositei o copo sobre a mesa e levantei-me da cadeira que antes ocupava. Meus pés tocaram o solo levemente e logo iniciaram a pequena caminhada que cortaria a distância entre o meu corpo e a cama onde ela repousava.

Quem era ela? Uma criada. Um simples e tola criada.

O que ela importava? Nada. Absolutamente nada.

O leve ruído de fricção entre minhas coxas brancas e o tecido que as envolvia divertiu-me. Não havia criatura mais bela em todo o mundo do que eu.

Deslizei um dedo no rosto dela, sentindo a maciez da pele dela. Uma pele escura, própria das pessoas nascidas sob o Sol forte da Grécia. A pele dela era maltratada não só pelo Sol. Imagino que os anos servindo ao Santuário tenha feito dela um saco de batatas ambulante.

O corpo dela não era agradável aos meus olhos. Não era exuberante, sequer era bonito.

Era engraçado perceber que o corpo das mulheres gregas nunca havia me chamado atenção. Eram escuros, maltratados. Nada parecido com as mulheres da Suécia, que eram belas, loiras e brancas. E o melhor de tudo, eram obedientes.

Não discutiam. Não lutavam. Nada. Essa era a verdadeira beleza feminina. O poder de ser manipulada. Afinal de contas, todas elas eram pequenas e tolas. Não deveria ter-lhes sido dado nem o direito de falar.

Deslizei meu dedo sobre seus lábios. Pequenos demais para uma mulher, grandes demais para uma criada.

Lembrei-me de como ela havia feito barulho. Céus como aquela criada era barulhenta na cama. Mas a que eu levara para cama antes dela era igualmente barulhenta.

Mulheres e sua mania de falar.

Talvez fosse por isso que nenhuma delas me agradasse.

O que era aquele corpo sobre minha cama?

Era lixo.

Minha outra mão alcançou uma delicada rosa branca de um jarro na cabeceira da cama. Ela jamais iria sentir dor.

Lentamente cravei o cabo repleto de espinhos na pele curtida pelo Sol. O sangue afluiu dos tecidos rasgados em abundância.

Céus como ela sangrava.

Sorri, sabia que aquele sangue jamais chegaria a tocar meus lençóis brancos. A rosa branca cravada em seu peito absorvia cada gota, tornando-se logo vermelha.

Seus olhos abriram-se repentinamente, esbugalhados e opacos, sabendo que sua vida se esvaia rapidamente.

Observei a rosa tornar-se mais vermelha do que o próprio sangue. Sua morte fora apenas produto de sua ousadia. Levantei-me e fui pegar meu conhaque.