Disclaimer: Cavaleiros do Zodíaco e seus personagens relacionados pertencem à Masami Kurumada e às editoras licenciadas.

Nota: os eventos descritos neste fic ocorrem em paralelo à luta de Atena e seus cavaleiros contra Hades, que será mencionada em um determinado ponto da história. Porém, a história que se segue é um romance, sem cenas de luta ou cosmos queimando para derrotar um inimigo.

Quanto ao tempo em que se transcorre a história, é uma questão de poucos dias porque, segundo a cronologia dos eventos ocorridos na série Cavaleiros do Zodíaco, as batalhas ocorrem em um período de cerca de um mês. Assim, consideremos que Julian e Sorento já viajavam há alguns dias antes de chegar ao vilarejo.

Capítulo I

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Clavo mi remo en el agua

Llevo tu remo en el mío

Creo que he visto una luz

Al otro lado del rio

Finco o meu remo na água

Levo o teu remo no meu

Acredito ter visto uma luz

No outro lado do rio

El día le irá pudiendo poco a poco al frío

Creo que he visto una luz

Al otro lado del rio

O dia irá vencer aos poucos o frio

Acredito ter visto uma luz

No outro lado do rio

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Já fazia alguns dias que aquels dois belos e jovens rapazes viajavam pelo mundo ajudando as vítimas, muitas crianças, da grande enchente que havia varrido os cinco continentes terrestres. Por onde passavam, deixavam uma mensagem de esperança e algum dinheiro para rerguer prédios, casas e escolas. Um deles, um rapaz de longos cabelos e olhos azuis, fazia isso por sentir que alguma coisa estava errada e seu espírito inquieto o alertava disso, além de ser dono da maior fortuna que a Grécia conhecia. Porém, o outro, de cabelos acizentados na altura dos ombros e surpreendentes olhos violetas (com uma leve coloração puxada para o rosa), o auxiliava por conta de um certo evento ocorrido em seu passado recente e pelo qual ele se penitenciava. Mas agora não é momento para falarmos sobre esse assunto.

-Veja este lugar, Sorento! Certamente é o que mais sofreu danos de todos que visitamos até agora! - comentou com o amigo o rapaz de olhos azuis. Sorento, andando mais atrás, observava a tudo com um ar de desolação. O vilarejo onde estavam era a própria imagem da destruição: casas destelhadas ou, literalmente, em ruínas, árvores caídas por todo canto; até a igreja do lugar estava danificada, com rachaduras que percorriam toda a extensão de sua fachada. Lama, sujeira e ratos cobriam as ruelas e pessoas tentavam manter alguma ordem. Sem sucesso.

-Tem toda razão, Julian... Parece que as pessoas deste vilarejo perderam tudo o que tinham.

-Então, não podemos perder tempo. Precisamos procurar pelo prefeito daqui ou o padre, alguém que possa nos dizer o que é preciso ser feito.

Mal Julian tomou esta decisão e uma garota, pouco mais que uma menina, saiu de uma das casas destelhadas e vinha caminhando pela rua, carregando uma cesta. Ao vê-la, Sorento logo se impressionou: era realmente bela, com seus longos cabelos castanhos soltos, emoldurados por uma faixa de tecido branco. Tinha olhos castanhos escuros e a pele muito branca, quase pálida, e uma boca rosada. Era pequena, mas de corpo bem feito e caminhava com passos curtos e graciosos. Parecia uma princesa em trajes de camponesa, um alento em meio àquela balbúrdia.

Quando ela se aproximou dos dois, Julian a chamou.

-Com licença, senhorita!

-Pois não?

-Poderia nos informar quem é a pessoa responsável por este lugar? O prefeito ou o padre?

-Em nosso vilarejo, a autoridade maior é o padre Jean Luc, senhor. Se quiser, eu posso levá-los até ele.

-Seria um prazer, senhorita...

-Ágatha, senhor.

-Ágatha, meu nome é Julian Solo.

-Julian Solo? É o herdeiro da família Solo, que viaja pelo mundo ajudando as vítimas da grande enchente?

-Vejo que ouviu falar de mim...

-Senhor, não sabe a honra e alegria que é recebê-lo em nosso vilarejo, tão castigado pelas chuvas! - a garota exclamou, visivelmente feliz. Sorento acabou se encantando com o sorriso sincero dela quando Ágatha se dirigiu a ele - E o senhor deve ser o estudante de música que o acompanha, não?

-Me chamo Sorento, senhorita.

-Muito prazer, senhor. Me acompanhem que eu os levarei até o padre Jean Luc...

Ainda admirando o frescor da beleza de Ágatha, Sorento pegou sua mala e a caixa de sua flauta e seguiu a garota, que ia na frente conversando com Julian.

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-Padre Jean Luc! Temos visitas! - gritou Ágatha, entrando pela igreja e se dirigindo à sacristia. Julian e Sorento ficaram no salão, observando com pesar o altar desmanchado, os bancos de madeira apodrecendo por causa da água acumulada e as pinturas das paredes rachadas e sem vida.

-Eles estão esperando pelo senhor. - disse Ágatha, voltando da sacristia de braço dado a um senhor de idade, de cabelos muito brancos e sorriso miúdo - Estes são os senhores Julian Solo e Sorento.

-É um prazer conhecê-lo, padre.

-O prazer é imensamente meu, rapaz. Aqui em nosso vilarejo ouvimos falar de sua viagem para ajudar as vítimas das chuvas... É um alento saber que poderá nos auxiliar com nossos problemas.

-É para isso que estamos aqui, padre Jean Luc. Diga-me, o que é preciso de imediato, remédios, roupas...

Enquanto o padre e Julian conversavam, Sorento ficou de pé próximo à porta, olhando tudo ao seu redor. Sentia um aperto muito grande no coração e vontade de chorar. Ainda mais quando viu um grupo de crianças e idosos, todos tristes, vindo em sua direção.

-Senhor, poderia nos arranjar comida...

-Eu não tenho nada, minha senhora.

-Senhora Dolores... - chamou Ágatha, saindo da igreja com a cesta que carregava anteriormente - Eu não tenho muito o que oferecer, mas acho que podemos dividir isto aqui...

A garota colocou a cesta no chão e começou a distribuir seu conteúdo: algumas frutas, pães e bolachas. Tomado por um sentimento de solidariedade, Sorento agachou-se e passou a ajudá-la. Logo todas as pessoas tinham alguma coisa para comer.

-Deus a abençoe, menina Ágatha... Se estivessem vivos, seus pais se orgulhariam muito de você...

-Obrigada, senhora Dolores.

-O senhor é músico? - perguntou um menino a Sorento, ao ver a caixa da flauta do rapaz. Ele não se desgrudava dela de jeito nenhum.

-Sou estudante de música, garoto. Quer me ouvir tocar?

-Lógico!

O pequeno grupo cercou o rapaz, que tirou sua flauta da caixa e começou a tocar. Era uma música alegre, folclórica, que convidava todos os presentes a sorrir. Largando a cesta no chão, Ágatha puxou uma das meninas pequenas e começou a dançar com ela, rodopiando e fazendo com que seu perfume se espalhasse pelo ar, quase desconcentrado Sorento com aquele cheiro doce...

-Eu lhe disse, padre, que a música de Sorento é capaz de alegrar até mesmo a mais triste das pessoas! - comentou Julian, saindo da igreja ao lado do padre.

-E então, Julian? O que podemos fazer por este lugar? - perguntou o rapaz, parando de tocar. E todas as atenções voltaram-se para o herdeiro da família Solo.

-Bem... Há muito o que fazer, desde limpeza até a construção de novas casas. Conversei com o padre Jean Luc e acho melhor ficarmos aqui por uns dias, para encaminhar tudo com clareza.

-Como quiser.

-Tio, o senhor vai ficar aqui? - perguntou a Sorento a menina que dançava com Ágatha.

-Vou sim... Pelo menos por enquanto.

-Legal! A gente vai ter música todo dia!

Feliz, o grupo se dispersou depressa. O padre, então, se virou para Ágatha e falou com ela.

-Minha filha, estes rapazes irão precisar de um lugar para ficar enquanto estiverem por aqui. Poderia hospedá-los em sua casa?

-É claro, padre. Eles podem dormir no quarto maior.

-Não vamos atrapalhar a senhorita?

-De forma alguma, será um prazer. Se quieserem, eu os levo até lá para que possam guardar suas coisas e descansarem um pouco.

Assim, pegando sua cesta de volta, a garota os levou para sua casa. Intimamente, Sorento tinha adorado a idéia de hospedar-se por lá.

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-Entrem e fiquem à vontade. Só peço que não reparem na bagunça... Eu ainda não tive tempo de arrumar as coisas, limpar os móveis direito. Venham, o quarto fica no andar de cima.

Subindo as escadas, que rangiam com as passadas vigorosas dos rapazes, os três se dirigiram para o quarto. Passaram por outros dois até chegar a um que ficava no final do corredor.

-Aqui está. Se precisarem de qualquer coisa, não hesitem em me procurar no primeiro quarto. O padre Jean Luc está no segundo.

-Oh, então ele também está hospedado aqui.

-Sim. A casa paroquial desabou completamente. A sorte foi que o padre estava jantando aqui, conosco. A casa da minha família foi uma das poucas a ficar de pé, mas há goteiras por toda parte e rachaduras em algumas paredes.

Julian ia fazer um comentário quando ouviram uma porta se abrir. Do quarto onde o padre estava hospedado, um menino que não devia ter mais do que sete anos saiu, meio envergonhado e encarando os dois rapazes com um ar desconfiado.

-Venha cá, Ryan... - chamou Ágatha, estendendo a mão para o menino - Não precisa ter medo, eles são amigos.

Entrando no quarto, o menino agarrou-se nas pernas da garota e escondeu seu rosto na barra da saia que ela usava.

-Este é meu irmão, Ryan. Vamos, cumprimente os rapazes.

-Oi, Ryan. Eu sou Julian Solo, mas pode me chamar de "amigo"!

Julian estendeu a mão para o menino, mas Ryan agarrou-se com mais força nas pernas da irmã.

-Eu sou Sorento. - disse o rapaz, tentando puxar conversa, mas sem sucesso. Ágatha sorriu, meio sem jeito.

-Melhor deixar quieto... Anda, vai brincar no seu quarto, vai Ryan.

Com ar de assustado, Ryan correu para seu quarto e trancou a porta. A garota então falou aos amigos.

-Desculpem pela atitude de Ryan, mas ele está assim por causa das chuvas. Até falar ele não consegue mais.

-Um trauma?

-Exatamente, senhor.

Ágatha baixou os olhos, tristemente. Sorento, sentindo um certo remorso, pegou sua flauta e tirou dela algumas notas harmoniosas. Suficientes para a garota sorrir de novo.

-O som de sua flauta é maravilhoso, senhor.

-Pode me chamar apenas de Sorento. Senhor me dá a impressão de que sou um velho de oitenta anos! - ele respondeu, também sorrindo.

-Então, já que é assim, esqueça o senhor Solo e me chame de Julian. - completou o outro rapaz, sorrindo para a garota. Àgatha assentiu com um aceno e saiu do quarto. Precisava cuidar dos preparativos para o jantar.

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De noite, reunidos em volta da mesa do jantar, Julian e o padre Jean Luc discutiam as primeiras providências que deveriam ser tomadas, enquanto Sorento terminava de lustrar sua flauta. O cheiro de comida caseira invadia a sala e ele viu, pela porta aberta da cozinha, Ágatha ás voltas com panelas, pratos e legumes. Deixando seu instrumento sobre uma mesinha de canto, o rapaz foi até a garota.

-Precisa de ajuda?

-Ah, não precisa se incomodar. Eu termino logo.

-Se eu me ocupar destes legumes, certamente o jantar sairá mais rápido e menos trabalhoso para você. - disse Sorento, arregaçando as mangas de sua camisa e pegando uma faca. Em pouco tempo, as cenouras, tomates e pepinos estavam todos cortados e ajeitados em uma travessa com tanto capricho que dava até dó comê-los. Depois, meio desajeitado, ele pegou os pratos e talheres e os levou para a mesa.

-Milagre! Nenhum prato foi parar no chão!

-Engraçadinho, Julian...

Em pouco tempo, a comida foi servida. Arroz, cozido de carne, salada e a vergonha de Ágatha.

-Desculpem pela comida simples, mas é o que tenho para oferecer.

-Está delicioso, Ágatha. Nem nas festas de minha família eu pude provar uma comida tão gostosa e bem feita.

-Eu assino embaixo! - exclamou Sorento, com a boca cheia de arroz e um meio sorriso - E seu irmão? Não vai comer?

-Ryan prefere comer no quarto... Eu já separei o prato dele, com licença.

Aproveitando a saída da garota, Julian e Sorento entreolharam-se. Perguntariam ou não ao padre o que queriam saber.

-Se querem saber sobre os pais de Ágatha ou o trauma de Ryan, estejam à vontade. Comigo podem se abrir. - ele disse, deixando seu garfo sobre o prato e encarando os dois rapazes.

-Como o senhor adivinhou?

-Anos de experiência em sermões e confessionários, rapazes...

-Está certo... Ágatha e Ryan são órfãos?

-Sim. A mãe deles morreu logo depois que o Ryan nasceu. Desde pequena é a Ágatha quem cuida dele e da casa...

-E o pai dela?

-Este é um trauma recente... A grande enchente, vocês sabem...

Sorento baixou os olhos e ficou remexendo a comida em seu prato. Sentia uma certa melancolia. Certamente o pai da garota tinha morrido por causa das chuvas. E ele se sentia culpado por isso...

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Cansados da viagem, Julian e Sorento se recolheram logo para dormir. Mas, se o primeiro apagou assim que deitou sua cabeça no travesseiro, o segundo mal conseguia manter-se quieto na cama. Os acontecimentos recentes de sua vida teimavam em povoar a sua mente, lembrando-o dos pecados que cometera em nome de uma utopia.

Sorento de Sirene, General Marina de Poseidon. O mais fiel dos seguidores do deus dos mares, o responsável pelas chuvas que haviam castigado a Terra há alguns dias. Poseidon planejava destruir a humanidade e criar uma nova forma de vida, uma utopia perfeita no planeta. E Sorento compartilhava desse ideal, auxiliando o deus em seu templo submarino. Julian Solo era a reencarnação de Poseidon, mas não sabia disso. Sua memória como o deus dos mares tinha sido apagada após a luta contra Atena e seus cavaleiros, vitoriosos porque lutavam pela justiça e pela paz na Terra. Ideais que Sorento entendeu quando lutou contra Shun de Andrômeda e foi vencido. Desde então, ele acompanhava Julian em uma longa viagem pelo mundo, como forma de pagar por seus pecados.

Virando-se para a parede, o rapaz pensava agora nos lugares castigados por onde já passara, nas crianças que alegrara com sua música, outrora usada para matar, e também em... Em Ágatha. A garota não saía de seu pensamento, nem a imagem da desolação que o vilarejo se encontrava. Apesar disso, considerou-a como um alento em meio à desgraça, um sopro de beleza e vida. Tanto para as pessoas que a cercavam como para ele...

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Aqui estou eu novamente! Bem, eu tinha pensado em postar uma fic com os guerreiros deuses primeiro, mas eu ainda não terminei de desnvolver o argumento, então eu acabei iniciando esta aqui com o Sorento. Eu amo esse cara, mas prefiro a versão mangá dele, acho que é mais bacana e desenvolvida, tem até uma participação na saga de Hades.