- Branco e Preto -
Todos os dias eu observava o Cavaleiro de Peixes. Ele era certamente o homem mais belo que já havia visto. Seu porte altivo, sua voz macia, seus gestos delicados. Tudo nele me agradava.
Sempre adentrava sua moradia a fim de limpar seus aposentos. Mas ele nunca sequer erguera os belos olhos azuis para mim.
As outras criadas frequentemente me surpreendiam chorando pelos cantos, sentindo pena de mim mesma.
Elas diziam que eu tinha um sonho impossível. Diziam que Afrodite de Peixes jamais se interessaria por uma mulher grega. Principalmente uma criada.
Mas eu as ignorava. Minha paixão já estava além de todos os limites. Pouco me importava se ele era um dos cavaleiros que ocupava a elite de todos os oitenta e oito cavaleiros. Em minha mente eu só pensava em tê-lo.
No Santuário era comum os cavaleiros levarem criadas para a cama. Eles nos viam como uma espécie de via escapatória. Quando a tensão era demais para se suportar eles nos procuravam.
As criadas do Santuário eram em sua grande maioria mulheres do vilarejo que não tinham para onde ir ou refugiadas de países estrangeiros.
Quando um cavaleiro mandava chamar uma de nós, não fazíamos perguntas. Sabíamos o que iria acontecer. Mas não podíamos comentar. Essas eram as regras.
Mas no dia em que mandaram me chamar para comparecer na Casa de Peixes eu fiquei simplesmente eufórica.
Todas as mulheres me cobriram de avisos, diziam que mestre Afrodite não iria chamar uma criada a esmo por nada. Diziam que eu jamais deveria dormir sobre seus lençóis. E ainda diziam que eu não deveria fazer barulho algum.
Bobagem. Eu as ignorei completamente.
Entrei nos aposentos de Peixes de cabeça erguida. Finalmente estava dividindo o aposento com Afrodite e não estava sendo humilhada por sua indiferença. Ao menos naquela noite seus belos olhos azuis seriam apenas meus.
O mestre veio em minha direção. Seus passos eram delicados, mas não hesitantes. Ele segurou meu pulso com força e guiou-me ao quarto.
Acreditando estar usufruindo de toda a benevolência do mestre deitei-me sobre os lençóis impecavelmente brancos.
A violência com que ele me tomou surpreendeu-me. Eu não acreditava que um homem tão belo, de maneiras tão gentis pudesse ser tão agressivo, ainda mais com uma mulher.
Não conseguia reprimir meus gritos. E cada vez mais ele não hesitava em ser cruel. Eu não reconhecia naqueles olhos claros o homem que por tanto tempo eu admirei. Ao fim, eu não pude manter-me acordada.
Meu sono era turbulento. Imagens confusas se misturavam às lembranças. Eu não saberia reconhecer se estava acordada ou se ainda dormia.
Então a dor. Era intensa, inegável. No limiar entre a lucidez e o sono eu não saberia dizer se ainda sonhava.
Abri os olhos, agarrando-me à esperança de que tudo aquilo não passava de um sonho e que eu estava agora no alojamento das criadas.
Sangue. Meu sangue. Sobre o meu peito repousava uma bela rosa branca, que lentamente cobria-se de vermelho.
Demorou alguns segundos para que eu associasse a dor que sentia à rosa que ficava cada vermelha.
Eu via tudo à minha volta escurecer. O rosto do mestre Afrodite entrava e saía de foco. Seus olhos estavam cerrados e exalavam indiferença. A sensibilidade fugia de todas as minhas extremidades. Eu já não sentia mais meus pés.
A rosa cada vez mais rubra. Minha mente a cada segundo menos lúcida.
Em frente aos meus olhos tudo era apenas um grande e translúcido borrão. Minha boca estava seca. Eu já não sentia mais meu corpo. Mal conseguia manter os olhos abertos. Eu não conseguia respirar.
Ah, a dor. Intensa, inegável.
