Capítulo III

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Here comes the rain again

Falling from the stars

Aí vem a chuva novamente

Caindo das estrelas

Drenched in my pain again

Becoming who we are

Embebida na minha dor de novo

Tornando-se quem nós somos

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Já estava escuro quando Saga e os demais cavaleiros retornaram às suas casas. Sentindo um cheiro de comida caseira no ar, ele adentrou a cozinha e deu de cara com Kanon rodeando o fogão e Petra terminando de temperar a salada.

-Ah, senhor Saga... Chegou bem na hora do jantar.

-Senta aí que a comida parece estar deliciosa!

Enquanto Kanon se instalava em uma cadeira à mesa, Saga reparou que a jovem não usava as roupas simples de trabalho e sim um conjunto de saia branca e blusa azul, ambas bordadas com flores de pano. E estava linda.

-Vai sair, senhorita Petra?

-Ah, sim senhor... Eu não posso ficar no Santuário, me desculpe por não ter avisado antes.

-Não pode ficar por que, Petra?

Petra desconversou e não respondeu a pergunta de Kanon, que não insistiu. Saga percebeu o desconforto da jovem e nada disse.

-Bem, agora que terminei eu peço permissão para ir.

-Claro, esteja à vontade.

-Obrigado, senhor Saga. Voltarei amanhã, no mesmo horário que comecei hoje.

Sem problemas, senhorita Petra.

Despedindo-se dos dois irmãos com um aceno, Petra pegou sua maleta e saiu. Saga ficou imóvel, encostado à porta da cozinha, observando-a sumir pelas escadas.

-Não fique assim, ela vai voltar amanhã!

-Ah, seu idiota!

Irritado com o comentário do irmão, o cavaleiro de Gêmeos sentou-se e se serviu, comendo tudo muito depressa. Na saída do Santuário, Petra sentiu um pequeno aperto no coração. Era como se estivesse deixando algo importante para trás.

-Vovô! Já voltei!

Entrando pela casa, a jovem foi direto procurar pelo avô. Tinha tantas coisas para lhe contar...

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Em uma colina ao norte de Atenas, um templo há muito em ruínas emerge das sombras. Tudo é destruição, teias de aranha espalhadas e, no centro dele, o piso de mármore negro está todo rachado. Mas nada disso impede que um homem esteja presente, caminhado de um lado para outro com dificuldade, lançando olhares para o vazio. Não deve ter mais do que quarenta anos, mas os traços rudes e severos de seu rosto o tornam mais velho, assim como as rugas ao redor dos olhos, as mãos cansadas, com os dedos marcados e cheios de nós.

-Senhor? - um outro homem, mais jovem e de longos cabelos azuis presos em um rabo de cavalo e olhos violeta entra pelo templo, prestando reverências Aqui estou, meu senhor... Tristão, pronto para serví-lo.

-Uma grande honra revê-lo, Tristão... Diga-me, têm notícias dos demais?

-Certamente, meu senhor... Dois estão a caminho e um dos nossos já está na cidade.

-Eu sabia que poderia confiar em você, Tristão... É um grande guerreiro! - disse o homem, lançando seu olhar para o Santuário de Atena. Com um sorriso cínico, ele dispensa o rapaz à sua frente e se senta em um trono de pedra mal ajambrado. Mas isso não importa. Em breve, voltará para seu lugar de origem, para seu verdadeiro posto.

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-Se não precisa mais de mim, senhor, eu gostaria de me retirar para meu quarto... - pediu Adrian, após servir uma xícara de café para Shura. O cavaleiro aceitou o agrado e consentiu com um aceno.

-Tenha uma boa noite, Adrian.

-O senhor também.

Trancando a porta do quarto que ocupava, o rapaz despiu-se depressa e foi até um baú de tamanho médio, a bagagem que trouxera. Tirou de lá suas roupas de dormir e ficou um tempo observando o restante do conteúdo, com um sorriso no rosto. "Em breve, eu poderei usar isto...", pensou consigo mesmo, alisando uma caixa vermelha com desenhos em alto relevo.

Na vila de Rodorio, Petra beijou a testa do avô adormecido, apagou a última vela acesa e se deitou. Cobrindo-se com uma manta azul, a jovem ajeitou seu travesseiro e logo dormiu. E sonhou com algo que há muito tempo não se lembrava.

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Look up, I look up at night

Planets are moving at the speed of light

Climb up, up in the trees

Every chance you get is a chance you seize

How long am I gonna stand

With my head stuck under the sand?

I'll start before I can start

Before I see things the right way up

Olhe para cima, eu olho para a noite

Os planetas estão se movendo na velocidade da luz

Suba nas árvores

Cada chance que você ganha é uma chance que aproveita

Quanto tempo eu suporto?

Ficar com minha cabeça enfiada sob a areia?

Eu começarei antes que eu possa começar

Antes que eu veja as coisas do jeito certo

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A menina Petra estava sentada do lado de fora de sua casa, brincando com uma flor vermelha quando seu avô saiu, procurando por ela. Sorrindo, o velho sentou-se ao lado da neta e reparou que a tal flor era uma rosa.

-Onde conseguiu esta rosa, Petra?

-Foi um homem que me deu, vovô... Um homem de cabelos azuis, muito bonito!

-Menina, eu já não disse para não aceitar presentes de estranhos?

-Desculpa, mas é que a rosa é tão bonita...

Homero suspirou, encarando a neta. Temia por ela, uma menina tão bonita para seus oito anos! Porém, o encantamento de Petra pela rosa o tirou de seus pensamentos.

-Você sabia que as rosas existem por causa da deusa Afrodite?

-Mesmo? Me conta essa história, vovô!

Sentando-se no colo do avô, Petra passou a prestar atenção no que ele dizia, adorava as histórias que ele lhe contava sobre a deusa do amor e da beleza.

-As rosas surgiram na Terra na época dos deuses, quando eles guerreavam entre si pelo controle do nosso mundo. Em uma dessas batalhas, Eros, o filho de Afrodite, foi ferido mortalmente e a deusa ficou muito triste. Chorou tanto que Zeus, penalizado, resolveu dar a ela um presente.

-Que presente, vovô?

-As rosas... Cada lágrima que Afrodite derramava, transformava-se em uma rosa quando tocava o chão. E estas flores, tão belas, existem até hoje e simbolizam o amor.

-Ai que lindo, vovô!

Nesse momento, a mãe da menina chegou, voltando do trabalho. Saltando do colo do avô, Petra a abraçou com força, quase despedaçando a rosa.

-Mamãe, o vovô estava me contando histórias de Afrodite!

-É mesmo? Isso é muito legal, mas agora está na hora da senhorita entrar e tomar seu banho, certo?

-Sim!

Petra entrou correndo na casa, deixando o avô e mãe a sós. Suspirando, ela se voltou para Homero.

-Pai, por que o senhor insiste em contar essas histórias sobre Afrodite para Petra? Deveria falar sobre Atena, a nossa deusa protetora.

-Não se preocupe com isso, minha filha... Um dia irá entender os meus motivos.

Entrando pela casa, o velho deu por encerrada aquela conversa. A mãe de Petra ainda ficou um tempo do lado de fora, recolhendo os brinquedos espalhados pela filha e também entrou.

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Quando os primeiros raios de sol banharam o Santuário, Saga sentiu o calor sobre seu rosto. Tinha dormido de janela aberta e agora a luz invadia seu quarto com força total, indicando que aquele dia seria de muito sol e temperaturas altas. Espreguiçando-se, ele ajeitou seus travesseiros e ficou olhando para o teto, pensativo. Há quanto tempo não tinha sonhos! E naquela noite ele tinha tido vários, e sobre coisas que julgava esquecidas, passagens de sua vida que nem se lembrava mais. "Aqueles belos olhinhos... Onde estarão agora?", perguntava-se, mirando o vazio. Ficou assim por um bom tempo até que começou a ouvir sons vindos dos outros cômodos, passos pelo salão, portas se abrindo até chegar à cozinha e o som metálico de panelas, travessas e afins serem ouvidos. Intrigado, o cavaleiro se levantou, alcançando a porta.

-Será que deu formiga na cama? O Kanon dificilmente acorda antes das onze!

Saindo de seu quarto, Saga logo alcançou a cozinha e viu que realmente havia alguém lá. E, quando entrou, a pessoa ouviu seus passos e se virou para cumprimentá-lo. Aí...

-Bom dia, senhor SagAaaahhhh! - exclamou Petra, derrubando no chão as travessas que segurava, cobrindo os olhos com as mãos. Sem jeito, o cavaleiro voltou correndo para seu quarto, não sabia onde enfiar a cara. Achando que era o irmão na cozinha, nem tinha se dado ao trabalho de colocar uma roupa e estava somente de cuecas, como costumava dormir.

-Burro! Burro! Por Atena, que vergonha! O que essa menina vai pensar de mim? - resmungava para si mesmo, vestindo de qualquer jeito uma calça jeans, pegando a primeira camisa que encontrou no armário.

Na cozinha, Petra juntava as travessas, se abanando, quando o cavaleiro voltou, totalmente constrangido.

-Me desculpe, senhorita... Eu achei que fosse meu irmão...

-Está tudo bem, senhor Saga... Eu vou... Vou preparar o café... - disse a jovem, enquanto colocava água para ferver, tentando afastar de seus pensamentos a imagem daquele homem só de cuecas na sua frente, os músculos bem desenhados do peito e abdômen, as coxas grossas e firmes, os braços bem talhados e fortes...

Ambos sem graça, não trocaram uma única palavra durante todo o tempo. Depressa, Petra serviu o café, leite e vários tipos de pães e frutas. Depois, ela já ia se retirando para fazer a cama, mas Saga a chamou de volta. Tinha percebido, pelo semblante dela, que Petra não tomara café em casa.

-Senhorita Petra!

-Pois não?

-Deixe para fazer a cama depois. Não gostaria de se sentar e tomar café comigo?

-Ah, não senhor... Não quero incomodá-lo.

-Não é incômodo nenhum. Vamos, puxe uma cadeira e sirva-se à vontade.

O olhar de Saga era tão convidativo que a jovem aceitou. Sentando-se, ela se serviu de café com leite e pão doce. E o cavaleiro notou o quanto ela parecia satisfeita com isso.

-Então... - Saga começou a falar, chamando a atenção da jovem, que acabou engasgando ao notar que ele se dirigia a ela.

-Desculpe... Então o quê?

-Fale-me sobre a senhorita, onde mora, sua vida... Essas coisas.

-Bem... Eu moro na Vila de Rodorio, senhor... Fica aqui perto. -Petra começou a falar, mesmo sabendo que Saga conhecia a vila, já a ajudara um outro dia.

-Eu sei, costumo passear por lá... Mora sozinha?

-Nã... Não, senhor. Moro com meu avô, Homero Niarkos.

-Ah, é por isso que foi embora ontem?

-Sim, senhor. Meu avô é um homem já de idade e está muito doente... Estou trabalhando aqui no Santuário para poder pagar um bom médico e remédios para ele.

-Entendo... - o cavaleiro comentou, servindo-se de mais café. "Puxa, deve ser difícil para ela cuidar do avô doente e ainda ter de trabalhar... Se pudesse ajudá-la de alguma forma...".

-Senhor Saga? - chamou Petra, fazendo com que o cavaleiro despertasse de sues pensamentos.

-O quê?

-Eu já terminei o café, posso me retirar?

-Claro, eu acabei também e te ajudo a retirar a mesa.

-Não precisa, senhor.

Sem dar ouvidos ao que a jovem dizia, Saga levantou-se e foi levando as xícaras para a pia, assim como os talheres. E, quando foi pegar o bule do café, Petra teve a mesma idéia e as mãos de ambos se encontraram, a do cavaleiro por cima, sentindo a maciez da pele perfumada da jovem.

-Eu... Eu vou arrumar a sua cama, senhor...

Constrangida, Petra saiu depressa da cozinha, deixando Saga com o bule na mão e o olhar fixo em seus passos, acompanhando-a. E, enquanto arrumava a cama do cavaleiro, a jovem pensava em seu avô, em algo que ele havia lhe dito quando adolescente. "Tome cuidado, ouviu bem? Você não pode se deixar levar por esses sentimentos banais, está entendendo?".

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Uma pequena nota: a mitologia realmente conta que as rosas nasceram das lágrimas de Afrodite, mas eu ouvi tantas versões diferentes sobre esse episódio que decidi colocar a que achei mais bonitinha. Afinal, querem amor maior do que o de uma mãe por seu filho? Acho difícil...

Um grande beijo a todos que estão acompanhando esta fic, em especial a minha amigona Kalíope, Juliane Chan e a Arthemisys.