Capítulo 9 – Nas Nuvens

– Não querido, essa não. Vassouras de corrida são péssimas para limpar a casa... Volta e meia acabamos flutuando a cinco centímetros do chão, varrendo o ar. Aliás, levando-se em conta o estado dela, vou é jogá-la fora de uma vez, junto com outras quinquilharias que andei encontrando pelo apartamento.

Harry deixou a bruxa tomar a vassoura velha de suas mãos, ligeiramente curioso com o que ela acabara de dizer. Sirius tinha uma vassoura de corrida! Podia ter jogado no time da escola, junto com seu pai. Mas ele nunca havia dito nada... Sempre dissera a Harry que seu pai era um dos melhores, mas nunca mencionara uma vírgula sequer sobre sua própria habilidade em domar vassouras.

– Pelas barbas de Mérlin, Andrômeda! Você não pode jogar essa vassoura fora! – Remo tomou os objetos da mão da bruxa.

– Ficar guardando velharias, Remo? Aposto que nem voa mais... – ela cruzou os braços, levemente zangada.

Remo não reparou em Andrômeda. Olhava vidrado para a vassoura, como se fosse um garotinho que via uma Firebolt pela primeira vez na vida. Harry notou o interesse e praticamente adivinhou: como tantos outros objetos daquela casa, a vassoura devia ter sido protagonista de uma aventura dos marotos.

– Qual é a marca, pro... Remo? – Harry se corrigiu. Tinha que parar com a mania de chamar Lupin de professor.

– É o primeiro modelo da Silver Arrow. Sirius a conseguiu quando estávamos no quarto ano.

– Peraí – Andrômeda pousou os olhos curiosos na vassoura detonada –, então, esta é aquela...

– Exatamente – Remo confirmou com um sorriso, deslizando o dedo indicador sobre o cabo lascado que há tempos não era polido.

– Esta é aquela o quê? – Harry sabia que tinha que perguntar ou Remo e Andrômeda continuariam a completar os pensamentos um do outro sem que isso fizesse o menor sentido para o garoto.

– Qual das duas histórias você quer primeiro? – Remo perguntou a Harry com um certo contentamento.

– A de como Sirius conseguiu essa vassoura – Andie interrompeu. – Dará a oportunidade de Harry conhecer um pouco melhor o pai que tinha.

– E o quão persuasivo Tiago Potter podia ser!


– Pelo amor de Mérlin, Sirius, não me diga que...

O tom de voz desesperado de Tiago era comum nas proximidades de qualquer jogo de quadribol, e com o passar do tempo fora se tornando bastante exacerbado. Neste caso específico posso garantir que o que menos o afligia era o jogo: na verdade, o grande problema era perceber que seus sonhos de montar o melhor time de Hogwarts de todos os tempos teriam de se adequar à realidade.

– A oportunidade era perfeita...

Sirius franzia a testa, emburrado. Não era preciso ler mentes para saber exatamente que estava danado com Tiago. Seu pai era mestre em querer coisas impossíveis e, por mais incrível que pareça, sempre dava um jeitinho de consegui-las. Talvez Lílian seja o maior exemplo disso. A parte ruim dessa história é que ele tinha o péssimo costume de achar que nós também podíamos fazer certos "milagres".

– Talvez eu possa ficar com a vaga – Pedrinho sugeriu, tentando reanimar seu pai, sem levar em conta que ele passava longe da idéia que Tiago tinha do batedor ideal para o time da Grifinória.

– Converse com ele de novo – Tiago interpelou Sirius pela última vez.

– EU-JÁ-FIZ-ISSO! – e bufou como sempre fazia quando estava prestes a perder a paciência.

Estávamos no quarto ano quando Fabian Prewett, batedor da Grifinória por anos a fio, se acidentou misteriosamente numa aula de poções. Você não deve achar isso estranho, uma vez que muitos alunos costumam explodir caldeirões nos primeiros anos, mas além do fato de Fabian já ser formando, a aula de Poções Avançadas tinha apenas cinco alunos: todos os outros da Sonserina. E sendo aquela uma sala de magia avançada, erros tolos não aconteciam. Entretanto, o caldeirão de Fabian explodiu, ninguém soube explicar como, num breve intervalo de cinco minutos em que o professor deixara a sala. O caldo fervente espirrou sobre o rapaz e, apesar dos bons reflexos, mãos e braços foram atingidos. Você não imaginaria o tipo de queimadura que poções em ebulição podem causar. Nem as melhores poções e feitiços de Madame Pomfrey foram capazes de sanar o problema de imediato. Prewett precisaria de uma semana de "molho", incapaz de segurar qualquer objeto por mais de 15 segundos.

Tiago, que, como sua mãe diria, era PhD em insensibilidade, sequer se solidarizou com o colega de time. Propôs de imediato que Sirius assumisse seu lugar, afinal, o jogo contra a Sonserina aconteceria antes que o batedor oficial se recuperasse. Idéia comprada pela capitã do time, Marlene McKinnon.

– Mande-o aparecer no treino de amanhã com uma vassoura em bom estado. Se ele render metade do que o irmão dele rende para a Sonserina, ele está no time.

Exatamente, Harry, o batedor da Sonserina era nada mais nada menos que o irmão mais novo de Sirius, Regulus Black. Um ótimo batedor, aliás, que cerca de um mês antes havia ganhado a melhor vassoura de corrida que um garoto poderia desejar. E enquanto o irmão de Sirius tinha uma Silver Arrow – tinham acabado de lançá-la no mercado -, seu padrinho...

– Como você vai poder ser batedor sem uma vassoura, Sirius?

– E você achou que Regulus iria me dar a vassoura antiga dele assim, de bandeja, Tiago? Não me faça duvidar da sua inteligência – Sirius ficava cada vez mais irritado.

– Eu posso emprestar a minha – Pettigrew sugeriu timidamente, mas Tiago o ignorou. A vassoura de Pedrinho era praticamente um brinquedo perto de uma Silver Arrow. Era como, como... Como colocar uma Silver Arrow competindo com uma Firebolt nos dias de hoje.

– Não! Eu achei que... Ei, nós podíamos roubar a vassoura dele! – os olhos de Tiago e Sirius se cruzaram, faiscantes.

– E ela seria confiscada minutos antes do jogo, com certeza – eu saí do meu silêncio para lembrá-los do óbvio.

Todos amarramos as caras, indignados com a realidade. Meus olhos desviaram-se automaticamente para a mesa da Corvinal à procura de Emengarda, minha namoradinha dos tempos de colégio. Em vez dela, encontrei Andrômeda, que, concentrada num livro qualquer, levava o garfo em intervalos à boca sem dar-se conta do que comia. Sirius podia pedir a ajuda dela, mas certamente não o faria. Era orgulhoso demais para apelar a favores de Andrômeda. Na verdade, era orgulhoso demais para pedir favores a quem quer que fosse.

Levantei do banco decidido a falar com ela, pensando em usar como desculpa que tinha um recado a dar para Emengarda, mas minha namorada apontou no salão nesse mesmo instante, deixando-me sem álibi. Engraçado... Há tempos não penso em Emengarda como i minha /i namorada... Por quê? Ah, namoricos adolescentes perdem a importância com o tempo, ainda que nos deixem sem ar e com o coração na boca quando não temos mais que 15 anos. E isso já faz tanto tempo... Sirius e Pedrinho não gostavam dela; Tiago a achava sem sal e um pouco convencida. Mas esse adjetivo não era algo pejorativo na cabeça de seu pai, uma vez que não havia outro aluno mais convencido que ele em toda Hogwarts. Palavras de sua mãe que ele assumia sem culpa ou vergonha. "Sou bom em tudo mesmo, o que posso fazer?", ele retrucava sempre, deixando os olhos de Lílian ainda mais vivos e faiscantes por conta da raiva.

Quanto a Emengarda... Talvez ela fosse um pouquinho... hum... inteligente demais. Hermione se parece um pouco com ela, a mão levantando a todo instante, arrebatando pontos e mais pontos para a Corvinal. Ela poderia lhe contar boas histórias sobre Sirius, caso se dispusesse a tal. Ah, eu disse que ele não gostava dela, né? Isso mudou mais tarde. Tornarem-se bons amigos, até onde Sirius podia ser amigo de uma mulher. Mas eu estou desviando da história da vassoura.

Emengarda sentou-se conosco e, como era de costume, começou a implicar com alguma coisa que Sirius fizera na aula Aritmancia daquela manhã. Distraídos pelo falatório dela, nem eu nem seu padrinho percebemos que Tiago tinha deixado a mesa.


– Você e Tiago tiveram uma idéia parecida, mas não posso dizer que foi a mesma, Remo – Andrômeda prendeu o cabelo negro na altura do ombro num coque desajeitado, usando a própria varinha como prendedor.

– É, eu jamais teria chegado ao extremo que Tiago chegou – Remo sorriu para Harry, como se ele não fosse seu ex-aluno, e sim a cópia perfeita do amigo de infância.

– Não é uma questão de extremos, Remo – a bruxa torceu o pescoço para um lado e para o outro, massageando os músculos doloridos. – Ele simplesmente conhecia Sirius melhor que você, provavelmente até melhor do que eu.


Eu realmente não prestava muita atenção à comida durante as refeições. Tinha o péssimo costume de ler à mesa desde que me conhecia por gente, como se as letras pudessem desaparecer de uma hora para a outra se eu esperasse muito. Na verdade isso era um reflexo de crescer no Largo Grimmauld, onde minhas irmãs e meus primos estavam sempre à espreita esperando uma chance de colocar em prática alguma nova azaração. Narcisa fora a primeira a notar minha submissão aos livros. Certa vez, ignorei-a por conta de um romancezinho chinfrim do qual não me cansava. Minha irmã, que ainda não sabia ler, pediu a Bellatrix para lhe ensinar um simples feitiço de confusão. No dia seguinte, qual não foi minha surpresa ao ver todas as letras embaralhadas? Talvez porque ela mesma tenha executado o feitiço imperfeitamente, nunca consegui desfazê-lo.

Mas isso não tem nada a ver com essa história. A não ser o fato de que, por estar perdida num texto qualquer de História da Magia, não percebi meu garfo vazio pairando no ar, a dois centímetros de minha boca, e mordi o ar, para não dizer a língua.

– Sirius Black, se fizer essa brincadeira estúpida mais uma vez... – e não pude completar minhas palavras, porque, quando abaixei o livro, quem estava atrás de mim não era meu primo, mas seu pai. – Potter?

Minha primeira ação foi olhar para a mesa da Grifinória e constatar que Sirius ainda estava por lá, discutindo ferozmente com uma garota da minha casa. Antes que eu conseguisse compreender a situação, Tiago fizera todo o meu material flutuar logo atrás dele e, assim, saiu correndo do Salão. Minha hesitação não durou mais que alguns segundos e logo eu seguia o rastro de livros flutuantes.

Seu pai era rápido e, quando dei por mim, já tinha subido dois lances de escada e estava perdida em algum lugar da ala norte do castelo.

– Tiago Potter! Seja lá o que for que você e Sirius estejam tramando... – e então senti a queimação na garganta típica de alguém que é atingido por um Silentium.

Tiago saiu de trás de uma coluna, meu material flutuando ao lado dele. Olhou para todos os cantos do corredor deserto e, então, arrombou uma sala, puxando-me para dentro dela com ele. Balançou a varinha mais uma vez e eu senti minha voz voltar, desembocando numa enxurrada de palavrões que não precisam ser repetidos aqui.

– Pode parar. Metade desses elogios só se aplicam a sonserinos – e sorriu sonsamente, como quem está acostumado a deixar pessoas desconcertadas.

– E eu pensei que estivesse acostumada a acontecimentos estapafúrdios – resmunguei tentando evitar o pensamento que não me saía da cabeça: o que diabos Tiago Potter queria comigo?

– Não pense besteiras, Andie.

– Andie? – Era difícil pensar que alguém pudesse ser mais atrevido que Sirius, mas... – Quem lhe deu liberdade para me chamar assim? – tentei colocá-lo em seu lugar.

Ele fez pouco caso:

– Sirius te chama assim o tempo todo. E seu nome é comprido demais! E não comece a criar caso. – E descarregou de uma vez sobre mim: – Você gosta do Sirius, não? Ao menos sei que ele gosta de você. É a única pessoa que ele poderia chamar de amiga na casa em que moram. Está disposta a provar que vale tal confiança?

– Quê? Como? – meu desconcerto só aumentava.

– Sirius precisa de um favor, Andie – ele mudou o tom de voz, falando mais baixo, os olhos castanhos fixos nos meus. – Você não negaria um favor a Sirius, negaria?

Eu teria respondido "não" imediatamente, mas Tiago... Tiago tinha esse ar malandro que te deixa desconfiada até quando você tem certeza de que ele está falando sério.

– Qual é o favor? E por que Sirius não pede o tal favor ele mesmo?

– Ora, Andie, você sabe que Sirius nunca pede nada a ninguém, exceto a mim. Na verdade, sou eu quem normalmente adivinha o que ele quer. Sabe, acho que na verdade nós somos irmãos gêmeos separados no berçário, só que eu nasci mais bonito, é lógico!

Obviamente eu caí no riso. Qualquer um caía no riso quando Tiago começava a se auto-elogiar, com exceção de Lílian.

– De qualquer forma, temos essa ligação, sabe, Andie? Até por isso eu posso chamá-la assim! Ser irmão gêmeo de alma com Sirius me faz seu primo.

– Menos, Tiago – eu sufoquei o riso e me rendi. – Do que é que Sirius precisa?

– Bom, eu quero que seu primo entre para o time. Você já deve estar sabendo do que aconteceu com o Prewett.

– A escola toda sabe – dei de ombros. – Então Sirius vai ser o batedor da Grifinória? Interessante.

– Não vai – Tiago finalmente deixou o desapontamento transparecer. – A não ser que ele consiga uma vassoura, só que seus tios não parecem muito inclinados a dar uma de presente para ele. Tentamos juntar todo o nosso dinheiro, mas, definitivamente, não dá para comprar uma vassoura decente com seis galeões, quinze sicles e três nuques. E seu primo Regulus...

– Regulus está com uma vassoura sobrando – deduzi rapidamente, lembrando de como meu primo desfilara pelos corredores com a Silver Arrow sobre o ombro no final de semana anterior.

– Exatamente. Convenci Sirius a pedi-la, mas Regulus não quer dar. No mínimo está com medo de que Sirius seja melhor batedor que ele.

– Não é – eu respondi naturalmente, para a surpresa de Tiago. – Não adianta fazer caretas. Regulus é melhor jogador de quadribol que Sirius. Seu amigo não tem a paciência necessária para não arrebentar os miolos dos outros com um balaço.

Tiago bufou um "até parece!", discordando completamente do que eu acabara de falar. Ele e Sirius sempre foram cegos para os defeitos um do outro: defendiam-se mutuamente a qualquer preço. Mas eu prossegui:

– Regulus não vai dar a vassoura para ele simplesmente porque ele é Sirius e os dois se detestam. É como Narcisa fazer um favor para mim.

– Narcisa não faria, mas Bellatrix... – seu pai voltou ao plano inicial.

– Bellatrix menos ainda! – eu praticamente gani, assustada com a idéia. Eu nunca havia pedido nada a minha irmã. Bellatrix fazia favores, mas sempre exigia pagamentos em troca deles.

– Não é você quem vai pedir – ele adivinhou meus pensamentos. – Sou eu. Para Sirius. Ela não vai recusar.

– Não vai recusar? Ela sequer vai se dar ao trabalho de te ouvir.

– Acho que você se surpreenderia em saber o quanto sua irmã se interessaria pela proposta. Até porque eu tenho argumentos irrecusáveis...

Franzi a testa tentando imaginar Bellatrix fazendo a vontade de alguém. Não, Tiago estava delirando. Aquilo era simplesmente impossível.

– Marque o encontro com ela e me informe. Não diga que sou eu quem quer falar com ela. Vamos fazer uma surpresinha... – ele esfregou as mãos, os olhos brilhando. – E quero você presente. Vai ser a testemunha do nosso acordo, para que sua irmã não possa voltar atrás.

– Eu? Impedir que Bellatrix não cumpra com a palavra? Alguém já disse que você tem um parafuso a menos, Potter?

Ele nem ouviu o que falei.

– Estamos combinados, então – ele disse enquanto escorregava por uma fresta estreita da porta e meus livros caíam no chão de pedra, provocando estrondo. Dois minutos depois Filch apareceu e me deu uma detenção por arrombar uma sala de aula.


– Por isso você estava tão furiosa naqueles dias – Remo tentava segurar o riso, vendo o rosto da bruxa a sua frente se contorcer de raiva como quando era adolescente.

– Meu pai queria ajuda de Bellatrix? – Harry não havia digerido muito bem a informação – Mas que tipo de arma ele poderia ter para convencê-la?

– Era justamente o que eu queria saber. E foi por isso, e apenas por isso, que eu resolvi atender ao pedido de seu pai.


Perdi as contas de quantas voltas dei ao redor do salgueiro lutador. Fora lá que Tiago me mandara marcar o encontro com minha irmã, que deveria ser ainda naquele dia, segundo um bilhete amassado que chegou às minhas mãos pelo intermédio de Emengarda. Lugar estranho de se marcar um encontro desse tipo, afinal, qualquer um poderia chegar de repente, ou ouvir toda a conversa escondido atrás de um arbusto ou moita mal aparados. Bellatrix já estava atrasada quinze minutos e eu tinha minhas dúvidas de que ela apareceria. Quase noite, a lua minguante se escondia atrás de uma névoa fina, enquanto o sol terminava seu trabalho diário. Nem sinal de Tiago.

A idéia de que seu pai estava me fazendo de trouxa obviamente me ocorreu, mas tão logo Bellatrix apontou ao longe, eu ouvi a voz de seu pai próxima a meu ouvido, apesar dos meus olhos jurarem que não havia ninguém ali.

– Fique tranqüila! Acene para ela, acho que ainda não a notou. Deixe o resto por minha conta.

Bellatrix andava devagar, como de costume. O rosto virava-se para um lado e para o outro metodicamente, procurando inimigos invisíveis. Sempre achei que esta fosse uma das manias mais estranhas de minha irmã mais velha, mas a voz sem corpo de Tiago parecia reafirmar que tal preocupação talvez não fosse vã.

Acenei como seu pai pedira. Bella não acelerou o passo, apenas levantou brevemente as pestanas constantemente caídas, o rosto mais sombrio que de costume. O vento aumentava conforme minha irmã se aproximava e o salgueiro soltava as últimas folhas daquele outono que teimavam em se prender no meu cabelo despenteado.

Por fim estacou, a cerca de dez passos diante de mim. Analisou-me de alto a baixo, indagando com os olhos o porquê de tanta urgência. Eu havia escrito um bilhete curto e mal explicado, marcando data e horário, dizendo que da presença dela dependia minha vida ou morte.

– Ainda está viva? – ela sorriu maliciosamente, enquanto afrouxava a gravata do uniforme.

Seu pouco caso não me era estranho, ainda que eu sempre tenha duvidado de que Bellatrix pudesse realmente me fazer algum mal real. Suas azarações não eram piores que as de Sirius ou de Narcisa. Na verdade, meu pavor residia na forte impressão de que ela me via como um bichinho de estimação – talvez cobaia de experiências fosse um termo mais apropriado.

– Vejo que minha morte não faria muita diferença para você.

– Não sei. Nunca parei para pensar a respeito. Provavelmente não. – Ela levantou as sobrancelhas, alheia à ventania que nos cercava, e me encarou. – Espero que tenha um motivo decente para me trazer aqui. Lugar estranho de se marcar um encontro.

Eu sorri, agradecida por perceber que naquela pessoa gelada à minha frente ainda havia traços familiares e que as idéias de Bellatrix não eram assim tão diferentes das minhas, ainda que sempre um tanto mais perversas. Sei que não gosta de Bellatrix, Harry. Eu mesma já provei dissabores tão grandes por causa de minha irmã que por vezes tentei odiá-la. Mas o sangue sempre foi mais forte. O maldito sangue dos Black, que nos impele a procurar razão na insanidade dos outros.

– Eu... eu... – por fim baixei os olhos, imaginando a fúria que viria a seguir. Onde estava Tiago?

– Andie marcou este encontro a meu pedido – e como se tivesse lido meu pensamento, ele surgiu por detrás de Bellatrix, falando a meio tom, próximo ao ouvido dela.

– Bella, não!

Vi minha irmã pular feito um gato e sacar a varinha mais rápido do que um lince poderia correr. Tiago foi atirado uns dois metros para trás; os óculos, muito parecidos com os seus, aliás, se partiram, as lentes estilhaçadas perderam-se na grama alta e espinhenta.

– O que significa isso, Andrômeda? – Bellatrix me paralisou enquanto eu corria para socorrer seu pai, preocupada que ele pudesse ter quebrado alguma costela.

– Você é surda? – Tiago acomodou-se melhor na relva, coçando a cabeça num ponto que parecia dolorido. Acenou a varinha em direção aos óculos e depois de ajeitar (ou desarrumar) um pouco os cabelos, colocou-se de pé. – Eu disse que Andrômeda marcou este encontro a meu pedido. Ai! Sirius me avisou que você era rápida no gatilho, mas eu...

– Sirius! – ela deu um sorriso de escárnio. – Eu devia ter imaginado. Não sabia que você andava ajudando nas armações de nosso primo, Andie querida.

Balançou a varinha em minha direção e me vi ainda mais próxima da terra do que Tiago estivera poucos instantes antes.

– Eu só marquei o encontro porque... porque... porque estava querendo rir um pouco – terminei de dizer ao me levantar. – O Potter acha que pode convencer você a fazer algo para ele.

– Não é para mim – ele se apressou em me corrigir, aproveitando para me lançar um olhar rancoroso. – É um favor para Sirius.

Bellatrix começou a rir, primeiro uma risada nervosa, fraca. Depois, numa explosão de gargalhadas que arrepiaram minha espinha e, por mais que Tiago mantivesse o olhar altivo, eu sabia que ele também sentia cada nota aguda retumbar em suas veias.

– Não é de graça. – ele deu um passo, aproximando-se de minha irmã.

– Certamente não é de graça – Bellatrix retomou o ar zombeteiro com que se dirigia a todos. – Não faço favores gratuitamente. São todos muito bem pagos, Potter. Sirius sabe muito bem disso.

Eu também fiquei com essa coceira na língua, morta de vontade de perguntar por que Sirius sabia tão bem. Não, Sirius era orgulhoso demais para pedir favores a Bellatrix. E, bem, eles não se falavam havia pelo menos uns dois anos, ainda que se vissem diariamente e trocassem ofensas com o olhar. Sempre tiveram uma relação de amor e ódio... Onde eu estava mesmo? Disse que Bellatrix não fazia nada de graça, não é?

– Sirius quer a vassoura velha de Regulus, Bella – eu me intrometi, tentando tornar aquela situação menos tensa.

– A vassoura de Regulus? – ela franziu a testa um momento. – E por que raios Sirius iria querer a vassouras de Regulus? Ele é péssimo...

– Sirius voa melhor do que você! – Tiago se ofendeu pelo amigo.

Bellatrix sufocou a risada, não por pena, mas porque adivinhara o rumo da conversa.

– Ora, ora, ora... Está querendo um novo companheiro de time, Potter? Imagino que pense que Sirius dará um bom batedor. Doce ilusão! – ela sorriu deliciada com a raiva que aflorava no rosto de seu pai.

– Se ele é assim tão ruim, então você certamente não se importará em ajudá-lo! – Tiago recobrou a calma instantaneamente, como se um plano novo tivesse acabado de lhe ocorrer. – Pense, Bellatrix, um batedor ruim, numa vassoura velha. Você não tem nada a perder.

– Eu não sou burra, Tiago – minha irmã retrucou furiosa, enquanto eu decidira que era melhor me manter calada. – A vassoura antiga de Regulus pode não render tanto quanto uma Silver Arrow, mas ainda é melhor do que a maioria dos espanadores de pó que o time de sua casa usa! Mas, realmente, este é um favor em que eu posso pensar, dependendo da maneira como você deseja retribuir os meus esforços.

Então seu pai abriu o sorriso mais delirante que já vi estampado no rosto de um garoto.

– Eu deixo você pegar o pomo!

– Como é que é? – eu não segurei meu espanto, Bellatrix também parecia um tanto incrédula. Mas pelo motivo oposto.

– É só isso que você tem a me oferecer?

Vi Tiago se transformar num inseto diante de suas pupilas insensíveis.

– Como assim só isso, Bella? Tiago acabou dedar o jogo na mão de vocês.

– Ele acabou de dizer que eu sou incapaz de pegar o pomo se ele estiver jogando, isso sim! – e agora a fúria reaparecia no timbre de voz. – Para seu governo, Potter – e cuspiu ao dizer o nome dele -, sou capaz de vencê-lo debaixo de chuva e com os olhos vendados.

Tiago e Bellatrix nunca haviam se enfrentado num jogo de quadribol, apesar de ambos estarem jogando há pelo menos três anos como apanhadores de suas casas. Na verdade, Bellatrix não era uma jogadora realmente aplicada. Faltava aos jogos quando bem entendia e da última vez que se desentendera com um capitão, o rapaz tinha ido parar na ala hospitalar. Jogava quando queria e, devo admitir, era a única pessoa que eu acreditava ser capaz de ganhar de seu pai. E isso não era para qualquer um, Harry. Tiago era o melhor jogador da escola, em qualquer posição.

– Eu nunca disse que você não era capaz – Tiago retomou a palavra com uma frieza que eu julgava impossível. Percebera que usara o estratagema errado; tinha que jogar o jogo de Bellatrix. – Mas, convenhamos, estou entregando o jogo na sua mão em troca da simples oportunidade de Sirius jogar no próximo domingo. E você poderá dizer a todos que ganhou de Tiago Potter sem que eu possa retrucar. Em todas as vezes que joguei de apanhador, eu nunca deixei de pegar o pomo.

As palavras de Tiago pareceram abalar Bellatrix por um segundo. Ela chacoalhou a cabeleira negra uma vez, e por fim se resolveu:

– Posso ganhar de você por méritos próprios.

Tiago mordeu os lábios. Sua "proposta irrecusável" acabara de ser recusada.

– Entretanto...

Os olhos castanhos se acenderam novamente, esperançosos.

– Bem, Sirius pode jogar...

– Pode? – eu arregalei os olhos. Minha irmã fazendo favores? Mas ela tinha seu Às na manga.

– Desde que você não jogue nunca mais na posição de apanhador. Isso garantirá alguma vantagem ao time da Sonserina depois que eu deixar Hogwarts.

Seu pai respirou fundo e foi de olhos fechados que ele disse:

– Feito!

– E tem mais uma condição.

– Ei! – Tiago se zangou, achando que abdicar de seu maior talento era pagamento suficiente. Ele realmente não conhecia Bellatrix.

– Sirius me fez uma promessa. Quero que ele pague. Antes do jogo. – E certificando-se de que não estava esquecendo nada: – Caso contrário, não tem vassoura.

– Mas Sirius não sabe que eu estou falando com você – Tiago parecia desconcertado pela primeira vez.

– Aposto que você saberá ser convincente, Potter! – ela deu um sorriso de escárnio. – Se conseguir que ele me procure ainda hoje, terá não a vassoura velha, mas a Silver Arrow de Regulus!

Disse isso e nos deixou ali, boquiabertos, e, enquanto se afastava, o vento trazia a melodia doce que minha irmã assobiava: uma antiga canção celta que exaltava o poder das mulheres.


– Não posso dizer que Sirius reagiu bem a esse acordo – Remo deixou a vassoura de lado, coçando levemente o queixo, pensativo. – Lembro que depois de ele e Tiago se trancarem no dormitório, saiu praguejando contra tudo e contra todos. Foi a primeira vez que vi Tiago verdadeiramente decepcionado.

– Mas meu pai não podia ter feito isso – Harry não conseguia se conformar. – Pedir favores a Bellatrix? E prometer que Sirius cumpriria algo que ele nem sabia o que era...

– Ele sabia qual era promessa, Harry. – Remo sorriu calmamente sob o olhar curioso de Andrômeda. – Tiago sabia todos os segredos de Sirius e jamais teria prometido algo que seu padrinho não pudesse cumprir.

– Mas se Sirius brigou com ele...

– Sirius era um tanto temperamental! – Andrômeda se intrometeu. – Certamente ficou contrariado a princípio, mas, bem, ele não perderia a oportunidade de enfrentar Regulus diante de toda a escola por nada no mundo. Nem mesmo por causa de Bellatrix.


Como eu ia dizendo, Sirius e Tiago discutiram ferozmente pela primeira vez desde que se tornaram amigos naquela noite e uma cama amanheceu vazia na manhã seguinte. Seu padrinho não dormira conosco e Tiago parecia angustiado. Foi Rabicho quem acabou convencendo-o a falar:

– Sirius deve ter arranjado algum modo de conseguir a vassoura, tenho certeza disso! Por isso não dormiu aqui – comentou esperançoso, esperando que isso tirasse Tiago da cama.

– Não, Pedrinho. Ele não dormiu aqui porque não quer ver minhas "fuças", como ele mesmo disse, enquanto a raiva não diminuir. Acho que o meti numa encrenca das grandes.

– Roubou a vassoura de Regulus? – eu arrisquei.

– Pior – ele se socou com o travesseiro. – Procurei Bellatrix.

– Você fez o quê? – Pedrinho ficou ainda mais alarmado que eu.

– A-a-achei que você tivesse pedido a Andrômeda, que tivesse enganado Narcisa... Até mesmo enfeitiçado Regulus, sei lá, mas nunca... – a idéia definitivamente não me entrava na cabeça.

Como Andrômeda disse há pouco, Sirius e Bellatrix mal se falavam desde uma confusão muito mal explicada no segundo ano de Hogwarts. Cruzavam os corredores fitando-se interminavelmente, mas com tal fúria que Tiago dizia que se alguém passasse entre os dois teria o cérebro derretido. E nunca trocavam uma única palavra. Talvez por isso aquele café-da-manhã tenha sido o mais atordoante do ano.

Sirius brincava com a tigela de cereal quando chegamos ao Salão Principal. Trocou um olhar rancoroso com Tiago, que se sentou imediatamente e praticamente ordenou que eu e Pedrinho nos juntássemos a Sirius. Se não conhecesse bem seu pai, poderia dizer que estava arrependido. Mas Tiago Potter nunca se arrependia de nada.

Sirius suspirou irritado após olhar mais uma vez para Tiago.

– O babaca vai ficar lá? – me perguntou voltando os olhos para o prato que ainda não provara.

– Imagino que ele queira dar um tempo para os ânimos esfriarem – eu sugeri.

– Faz as bobagens e depois... Não sei por que raios ele cismou que eu tenho que ser o batedor – resmungou.

– Porque ele sabe que você também quer isso. Ou eu estou errada?

Bellatrix se aproximara como um gato, a voz fina surtindo quase como um miado.

– Deve querer demais, aliás... – ela alisou o espesso cabelo negro jogado sobre o ombro direito, os olhos fixos na colher que Sirius mexia ininterruptamente.

Sirius mordeu os lábios e eu e Pedrinho cruzamos olhares, desconcertados.

– Você me deve uma vassoura – ele retrucou, mais ríspido que de costume.

Ela sorriu maliciosamente e jogou o cabelo para trás. Sem se mover um centímetro, gritou tão alto que não houve um ser no salão que não se virou para onde estávamos.

– Regulus!

Um grito curto e cortante, que dilacerava corações incautos pegos de surpresa. O irmão de Sirius levantou-se de um salto, quase assustado, branco de um medo indisfarçável. Sirius sempre fora o único a não tremer diante da voz ou do olhar de Bellatrix. Ao menos nunca na minha frente.

Creio que Regulus pensou duas vezes antes de decidir-se entre atender ao chamado da prima e fugir o mais rápido possível dali. Meio que empurrado pelos amigos e colegas de time, o garoto de 13 anos deixou a mesa da Sonserina carregando sobre o braço a maravilhosa vassoura que era o sonho de consumo de nove entre dez garotos bruxos daquela época.

– Que foi, Bella? – ele perguntou receoso, evitando encarar o irmão.

– Sirius acabou de me contar a piada mais divertida do ano! Achei que você devia ouvir também!

Sirius deu um sorriso cínico para o irmão e enfiou a primeira colher de cereal na boca, ignorando completamente os dois membros da família que se postavam diante dele. Bellatrix mordeu os lábios, ligeiramente contrariada, e continuou:

– Sirius estava contando para esses dois paspalhos que será o novo batedor da Grifinória, Reggie – e adocicou a voz no limite do suportável.

Sirius fez uma careta. Ou o café daquela manhã estava intragável ou as palavras que estava engolindo contra a vontade em breve explodiriam.

– Sirius? Batedor? – Regulus soltou uma risada comedida, prontamente abafada após um ganido do irmão.

– E disse que pode se sair melhor do que você, imagine! Que se não fosse a Silver Arrow, você não sobreviveria a duas rebatidas seguidas.

– Não seja ridículo, Sirius! – o rapazinho, incentivado pela prima, ganhava coragem para enfrentar o irmão mais velho. – Até mesmo Andrômeda sabe que você não rende metade do que eu renderia com a minha velha.

O cenho de Sirius se contraía mais a cada palavra e qualquer um notava a força que fazia para manter-se calado diante de toda aquela humilhação pública. Normalmente teria estourado na segunda frase de Bellatrix, mas agora limitava-se a engolir o cereal com leite gelado mais amargo que já provara na vida.

– Era justamente o que eu ia dizendo, priminho... Que Sirius poderia usar a sua Silver Arrow e você ainda seria melhor que ele.

– E seria mesmo – o garoto deu de ombros.

– Você apostaria sua vassoura nisso, não?

– Sem hesitar – o garoto concordava, sem perceber onde Bellatrix o estava levando.

– E é por isso que você vai emprestar sua vassoura nova para que Sirius jogue neste final de semana – e tomou a Silver Arrow das mãos de Regulus, entregando-a para mim.

– Quê? Ficou louca, Bellatrix? – o garoto reagiu imediatamente, mas antes que pudesse tomar a vassoura de volta, sua prima colocou um feitiço-parede entre nós, impedindo-o de tocá-la.

– Louca? Ora, Regulus, você acabou de dizer que seria capaz de apostar sua vassoura como era melhor jogador de quadribol que Sirius, que poderia derrotá-lo numa boa com sua vassoura velha!

– Eu... Eu... Eu... – finalmente percebera que fora enrolado.

– Não está com medo que Sirius se saia melhor que você, Reggie, está, queridinho?

– Não é medo... É... Eu sequer dei a volta de estréia, Bella! – o tom de voz era cada vez mais exasperado.

Percebi que Sirius finalmente dera um sorriso, voltando a apenas deslizar a colher na tigela cheia de leite e flocos de milho.

– Bobagem! Não será melhor que das outras vezes. Vassouras são apenas vassouras, Reggie! Não faça tempestade em copo d'água. Apenas prove que é melhor que ele. Você pode fazer isso, não pode? – disse isso roçando os cabelos do primo que, apesar de ser três anos mais novo, já era da sua altura. – Se nosso time ganhar, Sirius devolverá a vassoura imediatamente e nunca mais se atreverá pisar num campo de quadribol. Se ele ganhar... Bem, isso não vai acontecer.

Regulus apenas balançou a cabeça, concordando ainda que a contragosto. Lançou seu olhar mais mal-humorado para Sirius, que amarrara a cara novamente, sem que eu entendesse exatamente o porquê. Bella saiu arrastando o primo caçula pelo braço, o sorriso cínico resplandecente em seu rosto pálido. Os cabelos compridos acompanhavam o movimento de seus quadris e enfeitiçavam a mim, Pedrinho e Sirius momentaneamente. Nessas horas eu não conseguia deixar de concordar com Sirius: Bellatrix era uma das garotas mais lindas e assustadoras que já passaram por Hogwarts.

Tiago passou por nós três logo em seguida, encarou Sirius rapidamente e sorriu aliviado, ao ouvir o bufar irritado de seu melhor amigo levantando a vassoura nova em folha que eu colocara sobre a mesa. E só então eu fui descobrir que aquele era apenas o menor dos problemas a ser resolvido.


– O que afinal ela queria dele? – Harry aproveitou a pausa na narrativa para indagar, a curiosidade roendo-lhe as entranhas.

Andrômeda sorriu. Um sorriso triste de quem finalmente compreendia os fatos com uma clareza inimaginável anos antes. Tiago nunca arriscaria a amizade de Sirius. Ele sabia o que Bellatrix queria. Sabia também que Sirius estava disposto a fazer o que ela quisesse, que talvez até estivesse ansioso para tal acontecimento, disfarçando o contentamento na penumbra do mau-humor costumeiro. Entretanto, naquela época, ela via os acontecimentos com olhos ingênuos e ignorantes. Gostaria de continuar assim. Sirius e Bellatrix? Quantas vezes refutara aquela idéia? Quantas vezes não acusara Emengarda de mentirosa e despeitada... Procurava evitar tais pensamentos desde o último encontro com sua irmã, mas cada nova memória, fosse dela ou fosse de Remo, trazia detalhes que nunca se importara em recordar.

– Nunca viremos a saber, não é mesmo, Remo? – a bruxa suplicou para que o colega não contasse mais do que devia.

– Nunca. A não ser que Sirius tenha deixado algum diário largado por aí – ele sorriu. – E lembrando como ele detestava fazer anotações sobre qualquer coisa, duvido que perderia tempo escrevendo um.


Voltando a vassoura, tínhamos resolvido um problema, agora precisávamos nos ocupar com outro ainda maior:

– Como assim você não quer mais jogar como apanhador?

A voz estridente de Marlene McKinnon deve ter atravessado o campo e chegado ao castelo, mas Tiago excedera as expectativas daquela vez. Naquela mesma tarde, Sirius passava pelo teste que determinaria se a vaga de batedor seria dele e Tiago resolvera aproveitar a oportunidade para comunicar sua decisão. Exatamente: comunicar. Nunca passara por sua cabeça que ela poderia vir a negar um pedido seu. Mas recusar-se a jogar na posição em que construíra toda uma reputação como melhor jogador da escola, na qual trouxera três campeonatos seguidos para a Grifinória, para aquilo McKinnon não estava preparada.

– De jeito nenhum: é a vaga de apanhador ou nenhuma, Potter. Você decide.

– Mas isso é uma injustiça! Acabei de conseguir o melhor substituto possível para o...

Ela não deixou que acabasse.

– Prefiro jogar sem um de meus batedores a ficar sem um bom apanhador. Especialmente quando a justificativa para o abandono da posição é tão fraca quanto a sua.

– Mas eu enjoei de perseguir pomos, o que eu posso fazer?

Um pequeno grupo de alunos se candidatara à vaga de batedor e era no meio destes e de alguns outros curiosos que eu e Pedrinho escutávamos a conversa dos dois melhores jogadores do time da Grifinória. Tiago e Marlene planavam logo à nossa frente, assistindo ao teste de uma distância razoável, mas essencial. Vez ou outra garota se aproximava um pouco dos candidatos em prova e Tiago perseguia sua capitã vagarosamente, insistindo em sua decisão inapropriada.

– Vamos, eu trouxe uma Silver Arrow para o time... E você sabe que posso jogar bem em qualquer posição. Aliás, posso ser o melhor em qualquer posição.

– Quer ser batedor? – ela retrucou imediatamente, quando Sirius errou o primeiro balaço.

– Não – Tiago cruzou os braços, evitando olhar para seu padrinho. – Quero ser artilheiro!

– Não.

Ela arrancou rapidamente de perto das arquibancadas, para juntar-se ao grupinho no centro do campo. Deu uma bronca numa das artilheiras que parecia ter congelado ao ver Sirius lançar um balaço em sua direção.

– Eu daria um artilheiro melhor do que ela – Tiago comentou com desdém, vindo sentar-se a meu lado.

– Por que você quer deixar de ser apanhador? – perguntou um garoto.

Até aquele momento eu não tinha me dado conta que outras pessoas também estavam ouvindo Marlene e Tiago discutirem, mas, a julgar pelo número de olhos arregalados na direção de seu pai quando ele se virou para responder, o tom de voz de ambos devia estar um pouco alto.

– Cansei de ser apanhador. Você nunca cansou de nada, não? – ele retrucou ligeiramente aborrecido para o garoto que havia perguntado. Não contava com ter que dar explicações.

– Bela patada, Potter.

O comentário ácido viera de algumas fileiras atrás de onde estávamos. Sua mãe exibia um sorriso quase cômico de quem só estava esperando uma deixa para abrir a boca. Ah, sim, Lílian era um pouquinho, bem, tagarela demais às vezes. Isso foi no quarto ano... No quarto ano seu pai ainda não se interessava por ela como uma garota. Lílian era mais uma aluna intrometida cujo acaso fizera com que ela caísse na mesma casa que ele.

– Fique tranqüila, Evans. Para ele são só palavras, as azarações eu guardo para você – ele provocou e sua mãe fez uma careta de dor, por conta de uma cotovelada que Alice lhe dera nas costelas.

Mas Lílian não estava satisfeita. Além de tudo era curiosa.

– Achei que gostasse de sua popularidade, Potter. Você sabe que o apanhador é sempre o centro das atenções, não sabe?

Ah, ele sabia. Sabia tanto que pela primeira vez naquela tarde vi seu pai hesitar. Tiago nunca pensaria em abandonar definitivamente o posto de apanhador. Ele precisava era ganhar tempo para enganar Bellatrix, mas até que a situação se resolvesse precisava fazê-la acreditar que estava seguindo suas instruções.

– O centro das atenções é sempre o melhor jogador em campo. E eu sou sempre o melhor jogador em campo, não importa a posição.

Ele mal acabara de responder a Lílian quando Marlene voltou com um belo sorriso no rosto, pilotando a Silver Arrow de... Sirius? Era estranho pensar que, ao menos temporariamente, aquela vassoura era dele.

– Mérlin, eu sabia que a sensação deveria ser magnífica, mas... estou sem palavras! – ela disse exultante.

Tiago sorriu confiante: era agora ou nunca.

– Pensou no meu pedido, McKinnon? – perguntou, empinando a própria vassoura.

– A resposta continua sendo não, Potter – ela provou que não podia ser comprada facilmente.

– Então estou fora do time. – ele deu sua última cartada.

– É uma pena! – ela retrucou sem um mínimo de hesitação e voltou-se para os demais: – Estão esperando o quê? Espalhem a notícia. Teremos testes para apanhadores amanhã pela manhã.


– Meu pai deixou o time? – os olhos verdes de Harry se arregalaram por detrás dos óculos redondos.

– Não é tão simples assim, Harry. Digamos que ele garantiu que Sirius ficaria no time. Quanto a ele, bem, nem mesmo Bellatrix impediria Tiago Potter de jogar quadribol, que era o que ele mais gostava na vida! Depois de azarar sonserinos, é lógico.


– A arrogância dele às vezes me deixa pasma.

Naquele mesmo dia, quando a maior parte dos alunos já tinha deixado a sala comunal para se aconchegar no calor morno dos quartos, eu me detive um pouco mais, notando que sua mãe parecia bastante aborrecida. Alice terminava um trabalho para Estudo dos Trouxas, com os olhos presos no pergaminho e os ouvidos atentos às lamúrias de Lílian. Eram boas amigas, sem dúvida.

Sirius e Tiago tinham saído em busca de algum feitiço que fizesse com que Marlene concordasse com a troca, ainda que não tivessem idéia de onde poderiam encontrar algo desse tipo. Pedrinho, por sua vez, roncava baixo, amarrotado numa poltrona perto da lareira, vez ou outra murmurando palavras de admiração, como se estivesse sonhando com algum evento inacreditável.

– Só mais dez linhas e eu termino este rolo de pergaminho, Lílian. Então poderemos dormir. – Alice mordeu o lábio, pensativa, tentando reconquistar uma palavra que acabara de fugir de seus pensamentos.

– Eu não vou subir – Lílian retrucou visivelmente de mau-humor.

– Não? – eu levantei os olhos pouco além da margem do livro que fingia ler.

– Humpf! – Lílian cruzou as pernas sobre o sofá vermelho e apoiou a cabeça no encosto. – Vou esperar aquele... aquele... aquele i ser /i voltar. Ou ele me dá uma boa explicação para essa idiotice de deixar de jogar ou eu...

Não ouvi Lílian terminar a frase, distraído por uma corrente de ar gelado inconveniente. Tiago e Sirius deviam ter chegado, pensei imediatamente, e se não fosse minha preocupação... Ok, Andrômeda, minha curiosidade pela irritação de Lílian, eu teria acordado Pedrinho e subido imediatamente para meu dormitório, atrás de meus amigos invisíveis.

– Quem foi que abriu a passagem a uma hora dessas? – Alice parou o que estava fazendo e caminhou até o corredor externo onde ficava o quadro da mulher gorda. – Você devia passear menos pelos quadros de suas amigas e tomar conta...

Continuei ouvindo a voz mandona de Alice discutir com a figura do quadro que guarda a entrada da Grifinória desde sua fundação, mas meus olhos não desviaram de Lílian nem por um segundo. Resolvi me atrever, ainda que temesse os resultados:

– Sei que não é da minha conta, mas, bem, nunca pensei que você gostasse tanto assim de quadribol.

– E não gosto – Lílian retrucou com desdém, os olhos verdes passeando sem rumo pela luz bruxuleante das velas que iluminavam o cômodo.

– Então que diferença faz se Tiago está no time ou não? – e, tentando parecer menos hostil, complementei: – Isso pode fazer com que ele seja menos... hum... convencido, como você mesma vive dizendo.

– Ele não tinha uma hora melhor para fazer isso, não? – ela mordeu os lábios, repentinamente parecendo triste.

– Desista, Lupin, ela não vai parar de reclamar enquanto não jogar nas fuças do Potter que ele arruinou o encontro dela – Alice voltara a seu posto disposta a liquidar seu dever de casa de uma vez por todas.

– Encontro? – as palavras de Alice não passaram batidas.

– Oh-oh...

Vi seu desconcerto em seguida, os olhos implorando o perdão de uma Lílian mais corada que o normal. A boca de sua mãe tremia, procurando uma forma de consertar o lapso da amiga. Eu resolvi correr um risco ainda maior, esperançoso de que elas pudessem clarear minhas idéias.

– Vamos, Lílian, não precisa ter vergonha de mim. Sabe que não sou como Tiago! Não faria troça com um segredo seu.

– Eu sei – ela respondeu numa voz quase inaudível. – É que, bem, eu, eu tenho vergonha... Você é um garoto.

– Talvez Remo possa convencer Tiago a voltar ao time! – Alice arregalou os olhos, pensando ter tido uma idéia radiante. – Frank Longbottom, você sabe quem é o Frank, não é? Então, Frank tinha combinado de... hum... comemorar a vitória do jogo Grifinória vs. Sonserina com a Lílian.

Eu não esperava por aquilo. Sequer imaginava que Lílian flertava com Longbottom. Bem, ela era bastante discreta no que se referia a garotos e namoros, mas era uma idéia que nunca tinha me passado pela cabeça. Fica ainda mais estranho quando penso que foi Alice quem acabou se casando com Frank.

– Mas sem um apanhador, a Grifinória não ganha nem de um time de quadribol de trouxas! – Lílian finalmente desabafou o porquê da sua irritação.

Elas estavam depositando todas as esperanças em mim, mas algo me dizia que era justamente o contrário. Não sabia como nem por que, mas podia jurar que a salvação de Tiago estava no interesse de Lílian em vê-lo jogando. E por que não ajudar dois amigos de uma vez só? Assim, resolvi contar algo que não era realmente uma mentira.

– Tiago não quer deixar a vaga de apanhador.

As duas se entreolharam, suspeitando de mim. Pedrinho roncou alto e eu usei toda a minha criatividade para inventar uma desculpa convincente.

– Hum... vocês sabem, ele é orgulhoso! E adora o que faz, mas... A verdade é que, Tiago vai me matar... Bem, a miopia dele está aumentando. Ele foi conversar com Madame Pomfrey e ela disse que podiam pedir a troca das lentes, mas que, enquanto ele continuasse forçando a vista, não havia muita solução.

Alice parecia horrorizada, como se eu tivesse dito que Tiago fosse ficar cego.

– E procurar o pomo piora tudo... – Lilian concluiu a minha idéia.

– Exatamente! – eu estava radiante com a minha pequena esperteza. – E não é só o problema de piorar a visão. Ele já está tendo dificuldades em enxergar o pomo. Imaginem o que é achar uma bolinha quase invisível entre tantas vassouras zunindo de um lado para o outro.

– Nossa... Agora eu estou me sentindo mal. Não devia, mas estou. Potter não sentiria o mesmo por mim... – Lílian se encolheu.

– Mas por que ele não conta isso pelo menos para McKinnon? – Alice não se conformava.

– Orgulho besta. E, por favor, não digam nada a ela. Só eu, Sirius e Pedrinho sabemos a respeito. Tiago nunca nos perdoaria. A vaga de artilheiro seria perfeita para ele, afinal, a goles é bem maior que o pomo, não é mesmo? Está sendo uma tortura para ele abandonar o time.

As duas garotas ficaram caladas por um momento, parecendo refletir sobre minhas últimas palavras. Lílian franzia a testa e batia os dedos freneticamente no joelho enquanto Alice abria e fechava os livros que deixara sobre a mesa, num tique nervoso irritante.

– Só me responda uma coisa, Lupin, mas quero que seja honesto – Lílian abriu a boca afinal. – O amor de Potter pelo quadribol é suficiente para que ele jogue mesmo sem ser reconhecido por isso?

– Não entendi – eu fui sincero.

– O que eu quero dizer é o seguinte... Bem, se Tiago Potter quiser jogar simplesmente porque gosta de jogar e não para ficar se exibindo pelos corredores, eu acho que posso dar uma ajudinha.

– Pode? – Alice estranhou o sorriso que se abria no rosto de sua mãe.

– Digamos que se trata de uma troca de favores, Alice. Tiago Potter joga e eu posso sair com Frank! A McKinnon vai arranjar um apanhador decente, não vai? – ela me perguntou tentando se consolar. Ficara com pena de Tiago.

A ruiva bocejou preguiçosamente e levantou-se, ajudando Alice a recolher o material largado sobre a mesa. Eu fui acordar Pedrinho e, quando olhei para trás, ambas já tinham subido para o dormitório feminino. Caído no chão, perto da mesa, estava um pequeno chaveiro em forma de ampulheta que Lílian carregava para todo lado e que sempre despertara a curiosidade de Tiago, afinal, bruxos raramente carregam chaves. Principalmente na escola! Guardei comigo num pensamento egoísta: poderia valer como moeda de troca, caso Lílian mudasse de idéia.


– Nessa fase então eles já se detestavam – Harry perguntou com cautela, sem querer realmente saber a resposta.

– Eles nunca se detestaram, Harry – Andrômeda sorriu, novamente contente com o rumo que a história ia tomando. – Eles só tinha muitas... ahn... divergências de pensamentos.

– Nesse período eles meio que se ignoravam. Sua mãe achava seu pai um exibido e seu pai achava que Lílian era mais uma garota chata. E não era apenas Lílian que era chata na visão de Tiago. Todas as garotas eram assim para ele, inclusive você, Andrômeda! – Remo riu para a bruxa, que fingiu indignação.

– Engraçado como ele e Sirius inverteram de opinião com o passar do tempo, não é mesmo? – Andie se levantou, arqueando as costas doloridas. – Tiago desprezava as garotas e acabou correndo atrás de uma, enquanto Sirius... Sirius tinha amigas nessa idade e depois... – ela não completou o pensamento.

– Eu não sei se diria isso – Remo pensou na afirmação. – Sirius era i seu /i amigo. Era como... como se você não fosse exatamente uma garota, ainda que não fosse também um garoto. Não lembro de ele conversar com nenhuma outra garota. Lembro que quase fulminava Emengarda com os olhos cada vez que ela se sentava à mesa da Grifinória para tomar café comigo. Mas isso não vem ao caso. Acho que está na hora de narrarmos o jogo!

– Mas vocês não me disseram como minha mãe acabou ajudando meu pai. Aliás, não me disseram ainda nem se ele aceitou ajuda – Harry coçou a cabeça, pensativo.

– Nós vamos contar, Harry. Ah, vamos... – os dois adultos disseram em uníssono.


A semana transcorreu mais rápido do que o normal, até mesmo para mim, que não fazia parte de nenhuma das casas que jogaria naquele domingo. As folhas amareladas cobriam o campo e as arquibancadas, e o vento continuava a ferir os olhos de todos que saíam ao ar livre. Um problema a mais para a nova apanhadora da Grifinória, uma morena baixinha, Emily Wright, que por um pequeno acaso era descendente justamente do criador do pomo de ouro. Ouvi a informação por meio de Sirius, que completou com um muxoxo que isso não a tornava melhor do que Tiago em nada.

A verdade é que todos os alunos da Grifinória pareciam mais nervosos do que de costume. Marlene não mudara de opinião a respeito de Tiago e ele parecia cada vez mais inconformado de não poder mudar a situação. Lembro de vê-lo discutindo com Remo algumas vezes e, lamento, dizer, Sirius achava que ele tinha razão. Logicamente ele não tinha me contado a respeito de Lílian, mas confidenciou-me que você acreditava muito facilmente nas pessoas.

Mas as palavras de Sirius eram sempre vagas. Estava aborrecido com a ausência do melhor amigo no time de quadribol e, embora não admitisse, receoso de que não pudesse corresponder às expectativas de todos, especialmente às de Tiago. Mesmo assim, nada me preparara para a visita que recebi na manhã do jogo, na biblioteca.

- Srta. Black? – uma voz doce me interpelou. Era Alice.

- Pois não, Srta. Dearborn? – eu levantei os olhos do livro de poções, sorrindo para toda a formalidade de Alice. Seu irmão era um de meus melhores amigos. – A que devo essa honra?

Ela riu e olhou para trás, por cima do ombro. Tentei acompanhá-la, mas meus olhos não encontraram mais do que estantes empoeiradas. Talvez sua mãe estivesse escondida atrás de alguma delas, mas na hora o único pensamento que me ocorreu foi que Alice vinha falar de Sirius e, portanto, não queria que mais ninguém ouvisse.

- Poções? – ela se interessou pelas minhas anotações.

- É, sim. O Professor Slughorn nos deu tarefa extra para este final de semana – eu suspirei, entediada. – Acho que quer afastar a torcida extra para a Grifinória do jogo de hoje à tarde.

- Vamos precisar de torcida mesmo – ela se sentou. – Sem Tiago como apanhador, não vejo muita saída.

- Também acho que a nova batedora não é páreo para Bellatrix.

- Mas sempre existe a chance de ela não jogar, não é mesmo? Sua irmã é meio... hum... – ela olhou para todos os cantos da biblioteca e completou a frase num sussurro: – temperamental, não acha?

- Bellatrix não vai faltar a esse jogo – eu parei o que estava fazendo inconscientemente. – Não com Sirius no time adversário e com a vitória valendo uma Silver Arrow novinha em folha.

- Ah, Sirius... Ao menos temos essa compensação... – vi um sorriso abrir-se em seu rosto, para, em seguida, olhos assustados me fitarem. – Não se mexa.

- Ai! – senti uma puxadinha leve no meu couro cabeludo.

- Desculpe, Andrômeda, eu sou meio desajeitada mesmo – ela me mostrou alguns fios negros entre o indicador e o polegar. – Tinha uma fada mordente presa no seu cabelo. Eu estava tentando tirar!

Imediatamente levei minhas mãos à cabeça tentando me livrar do incomodo que até então eu não tinha percebido.

- Já saiu, Andrômeda! – ela me tranqüilizou e voltou a falar de Bellatrix: - Mas você acha mesmo que sua irmã não faltaria a esse jogo por nada no mundo?

- Não acho, tenho certeza. Só um motivo muito forte.

- Que tipo de motivo? – ela insistiu.

- Vai raptar Bellatrix antes do jogo, Alice? – eu ri, achando a idéia absurda.

- Eu pensei apenas em trancá-la num armário – ela retrucou em voz de deboche.

- Um risco meio alto para um simples jogo de quadribol.

Eu sorri, ainda sem acreditar que ela poderia tentar algo do tipo. Alice era rígida demais consigo mesma para infringir regras daquela maneira. E eu esperava que ela soubesse que aprontar uma dessas com Bellatrix renderia sua inimizade eterna e isso definitivamente era algo para se preocupar. Além do mais, Bellatrix não seria detida com um plano tão simplista.

Talvez seja a hora de eu assumir a narrativa, Andrômeda, pois sei o que se passava às portas do vestiário da Grifinória exatamente uma hora antes do jogo. Adivinhe, Harry: seu pai - por mais estranho que possa parecer - estava furioso com sua mãe! E comigo!

- Eu sabia! Eu sabia que ia dar nisso! Confiar numa garota, Remo? Ainda mais numa garota como a Evans, que só não esquece a cabeça porque...

- Ham-ham!

Bem na hora! Lílian apareceu vestida com saias na altura dos joelhos e um grosso casaco vermelho; o binóculo, com alças muito longas, caia-lhe quase na altura do umbigo. Seu rosto estava escarlate e a menina parecia ofegante, como se tivesse corrido quilômetros em poucos minutos. Entre os dedos, ela balançava uma pequena tulipa repleta de um líquido dourado como eu nunca havia visto antes. Não parecia nada contente.

- Pode terminar, Potter. Só não esqueço a cabeça porque está grudada no pescoço? Não é muito original. Minha irmã repete isso a cada duas horas mais ou menos – ela disse guardando o vidrinho no bolso.

- Isso aí não é para mim? – ele ignorou o comentário de sua mãe e se ateve ao que realmente importava.

- Era. Não sei mais se quero te ajudar – os olhos verdes faiscando como nunca.

- Eu disse! – seu pai começou. – Eu avisei. Essa porcaria que ela guardou no bolso deve ser suco de abóbora. Está óbvio que ela não conseguiu pensar em nada e...

- Quem disse que eu não pensei em nada? Para seu governo, eu já agi tanto que a Grifinória é capaz de ganhar sem que você tenha que jogar! – Lílian ficou ainda mais vermelha, sacudindo o dedo indicador rente ao nariz de Tiago.

- Ah, é? E como? – ele a desafiou.

- E pensar que eu tive pena de você... – ela retrucou, sem cair no jogo de Tiago.

- Pena de mim? Quem disse que eu preciso da sua pena?

- Tchau.

Creio que Tiago nunca tivera tanta raiva de garotas como naquela semana. Era como se tivessem feito um complô contra ele: primeiro Bellatrix, que conseguira complicar a situação a um nível impensável; depois Marlene, que, ao meu ver, podia ter sido um pouco menos exigente e deixado Tiago trocar de posição, afinal ele era um bom jogador; e, por fim, Lílian, em quem eu fizera Tiago depositar todas as suas esperanças. É bem verdade que, nessa época, seu pai não era nem um pouco sutil; arrogante certamente era a melhor palavra para descrevê-lo, mas ele era meu amigo, um ótimo amigo, e eu não poderia deixá-lo na mão.

- Evans, você me prometeu! – eu tentei lembrá-la, sem fazer cobranças.

Ela parou por um instante e então se virou.

- Eu achei que ele merecia uma outra chance. Mas agora acho que não. A Grifinória não vai perder.

- Como você pode ter tanta certeza? - Tiago, que estava chutando uma árvore qualquer até então, resmungou, sem olhar para nós.

- Porque, ao contrário de você, eu já tomei providências. Agora me dêem licença que eu tenho um jogo para assistir.

Ela não chegou a dar dois passos.

- Lílian Evans, se você quiser reaver esse seu... hum... Eu não sei o que exatamente é isso, mas é seu, e só vou devolver se você cumprir o prometido.

- Meu chaveiro! – e de perplexa, ela passou a furiosa. – Seu... seu... Você roubou o meu chaveiro! - E veio para cima de mim como uma ave de rapina.

Caímos ambos no chão, eu tentando explicar que não havia roubado nada e ao mesmo tempo garantir minha moeda de troca. Eu não sabia o que era um chaveiro até então. Foi sua mãe quem me explicou que trouxas tinham chaves, aos montes, e que precisavam de penduricalhos coloridos para agrupá-las e não perdê-las. Não que não tenhamos chaves no mundo mágico, mas, bem, elas não são assim muito úteis, não é mesmo? São poucas as fechaduras que não se submetem a um Alohomorra.

Na confusão de corpos, braços e mãos que lutavam, Tiago foi mais esperto, se atirou contra a cintura de Lílian e derrubou-a no chão. As mãos rápidas, acostumadas a envolver velozes pomos, tiraram o tubinho de poção de dentro do casaco de Lílian e, num trago, ele bebeu todo o conteúdo. Lílian parou de se debater, os olhos verdes contemplando, atônitos, o sorriso vencedor de Tiago. Ela não estava furiosa, estava decepcionada.

- Egoístas! Você só precisava ter pedido desculpas, Potter – ela se levantou, limpando a saia amarrotada com leves palmadas. – Mas eu já esperava algo assim vindo de você. Agora você, Lupin. Roubar meu chaveiro?

- Eu não roubei! - eu gritei. - Você deixou cair!

- E, afinal, para que serve esse negócio? – Tiago perguntou despreocupadamente, como se nada estivesse acontecendo. – E essa poção que eu acabei de tomar, Evans? Como funciona?

Lílian viu Tiago se olhar de alto a baixo, arregaçando o colarinho para olhar inclusive por dentro das vestes. Novamente com as têmporas queimando de raiva, ela se adiantou e tomou o chaveiro das minhas mãos.

- Idiotas!

Saiu andando em direção ao castelo, enquanto eu e Tiago tentávamos descobrir em seu andar furioso quais os efeitos da poção que meu amigo tomara inadvertidamente. Tenho que reconhecer que não tive muitos remorsos de nossa atitude infantil. Lílian esqueceria tudo tão logo a festa da vitória começasse na sala comunal e ela tivesse seu pretexto para conversar um pouco mais com Frank Longbottom. Procurava justificar as coisas pensando como Sirius e Tiago: se ela tivesse cumprido a parte dela, não precisaríamos de medidas extremas. E fiquem tranqüilos, naquela mesma noite eu a procurei para pedir desculpas.

Esperamos do lado de fora do vestiário por cerca de quinze minutos, ansiosos para que a poção começasse a agir a qualquer momento. Tudo em vão: quinze, vinte, trinta minutos, e nada aconteceu.

- Não é possível! – eu exclamei indignado. – Será que era mesmo suco de abóbora?

- Não – Tiago respondeu baixo, dando socos na mesma árvore que antes atacava aos pontapés. – O gosto era diferente. E mesmo a cor, não era igual...

Ambos demos um suspiro profundo e compassado, então ouvimos um grito agudo vir de dentro do vestiário.

- É isso! Nós temos que entrar lá! – ele me puxou antes que eu pudesse discordar.

- Mas... Pedrinho está guardando os lugares! – eu apelei a um bom senso que inexistia em meu melhor amigo.

Seu pai destrancou o vestiário com um rápido aceno de varinha e avançamos para dentro. O goleiro de time da Grifinória, Frank Longbottom, carregava Marlene McKinnon no colo, disposto a levá-la, contra a vontade da garota, para a ala hospitalar.

- O jogo começa em dez minutos, Frank – a menina choramingava.

- O que houve? – eu perguntei a Sirius, vendo Tiago com os olhos pregados na capitã. Eu poderia dizer que segurava com todas as forças um sorriso débil e nervoso. Sirius também estava ansioso, e ignorou a minha pergunta.

- O jogo está prestes a começar, Tiago. Qual era o plano da Evans?

- Ela desistiu de ajudar – seu pai respondeu tranqüilo, sem desviar o olhar de Marlene. – E quem precisa dela? McKinnon! McKinnon!

Tiago começou a gritar - desnecessariamente, pois estávamos num local pequeno, e, apesar do burburinho de pavor das outras garotas do time, sua voz se sobrassaía sem esforço.

- Potter?

A garota torceu o rosto para vê-lo de tal forma que até eu senti meus nervos repuxarem e os ossos estalarem. Soltou um gemido forte de dor e pediu para que Frank a colocasse sobre a grande pia de mármore. O rapaz olhou para seu pai com certa animação, como se todos ali estivessem prevendo o que iria acontecer.

- Você é mesmo um diabo, garoto! – Marlene abriu um sorriso medonho, que mesclava dor e alívio. – Queria jogar de artilheiro, não é? Bem, pelo visto vai ter que jogar em meu lugar.

- O que houve? – eu tornei a indagar e vi a garota ficar constrangida. Mas, ao contrário dos demais, ela considerou minha pergunta.

- Tentei mostrar a nossa nova apanhadora aquele giro que só o Potter sabe fazer. Pelo visto, é só ele mesmo! Perdi o ângulo e minha vassoura trombou com um dos armários. Prensei a mão direita na porta e, na queda, tentei me apoiar numa das pernas e acabei torcendo o tornozelo esquerdo. Bela capitã, não?

- Você sabe que é! – Tiago foi honesto. – Um tantinho intransigente, às vezes, mas ótima capitã.

- Bom, você vai ter que aprender a ser intransigente também. Alguém aqui tem alguma coisa contra eu passar a faixa de capitão para o Potter? Só por hoje, que fique claro! Eu não tenho como me recuperar em dez... cinco minutos. Pelas barbas de Mérlin, nós já devíamos estar nos aquecendo.

- Capitão? – vi seu pai ir às nuvens. – Todo mundo para fora agora. Você também, Sirius. – ele ordenou ao ver seu padrinho conversando com Marlene

- Será que ele pode me levar até a arquibancada pelo menos? - Marlene retrucou ligeiramente zangada, mas com um sorriso nos lábios ao ser acomodada na Silver Arrow.

- Se fizer isso em menos de cinco minutos...

Marlene abriu a boca para protestar, mas Sirius a calou:

- Em cinco minutos você terá um batedor e uma Silver Arrow em campo, capitão – e deixou o vestiário num zunido, após bater continência para Tiago.


- Por que diabos Bellatrix está usando óculos escuros? – eu apertei os meus olhos na direção de minha irmã mais velha.

Narcisa estava sentada a meu lado. Tínhamos decidido nos sentar bem numa das divisas das torcidas. Ela sabia que eu nunca torceria pela Sonserina, especialmente com Sirius jogando do lado oposto, mas ambas concordávamos que este seria um jogo delicioso de se comentar.

- Alguém devia avisá-la que aquele modelo está totalmente fora de moda – minha irmã mais nova me fez rir.

- Ela estava falando algo sobre o vento com Lestrange ontem de manhã - um rapaz que eu até então não conhecia se meteu em nossa conversa.

- Quem é você? – Narcisa fitou-o com seu olhar de gelo, tão parecido com o de minha mãe.

-Ted Tonks, lufa-lufa e nascido trouxa. A seu dispor, Srta. Black.

- Então você é Ted Tonks? – eu me admirei ao ver um dos maiores desafetos de minha irmã mais velha sentado tão próximo à torcida da Sonserina. Não consegui conter um sorriso. – Já ouvi falar muito de você!

Qualquer pessoa que tirasse Bellatrix de sua frieza habitual me parecia simpática. Ele sorriu de volta para mim, mas parecia realmente interessado no desempenho de minha irmã, que ainda voava baixo demais, como se tivesse adquirido um repentino medo de altura.

- Pelo visto sua irmã acha que os óculos vão impedir que o vento a atrapalhe - ele desceu um degrau da arquibancada e sentou-se a meu lado, apoiando o queixo numa das mãos.

Narcisa preferiu ignorá-lo.

- Bella cortou o cabelo, Andie?

- Como? – eu não a ouvia, totalmente intimidada pela presença do rapaz a meu lado.

- O cabelo da Bella! Está mais curto. Nãocurto, mas, bem, menos comprido. Como o seu - Narcisa finalmente conseguiu definir.

- Acho que é impressão sua, Cissy. Está ventando muito – eu respondi, sem sequer olhar para minha irmã no campo. Meus olhos só conseguiam fitar meus sapatos.

- Sabe, vocês são bem parecidas mesmo. – Ted abaixou o rosto à altura do meu. – Com exceção dos olhos – disse me encarando e eu senti minhas bochechas queimarem.

- Andie tem os mesmos olhos de Sirius e Regulus – Narcisa disse displicente, esquecendo-se de que conversava com um sangue-ruim. – Tem alguma coisa de errado com a Bella, mas eu não consigo descobrir o que é.

- Veja, é Sirius! – eu agarrei a mão de meu novo amigo, sem perceber, empolgada pela entrada de meu primo em campo.

- Ei, aquele não é o Potter? – uma voz grossa atrás da gente berrou. Logo, outras várias se surpreendiam num coro estridente e desafinado:

- Ele está com a faixa de capitão no braço?

- É o Potter!

- Cadê a McKinnon!

- Alguém da Sonserina deve ter lançado uma maldição contra a Grifinória! Perderam dois jogadores e o Potter deixou de ser apanhador!

- Mas agora ele é capitão...

- A Silver Arrow não era do Regulus Black?

- Você não ficou sabendo da aposta de Bellatrix?

Ted riu, chamando minha atenção e a de Narcisa.

- Acho que não vamos precisar de comentaristas.

Narcisa olhou para trás, procurando fitar um a um com expressão de fúria, sem resultados. Mas conforme as vassouras começaram a cruzar o campo, as surpresas da escalação eram substituídas pelas surpresas no desempenho dos jogadores.

Não sei quem exibia o sorriso mais exultante, se Sirius ou seu pai. Meu primo abrira o jogo com uma rápida corrida ao redor do campo, em que rebatera dois balaços efusivamente na direção de Regulus. Meu primo caçula, ótimo jogador, safou-se de ambos, ainda que um deles tenha arrancado alguns fiapos de palha de sua vassoura.

Tiago, por sua vez, roubava todas as bolas que os jogadores da Sonserina tentavam passar, além de fazer tabelas inacreditáveis. Se não estou enganada – e Remo pode confirmar – creio que a Grifinória já tinha marcado 50 pontos nos primeiros quinze minutos de jogo.

Bellatrix, entretanto...


- Você demorou, Remo!

Pedrinho sequer olhou para trás para confirmar que era eu quem sentava a seu lado. As pupilas embasbacadas seguiam Tiago e Sirius pelo campo, misturando admiração e inveja. Não, Harry, não era uma inveja ruim. Pedrinho não era ruim. Não nessa época. Era o tipo de inveja que eu compartilhava: ninguém montava uma vassoura como Tiago. E Sirius... Sirius tinha uma Silver Arrow - mesmo que fosse só naquele jogo.

Procurei Lílian rapidamente, sem muita esperança de encontrá-la. Saíra com tanta raiva de Tiago que por nada no mundo assistiria àquele jogo. Ao menos era isso que eu pensava.

- Já fizeram suas apostas, meninos? – a voz de Alice surgiu entre nossas cabeças.

- Lílian não vem? – eu resolvi perguntar, procurando fingir que não sabia de nada.

- Na-não – Alice hesitou. – Ela... Ela não estava muito bem, sabe? Acho que comeu alguma coisa que não fez bem, coitada... Queria tanto vir!

Aquilo soou estranho, porque Lílian podia estar brava, mas definitivamente não parecia doente uma hora antes.

- Veja! – Pedrinho me chamou a atenção.

Tiago acabara de marcar o gol mais espetacular já visto em Hogwarts. Podia jurar que ouvi Marlene McKinnon sorrir com prazer e comentar com a colega ao lado que ela havia sugerido a mudança de posição de Tiago. Três dribles seguidos, um deles facilitado por um balaço certeiro de Sirius, um looping em frente ao goleiro sonserino que deixou o rapaz desconcertado, seguido por um passe estratégico para si mesmo. Mais dez pontos para a Grifinória. E, finalmente, o pomo-de-ouro apareceu, brilhando com vivacidade, no mesmo aro por onde a goles havia acabado de passar.

Seu pai não esperou mais que dez segundos. Atraído pela bolinha de asas como que por um ímã, chegou a envolver o pomo com os dedos, arrependendo-se em seguida. Tinha cometido falta.


- Ela não vai se mexer?

Narcisa se colocou de pé, como a maioria dos torcedores na arquibancada sonserina. Todos com olhos fixos em Bellatrix, que parecia relutante em se afastar do chão. A nova apanhadora da Grifinória voava a todo vapor rumo à bolinha dourada que acabara de surgir em campo.

Ted olhou para mim de canto de olho e soltou num sussurro para que apenas eu pudesse ouvir:

- Vocês duas não deviam ser tão parecidas assim – e me indicou o campo com os olhos.

- Se você está querendo dizer que eu sou má jogadora, eu...

- Eu estou querendo dizer que principal diferença entre vocês duas são os olhos. E Bellatrix não está mostrando os olhos – ele murmurou próximo a meu ouvido. – Ouvi sua irmã dizendo ao Lestrange que não iria jogar.

- O vento... – e relembrei as palavras que ele havia dito pouco antes.

Havia um ano que Bellatrix desenvolvera uma obsessão estranha pelos dias de ventania forte. Dias como aquele. Estivesse em casa ou na escola, ela simplesmente desaparecia em dias como aquele. Voltava sempre mais branca e gelada do que já era, como se o vento tivesse invadido suas entranhas, tomando o lugar do sangue. Bellatrix não faltaria naquele jogo por qualquer bobagem, mas, definitivamente, ventanias não eram bobagens para minha irmã. Fitei Narcisa e certifiquei-me de que estava atenta ao jogo antes de prosseguir a conversa com Ted.

– Você está querendo dizer que...

Ele não me respondeu. O rapaz passou as mãos pelo cabelo e jogou o corpo um pouco para trás. Bocejou ao ver apitarem a falta de Tiago Potter, que a torcida da Sonserina festejou com pulos e berros desafinados.

- Também ouvi o Prof. Slughorn comentar que seu estoque de Poção Polissuco parecia ter diminuído esta semana – Ted falou em tom desinteressado, voltando a fixar os olhos no jogo.

No campo, minha suposta irmã era literalmente tirada do chão pela varinha de Malfoy. Era a cobradora oficial de faltas do time, e Tiago dera-lhe a oportunidade para provar que ainda era a Bellatrix que todos conheciam.


- Ele pode fazer isso?- Alice se pendurou no meu ombro, aflita.

- Se não podia, agora já era. Mas quem devia ter se apresentado espontaneamente era ela, não é? – Pedrinho mordeu os lábios ao ver Malfoy arremessar a goles nas mãos de Bellatrix. Por pouco a garota não deixou a bola escarlate escapar por seus dedos.

- Ela está estranha, não? – afirmei o que ninguém podia deixar de notar.

- Não acho – Alice respondeu de prontidão. – Nunca achei Bellatrix grande coisa em campo.

Eu e Pedrinho trocamos olhares desconfiados. Sabíamos que Alice detestava Bellatrix e que, por conta disso, costumava minimizar tudo o que a prima de Sirius fazia, mas aquilo já era um pouco de exagero.

A Sonserina teria direito a três arremessos de dez pontos. Tiago cometera uma das faltas mais graves do quadribol. Uma falta totalmente estúpida, diga-se de passagem, porque Bellatrix nunca teria chegado ao pomo jogando daquele jeito. Certamente não segurou o ímpeto e por um segundo deve ter se esquecido de que agora era um artilheiro. Talvez porque soubesse que a culpa era sua, Tiago procurou fazer a segunda coisa que sabia fazer melhor dentro de campo: tirar a concentração do adversário. A altos brados, seu pai desafiava Bellatrix diante de toda a escola:

- Que gracinha, Bellatrix! Achou que colocando um par de óculos conseguiria se sair tão bem quanto eu na posição de apanhador?

Ela mordeu os lábios e arremessou. Para fora. Malfoy franziu o cenho. Bellatrix se encolheu.

- Por Mérlin, em vez de óculos escuros você devia colocar lentes de grau, sabia? Mas, me conte, você está míope ou ficou vesga de vez? – Tiago azucrinou ainda mais.

Enquanto Bellatrix fazia o segundo arremesso – este ligeiramente melhor, retumbando num dos aros, mas ainda para fora -, percebi que Sirius se afastara. Estava a uma distância suficiente para eu pudesse perceber o desconforto em seu rosto. Fitava Bellatrix incomodado, como se a péssima performance da garota fosse sua culpa. Subitamente voou para junto do grupo que circundava o aro, esperando a autorização da última cobrança. Numa voz ainda mais alta que os deboches de Tiago, gritou a plenos pulmões:

- ESTOU FORA DO TIME! – e deixou o bastão cair, sem estrondo.

Então, diante de centenas de olhares atônitos, Sirius confrontou Bellatrix com fúria no olhar.

- Não preciso da sua piedade! Meu time pode jogar em pé de igualdade com seu hoje e sempre, com ou sem Tiago como apanhador. Para onde foi o seu orgulho, garota? Acha que alguém vai acreditar nessa palhaçada? Bellatrix Black jogando mal e porcamente. É lógico que toda essa baboseira é proposital! Você está querendo alguma coisa, não é? Mas antes que você resolva cobrar por mais este favor, fique sabendo que eu estou fora. Não ligo para quadribol e vassouras tanto quanto vocês. Você já pode parar de fingir, Bellatrix. Você não é tão boa atriz quanto pensa.

Sirius já ia deixando o campo quando hesitou e voltou como uma bala.

- Quanto a sua vassoura, Regulus... Bem, eu já paguei caro demais para que Bellatrix fizesse você me emprestá-la. Por isso, vou manter o trato que fizemos no Salão Principal. Se a Sonserina ganhar, devolvo a vassoura; mas se a Grifinória ganhar... Bem, então a vassoura fica definitivamente comigo. Tiago vai gostar de usá-la nos próximos jogos!

Sirius não ouviu os protestos vindos de ambas as partes. Apenas Tiago e Bellatrix continuavam quietos, seguindo meu amigo com o olhar. Mas os dois jogadores voltaram a pensar no jogo tão logo ouviram o apito que autorizava a cobrança. E Tiago, ainda mais furioso por ter perdido um batedor, não deixaria por menos.

- É uma pena que Sirius seja um cabeça-dura, Bellatrix. Nós dois sabemos que o que você tem é pose. Nunca foi boa jogadora, só sabe "assustar" o time adversário direito! Sabe se equilibrar em cima de uma vassoura. E só! Mas quem não sabe fazer isso? Provavelmente só a Lílian Evans!


Lílian Evans, murmurei em pensamento.

A palavras de Tiago fizeram com que eu finalmente juntasse as peças do quebra-cabeça. A conversa mole de Alice naquela manhã, para conseguir alguns fios do meu cabelo. Se Ted havia ouvido a conversa de Bellatrix com o Lestrange, talvez as duas grifinórias pudessem ter tido a mesma sorte. Sabiam que Bellatrix não ia aparecer, mas como tomar o lugar dela?

O sexto ano estava estudando a Poção Polissuco, por isso havia algumas reservas da sala do Prof. Slughorn, à qual Lílian costuma ter pleno acesso. Sua mãe era uma das alunas preferidas de nosso professor de poções. Surrupiar um pouco não teria sido difícil para ela. Certamente ela e Alice se depararam com o problema de conseguir algo de Bellatrix, solucionado pelo uso dos óculos escuros. Eu era parecida o suficiente com minha irmã para que os tapados de seus colegas de time não desconfiassem de nada, e Lílian e Alice foram inteligentes o suficiente para perceber este detalhe.

Mais do que a inabilidade de sua mãe em voar, o que a denunciara para mim fora o rubor incomum nascendo nas faces de Bellatrix conforme seu pai falava. Sei que ele tentou comparar minha irmã a sua mãe porque sabia que era algo que Bellatrix consideraria extremamente ofensivo. Além de Lílian não saber voar muito bem, ela era uma nascida trouxa. Isso sim era imperdoável. Mas Lílian se ofendera ainda mais, e daquela vez o tiro fora certeiro: diretamente na face de Tiago Potter.

Acertara-o com tal força que seu pai perdeu os sentidos e desabou da vassoura. Teria levado um belo tombo, se Frank Longbottom não tivesse agarrado-o a cerca de um metro do chão. Enfim, continuou com ossos inteiros, mas inconsciente pelo resto da partida.

Apesar das cobranças de falta dadas ao time da Grifinória, o sorriso renasceu no rosto de Lúcio Malfoy, que estava absolutamente convencido de que Sirius estava certo e que Bellatrix fingira jogar mal para poder extorquir o primo mais tarde. Mas quando todos pensavam que a Sonserina iria se recuperar – ainda que Bellatrix tivesse voltado à apatia -, Regulus fez questão de "errar" uma bola na direção de minha suposta irmã, partindo sua vassoura e deixando-a fora do jogo.

Nunca apronte com um Black, ainda que ele pareça inofensivo. Movido pelo sentimento de vingança, meu primo caçula só não calculara que a saída de Bellatrix deixaria-o sem a preciosa Silver Arrow que motivara todas as confusões daquele jogo. Não precisamos dizer que a Grifinória ganhou com larga vantagem, precisamos? Que time tem chances de ganhar um jogo sem um apanhador? Ok, certamente Lílian era pouco mais que um zero à esquerda nesse quesito, mas toda ajuda é válida. E com a raiva que estava de Tiago, era bem capaz de ter feito seus esforços para favorecer a Sonserina.


Remo exibia um sorriso calmo ao ouvir as últimas palavras do relato de Andrômeda

- Mas... mas... Então era mesmo a minha mãe? – Harry olhava a vassoura que puxara a história.

- Era. Ela acabou me contando mais tarde – Remo assentiu. – Mas Tiago e Sirius nunca vieram a descobrir.

- Nem desconfiaram? – Harry interrogou mais uma vez. – Bellatrix não fez nada quando descobriu que tinham se passado por ela?

- Bem... – Andrômeda resolveu responder. – Primeiro ela tentou protestar. Discutiu com Malfoy e Regulus mais alto que o devido e acabou calando-se quando ambos perguntaram onde ela estava se não era ela quem estava no jogo. Todos estavam convencidos de que ela jogara mal propositalmente e, para resguardar seu segredo, ela resolveu levar a farsa adiante. Mais tarde tentou tirar satisfações comigo, mas eu tinha o melhor álibi de todos: minha irmã caçula, Narcisa.

- Sei que ela também procurou Sirius – Remo acrescentou. – Acusando-o de ter armado contra ela, mas seu padrinho voltara a tratá-la como de costume: com poucas palavras e ódio no olhar.

- Ela nunca pensou na minha mãe? Ninguém pensou nisso? Meu pai?

- Não. Ninguém além de mim e Andrômeda. Seu pai e Sirius só souberam da verdade quando Lílian e Tiago começaram a namorar. Foi aí também que ele descobriu o que tinha tomado naquela manhã.

- É mesmo, a poção! – Andrômeda havia se esquecido. – O que era afinal?

- Felix Felicis!

Harry continuou com a testa enrugada, a duvida estampada no rosto fino.

- A poção da sorte! – Andrômeda sorriu, admirada. – Mas onde ela conseguiu? É tão difícil de fazer.

- Bem, esse foi um presente e por isso Lílian ficou tão brava por perder o frasco inteiro. Quando comentei que Tiago não conseguira convencer Marlene a deixá-lo mudar de posição, ela se lembrou de que, certo dia, quando recusara o convite para comparecer a das festinhas que Slughorn dava para seus preferidos alegando falta de tempo, o professor de poções lhe prometera um frasco da Felix se achasse um meio de comparecer. Fez pouco caso no início, até descobrir os efeitos da poção.

- Que são... – Harry interrompeu. Não tinha entendido a definição que Andrômeda dera.

- Bem, Harry, quando uma pessoa bebe da Felix, o mundo conspira a seu favor. Ela também deve ter pensado que um pouco de sorte também ajudaria Tiago e, consequentemente, seu time a ganharem o jogo. Tudo acabou saindo exatamente como Lílian havia planejado. Depois de beber a poção, Marlene se acidentou, o que a deixou muito mais propensa a aceitar a idéia de Tiago. Com uma sorte além do normal, ganhou também a faixa de capitão. Creio que a poção deixou de fazer efeito bem no momento em que levou a bolada de sua mãe, ou então teria desviado milagrosamente.

- Mas por que então...

- A Poção Polissuco? – Andrômeda adivinhou. – Ah, isso não é tão difícil de descobrir, Harry. Aposto como a última coisa que Lílian Evans gostaria era de depender de Tiago Potter, mesmo que ele não soubesse que ela dependia dele. A idéia deve ter nascido por acaso. Quando ouviu minha irmã dizendo que não iria jogar, pensou que poderia fazer algo mais para garantir seu encontro. Coitadinha!

Harry arregalou os olhos e Remo completou o comentário da bruxa.

- Bem, é que, após todos os esforços de sua mãe, Frank Longbottom passou a festa toda mimando Marlene McKinnon. E, para piorar a situação, sua mãe teve que aturar Tiago jogando na cara dela a noite toda que só dependera de seu próprio talento!


N/A: Finalmente, o FIM (deste capítulo, obviamente!). A anaisa QUASE acertou os planos da Lílian.. Pois é, eu também tenho a mente contaminada por poção polissuco. Desculpme-me por ir soltando tã aos pouquinhos e fazê-las passar vontade da história toda, mas esse eh meu jeito de mostrar que não tô parada, vendo o tempo passar! E tenho boas notícias: voltei a SCARS! Tem um trechinho pra vcs passarem vontade lah no meu profile, ok? Bjos e grazie a todas as reviews!