AS MARCAS DE UM ANJO

por Nina Neviani

Capítulo V – A Primeira Noite

O hospital estava pouco movimentado, especialmente na ala da pediatria. Fazia algum tempo que o trabalho de Shunrei não ficava tão tranqüilo. Era quarta-feira e passavam das sete horas da noite. A enfermeira segurava a mão de uma criança que acabara de dormir, a garotinha chegara com uma febre que segundo os pais, se negava a baixar, mas agora já se encontrava bem. Lembrou-se de uma outra criança, uma criança que em pouquíssimo conquistara o seu coração, assim como o padrinho dela...

No domingo, Filippo e Seiya foram almoçar na casa de Shiryu. O almoço foi feito pelos namorados. Bem, é verdade que Shiryu apenas auxiliou Shunrei, Seiya estava certo quando debochou dos dotes culinários do amigo. Naquele mesmo dia, Shunrei notou que os dois policiais estavam preocupados com algo. Filippo, por sua vez, estava mais alegre do que nunca. O garoto presenteou a sua madrinha com a foto que ele tirara dela junto com Shiryu, o padrinho do garoto também ganhou uma cópia da foto, e o próprio Filippo dissera que havia guardado uma cópia com ele.

A porta foi aberta.

– Shunrei, eu acho que estão precisando de você, pois pediram para você ir até a recepção. – informou a outra enfermeira da pediatria.

– Obrigada.

Fez um carinho na mão da criança, e dirigiu-se até a recepção. Porém, a recepcionista antecipou-se, e disse:

– Shunrei, estão precisando de você no centro cirúrgico.

– O que houve? – a enfermeira quis saber.

– Parece que houve um tiroteio, e um policial foi baleado.

– Um policial? ­– sentiu o sangue fugir do seu rosto, e não esperou pela confirmação da colega e andou o mais rápido que pôde para onde fora requisitada.

O caminho nunca lhe pareceu tão longo. Rezava para que quem estivesse sendo operado naquele momento não fosse Shiryu. Mas então, lembrou-se de como, no domingo, Shiryu e Seiya estavam preocupados sem um aparente motivo. "Droga! Não é justo! Por que eu tenho que perder todos aqueles que amo!" reclamou mentalmente, então se deu contado que havia descoberto. "Eu amo Shiryu?".

Nunca havia se sentido tão aliviada como quando viu Shiryu em pé do lado de fora da sala de cirurgia. Correu até ele.


Shiryu estava preocupado, pois um colega de profissão logo estaria sendo operado. O médico de plantão procurou tranqüilizá-lo, dizendo que era a especialidade dele cirurgias delicadas como aquela, e que ele ainda pediria para chamar a enfermeira que tinha movimentos leves e precisos para ajudá-lo.

Tudo acontecera tão rápido. O chamado avisando que estava ocorrendo um assalto a um banco. Na realidade, eles já estavam esperando por algo desse tipo, já que fazia algum tempo que os criminosos do Reduto não agiam. Depois, o tiro que atingira Shun. E pensar que minutos antes de chegarem ao local do assalto ele e o colega haviam mudado de tática e de posição, então, provavelmente, aquele tiro naquele momento era para estar nele e não em Shun. Acalmava-o um pouco saber que o tiro fora no braço e que o amigo não corria risco de vida, mas pelo pouco que aprendera nos anos de profissão, o tiro atingira uma região muito sensível do braço esquerdo e talvez os movimentos daquela região ficassem comprometidos.

Escutou passos. E a pessoa que ele mais queria ver naquele momento, agora o estava abraçando.

– Shiryu, eu tive tanto medo que tivesse acontecido com você! – ela dizia visivelmente aliviada.

– Eu estou bem, querida. Quem foi ferido foi um amigo meu, o Shun. Espere um pouco, você foi a enfermeira que mandaram chamar?

– Sim, eu tenho que entrar, e prometo que ajudarei no que for possível. Vá para a sala de espera, não é bom que você fique aqui.

Ele concorda com um gesto, e ela entrou na sala de cirurgia.


Quando Shiryu já se encontrava na sala de espera, teve dois pensamentos. O primeiro é que se sentia mais tranqüilo por saber que Shunrei estava lá ajudando na cirurgia. E o segundo é que se estava orgulhoso por descobrir que o trabalho da namorada era reconhecido no hospital. "A enfermeira que tinha movimentos leves e precisos" Shunrei... notou como ela havia se preocupado com ele. Ficou contente. Quem sabe conquistaria o coração dela, e um dia, talvez, ela chegaria a amá-lo como ele a amava.

Seu telefone tocou. A sala de espera não estava muito cheia, mas mesmo assim olhares reprovadores o recriminaram. Havia esquecido que estava em um hospital e não havia desligado a campainha do telefone. Era Seiya, que queria notícias sobre Shun. Conversaram por algum tempo, Seiya lhe passou as informações que tinham até o momento. Após desligarem, Shiryu ficou analisando mentalmente com os dados que tinham, até Shunrei entrar na sala de espera.

– E então? – ele perguntou ansioso.

– Nós fizemos o melhor que pudemos, mas não podemos garantir nada ainda. Não vou mentir para você, existe a possibilidade dele não recuperar todos os movimentos do braço. Se você quiser ir falar com ele pode ir. O médico deve estar lá ainda. Eu tenho que voltar para o meu setor.

Shiryu estava grato por todos esclarecimentos, porém não gostava do modo com que ela falava, era profissional demais... Porém, em outro momento resolveria esse assunto.

– Certo, eu vou lá. Obrigado, querida. – disse e logo após beijou-a levemente.


Na sexta-feira Shunrei chegou um pouco mais cedo do trabalho. Colocou sua bolsa no sofá e seus olhos, como de costume, pousaram na estante. Atualmente havia mais um retrato, este presente do seu afilhado. Nele estavam ela e Shiryu. Ambos estavam visivelmente felizes. Ela admitiu que ele a fazia feliz. E ainda tinha o seu jeito, o seu sorriso, era impossível não amar Shiryu. Se naquele dia que ela cuidou do ferimento dele, dissessem a ela que ela amaria aquele homem estonteante que parecia ser narcisista, ela, sem dúvida alguma, teria gargalhado. Mas era a verdade, e ele iria jantar com ela naquela noite, estava com muita saudade dele, pois não se viam desde quarta-feira no hospital. Era incrível como em pouco tempo Shiryu tornara-se importante na sua vida. Foi para a cozinha terminar de preparar o jantar.
Shiryu estava indo para a casa da namorada. O rádio do carro estava tocando uma música agitada, melhor assim, já que não corria o risco de dormir no volante. Fazia dois dias que não dormia direito. Aliás, não apenas ele, e sim todos os policiais de Tóquio que estavam trabalhando no caso do assalto ao banco realizado pelos criminosos do Reduto.

Lembrou-se de Shunrei no hospital. Ela era intrigante, em um minuto ela se mostrava preocupada e apaixonada, no outro estava distante e profissional. Ele pensara que seria mais fácil conhecer os medos dela, mas ela não fazia nenhuma menção ao passado e ele prometera a si mesmo que não forçaria Shunrei a nada, pois a amava e não queria perdê-la. Era engraçado, não fazia um mês, ele estava com um ferimento no braço e irritado por causa da demora da enfermeira e então Shunrei entrara na sua vida e a estava mudando por completo, e para melhor. Antes Shiryu olhava para Filippo e via seu afilhado, uma criança adorável. Agora, olhava para o menino e começava a imaginar como seriam os seus filhos se Shunrei fosse a mãe.

Chagava na casa de Shunrei. Tocou a campainha. Seus olhos estavam pesados, mas mesmo assim notaram como ela estava linda. E ele tinha noção, de como parecia cansado.

– Boa noite, Shunrei. – disse beijando-a. Não se cansava de fazê-lo, na verdade achava que a cada dia amava mais Shunrei. Porém, achava também que era cedo para revelar tal sentimento.

– Boa noite, Shiryu. – Ela o observou com mais atenção – Está cansado?

Ele sorriu antes de responder.

– É tão evidente assim?

Ela também sorriu e colocou a delicada mão no rosto dele em gesto de compaixão. Ele explicou:

– Esses dias têm sido complicados.

– Por que então não conversamos enquanto jantamos? – levando-o para a cozinha, perguntou – Quando foi a última vez que dormiu direito?

– Não se preocupe, querida, amanhã eu não trabalho. – ele explicou.

Ela serviu o jantar. Assim que provou a refeição preparada pela namorada, Shiryu a elogiou. Ela agradeceu e perguntou:

– Shiryu, no domingo eu notei que você e o Seiya pareciam preocupados com alguma coisa. O que os preocupava era esse assalto?

O policial concordou com a cabeça depois dos segundos de espanto. Não imaginava que a namorada fosse tão perceptiva!

– Nós suspeitávamos que os criminosos do Reduto fossem atacar por esses dias, já que fazia algum tempo que eles não agiam.

– Certo. E o que é "Reduto"?

– "Reduto do Crime" é um bairro que onde está a maior concentração de criminosos da cidade. Na verdade todos os que moram lá são criminosos. Os grandes assaltos que ocorrem em Tóquio são realizados por eles. Infelizmente, temos pouca informação sobre eles. Sabemos apenas que são muito organizados e que são comandados por uma mulher que eles chamam de "deusa". – percebeu que falava demais – Desculpe-me querida, eu não quero te aborrecer com os meus assuntos. E muito menos preocupá-la. – disse enquanto fazia um carinho na mão dela.

– Primeiro, você não me aborrece e depois eu não me preocupo, pois sei que tenho o melhor policial de Tóquio para me proteger. – levantou-se e depositou um beijo na testa do namorado. – Por que não vai até a sala enquanto eu limpo a cozinha?

– Não quer que eu te ajude? Eu posso não saber cozinhar, mas posso ajudar a limpar. – ele brincou.

Ela viu os olhos cansados e disse.

– Não precisa, querido. Logo eu estarei fazendo companhia a você.

Ele concordou, estava cansado demais para insistir.


Assim que terminou de limpar o que usara no jantar, Shunrei foi para a sala de estar e lá viu uma das cenas mais ternas que já vira em toda a sua vida: Shiryu cochilando sentado no sofá. "Ele deve estar exausto". Não demorou muito para perceber que Shiryu não teria condições de voltar para a casa dele dirigindo. Aproximou-se.

– Shiryu... – disse baixinho. – Shiryu.

Ele despertou.

– Acho que eu cochilei. – passou as mãos pelo rosto. – É melhor eu ir para casa.

– Querido, você não tem condições de dirigir até a sua casa. E eu não sei dirigir, se não o levava, sendo assim, você vai ter que dormir aqui.

Shiryu pensou em recusar, mas tinha consciência do seu estado. Seria um perigo dirigir naquelas condições.

– Você tem razão. Você pode me trazer um travesseiro?

Ela o olhou confusa.

– Você não vai dormir aqui. – disse olhando para a sala – Você vai dormir na cama. Eu seria extremamente insensível se permitisse que você cansado desse jeito dormisse no sofá!

– Shunrei, eu acho melhor dormir aqui. Sinceramente, eu não me importo.

Ela sorriu.

– Bobinho. – disse estendendo a mão para ele – Venha, vamos para o quarto.

A cama já estava arrumada. Shiryu deitou. Enquanto Shunrei ia em direção ao toalete, perguntou rindo:

– De qual lado você dorme?

– Qualquer um. E por que você está rindo? – ela perguntou com a escova de dentes na mão.

– Shunrei, por favor, não me leve a mal. Mas, desde que eu te conheci eu imagino como seria te levar para a cama, e essa forma nunca me passou pela cabeça.

Ela ficou vermelha e voltou a escovar os dentes. Ficara vermelha porque também imaginara como seria a primeira noite dos dois.

Vestiu sua camisola. Não era antiquada, como também não era atraente. Melhor assim, não se achava uma mulher com atributos que deveriam ser mostrados. Certificou-se de que a camisola não mostrava a sua marca. Respirou fundo, não sabia até quando esconderia os seus medos de Shiryu.

O quarto estava escuro e silencioso. Provavelmente, Shiryu já estava dormindo. Deitou-se na cama. Era estranho deitar na sua cama e ela já estar quentinha. Não era estranho, era uma sensação, no mínimo... boa. Foi abraçada e escutou Shiryu dizer algo parecido com um "boa noite" e depois dormir. "Pelo menos ele não ronca!" Pensou sorrindo. Logo adormecia também.

Continua ...


N/A: Desculpem-me duplamente por esse capítulo. O primeiro motivo, e mais óbvio, foi a demora, mas como digo não é por mal...

O segundo motivo é que esse capítulo era pra ser mais longo, mas aconteceu que na correria que eu ando, pensei que tivesse gravado a outra parte do capítulo mas não o tinha feito. Prometo pra vocês que o próximo capítulo vai ser mais interessante e mais longo do que esse. Só não posso prometer datas.

Daí, meninas? Decepcionei vocês quanto "A primeira noite" dos dois, eh! Ah, vocês pensaram também que o policial ferido fosse o Shiryu, né! Claro que eu não faria isso. Sou um pouco cruel, confesso, mas não tanto para ferir (gravemente) o meu cavaleiro, ou nas atuais circunstâncias, o meu policial preferido.

Acho que é isso, desde já agradeço os reviews!

Beijões e até o próximo capítulo!

Nina Neviani