AS MARCAS DE UM ANJO

por Nina Neviani

Capítulo VII – A marca de Shunrei

Shunrei estava com seu afilhado na casa de Shiryu, mais especificamente no quarto que agora pertencia a Filippo. Ela e Shiryu tinham, sem dúvida, feito um bom trabalho. Em dois dias, um quarto praticamente vazio, no qual só havia uma cama, tinha se transformado em um aconchegante quarto para um menino de seis anos. As paredes eram azuis e nelas, por idéia de Shunrei, estavam coladas algumas fotos de famosos jogadores de futebol. Havia também uma escrivaninha com muitos papéis e lápis coloridos, além de alguns livros infantis.

Shunrei lembrava-se de como fora divertido arrumar o quarto. Passaram o domingo inteiro dedicados àquela tarefa. Às vezes, ela se surpreendia ao descobrir cada dia que passava o quanto Shiryu era especial. Durante a preparação do quarto Shunrei ficou imaginando como seria se fosse o quarto do filho deles que eles estivessem arrumando.

Ela sempre amara crianças, e há algum tempo vinha sonhando em ter a criança dela. Claro que para isso precisava de um pai. E se havia alguém, na sua concepção, que se adequava perfeitamente nos moldes de um excelente pai, este alguém era, por sorte, o seu noivo. Por que, então, parece que algo não se encaixa? Por que, ainda, parte de mim não quer acreditar que eu mereço todo esse período de felicidade que estou vivendo?

­– Tia Shunrei? – era a voz de Filippo, que por um momento deixava de lado o desenho que estava fazendo e olhava intrigado para ela.

– Sim?

– O tio Shiryu sabe todos os seus segredos?

Por um instante Shunrei julgou sentir o sangue parar nas veias. Por que, dentre tantas perguntas, Filippo me fez logo essa? Será que ele ouviu alguma conversa entre Seiya e Shiryu? Era pouco provável.

– Tia?

– Por que a pergunta, Filippo?

– Porque você e o tio Shiryu estão noivos, e o papai disse que quando duas pessoas ficam noivas é porque se amam e, faz tempo, ele me disse também que quando a gente ama alguém a gente não esconde nada dessa pessoa. – ao final do seu discurso lógico ele voltou a olhar para a madrinha, que resolveu responder.

– O Shiryu sabe várias coisas sobre mim, mas mesmo nós estando noivos, nos conhecemos há pouco tempo, então ele não sabe tudo sobre mim, porém o que ele me perguntar eu contarei. – Só depois que falou, Shunrei percebeu que era verdade. Caso Shiryu lhe indagasse, ela contaria tudo o que vinha omitindo.

O menino concordou, porém continuou com a cabeça baixa.

– Você ainda não me disse o motivo de ter feito essa pergunta, Filippo.

Filippo tentou dizer alguma coisa e não conseguiu.

Então, a Shunrei começou a entender.

– Tem algo que você quer contar ao seu pai e não sabe como?

Embora continuasse olhando fixamente para o desenho, ele confirmou silenciosamente. Shunrei levantou a cabeça dele delicadamente.

– Querido, entenda uma coisa: tanto seu pai, quanto eu e o Shiryu queremos o seu bem. Jamais vamos lhe recriminar por algo que você tenha feito, até porque todos nós erramos. Quando seu pai diz que, por você amá-lo, seria certo contar tudo para ele, é porque ele quer lhe ajudar no que você precisar.

Ele novamente concordou sem dizer uma palavra.

– Mas se acha que se sente melhor contando pra mim...

Ele fez que sim, e então disse quase em um sussurro:

– Eu... eu estou apaixonado. – ao terminar de dizer ele cobriu o rosto que ficara vermelho.

Shunrei com muito esforço reprimiu o riso. Então, o problema era esse? Filippo estava "apaixonado" e não sabia como dizer ao pai?

– Filippo, não precisa ficar com vergonha! Todos nós nos apaixonamos. – o menino olhou-a com um brilho nos olhos que indicava que ele ainda não tinha se dado conta de tal fato. – Por quem você está apaixonado? – ela perguntou calmamente.

– Por uma menina da minha sala. – agora ele já se sentia mais à vontade.

– E ela também gosta de você?

– Eu acho que sim.

– Então, não há nenhum problema.

– Não? – ele perguntou desconfiado.

– Pelo que eu vejo, não.

– É que eu acho que a gente está namorando. – ele ficou vermelho novamente, porém desta vez não cobriu o rosto com as mãos.

Shunrei fingiu pensar por alguns instantes e perguntou:

– E como é o namoro de vocês?

– Ah... – ele fez um gesto com as mãos que denunciava o seu desconforto por falar do assunto – A gente lancha junto no recreio, eu faço desenhos pra ela, e ela pra mim.

– Mais alguma coisa?

– Não... – ele respondeu inocentemente.

– Eu não vejo problema nenhum no seu namoro, Filippo.

– Não? – ele perguntou, agora visivelmente aliviado.

Ela fez que "não" com a cabeça e sorriu ao vê-lo suspirar aliviado. E ele deu por encerrado o assunto quando disse:

– Eu estou começando a ficar com sono, tia. Você lê uma história pra mim?


Shiryu abriu devagar a porta do quarto do afilhado. Shunrei e Filippo estavam dormindo e havia um livro entre eles. O barulho da porta abrindo despertou Shunrei. Para Shiryu, que acabara de chegar de uma madrugada de trabalho, nada melhor do que ver sua noiva despertando. Ela saiu da cama com cuidado para não acordar o afilhado.

– Boa noite ou bom dia? – perguntou sorrindo, deixando o quarto e indo com Shiryu para a sala.

– Bom dia. São cinco da manhã. – ele respondeu arrumando uma mecha de cabelo dela que se desprendera da trança.

– Tudo certo no trabalho?

– Tudo, mas é melhor estar aqui.

Estavam quase se beijando, quando Seiya, que vinha da cozinha com um copo de água na mão, entrou no cômodo.

– Que cena mais melosa! – disse com voz debochada e cara de nojo.

O beijo não aconteceu porque tanto Shunrei quanto Shiryu começaram a rir.

– Seiya, você tem sorte por eu costumar não ser violento na frente da minha noiva! – disse em um tom falsamente sério.

– Você só é violento quando é para defendê-la dos bandidos, ou seja, um verdadeiro herói! – Seiya debochou.

Shunrei continuava rindo. Achava incrível, o fato de Seiya depois de uma noite inteira trabalhando ainda ter disposição para perturbar o melhor amigo.

– Cala a boca! – disse Seiya arremessando uma almofada na direção do amigo que desviou do objeto.

– Aliás, você me deve uma! – disse Seiya apontando para Shiryu.

– Por quê? – Shunrei estava agora completamente desperta e muito curiosa.

– O seu noivo não te contou?

Outra almofada foi arremessada. Esta acertou Seiya em cheio, o que o fez derramar um pouco d'água na camisa.

– Eu não ia contar, mas agora eu vou.

Shiryu iria falar mais alguma coisa, mas Shunrei o impediu.

– Resumidamente, foi assim. – Seiya começou – O dia em que o Shiryu "romanticamente" te salvou, foi o dia em que ele voltou ao trabalho, já que estava recuperado do corte no braço. Ele falou por um longo período na enfermeira que tinha cuidado dele, que ela era linda, que parecia um anjo... – Shiryu aos poucos começava a ficar sem jeito – Mas o que mais me surpreendeu, Shunrei, foi que ele, depois de uma semana, ainda sabia o teu nome! Então, para fazê-lo parar de sonhar acordado com uma certa enfermeira e prestar atenção no trabalho, eu prometi que no horário da tua saída nós passaríamos na frente do hospital.

Shunrei estava surpresa com o que descobria.

– Seiya, você está exagerando! – recriminou Shiryu. Porém Seiya não deu a mínima para o amigo e continuou a falar.

– Eu estava curioso para saber quem era essa enfermeira que tinha deixado o Shiryu nas nuvens. Então, o Shiryu a salvou. Ah, – disse olhando para o amigo, que agora estava sentado ao lado de Shunrei no sofá – eu nunca tinha visto você correr tão rápido!

– Seiya, você está exagerando de novo!

Seiya novamente o ignorou.

– Mas, você, Shunrei, já estava bem caidinha por ele também!

Foi a vez dela ficar corada. Que se lembrou de algo e perguntou:

– Então aquela conversa de que o Shiryu poderia "me acompanhar em casa porque eu não estava em condições"... – ela não precisou continuar a frase.

– Uma outra genial idéia minha. – Seiya respondeu. – E fui eu que o incentivei a fazer algo no dia seguinte, porque se dependesse dele, ele iria continuar mais uma semana apenas sonhando com você.

Shunrei virou-se para Shiryu e perguntou:

– Por quê?

Seiya intrometeu-se.

– Vai ver ele te achava "demais" pra ele. – opinou.

– Já chega! Tchau, Seiya. Certo eu te devo uma. Mas agora, se manda.

– Tá. Já que as verdades foram reveladas, posso ir embora. Mas acho que preciso do meu filho.

Nesse momento, Shunrei levantou-se do sofá e disse.

– Por falar no seu filho, você me deve uma, Seiya.

– Cuidar dele não conta, Shunrei, foi você que se ofereceu. – Seiya disse como se explicasse "as regras do jogo".

– Mas não é isso! Eu jamais tomaria isso como um favor, a companhia do seu filho é maravilhosa.

– Então... o que é!

– É algo que ele estava com muito receio de contar.

– Diga logo, Shunrei, além de eu estar curioso, é quase dia!

– Ele... ele está namorando.

Os dois começaram a rir.

– Ei, vocês dois, assim vocês vão acordá-lo!

Shunrei tentou usar um tom autoritário mas ela mesma achava a situação engraçada.

– O filho está melhor do que o pai! – Shiryu debochou e levou uma "almofadada" de Seiya.

– Seiya, leve o assunto a sério porque ele ficou muito tímido quando conversamos. – ela pediu.

Seiya concordou.

– Está certo, Shunrei. Realmente, eu te devo uma. Afinal, não conseguiria não rir conversando com ele sobre isso. – disse enquanto se despedia dela com um abraço e caminhava em direção quarto que agora pertencia a Filippo.


Shunrei já estava deitada quando Shiryu saiu do banho. Mas ainda não tinha dormido. "O tio Shiryu sabe todos os seus segredos?" A inocente pergunta do afilhado não saía da sua cabeça.

– Ainda está acordada? – perguntou baixinho enquanto se deitava.

– Sim, estou. Estava refletindo sobre tudo o que descobri hoje. – ela sorriu.

– O Seiya não devia ter te contado, agora você sabe o real poder que exerce em mim. – e beijou-a levemente.

Porém, o beijo não continuou leve por muito tempo. Era óbvio que eles desejam intensamente um ao outro. Porém, Shiryu recuperou o autocontrole e conseguiu dizer.

­– Shunrei, é melhor nós pararmos. – ele disse com muita dificuldade.

– Eu não quero parar, Shiryu. – ela declarou olhando nos olhos dele.

– Tem certeza?

– Sim.

O beijo foi retomado. Mais calmo, porém não menos intenso. Depois de muitos beijos, Shiryu começou a levantar a blusa dela, parou quando a sentiu diferente.

– O que foi, meu amor? Estou indo muito rápido?

Shiryu não entendeu o porquê de ela mesmo respondendo negativamente a sua pergunta ter sentado na cama de costas pra ele.

Shunrei acendeu o abajur. E começou a tirar a blusa. Shiryu não estava entendendo aonde a sua noiva queria chegar. E quando ia abrir a boca, ele viu. E tudo começou a fazer sentido.

– Esse é o motivo do trauma que eu tenho. E o motivo também de muitas outras coisas.

Shiryu já tinha visto muitas cicatrizes, mas não se recordava de nenhuma como aquela. A marca ia do ombro esquerdo e atravessando as costas chegava até quase o lado direito da cintura. Não havia dúvida que o corte fora feito para machucar, pois se notava que o caminho que a faca percorrera fora o mais longo possível. "Você teve sorte, a faca que lhe cortou estava bem afiada." Agora entendia o porquê de Shunrei ter dito essas palavrasno dia em que se conheceram: a faca que a cortou não estava afiada. E ele podia acreditar que isto também fora feito de propósito.

– É horrível. – ele conseguiu dizer.

Só então percebeu que Shunrei chorava. Virou-a lentamente e olhando nos olhos dela, disse:

– Querida, é horrível o que fizeram com você. Você continua sendo a mulher mais linda que eu já vi. – ele viu o semblante dela denunciar uma expressão de espanto - E agora você me fascina ainda mais, por que sei o quanto você é forte.

Shunrei não sabia o que dizer. Esperava que Shiryu a obrigasse a dizer quem fez aquilo, ou qualquer outra coisa, só não esperava ouvir o que ouviu... palavras de carinho.

Ele a virou de costas e começou a beijar a cicatriz, como se quisesse fazê-la esquecer de toda a dor que tinha sentido.

– Eu te amo, Shunrei.

– Eu também te amo.

Continua...


N/A: Olá! Sim, eu sei que demorei demais! Mas, como sempre tenho justificativas válidas! A desse capítulo mais do que as anteriores, já que esses últimos dias foram uma correria por causa do vestibular da Universidade Federal do Paraná, que foi nesse domingo dia vinte. É que eu prestei, ah, torçam por mim! Tá, eu sei que vocês não querem saber de mim e sim da fic. Ok, vamos lá!

Esse capítulo é um dos mais importantes já que o Shiryu já sabe qual é "a marca" da Shunrei. Eu não sei porque, mas esse capítulo parece que não ficou do jeito que eu queria. E vocês gostaram?

Ah, respondendo as perguntas sobre os outros personagens: o Shun talvez apareça no decorrer da fic, porém nada de muito importante. O Seiya x Saori pode ser que apareça no final, e provavelmente não seja nada de muito significativo.

Só um detalhe: Eu continuo precisando de reviews!

Nina Neviani