Capítulo II
A cerimônia de casamento da princesa Helaena e do príncipe Aegon Targaryen ocorreu no Grande Septo de Baelor. Todo o reino estava presente. Os lordes acomodavam-se confortavelmente no interior do templo, enquanto os súditos eram mantidos do lado de fora. Naquele dia, a nobreza e a plebe possuíam algo em comum: a ansiedade pela chegada da noiva.
Helaena, entretanto, não estava nem um pouco ansiosa para chegar ao septo. Enquanto a carruagem a transportava rumo a Colina de Visenya, onde o Grande Septo estava localizado, ela rezava mentalmente para que os deuses a livrassem daquele destino sombrio.
Porém, era evidente que nenhum milagre aconteceria naquela manhã. Nenhuma força sobre-humana a salvaria. O céu estava azul, o sol brilhava gloriosamente, os súditos acenavam e gritavam para a sua carruagem, eufóricos. Nenhum deus iria querer estragar isso.
À medida que espiava discretamente a multidão pela janela do veículo, Helaena pensou que era inacreditável que todo o reino estivesse feliz com um casamento que seria a sua desgraça.
A rainha Alicent, que estava sentada de frente para a filha, apertou as mãos trêmulas e gélidas da jovem.
"Não se preocupe, querida", disse a mãe, fitando-a com um olhar compreensivo. "Vai ficar tudo bem".
Helaena amava a mãe. Contudo, naquele dia ela a odiava.
Por um momento, as palavras de Alicent ecoaram em sua mente: "Ouça, minha filha, o reino não aceitará Rhaenyra no Trono de Ferro. Os lordes de Westeros não confiariam numa liderança feminina. Portanto, Aegon será nomeado rei e isso ocasionará uma guerra pela sucessão, pois Rhaenyra não desistirá do seu título de rainha. É por isso que Aegon precisa de um casamento forte e consanguíneo para que os Sete Reinos não fiquem ainda mais divididos durante a guerra."
Alicent repetia esse discurso desde que Helaena se lembrava. Mas não era errado uma mãe sacrificar a filha em nome da política? O que Helaena era? Mais uma peça num tabuleiro?
Magoada, a princesa puxou suas mãos de volta e as pousou novamente no colo.
Quando a carruagem finalmente chegou ao septo, os soldados precisaram usar toda a sua força para conter a multidão de plebeus. Todos queriam ver e tocar a princesa, como se ela fosse uma espécie de deusa.
De fato, no dia de seu matrimônio a princesa Helaena possuía ares de divindade. Ela trajava um magnífico vestido de cores negras e vermelhas, as quais representavam a casa Targaryen, e estava coberta de joias que cintilavam sob a luminosidade solar. Os cabelos pálidos da jovem estavam elegantemente presos em tranças no topo da cabeça e seus lábios possuíam um delicado toque rosado. Um visual como esse era capaz transformar em beldade até mesmo uma garota de feições comuns como Helaena.
No entanto, embora o traje fosse estonteante, ele não era nada confortável. As longas mangas do vestido engoliam os braços gorduchos da princesa e o corpete do vestido apertava demais os seios e o busto. Além disso, o toucado em sua cabeça era pesado e incômodo. Mas ninguém precisava saber disso, apenas Helaena que suportaria o desconforto com um sorriso nos lábios.
Ao avistar os súditos, ela acenou de volta, conforme fora instruída nas aulas de etiqueta. Em seguida, Helaena subiu as escadarias do templo acompanhada de Alicent, damas de companhia e alguns membros da Guarda Real, incluindo Sor Criston Cole.
Assim que adentrou na enorme fortificação, ela descobriu que não seria o seu pai quem iria levá-la até os altares da Mãe e do Pai e sim o seu avô, Otto Hightower.
Helaena entristeceu-se ao saber que seria Otto quem iria acompanhá-la. Ela preferia Viserys que era sempre gentil e amoroso, ao contrário do avô. A jovem achava Otto uma figura sinistra, carrancuda e excessivamente formal. Mas o rei precisou voltar para o castelo, pois o seu estado de saúde piorou repentinamente. Portanto, cabia a Otto ocupar o lugar do pai de Helaena.
O avô ofereceu o braço e a princesa aceitou. Assim, os dois caminharam em direção aos altares da Mãe e do Pai. De longe, Helaena via a cabeleira prateada de Aegon brilhando contra os raios de sol que invadiam o templo. Ele estava aguardando a chegada dela. Era mesmo impressionante que o irmão não tivesse se atrasado ou fugido.
Helaena mordeu o lábio, nervosa. A cada passo que dava em direção ao noivo, ela se tornava mais consciente de sua jovialidade. Ela era só uma criança. Não sabia nada sobre a vida e os homens. Helaena deveria estar em qualquer lugar menos caminhando em direção aos altares de um septo para se casar.
Naquele instante, a jovem desejou que Otto murmurasse algumas palavras de conforto. Qualquer coisa bastaria. Porém, o homem nada entendia de questões femininas e, por isso, permaneceu em silêncio, totalmente alheio às aflições da neta.
Quando ficou diante de Aegon, a cerimônia se reduziu a um lúgubre borrão para a Helaena, mas ela conteve as lágrimas, pois sentia que mil olhos acompanhavam cada movimento seu. Qualquer deslize a faria ser alvo de mexericos na corte. Aegon poderia estar cheirando a vinho barato que nada aconteceria com ele. Nenhuma palavra seria dita. Entretanto, as coisas eram diferentes com Helaena.
Com uma expressão branda, ela ouviu respeitosamente o discurso do Alto Septão e jurou, através de um murmúrio, que seria uma boa esposa. Por fim, o príncipe de quinze anos deslizou um anel de ouro pelo dedo da irmã e os dois deram um rápido beijo para selar o compromisso.
E o templo explodiu em vivas.
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Helaena afastou a desagradável reminiscência e concentrou-se no trajeto que fazia até o Grande Salão, onde os seus familiares e convidados se reuniam para o dejejum.
Para a ocasião, a princesa usava um requintado vestido dourado e um manto marrom ao redor dos ombros. Os cabelos esbranquiçados estavam presos numa longa trança que escorria por suas costas e movia-se à medida que ela descia as escadarias do castelo.
Quando Helaena chegou ao salão acompanhada de três mulheres de sua criadagem pessoal, um silêncio repentino se fez.
Ela correu rapidamente os olhos pelo ambiente e detectou seus familiares e convidados. Para a sua surpresa, o Grande Salão não estava abarrotado de pessoas, somente os mais próximos da realeza estavam ali. A jovem supôs que a maioria dos fidalgos optou por fazer a refeição no conforto dos aposentos, afinal a viagem até Porto Real costumava ser cansativa.
Os lordes e damas fizeram uma respeitosa mensura para Helaena que sorriu educadamente.
Enquanto descia as escadas do salão, ela constatou que agora enxergava aquelas pessoas reunidas de forma completamente diferente.
Era como um jogo de tabuleiro. Cada membro da nobreza estava estrategicamente posicionado. Ela não era diferente. Apesar de jamais ter desejado jogar, ela não podia escapar porque era filha de um rei e de uma rainha. Estava jogando desde o dia em que nasceu. Como nunca tinha notado?
Aquelas pessoas soberbas e ambiciosas só defenderiam os próprios interesses. Se Helaena não lutasse por si, ninguém mais o faria. Nem mesmo Alicent que tanto desejava que o poder ficasse nas mãos do seu primogênito.
Ao descer as escadas do salão, ela cumprimentou os nobres que vieram ao seu encontro para parabenizá-la. Quando Jason Lannister prestou suas felicitações, ele achou que seria gentil comentar:
— Vamos rezar para que seja um menino, não é milady? — disse ele, com um sorriso nos lábios.
— Na verdade, Sor Jason, estou rezando para que seja uma menina — retrucou Helaena suavemente, fazendo com que uma interrogação surgisse no rosto do homem.
A rainha juntou-se a ela e mostrou-lhe todos os presentes que havia ganhado dos convidados. Eles foram espalhados em cima de seis mesas compridas. Havia peças de seda, de linho e de lã; colares cravejados de esmeraldas e safiras; peles de zibelina e marta; cofres abastecidos de ouro e prata; e caixas de madeira contendo flautas magnificamente esculpidas, anéis e pulseiras de aço valiriano. Helaena não conseguiu contemplar todos os tesouros, pois Alicent conduziu-a para a grande mesa para que tomasse o dejejum.
As duas mulheres subiram os degraus que levavam até o tablado elevado no qual a mesa estava situada. Naquele momento, o único familiar sentado à mesa era Aemond Targaryen. Helaena não se sobressaltou ao não avistar o marido ali. Sem dúvidas, ele passara a noite num bordel e só retornaria ao castelo próximo do anoitecer. Mas o coração da princesa se encheu de pesar ao fitar o vazio existente na grande cadeira que o pai costumava sentar. Viserys sim faria falta.
— Demorou a dormir, querida? — indagou a rainha, no instante em que as duas subiram no tablado. — Há sombras ao redor dos seus olhos.
Por uma fração de segundos, o olhar violáceo de Helaena encontrou o de Aemond e ela imaginou que ele fosse revelar a sua fuga do quarto durante a hora da coruja.
Porém, para o seu alívio, Aemond permaneceu quieto e disfarçou um sorriso zombeteiro dando um gole na cerveja.
Helaena desviou rapidamente a atenção do irmão e encarou Alicent que aguardava uma resposta.
— Sim. Eu demorei — admitiu a jovem. — A tempestade me deixou inquieta.
— Ah, aquela tempestade foi terrível! Avise-me se a dificuldade para dormir persistir. Pedirei ao septão para lhe preparar um chá — disse a rainha, com gentileza.
A princesa assentiu.
— Sim, Vossa Graça.
Os olhares de Helaena e Aemond se cruzaram mais uma vez e o príncipe acenou levemente com a cabeça.
— Princesa — cumprimentou o jovem.
Helaena fez uma discreta mensura.
— Irmão.
A princesa contornou a mesa, sentando-se ao lado da grande cadeira que foi ocupada por Alicent. Quando se sentou, ela teve a estranha sensação de que agora compartilhava um segredo com Aemond. Isso era bom ou ruim?
— Como está o rei? — questionou Helaena, na tentativa de desvencilhar os pensamentos do irmão.
— As dores o atormentaram ao longo da noite. Por isso preferi deixá-lo descansar pela manhã — exprimiu Alicent, com tristeza.
— Pobrezinho!
— Ele irá à festividade. Quanto a isso não deve se preocupar — falou a rainha, tranquilizando-a.
A jovem apertou os lábios e sorriu.
— Fico feliz.
Helaena beliscou as frutas cristalizadas disponíveis na mesa enquanto ouvia a mãe lhe informar sobre os preparativos para a solenidade e quais eram as casas famosas que estariam presentes no festejo.
De repente, as portas do Grande Salão foram furiosamente abertas e uma figura de cabelos prateados irrompeu no cômodo, atraindo os olhares dos convidados e provocando murmúrios estarrecidos.
Aegon.
Alicent se pôs de pé automaticamente e encarou o filho com severidade.
— Pelos deuses! O que ele pensa que está fazendo? — sussurrou a mulher, irritada.
Aegon possuía um aspecto desgraçado. O cabelo encontrava-se oleoso e imundo e as roupas estavam manchadas de um líquido esverdeado, provavelmente vômito. Ele não se parecia em nada com um príncipe.
Helaena observou com curiosidade o marido se aproximar da mesa principal. Em algum momento do casamento dos dois, ela realmente tentou amá-lo. Muitas vezes Helaena buscou se convencer de que as relações sexuais deles eram sofridas por culpa dela que era uma tola inexperiente. Por conta desse pensamento, a jovem buscou obstinadamente agradar Aegon. Porém, logo Helaena compreendeu que não importava o quanto se esforçasse. Aegon não era capaz de amar ninguém além de si mesmo. Era curioso o modo como havia passado a vislumbrá-lo. Antes, ela sentia-se triste e rancorosa ao vê-lo. Agora não sentia nada além de repulsa.
Aegon subiu os degraus do tablado e fitou a mãe com um olhar desafiador.
— Como ousa aparecer aqui neste estado? — questionou Alicent, com as faces vermelhas de pura cólera.
— Pensei que fosse isso o que a senhora quisesse, já que mandou Sor Arryk me arrastar pelas ruas da cidade como se eu fosse um vagabundo — rebateu o príncipe, com desdém. — Agora os guardas impedem que eu deixe o castelo. Quando eu os questionei, eles disseram que estavam seguindo ordens da rainha. Eu me pergunto, mãe, quando foi que passei a ser um prisioneiro em minha própria casa.
Aegon exalava um odor tão forte de álcool que Helaena conseguia sentir do seu assento. Ela desviou a atenção para os nobres e se deu conta de que eles observavam a cena como se assistissem a um espetáculo.
Era isso que ela odiava em Aegon. Odiava o modo como ele a humilhava publicamente, fazendo-a parecer uma esposa patética.
A rainha contornou a mesa e se pôs diante do filho.
— Hoje será a celebração da gestação do seu primeiro filho. Lordes de todo o reino estão a caminho da Fortaleza Vermelha para participar do festim — disse ela, encarando-o rispidamente. — É o seu dever estar aqui para receber os convidados. Se eu ordenei que Sor Arryk o arrastasse pela cidade até o castelo foi porque você me obrigou a agir dessa forma.
— Pelos Sete Infernos! Eu não pedi nenhum festim! — vociferou Aegon, contrariado. — Foi a senhora quem inventou isso! Quem, em nome dos deuses, celebra a gravidez de uma criança que virá ao mundo apenas no verão?!
Alicent balançou a cabeça, horrorizada.
— Gostaria de saber onde foi que eu errei com você, Aegon. Porque eu juro que não consigo entender como pude ter um filho tão irresponsável e imaturo — ela virou-se para o filho mais novo que acompanhava a discussão com divertimento. — Aemond, tire o seu irmão daqui e diga aos criados que preparem urgentemente um banho para ele.
— Aegon não é mais uma criança, mãe. Ele é um adulto — contestou Aemond. — Tenho certeza de que sabe o caminho dos próprios aposentos.
— Por favor, Aemond — pediu a rainha. — Se não puder fazer isso por mim, ao menos faça pela sua irmã.
Ao ser repentinamente envolvida na discussão, Helaena enrubesceu. Ela abriu a boca para concordar com Aemond e argumentar que Aegon não devia ser tratado como uma criancinha, pois, caso esse tratamento persistisse, ele continuaria tomando atitudes inconsequentes. Contudo, Aemond foi mais rápido e se pôs de pé.
Ao levantar-se da cadeira, ele andou até Aegon e o pegou pelo braço com tanta firmeza que o irmão não conseguiu se soltar. A irritação estava nítida no semblante do mais novo.
— Largue-me, idiota! — exigiu Aegon, debatendo-se.
— Você não queria ser tratado como uma criança? Agora está sendo — murmurou Aemond, inabalável.
O irmão mais novo conduziu Aegon pelos degraus com impaciência e antes que as figuras de cabelos esbranquiçados se distanciassem, Alicent proferiu:
— Obrigada, Aemond.
Aemond virou-se por um breve instante. Mas não foi o olhar da mãe que ele buscou e sim, o de Helaena. Era por ela que ele estava fazendo aquilo.
Helaena compreendeu de imediato e sorriu discretamente, agradecendo-o.
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Quando Aemond retirou o irmão do Grande Salão, Alicent pediu desculpas aos convidados pela cena deplorável. As desculpas foram prontamente aceitas, mas o constrangimento continuou instalado no ambiente.
Por alguma razão, Jason Lannister achou que cabia a ele dissipar a tensão. Com bom humor, o homem ergueu a caneca de cerveja e comentou que o príncipe era só um jovem que sabia aproveitar a vida. Quem poderia recriminá-lo por isso? Ele estava apenas comemorando a gravidez da esposa à sua maneira.
Para a estupefação de Alicent e Helaena, o comentário de Jason funcionou. Os lordes concordaram soltando gargalhadas e as damas sorriram. Decerto, por educação. Em seguida, os convidados promoveram um brinde ao príncipe Aegon por ser um rapaz que sabia aproveitar os prazeres da vida.
Instantes depois, o Grande Salão foi preenchido pelo barulho de vozes animadas e não houve mais nenhum comentário a respeito da conduta de Aegon.
O dejejum prosseguiu tranquilamente. Alicent pediu para que os musicistas tocassem canções conhecidas e poemas foram recitados pelos cavaleiros presentes em homenagem a princesa Helaena. Aemond não retornou ao salão, mas pediu para um criado informar à rainha que Aegon tomara um banho quente e adormecera em seu leito.
As duas mulheres suspiraram, aliviadas. Era melhor que fosse assim. Enquanto Aegon estivesse dormindo, ele se manteria longe de confusão.
Porém, Helaena não pôde deixar de se sentir incomodada. Aemond deveria estar ali. Não era justo que ele tivesse que abrir mão do dejejum ao lado dos familiares por causa da irresponsabilidade do irmão. Sempre que as portas do salão se abriam, ela olhava ansiosa na esperança de ser Aemond, mas em todas as ocasiões era um criado trazendo travessas de comida ou jarras de cerveja.
Após passar o dia inteiro recepcionando os convidados que não paravam de chegar, Helaena decidiu tirar um período para descansar no silêncio de seu quarto. Precisava disso, pois sentia a cabeça latejar.
A princípio, ela achou que seria fácil manter uma gravidez falsa. Porém, não era de sua natureza mentir e agora a culpa a assombrava. Todos aqueles presentes, todas aquelas felicitações... Pelo amor dos deuses, as pessoas saíram de seus castelos e viajaram até Porto Real por causa da gravidez dela! Helaena estava sendo desonesta, estava enganando o todo o reino. E de que adiantaria mentir? Em algum momento, ela teria que contar a verdade e, no fim das contas, iria para a cama com o marido novamente. Portanto, era inútil. Todos os caminhos levavam ao mesmo destino.
À medida que seguia pelos corredores da Fortaleza Vermelha, ela prometeu a si mesma que iria repousar e, logo depois, contaria à mãe toda verdade. Iria dizer que a septã se enganou, que a maldita regra tinha manchado suas roupas pela manhã e...
Repentinamente, o braço de Helaena foi agarrado de forma súbita e habilidosa por alguém e, antes que tivesse tempo de gritar, o corpo da jovem foi puxado para a escuridão de um corredor estreito.
Por conta da escassez de luz, Helaena não conseguiu distinguir quem tinha a capturado. Pela silhueta, era possível perceber que era um homem — um homem grande que poderia muito bem torcer o pescoço dela, se quisesse. Helaena tentou gritar, mas a mão do desconhecido pressionou sua boca para que permanecesse calada.
— Shhh — sibilou ele, baixinho.
Helaena obedeceu, sentindo o coração bater apressadamente. O corpo da jovem e do seu captor estavam a uma distância comprometedora. Como nunca tinha estado tão próxima assim de alguém além do marido, ela sentiu as bochechas esquentarem.
Então, à medida que a sua visão foi se adaptando à escuridão, Helaena reconheceu o homem.
Era Aemond.
Quando notou que a irmã o identificou, ele afastou a mão dos lábios dela.
— Pelos deuses, Aemond! Quase me matou de susto! — sussurrou Helaena, com a respiração ofegante.
— Venha comigo — cochichou ele, fazendo a menção de seguir pelo corredor mergulhado em trevas.
Helaena hesitou.
— Para onde?
— Apenas venha — e a puxou para que o acompanhasse.
Helaena seguiu Aemond por aquele esdrúxulo caminho. Os jovens Targaryens subiram as escadas de uma torre, atravessaram um pátio e andaram por mais um corredor repleto de armaduras antigas. Certamente, eram relíquias da época do Conquistador. Sempre que avistavam um guarda, Aemond escondia a irmã às suas costas e aguardava o momento certo de prosseguir.
— Posso saber aonde estamos indo? — perguntou Healena, farta de tanto mistério.
— Por enquanto é segredo — respondeu Aemond, que andava a frente da jovem para guiá-la.
— Não gosto de segredos.
— Azar seu, irmãzinha. Eu adoro — replicou o irmão, com uma risada.
— Estamos na Fortaleza de Maegor? — ecoou a princesa, sem conseguir reconhecer em qual parte do castelo estava.
— Você é a pessoa mais fácil do mundo de raptar, Helaena. Não sabe se localizar em sua própria casa.
Ela revirou os olhos diante daquela provocação.
— Eu não precisaria ser raptada se você me dissesse para onde estamos indo.
De repente, Aemond parou bruscamente e fez um gesto com a mão para que a jovem ficasse quieta. Helaena emudeceu-se e logo ouviu o som de vozes masculinas. Sem dúvidas, tratava-se de dois guardas conversando. Os Targaryens se esconderam atrás de uma fria parede de pedras e esperaram os homens avançarem. Após alguns instantes, Aemond conferiu se o corredor estava vazio e então puxou Helaena pela mão.
— Por que, em nome dos deuses, estamos agindo como se fôssemos fazer alguma coisa muito errada? — questionou a jovem, desconfiada.
— Não iremos fazer nada de errado. Só não queremos ser vistos — explicou Aemond.
— Você não quer ser visto — corrigiu Helaena.
— Você também não.
— Não fale por mim.
Ele direcionou um rápido olhar para a irmã.
— Acredite, você também não irá querer ser vista quando chegarmos lá.
Subitamente, Aemond cessou os passos diante de uma parede de pedras adornada por luxuosas tapeçarias e desenhos de dragões.
— Chegamos — disse ele, para a surpresa de Helaena.
Ela olhou para a parede e depois para o irmão.
— Chegamos?
Aemond não respondeu e aproximou-se das imensas colunas brancas. Ao se pôr diante delas, ele empurrou a parede com força e, para estupefação de Helaena, uma porta se abriu, revelando um caminho secreto e obscuro.
O príncipe virou a cabeça para a irmã, esperando que ela entrasse pela passagem. Quando percebeu a insegurança da jovem, ele sorriu com sarcasmo.
— Está esperando um convite formal para entrar, princesa? — perguntou Aemond, fazendo um gesto para que ela atravessasse a porta.
Helaena fez uma careta.
— Preciso mesmo entrar aí?
O jovem de cabelos prateados desviou o olhar da irmã por um segundo e quando voltou a encará-la, ela notou que havia uma sombra de divertimento na expressão dele.
— Não corre nenhum perigo, Helaena. De verdade — garantiu o príncipe.
— Disso eu tenho certeza. Mas prefiro não arriscar.
— Não confia em mim? — questionou Aemond, tentando disfarçar o riso.
— Confio, mas... — respondeu Helaena, em dúvida. — Espere! Você está se divertindo às minhas custas!
E ele deixou escapar uma risada.
— Onde está a corajosa Helaena que andou desacompanhada pelo castelo à noite durante aquela horrível tempestade?
— Tudo bem. Você venceu. Vamos logo — e passou por Aemond, entrando na misteriosa passagem secreta.
Helaena subiu um lance de escadas circulares, enquanto o irmão fechava a porta atrás dela. O que guiou a princesa pelo caminho escuro e empoeirado foi uma luz débil que vinha de algum lugar acima. Provavelmente, de uma janela. Ela estava intrigada. Onde Aemond tinha a levado?
Quando terminou de subir as escadas, Helaena deparou-se com uma pequena sala com um sobrado. Não havia nenhuma mobília no cômodo, exceto um tapete e algumas almofadas de seda espalhadas por ele.
— Aemond, que lugar é esse? — murmurou ela, boquiaberta.
Imediatamente, Helaena foi atraída pela visão do céu pálido. Ela aproximou-se do sobrado e apoiou-se no parapeito. Assim que o fez, a jovem ficou diante de uma magnífica paisagem. De onde estava, ela podia contemplar as colinas cobertas de neve e o mar de águas cinzentas. Um sorriso entusiasmado iluminou o seu rosto.
Helaena virou-se para Aemond que observava a sua reação com fascínio.
— Aemond! É lindo! É possível ver o mar daqui! — exclamou a princesa, maravilhada.
Ele aproximou-se de Helaena, parando ao seu lado.
— O rei Maegor I mandou construir diversas passagens secretas pelo castelo para que pudesse fugir caso os seus inimigos o atacassem. Essa é uma delas — Aemond ficou ainda mais próximo da irmã e apontou para baixo. — Veja, há apoio nas paredes para as mãos que são impossíveis de serem vistos do chão. Se descer por eles é só seguir pela trilha ao lado do rio e estará livre.
Helaena seguiu com o olhar a direção para a qual o irmão apontava e, de fato, existiam nas pedras do sobrado apoios para as mãos. Mas eram tão discretos que, se ele não tivesse alertado, ela não teria percebido.
À medida que Aemond falava, Helaena podia sentir o hálito quente e o calor que emanava do corpo dele. Por um momento, ela se permitiu pensar em si mesma somente como uma jovem observando uma paisagem invernal na companhia de um belo rapaz.
Sem que pudesse evitar, uma vozinha ecoou na mente de Helaena: "eu deveria ter sido prometida para Aemond", o que fez com que suas bochechas esquentassem. Pelos deuses! Por que estava pensando algo assim? Será que estava solitária demais?
Helaena afastou-se delicadamente do irmão.
— Para ter mandado construir uma coisa dessas, o rei Maegor certamente não foi uma boa pessoa — comentou, assustada com os próprios pensamentos.
Aemond respeitou o espaço dela e manteve-se a uma distância respeitosa.
— Ele era um Targaryen — respondeu, dando de ombros. — Dizem que sempre que um Targaryen nasce os deuses atiram uma moeda para cima e o mundo segura a respiração para saber de qual lado ela cairá. Um sábio ou um louco. Quem pode dizer o que um Targaryen será? Seja como for, a grandeza corre em nosso sangue, mas, para alguns de nós, a loucura é um preço que temos que pagar.
— O que aconteceu com as pessoas que construíram essas passagens?
Aemond sorriu.
— Maegor mandou matá-las, é claro.
Naquele instante, uma fria rajada de vento beijou o rosto de Helaena, o que a fez encolher-se no manto. Então, pessoas tiveram que morrer para que o lugar que eles desfrutavam a vista pudesse ser mantido em segredo? Que barbaridade!
— Não gosto dessas histórias, Aemond — disse a jovem. E logo tentou mudar de assunto: — Diga-me, por que me trouxe até aqui?
— Não foi para lhe dar aulas de História, isso eu asseguro.
Ela riu.
— Não seja bobo. Sei que não foi. Agora, responda-me, esse é o seu cantinho especial? É para onde você vem quando quer se esconder do mundo?
— Eu não diria "se esconder", pois o mundo não me provoca medo — esclareceu Aemond encarando o mar além das falésias. — Eu diria que é um lugar onde costumo vir para pensar sem que haja ninguém para atrapalhar. Perdi as contas de quantos livros já li aqui. Aprendi mais estudando sozinho do que com os enfadonhos preceptores contratados pela nossa mãe.
— Sei bem como se sente — disse Helaena, com tristeza. — Quase nunca fico sozinha. Sempre há uma septã ou uma criada por perto. Principalmente agora que estou... Grávida. Parece que as pessoas se preocupam mais com o bebê do que comigo.
Aemond a fitou.
— Ontem, na biblioteca, você me disse que se sente uma prisioneira na Fortaleza Vermelha. Foi por isso que eu a trouxe até aqui, Helaena — revelou o jovem. — Esse castelo foi construído por Aegon, o Conquistador. Foi o sangue do nosso sangue que mandou erguê-lo. Nenhum Targaryen deve se sentir um prisioneiro num castelo que é seu por direito. O lugar secreto em que estamos pode não lhe oferecer a liberdade que deseja, mas pode proporcionar um pouco de paz, já que ninguém irá incomodá-la aqui.
Ela sorriu para o irmão.
— Obrigada, Aemond — disse, com sinceridade. Em seguida, confessou: — Eu tenho a impressão de que você é a única pessoa que me compreende. Sinto que posso lhe falar o que penso francamente. De repente, a corte... As pessoas... Tudo agora me parece uma rede de mentiras. Parece que todos interpretam um papel. Nunca sei quando posso confiar em alguém.
— Você está enxergando a corte como ela realmente é. Antes você a enxergava com os olhos de uma criança. Não deve confiar em ninguém, exceto naqueles que possuem o seu sangue.
Helaena balançou a cabeça.
— Acho que não. Eu confiei em nossa mãe e ela me casou com Aegon — falou com amargura. — A propósito, obrigada por tirá-lo do salão durante o dejejum.
— Aegon nos envergonhou diante da corte! — Aemond praticamente cuspiu aquelas palavras. Ela nunca o viu tão furioso. — O que vão pensar dele agora?! Que é um bêbado idiota?!
— Acho que ele é exatamente isso.
— Aegon tem tudo o que muitos sonharam. Ele é o primeiro filho homem do rei, é o legítimo herdeiro do Trono de Ferro, tem uma esposa...— Aemond se deteve e deu uma rápida olhada para Helaena. A impressão que a jovem teve foi de que ele iria falar algo a seu respeito que não devia. — Uma boa esposa. E nunca fez nada para merecer tantos privilégios. Apenas teve a sorte de nascer primeiro. Mas chega de falar de Aegon. Ainda tenho outra coisa para lhe mostrar. Venha.
O irmão retornou para a sala e Helaena o acompanhou, curiosa. Ele caminhou até o tapete e afastou as almofadas, revelando uma bolsa de couro que parecia conter algo pesado.
— O que é isso? — quis saber a jovem.
— Um presente — respondeu Aemond, com um sorriso travesso.
— Mais um?
— Não. Esse lugar não é um presente. Ele lhe pertence, pois é uma Targaryen assim como eu. Tudo o que fiz foi revelá-lo a você. Agora isso — ele ergueu a bolsa para evidenciá-la. — É o meu presente para você.
Num impulso, Helaena aproximou-se do irmão com a intenção de pegar a bolsa e quando estava prestes a fazê-lo, ele levantou o objeto, tirando-o do seu alcance.
— Vejo que a paciência não é uma de suas qualidades, irmãzinha — provocou.
— Definitivamente não — concordou Helaena.
E então Aemond lhe entregou a pesada bolsa. Assim que ela espiou o seu conteúdo, descobriu que se tratava de três pesados livros. Helaena retirou um dos volumes que estava luxuosamente encadernado com fios de ouro.
— Etimologia dos insetos — ela leu o título da obra em voz alta e, depois, encarou o irmão com os olhos arregalados. — Aemond! Pelos deuses! Isso é uma preciosidade! É um tesouro!
— É, eu sei. São livros raros e que servem de orientação para os arquimeistres da Cidadela — afirmou o príncipe, modesto.
Helaena conferiu os outros livros.
— E são os três volumes!
— É claro. De que adianta presenteá-la com apenas um só volume? — retrucou Aemond, adorando presenciar a empolgação da irmã.
E antes que o jovem pudesse se preparar, Helaena jogou-se nos braços dele, dando-lhe um forte abraço de agradecimento. Aemond não estava preparado para isso, mas sustentou o corpo de Helaena à medida que sentia o doce aroma dos cabelos dela. Quando ela se desvencilhou, ele precisou se controlar para não puxá-la de volta.
— Quer ouvir algo engraçado? — perguntou Helaena, de repente. — Eu sonhava em ir para a Cidadela, mesmo sabendo que mulheres não podem participar da Ordem dos Meistres. Passei anos da minha vida imaginando que, um dia, nosso pai enfrentaria todas as tradições do reino, assim como fez com a nossa meia-irmã Rhaenyra, e faria com que me aceitassem como aprendiz na Cidadela. Eu queria passar o resto da vida entre estantes de livros, estudando as criaturinhas que todo mundo despreza. E então eu acabei sendo obrigada a me casar aos treze anos com o meu próprio irmão. Era um sonho bobo eu sei, mas ainda assim...
— Era o seu sonho — completou Aemond.
Ela assentiu, corando.
— Isso. Era o meu sonho — um silêncio confortável se instalou, mas logo Helaena o quebrou. — Mais uma vez obrigada, Aemond. Acho que eu já teria enlouquecido se não fosse você.
Ele revirou os olhos.
— Não seja dramática. É só um presente.
— Que agora será o meu bem mais precioso — completou ela, sorrindo e apertando a bolsa contra o peito. — Preciso ir. Logo começarão a fazer uma confusão por que desapareci.
— É claro. Eu irei levá-la de volta ao seu quarto para que não se perca — falou Aemond, porém era evidente que tinha ficado desapontado. Ele não queria que ela partisse.
Como prometido, o príncipe levou Helaena de volta aos aposentos dela. Quando a irmã deu um último sorriso para ele e fechou a porta, Aemond pensou que, naquela noite, ele teria que suportar vê-la dançar com o marido, o homem que a desprezava e que a fazia sofrer silenciosamente.
Aegon não merecia Helaena. Talvez, nem mesmo Aemond merecesse. Ela era boa demais.
Mas ele a desejava. E que os deuses o punissem por isso.
