Nota da autora: No presente capítulo, os gêmeos tem vinte e sete anos e faz cerca de um ano que se reencontraram. Como Kanon ainda continua "do mal" e com ideias totalmente opostas às do Saga bom, as brigas são frequentes. Aqui vai um "recorte" de uma dessas brigas. Espero que gostem!
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Meu menino, meu milagre
VII
Acordo com o corpo quente e aconchegante de Kanon encostado em mim. Ele dorme sempre abraçado a mim, ou eu abraçado a ele. E mais uma vez me sinto com raiva.
Sim, com raiva. Enfim a euforia inicial passou. É claro que ainda valorizo o fato de meu irmão estar vivo. Mas com o tempo, e com a presença dele tendo se tornado frequente em minha vida mais uma vez, foi inevitável refletir sobre tudo o que aconteceu nos últimos anos em nossas vidas.
Ainda lembro, de maneira muito nítida, como foi passar pelo luto da suposta morte de Kanon. Foi se utilizando de tal luto que o demônio me dominou completamente. E no entanto, ele estava vivo, como está até hoje. Eu, achando que ele estava morto, implorava para vê-lo uma última vez, nem que fosse somente em espírito. Eu me sentia profundamente culpado por ele estar morto, e por causa de algo que eu havia feito.
E era tudo mentira; ele, nesse tempo todo, estava vivo. E ainda mais: fazendo tudo o que sempre quis. Dominando poderes divinos, enganando, roubando, ocupando lugares que não são dele... meu irmão passou apenas dez dias na prisão do Cabo Sounion e algum deus teve piedade dele. Para que ele continuasse a fazer tudo errado!
Todas as vezes nas quais eu implorava para vê-lo uma última vez, ele estava vivo e sabendo que eu estava aqui. Sozinho. Era só ter vindo até mim, uma única vez... se ele houvesse feito isso logo após ter sido libertado de seu cárcere, o ser maligno não haveria tomado conta de meu corpo. E eu não estaria vivendo esse tormento, o qual vivo até agora, e do qual provavelmente só vou me livrar após morrer.
Visto uma túnica e vou até a sacada dos aposentos do Grande Mestre. Oculto meu rosto prudentemente com um capuz. Olho o horizonte e continuo a teimar com essas questões em minha mente. Creio que é humanamente impossível não sentir raiva diante disso.
Não demora muito, Kanon acorda e vem até mim. Também vem coberto por um capuz - agora essa realidade de esconder o rosto é de nós dois, pois os criados lembram de como era o rosto de Saga de Gêmeos; ele, sendo meu irmão gêmeo, precisa esconder um rosto que seja igual ao meu - e me abraça por trás, beijando meu colo e meu pescoço.
- Oi, Saguinha. Dormiu bem, amor?
Não respondo sua pergunta. Em vez disso, faço outra:
- Kanon, por que em seis anos não me mandou ao menos um recado, dizendo que estava vivo?
- Hum? Como assim?
- Mesmo que num primeiro instante estivesse com raiva de mim, poderia ter ao menos me mandado uma mensagem ou algo do tipo. Ter dado um sinal de vida.
- Se eu mandasse, que diferença ia fazer?
- Você ainda não entende o papel que a sua suposta morte teve em todos os acontecimentos aqui no Santuário de Atena, não?
- Ué, e daí? Francamente, Shion mereceu morrer. O idiota do Aioros também. Pra mim, só faltou Atena mesmo ser morta, pra minha alegria ser completa.
A raiva se torna ainda mais intensa em meu peito. Respiro fundo, e ele sente. Kanon sabe que eu odeio quando ele fala assim - e mesmo assim o faz, com o intuito de me provocar.
Respondo a ele e o miro, o olhar cheio de ressentimento:
- Mesmo que odeie Atena. Mesmo que odiasse Shion. Você diz que me ama! Tem ideia do quanto eu sofri naqueles seis anos? Quando eu chorava, implorando para que falasse comigo mais uma vez? E você vivo, com condições de voltar até aqui e me responder - não respondeu! Me ofereceu somente o seu silêncio!
- Qual é, Saga! Eu quase morri por sua causa! Se bem se lembra, eu também implorei pra você me tirar daquela porcaria de cela e você não tirou! Pois foi bem feito que ficou aí se lamentando! Eu acho até que foi bem ruim eu ter voltado! Você devia continuar achando que eu estava morto, sofrendo como antes, com a culpa por ter me matado a te remoer dia após dia! Eu ainda me surpreendo em como me digno em vir aqui dar o meu rabo todas as noites pra alguém que quase me matou... sou muito burro, mesmo! Devia ter deixado você aí, sozinho com o demônio! Mas quer saber? Até que por outro ponto de vista foi bom eu ter voltado. Pois assim eu conheci o demônio, e ele me come muito melhor do que você, está me ouvindo?!
Desdenhar de minha dor, e ainda por cima dizer que prefere estar com meu pior inimigo, é demais para mim. Vou em direção a meu irmão, os olhos fulminando de raiva, e ensaio ir para cima dele. Mas meu gêmeo, o qual está ainda mais familiarizado com o ódio do que eu, me repele e me empurra para longe.
- Não ouse me bater! Eu já não sou mais aquele moleque que apanhava quieto de você! Não! Hoje eu sou muito mais ciente dos meus poderes e do meu valor!
Me sinto muito mal, meu coração oscilando entre a raiva e a indignação. Não foi esse o reencontro que eu pedi aos deuses. E mais uma vez me inclino a acreditar no que diz o ser pérfido que me domina: milagres não existem... foi muita ingenuidade de minha parte acreditar nisso!
- Olha, quer saber? - ele diz, saindo da sacada - Eu vou é tomar o meu café da manhã. Estou com fome. Não precisa vir junto comigo! Fique aí com seus pensamentos!
- Kanon, o capuz. Os criados-
- Fodam-se os criados! Eu francamente não estou nem aí - e se alguém ver meu rosto eu vou matar e acabou!
Não falo mais nada, apenas vendo meu irmão sair num passo rápido e despreocupado até a despensa, para se servir do que deseja. Ao sair do quarto, bate a porta do mesmo com força.
- Kanon.
Eu o chamo, mas ele não atende.
- Kanon!
Silêncio. É exatamente como nos seis anos os quais eu cri que ele estava morto. Inferno! Ele gosta de me ofertar justamente o que mais me fere!
- KANON!
E, num laivo de loucura meu, penso mais uma vez que a volta dele foi uma ilusão. Que na verdade ele morreu e sua vinda é apenas um sonho que me conforta para que eu não seja capaz de me suicidar.
- KANON!
Silêncio novamente. Soco a porta, com raiva - mas não a ponto de quebrá-la ou mesmo arrombá-la. Ainda tenho alguma sanidade para me recordar de que os criados podem me ouvir a gritar e a socar a porta. E ao contrário de Kanon e do parasita que me possui, não desejo mortes desnecessárias.
Vou até a cama e respiro fundo. Deus meu... jamais terei paz em minha vida. Deu tudo errado... e agora eu pago com minha dignidade por causa de erros que, se eu soubesse, jamais teria cometido.
Meu gêmeo se sente feliz com a morte de Shion. Eu jamais deveria ter poupado sua vida! Um dia... um dia, por mais que eu o ame... eu tomarei coragem e o matarei de uma vez. E em seguida me matarei, para segui-lo ao inferno, que é o lugar o qual ambos merecemos.
Tal discussão e desgaste emocional logo de manhã me cansa grandemente. Felizmente aquele demônio horrível não deu as caras - era só o que faltava para iniciar meu dia de maneira ainda pior do que já iniciei. Deito no leito e me entrego à inconsciência, desejando morrer. Durmo um sono sem sonhos, como se minha mente simplesmente se apagasse.
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Acordo algum tempo depois, novamente com o corpo quente de Kanon abraçado ao meu. Mesmo discutindo comigo, não consegue ficar muito tempo longe de mim. É assim que eu sou também: discutimos, nos ferimos com palavras, mas não conseguimos viver afastados um do outro. Deve ter tomado o desjejum, voltado ao quarto e, ao me ver dormindo, resolveu tirar um cochilo tambem.
Logo ele se mexe, sussurrando perto de meu rosto:
- Oi Saguinha, amorzinho... é tão bom dormir agarradinho com você, sentindo o seu cheiro...
- Kanon! Não tem um pingo de vergonha na cara?!
- Eita! Já vai vir me xingando, é isso?!
- Discute comigo, me deixa socando a porta sem me responder, e depois volta pra dormir abraçado como se não houvesse acontecido nada!
- Ah, Saga! Você gosta mesmo de brigar! Pois se não quer se reconciliar e fica trazendo as mágoas à tona toda hora, eu vou é embora! É, já deve estar tarde, e eu estou cansado das suas patadas! Tenho mais o que fazer lá no Reino de Poseidon. E se quer saber? Acho que não venho mais também! Acabou a farra pra você! Acabou o sexo grátis, o "amorzinho", o cafuné, acabou tudo!
- Pois vá! Fique lá com as suas ambições e não volte! Eu devia mesmo era ter matado você, ouviu? Seu caso não tem mais jeito!
- Pelo menos não sou a marionete de um demônio. E agora dá licença, que eu vou cuidar da minha vida!
Meu irmão pega suas coisas e vai embora, batendo a porta novamente, sem nem dizer "adeus". Sinto um vazio enorme no peito. Ele voltou sim, mas para brigarmos todos os dias, nessa loucura...
Em breve, quando ele adentra o Mundo Submarino, sinto seu cosmo desaparecer, da mesma forma que senti quando achei que havia morrido. Agora sei a diferença: é de fato muito diverso de quando o cosmo de alguém desaparece por ocasião de sua morte. Mas na época eu não consegui distinguir, por causa do desespero... por causa do demônio... por eu ser um amaldiçoado afinal de contas.
O parasita enfim aparece e desdenha de mim, rindo de deboche:
"Mas você é burro mesmo, né? Pediu tanto pra Kanon voltar, e agora que está novamente com ele, só brigam!"
Não o respondo. Tomo dos paramentos do Grande Mestre, inclusive a máscara, e vou para meus afazeres, a fim de tentar distrair a mente.
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Três dias se passam e nada de Kanon. Acho que dessa vez a coisa é séria. Será que vale a pena perdê-lo por causa de uma discussão boba como aquela?
Mas então, o que eu deveria ter feito? Ficado quieto? Simplesmente ter ficado quieto, e não ter exposto os erros dele? Bem, eu não posso também aceitar tudo apenas para continuar com ele. Não, ele tem que entender que também tem culpa em tudo o que aconteceu.
Na terceira noite, porém, ele aparece. No horário no qual sempre costumou aparecer após nos reencontrarmos. Ele está aqui em meus recintos privados - em nossos recintos privados. Por mais que eu fique com raiva, tenho de admitir: é tudo nosso.
Estou de costas para ele, e assim permaneço. Mesmo sem vê-lo, sei que está me olhando, esperando alguma reação vinda de mim.
- Saga... - ele profere, após algum tempo.
Ainda de costas a ele, respondo de maneira muito séria:
- Não disse àquele dia que não voltava mais? Que faz aqui, então?
Ouço sua respiração se alterar. Ele está indignado com a minha convicção em não deixar a mágoa passar em branco!
- Quer que eu vá embora? Pois se quiser, eu pego minhas coisas e vou agora mesmo.
A lembrança dos seis anos sem ele... do nosso reencontro, no qual nos amamos de uma maneira tão especial... o medo enorme que tenho de perdê-lo outra vez... me vencem. Enfim eu me viro em direção a meu irmão, o abraço pelo pescoço e digo:
- Não, não se vá! Não se vá, Kanon, nunca mais!
E então nossas bocas se encontram com ardor, os braços enlaçando o corpo um do outro com muita vontade, as roupas sendo retiradas enquanto nos deitamos sobre a enorme cama, a qual é o palco de nossas mais intensas noites de amor.
- Hun... Saga... eu estou... daquele jeito que você tanto gosta, sabe?
O "jeito que eu tanto gosto" é quando ele vem algumas horas após tomar banho, mas não imediatamente após o mesmo. Para que eu possa sentir o cheiro das essências, dos perfumes, mas também o cheiro dele, do corpo dele... o cheiro de homem que exala de si.
Beijo seu corpo inteiro, chupando-o todo e depois fazendo amor a noite inteira, graças à nossa resistência física fora do comum... e logo após nos banhamos e descansamos, abraçados um ao outro, como sempre.
Fico olhando para o teto do quarto, deitado no leito, sentindo o peso da cabeça dele sobre meu peito. Acaricio seus longos cabelos, enquanto meu gêmeo se aconchega ainda mais em mim. Não levanto mais nenhuma questão desagradável entre nós, pois eu não quero mais rusgas... quero apenas amá-lo, e ficar aqui abraçado com ele, sentindo seu calor e seu toque... e esquecer de toda essa desgraça que tomou conta de nossas vidas nos últimos anos.
Por mais um dia, eu não consegui ser forte o suficiente para deixar o que sinto por Kanon de lado. Mas que seja! Que eu seja fraco então. Deixarei a questão de "ser forte" para outro dia.
To be continued
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Tadinho do Saguinha, não consegue ficar sem o maninho! E que barracos esses, hein? Bem que o Kanon tem uma língua afiada e provocadora... mas esses dois sempre se entendem no final... e acabam voltando a brigar! Esse é o preço para continuarem juntos, mesmo pensando de forma tão diversa.
Bom que sabemos que no final o Kanon se redime e tudo se resolverá em definitivo entre eles, rsssss!
Beijos a todos e todas!
