Capítulo IV
"Eu sei que prometi nunca mais vir aqui, Souma. Porém, eu esqueci algumas coisas importantes e gostaria de recuperá-las, antes de realmente fazer valor as minhas palavras anteriores".
Yuki observava a jovem sentada a sua frente. Uma beleza estritamente planejada para aquele encontro. Os cabelos lisos caindo sobre os ombros delicados, a maquilagem tão suave, mas perceptível. Se não a conhecesse, provavelmente pensaria que aquilo era uma espécie de provocação, mas Tohru Honda, mesmo tendo mudado drasticamente de personalidade, não se tornara tal tipo de pessoa. O jovem tentou abrir um sorriso, mas o medo de não ser correspondido o fez manter os lábios quietos em um silêncio desconcertante. Havia alguns objetos de quando Tohru partilhava de sua infância com eles, mas em sua pressa de partir, os deixara ali.
"Provavelmente deve ter guardado-os no sótão, mas preciso deles com urgência".
"Eles estão no mesmo lugar onde você os deixou, Tohru-san".
"Perfeito", ela levantou-se e quando ele fez menção de fazer o mesmo, para que pudesse acompanhá-la, Tohru ergueu a mão num educado gesto imperativo. "Eu conheço o caminho, portando não se incomode".
"Sua gentileza é fria, Tohru-san", o comentário fora atrevido, mas épocas atrás, ele tinha certeza que teria uma repercussão diferente. "Se é dessa maneira, é melhor não tê-la".
"A tenho para usá-la em situações incômodas", ela respondeu sem olhá-lo. Se Yuki a visse naquele momento, notaria que suas palavras balançaram o coração da jovem. "Como esta. Agora, se me der licença".
O rato nada pôde fazer a não ser assistir a subida de Tohru pelas escadarias de madeira, tragado pelo vento da nostalgia, imaginando-os como crianças. Sabendo que, aos 16 anos, ela desceria as escadas e lhe sorriria, afirmando que iria preparar o jantar. Agora, não tinha nem a certeza de uma despedida. Por mais fria que fosse, ela aqueceria seu coração. Um coração que sempre seria apaixonado, e que se contentava com as migalhas do carinho que um dia, Tohru sentiu por todos os Souma.
"Você pode fazer às coisas ao seu modo, lentamente, Tohru".
Ela lentamente entrara em seu coração, e agora, lentamente, invadia-lhe os pensamentos com mais força do que antes. Como poderia permanecer imune a tão discreto encanto?
Saiu de seu torpor imaginário quando as mesmas portas por onde Tohru haviam entrado foram abertas por um deprimido Kyo. O rosto severo, amargo, provara que ele não aceitara bem o que quer que Hatori tivesse lhe dito. Pensou em dizer que Tohru se encontrava na casa. Mas não foi nem preciso, pois o sensitivo gato logo notou a ligeira mudança nos ares.
"Você não está sozinho", Kyo praticamente rosnou. Sempre fora dotado de ótimo olfato e o treino deveria ter desenvolvido sua habilidade ainda mais.
"Não".
"Quem está aí?".
"Vá ver, se tem tanta curiosidade".
O gato começou a caminhar em direção as escadas, mas antes de subi-las, lhe mandou um olhar de revés, consternado. "Eu escutei de Hatori o que não queria, mas também o que não sabia. Não pense que não iremos conversar".
"Faça como quiser".
Mas eu sei, Kyo... Que o mais importante, você não escutou. Você não sabe quem é aquele que roubou o coração de nossa Tohru.
"Eu não quero você aqui, Tohru! Saía! Eu sou um maldito e sujo rato de esgoto! Não precisa fingir que gosta de mim! Não precisa ser uma menina perfeita! Não precisa aturar minha transformação, nem a de ninguém dos doze! Não olhe nos meus olhos! Finja que eu não existo! Não olhe para esse rato sujo! NÃO OLHE!".
Parecia-lhe ontem. As imagens eram perfeitas, elas as via, e julgava que se as tocasse, também as pudesse sentir. No entanto, ao invés de se aproximar, os pés delicados de Tohru regressaram até que ela batesse as costas contra a parede atrás dela. Os objetos estavam intocados, até um pouco empoeirados. Retratos e mais retratos. Bonecas e bonecos. Almofadas e travesseiros. Um cheirinho de dor...
"Kyo desistiu de mim! Não faça isso também, Yuki! Eu jamais vou desistir de você! Não tem que se entregar, tem que lutar".
Akito ferira o coração e a alma de Yuki. Utilizando de suas palavras sedutoras e cheias de lábia, o levara novamente ao lado negro de seu coração. O fizera ver os medos mais escondidos, os medos que um dia Yuki lhe confessara, e que ela dissera não existir. O que teria acontecido se Kyo estivesse lá? Shigure era um bom homem, mas também tinha sua família. Só o gato a teria salvado. Mas ele não estava lá.
Kyo pensa que só eu devo ajudá-lo... Mas eu não sou ninguém. Sou tão insignificante, ou até menos, do que ele.
Caminhou até seus pertences, juntando-os ao colo, com calma. Yuki não lhe perturbaria, não teria coragem para tanto. E Kyo... bom, se o gato estivesse na casa, já teria ido falar com ela.
Um bonequinho lhe chamou mais a atenção. No o via faz muito tempo, e sempre se recordava dele, quando ia dormir. Era um delicado Onigiri. Sua forma era meiga e nas costas, a pequena ameixa. Gostava de comparar as pessoas ao bolinho, mas não era mais aquela que acreditava que brinquedos ou qualquer outra coisa representasse o verdadeiro ser humano.
"É cruel, é sujo...", murmurou, decidindo deixar o onigiri ali. Definitivamente, ela não pertencia mais a aquele lugar. "A que lugar pertencer, então?".
"Ao meu coração, Tohru".
Uma lágrima, muito discreta, deslizou pela face pálida. O mesmo rastro foi pegando fogo, enquanto a face ruborizava-se e o coração galopava, impedindo-lhe parcialmente de respirar. Para que virar-se, se tal voz, por si própria, já lhe causava todas as sensações?
"Eu sabia que um dia iria te ver neste quarto novamente".
"Eu não vim para ficar", afirmou com fraqueza, ainda sem ter coragem para olhá-lo. "Só para buscar algumas coisas que esqueci".
"Eu sei por que você foi embora, Tohru".
"Não sabe de nada".
"Olhe para mim quando estiver falando comigo", ele ordenou com sutileza, mas aplicando na frase todo o desejo de olhar para seus olhos.
Assim o fez, pois se temia o que ele faria enquanto o olhasse, temia ainda mais o que ele faria se não o obedecesse.
O encontro de íris foi quase palpável, enquanto os corpos respondiam primitivamente a qualquer feixe de luz que os olhos produzissem. Ele ainda estava com a mesma roupa do último encontro. A face, no entanto, não carregava a mesma determinação e a boca, cansada, nem se atrevia a pronunciar mais nenhuma palavra. Onde quer que ele estivera, soubera de algo, pois mantinha em seu rosto um semblante de sabedoria e de compreensão. Mas quem era ele para compreendê-la, ou para fingir que estava tudo bem!
Quando Kyo encontrara Tohru pela primeira, às sombras das paredes daquela creche minúscula, notara-lhe as mudanças sutis. Naquele ambiente mais aberto, percebia que a menina que amava transformara-se em uma bela mulher, de atributos físicos delicados e de feição assustada. Os anos ás vezes não fazem somente milagres, como também obrigam o coração a mudar. E só de pensar que o culpado fora um de seus familiares, um dos Souma, Kyo sentia o sangue correr pelas veias com muito mais velocidade.
"Fui falar com Hatori".
O médico era o único, depois de Shigure, que conhecia o que realmente havia acontecido por ela. Mesmo que não falasse com eles, devido aos limites que ela mesma colocara a qualquer contato com os Souma, os considerava e sabia que eles jamais fariam nada para prejudicá-la.
"Ele me contou que...", um tremor foi notado no corpo forte do gato. "Que Yuki apaixonou-se por você".
"Todos nós cometemos erros", disparou em seguida. O fato de Yuki ter amado-a era tão doloroso quanto o fato de ela ter amado... Amado aquele que ainda consumia seu coração. Jamais perdoaria o rato por ter desenvolvido aquele sentimento por ela. E jamais perdoaria a si mesma por não ter sido forte o suficiente para corresponder. "Yuki... tentou reparar o dele, mas...".
"Não conseguiu", Kyo completou.
"Certo. Ele não pôde reparar. Eu não estou esperando que ele o faça. Não foi...", iria dizer que a culpa não fora de Yuki, mas em parte, fora sim. Ele podia ter lutado contra o amor. Ele podia ter percebido que Tohru só tinha olhos para um.
"Não foi...?", ele encorajou-a a terminar.
"Escute, Kyo... não há razão para esta conversa. Se falou mesmo com Hatori, deve saber também que eu não quero mais nenhum contato com a família Souma. E isso inclui você", o coração foi apertando-se tanto que as lágrimas também precisaram falar. "Por isso, eu preciso que me deixe sozinha".
"Como posso deixá-la sozinha, Tohru?", ele murmurou, caminhando até ela. "Como posso ter coragem de abandoná-la agora?".
"Você teve coragem há 7 anos atrás", disse, desviando o olhar, que se aproximava cada vez mais do dele.
"Éramos crianças".
"Mas isso não significa que eu sofri menos!".
A exclamação assustou Tohru, mas não a Kyo. Ele não parecia disposto a desistir. Com a mão, tocou seu queixo e ergueu-o até que ela fosse novamente obrigada a fitá-lo. "Eu... eu queria muito abraçá-la", ele confessou penosamente. "Queria colocá-la em meu peito, sentir suas mãos em minhas costas e...", ele olhou para seus lábios, apertando os próprios com os caninos. "Beijá-la. Foi isso que eu sempre quis fazer".
"Kyo, não...", para que dizer, se seus olhos afirmavam?
"Fazer você esquecer a dor que proporcionei a você".
"Como poderia?", murmurou. "Está aqui agora. Está me fazendo chorar. Está me fazendo sofrer".
"Eu sei...", o dedo indicador traçou a linha de seu lábio superior, fazendo com os olhos femininos fechassem-se instintivamente. "Desculpe-me, Tohru, mas...", a frase não pode ser terminada. A boca tocou a sua e os pensamentos formulados na cabeça de Kyo desapareceram.
Não podia abraçá-la, mas os lábios moveram-se sobre o dela com tanto carinho que ambos começaram a andar, até que ela estivesse encostada na parede, as duas mãos dele apoiadas cada uma de um lado de sua cabeça. Quando o contato se tornou suave demais, Kyo envolveu o rosto dela com as mãos e aprofundou o beijo, alimentando as fantasias, esquecendo-se dos sonhos para dedicar-se somente a doce realidade. Que era mais doce do que ele pensava ser.
Os lábios dela desviaram-se dos seus por mínimos segundos, tempo suficiente para que ela dissesse. "Deixe eu tocar você, Kyo...".
Os dedos de Tohru dedilharam sobre o seu peito, enquanto voltavam a se beijar, a esquecer o resto do mundo. Logo, o gato afundava as mãos nos cabelos castanhos e sedosos, embriagando-se com o cheiro, com o sabor.
Se quando crianças, o amor já os obrigava a desviar o olhar, agora que adultos eram, sabiam que o desejo ia crescendo, faminto, ansiando por uma carícia profunda que o corpo dele não permitia ter.
E ao lembrar-se disso, Tohru afastou-se bruscamente. Kyo também fez o mesmo, fitando-a como se fosse a primeira vez que a visse. E de fato, era como se fosse. Os cabelos em desalinho, os lábios brilhosos de paixão, o corpo trêmulo e ansioso, arqueando-se para frente, procurando conforto em qualquer espaço daquele quarto pequeno, mas achando somente calor.
"Quem era ele, Tohru?", Kyo não evitou de perguntar. Como ela podia beijá-lo se amava outro Souma? Será que o vira, que o sentira nele?
"Ele?", ela gaguejou.
"Por qual Souma você se apaixonou?".
"Oh, Kyo...", as lágrimas de Tohru desceram com muito mais força e ela correu para fora do quarto. O gato, sem a mínima intenção de deixá-la fugir, também foi atrás da garota.
Tudo estava rodando. Achar a saída da casa dos Souma nunca lhe parecera tão difícil. E o choro turvava-lhe a visão, fazia-a tudo em dobro. Viu a sombra de Yuki, ainda sentado no mesmo lugar de antes. Os vislumbres dos bonequinhos dos signos do zodíaco que Shigure deixara para trás. Mas mesmo assim, não parou de correr. Assim que avistou a porta de madeira, correu-a com a mão e saiu para o jardim, tropeçando, sujando a saia branca. Como Kyo podia ser tão cego? Como não podia perceber por quem ela se apaixonara, quando era tudo tão extremamente óbvio?
Sentiu um puxão em seu braço. A mão de Kyo era firme e os olhos, igualmente duros, esperavam uma resposta. "Quem é aquele por quem você se apaixonou, Tohru?".
"Seu maldito neko baka!", gritou. "Quem foi o único que roubou meu coração, que fez eu chorar quando foi embora, que fez eu cair cada vez que eu pensava nele, que fez eu fugir, que fez eu morrer por dentro?", a surpresa e o entendimento iam enchendo os olhos de Kyo. "Quem foi o único que me deixou?E que agora, teve a coragem de ainda perguntar quem eu amava, quando ele... quando ele sempre foi o único para mim?".
"Tohru...".
"O Souma por quem eu me apaixonei", olhou-o bem dentro dos olhos. "Foi você, Kyo".
Continua...
Olá, minna!
Época de festas, muito complicada para atualizar... o fic já está pronto a muito tempo, o computador é que não ajuda. Desculpe por não responder os reviews, mas não estou usando meu computador e não posso ficar muito tempo. No próximo e último capítulo, eu responderei as carinhosas reviews!
Um ótimo ano, minna! Kisu!
