Capítulo V

"O Souma por quem eu me apaixonei... Foi você, Kyo! E eu não quero mais esse sentimento, eu preferia antes de tudo odiá-lo! Pois esse sentimento me matou! Eu não queria que você tivesse voltado! Nunca!".

Depois daquelas palavras, ele sem mais o chão onde pisar, afrouxara o aperto e permitira que Tohru corresse para longe. A essa altura, Yuki também já estava lá fora, assistindo a aquela cena com o coração partido, mas com o rosto calmo. Do que adiantaria ficar nervoso naquele momento? Expressar ciúme, quando o próprio Kyo já era fonte inesgotável de emoções?

Os céus tornaram-se negros e a chuva os castigou durante os próximos minutos. Lembrava-lhe a primeira vez que Kyo se transformara em sua verdadeira forma. Mas dessa vez, não era o gato amaldiçoado que fugira. E sim Tohru. A brava e corajosa Tohru. Como nenhum dos dois primos havia percebido que ela não passava de uma menininha frágil?

Kyo caiu no chão enlameado. Os punhos começaram a bater violentamente no chão, o rosto composto de todo o arrependimento. "COMO EU NUNCA PERCEBI! COMO EU PUDE SER TÃO ESTÚPIDO, COMO EU A DEIXEI QUANDO ELA PRECISOU DE MIM! QUE ESPÉCIE DE AMOR É ESSE O MEU!".

As mãos foram ficando avermelhadas, na direta, já havia um corte que vertia sangue. Mas Kyo não dava indícios de que iria parar de martirizar-se. E nem Yuki de que ia impedi-lo. Via no rompante do primo uma maneira mais sutil de expressar suas próprias frustrações.

"Você sempre esteve ao meu lado, Tohru. E eu descobri que estou apaixonado por você".

"Gomen... gomen... Yuki... meu coração... meu coração é só do Kyo. E é por ele que eu estou esperando".

Depois daquele dia, sua relação com a jovem Tohru nunca mais fora a mesma. Eram amigos, mas havia uma barreira invisível que os separava. Quando Akito lhe envenenou novamente, ela não agüentou a pressão de uma vida entre tantos segredos. Não iria jamais culpá-la. Ela, dentre todos os integrantes daquela casa, fora a que lutara mais. Uma guerreira feminina e gentil. Com força suficiente para suportar nas costas suas dores e a de Kyo.

"Acabou, Kyo", havia certa felicidade contida em suas palavras. "Tohru jamais o perdoará por não ter percebido antes".

"Como pode ter tanta certeza, ratazana...? Se não foi capaz de fazê-la se apaixonar por você?", sussurrou Kyo, o rosto parcialmente coberto pela franja laranja.

"Não me diga o que eu fui capaz ou não", Yuki rebateu. "Pelo menos, tentei lutar por ela".

"Lutar?", Kyo abriu um sorriso sarcástico. "Você caiu quando percebeu que ela não o amava. Que ela era a única garota que não babava por seus passos, que não entendia sua fama e nem enxergava o príncipe que o colégio inteiro idolatrava. Você tem coragem de chamar isso de luta! Você apenas a usou. Sempre a usou. Ela só foi um suporte para sua falta de coragem".

"Seu maldito gato! Eu a amo mais do que você jamais a amará".

"Você não entende, rato... não entende que eu preciso dela...", ele murmurou com dor. "Não entende que esses 7 anos enlouqueceram-me. Que ela é como o ar que eu vivo, que eu não posso viver sem ela só que... que antes de tudo isso, eu quero que ela seja feliz. E que felicidade há no amor que ela sente por mim? Como ela mesmo diz... eu a fiz morrer por dentro".

"E o que vai fazer agora?".

"Não parece óbvio?", o corpo molhado levantou-se em direção a casa e quando ele passou por Yuki, disse. "Eu vou embora".

"Vai abandoná-la novamente?".

"Pela primeira vez, eu sei que não estou abandonando-a".

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"Eu gostaria de poder ajudar você, Tohru-chan", Shigure afirmou, passando a mão pela cabeça chorosa da jovem.

"Não é sua obrigação, Shigure-san... eu mesma pensei que jamais tornaria a ver Yuki, ou Kyo... até mesmo o senhor".

"Você sabe que não era isso que a família Souma queria", a expressão séria desmanchou-se em um sorriso compreensivo. "Mas eu sempre soube que nosso laço não poderia ser desfeito. E é por isso que você está aqui".

"Eu não sabia para onde ir", as lágrimas que manchavam sua maquilagem eram as mesmas que as fizera colocá-la. Como o amor e o tempo podem encarecer de somente uma pessoa e lhe reservar um destino tão triste quanto o dela? "Espero que sua esposa não se importe".

"Oh, não", os olhos dele brilharam quando ele fez menção de sua querida mulher. "Ela está trabalhando. E quando chegar vai adorar que esteja aqui em casa".

"Acho que não estarei mais aqui".

"Tohru", Shigure fitou-a seriamente, enquanto suas mãos destinavam-se a colocar chá na xícara. "Por que não me conta o que aconteceu de verdade?".

As mãos de Tohru suavam e sua testa também, mas ela tinha consciência de que não poderia confiar em mais ninguém suas próprias palavras. "Kyo-kun... voltou".

"Nossa, que desnaturado! Nem teve a coragem de vir me visitar e...", percebendo que sua visita precisava continuar, ele abaixou a cabeça e ficou em silêncio.

"Ele foi me procurar na creche, mas... eu fugi. Meu peito...", ela pressionou o lugar onde o coração batia. "Meu peito ardeu tanto, encará-lo era muito difícil, pois... o que eu sinto por ele sempre me machucou. Depois, nos reencontramos na casa dos Souma. Eu tinha ido buscar alguns dos meus pertences e ele invadiu o quarto. Nós nos... beijamos, Shigure-san. E eu confessei meus sentimentos por ele, além de dizer coisas horríveis".

"E que coisas horríveis foram essas?".

"Eu disse que o sentimento me matava, que todo esse amor doía. Que eu simplesmente desejava odiá-lo e esquecer que ele havia voltado, pois era tudo o que eu menos queria".

"Hum...".

"Você acha que fui dura demais?", ela perguntou e ao receber o assentir do novelista, suspirou pesadamente. "Mas Kyo não tem o direito de me exigir nada. Ele me abandonou, Shigure-san".

"Quer saber o que eu realmente acho? Acho que está sendo um pouco egoísta", ao ver a surpresa nos olhos dela, corrigiu-se. "Ou melhor, acredito que Kyo e você estão sendo bastante egoístas".

"Demo...".

"Quando Kyo partiu, ele não quebrou somente o seu coração. Eu e Yuki também sofremos com essa mudança. Esperávamos mais consideração, julgo até que esperávamos carinho por parte dele. Magoei-me ao perceber que nem você segurava-o dessa vez".

"Então? Como pode dizer que estou sendo egoísta?".

"Nenhum dos dois pensou seriamente no que fazia. Kyo foi egoísta em partir por medo do que estava sentindo por você. E você está sendo egoísta, pois se ele voltou, ele merece uma chance".

"Ele não merece o sentimento que eu sinto por ele".

"Agora, Kyo também deve estar pensando a mesma coisa".

"Mas... eu sofri muito mais, Shigure-san!".

"Tohru, querida", ele acariciou a mão que estava sobre a mesa de leve. "Isso não é uma competição de sofrimento, para que ver quem se machucou mais. Eu sei que você sofreu. Lembro-me de sua força enquanto agüentava um Yuki descontrolado, e suas torrenciais lágrimas de noite. Entretanto, e Kyo? Com quem Kyo compartilhou as lágrimas por ter abandonado você? Quem foi a inteira dona de seus pensamentos, quando tudo ao redor parecia desmoronar?".

"O que está querendo dizer, Shigure-san?", o coração batia controlado, afinal, já sabia a resposta.

"Que Kyo a ama mais do que qualquer pessoa no mundo. Foi essa a razão dele voltar, de lutar contra sua teimosia, de beijá-la, mesmo sabendo que um abraço significaria o fim de tudo", o novelista pausou-se, tomando chá e esperando a reação de Tohru.

"O dia mais feliz da minha vida será quando eu puder abraçá-la, Tohru".

"Como posso deixá-la sozinha, Tohru?"

"Todos nós cometemos erros"

Os erros do passado, são certamente, os mais difíceis de ser corrigidos. Pois a mágoa é como um espinho, precisando sempre de muito esforço para sair, onde quer que tenha se pregado. Tohru Honda sabia isso mais do que ninguém. Mas e... e se Kyo estivesse tentando reparar o dele? Será que também... não era hora de Tohru reparar os dela?

"Onde acha que ele está, Shigure-san?", inquiriu, já levantando-se.

Um sorriso vitorioso formou-se no rosto do velho amigo. "Se eu bem o conheço... saindo da casa dos Souma. Acha que vai conseguir chegar lá?".

"Sim!", ela afirmou com veemência. "Eu finalmente vou voltar para o meu lar!".

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É, estranho, não é, Kyo, o gato perguntou-se mentalmente, enquanto fitava a fachada triste da casa dos Souma. Você demorou 7 anos para voltar, ansiando mais do que tudo esse regresso. E agora, tudo o que você mais quer é partir.

Yuki não viera se despedir. Ainda nervoso pelas palavras anteriores, trancara-se no quarto e afirmara que não sairia de lá até que Kyo tivesse ido embora. Kyo não o culpou, mas também não lhe deu razão. Se as verdades o feriam tanto, ele não estava preparado para amar Tohru como dizia.

A alça da maleta foi apertada entre seus dedos fortes, expressando no gesto sua pura impotência. A vitalidade de seus olhos, a cor de seu rosto e o vigor de sua postura pareciam ter sido levadas pelas gotas incessantes da chuva fresca. Outrora, a mesma chuva clarearia seus pensamentos profundos. Mas agora, só servia para nublá-los ainda mais.

"Você não precisa partir, Kyo-kun".

"Feh...", resmungou. "Tenho certeza que ela não falaria a mesma coisa novamente". Que minha Tohru ficará extremamente aliviada ao souber que eu parti.

Com mais conformação, Kyo ergueu sua cabeça e foi caminhando para longe da casa dos Souma. Seu rosto estava enegrecido, a chuva não mais parava. As tempestades eram sempre assim, perto de sua família. Comportavam-se como crianças, brincando, sumindo e voltando.

Ao final da pequena estradinha amarela, um corpo pequeno estava sentando, encolhido, obviamente tremendo de frio. Kyo sentiu pena da provável criança e tirou de sua bagagem um casaco negro que Tohru havia lhe dado, um pouco antes de ele partir... pela primeira vez. Aproximando-se com cuidado para não assustá-la, sorriu ao estar mais próximo. "Não deveria ficar na chuva, vai pegar uma gripe. Vá para casa antes que piore".

"Eu estou no caminho de casa".

Aquela voz...

"E... por que não foi para ela ainda?".

Olhos deslumbrantemente azuis fitaram os seus, enquanto aquele sorriso cálido invadia-lhe a face numa fração de segundos que para ambos, durou a verdadeira eternidade. Os joelhos de Kyo não suportaram a força dos lábios curvados e caíram diante dela, ainda esperando por uma resposta.

"Por que... sem você, Kyo-kun... ela não é um lar".

"Tohru...".

"Nós cometemos erros, Kyo-kun", ela sussurrou, acariciando seu rosto com a mão pequenina e não tendo a mínima noção de como aquele carinho significava os 7 anos de lágrimas que guardara por ela. "Nos ferimos, muito nós não superamos, mas... eu percebi que não iríamos superar nunca, se separados estivéssemos".

"Você jamais cometeu nenhum...", ele tentou argumentar, mas os dedos dela fecharam seus lábios.

"Sim, cometi. Cometi o erro de não acreditar em sua volta, de duvidar de meus sentimentos por você", ela tornou a sorrir. "Mas eu não me importo mais. Eu quero ficar com você, Kyo-kun. Mesmo tendo que ter um gato em meus braços cada vez que for abraçá-lo".

Naquela chuva, não haveria como distinguir se Kyo chorava ou se aquelas eram as mesmas gotas que atacavam ferozmente os dois apaixonados. Ele também abriu um sorriso. "Então... posso abraçá-la?".

"Pode Kyo. Por que eu me lembro que quando você me abraçasse... seria o dia mais feliz de sua... quero dizer, de nossas vidas".

Os braços ergueram-se levemente, como se para aproveitar o momento com o máximo de prazer. Logo, a tocaram e a pressionaram contra o peito forte. O carinho não durou muito, já que o corpo dele começou a se transformar no de um felino alaranjado. Mas enquanto durou, Kyo e Tohru souberam que não havia tempo para o amor de ambos. Que os corpos superariam a maldição que assolava o Souma e assim viveriam plenamente.

Quando se deram conta, Tohru já tinha o gatinho sobre os braços, com os olhos fechados, lambendo-a com delicadeza. Acariciou sua cabeça e sussurrou, num tom confidencial. "Kyo-kun é o gatinho mais lindo que eu já vi em toda minha vida".

As bochechas, tornaram-se carmesim e rosnou, sussurrando também. "É porque você o fez voltar para seu lar, Tohru".

Fim


n.n

Kami, como eu demorei ! xx'

Me sinto até envergonhada, mas ao mesmo tempo, muito feliz pelas pessoas que pediram continuação ! Então aqui está, o fim da minha história de Furuba. Estranhamente orgulhosa estou. Acredito que por ser a primeira vez que trabalho com Furuba e por conhecer os personagens como eu conheço :)
Espero que tenham gostado n.n

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