Capítulo 3

- O que está pensando? - Remus perguntou, estranhando o fato de que desde o começo da noite Sirius permanecera em total silêncio, sem sequer resmungar a respeito daquilo que ele gostava de chamar de cárcere privado.

- Hñ? - Sirius olhou surpreso pra Remus, como se só agora tivesse percebido sua presença ali bem do seu lado e então adotou o seu já costumeiro tom anti-social - Não estou pensando em nada.

- Está bem. - Remus não insistiu.

Sirius olhou pra ele e disparou:

- Você se conforma rápido, não?

- Como é? - Remus perguntou, confuso.

- Eu acabei de falar uma mentira deslavada e você diz "está bem"?

- E o que você quer que eu diga? - Remus respondeu com uma pergunta.

- Não pode pelo menos ficar zangado?

- Por que eu ficaria zangado? - Remus perguntou, sem realmente entender aonde o outro queria chegar.

- Você não é um lobisomem? Sempre pensei que vocês lupinos tivessem o dom de ficar furiosos por qualquer coisa (1).

- Qualquer coisa que valha a pena se irritar. - Remus corrigiu, já percebendo que a verdadeira intenção do outro era provocar uma briga. Não ia cair tão facilmente naquele tipo de provocação.

- Sabe... se não fosse pelo seu cheiro inconfundível eu poderia jurar que você não é lobisomem coisíssima nenhuma. - Sirius insistiu.

- Por que diz uma coisa dessas? - Remus se surpreendeu, começando a se arrepender por ter puxado conversa em primeiro lugar.

- Não fique assim. Eu só quis elogiar. - Sirius levantou as mãos, fingindo inocência.

- E por que eu tomaria isso como um elogio? - A pergunta saiu quase como um rosnado.

- Eu só quis dizer que você é calminho e tranqüilo demais pra ser um lobisomem, só isso. Não fique tão irritadinho. - Sirius zombou, com um ar divertido.

Remus respirou fundo. Não, não ia cair naquela provocação de jeito nenhum.

- Pensei que você já tivesse vivido tempo suficiente para perceber que as aparências costumam enganar, Sr. Black.

- Certamente, Sr. Lupin. - Sirius rebateu no mesmo tom falsamente polido - Acontece que os lobisomens não costumam ser perspicazes o suficiente para se preocupar com as aparências.

Remus percebeu a suave insinuação por trás dessas palavras, mas novamente não se permitiu abalar por elas.

- Tem muito a aprender sobre lupinos... É uma pena que não sobreviveria nem a metade de uma noite se tentasse.

- O que comprova a minha teoria de que vocês não passam de feras que atacam tudo que se move sem nem por um segundo parar pra pensar numa razão pra isso. - Sirius respondeu com ar triunfante.

- O fato de criaturas da Wyrm como vocês existirem neste mundo já é razão mais do que suficiente pra nós.

- Criaturas do quê? - Sirius perguntou de forma dramática demais.

- Da Wyrm. - Remus repetiu bem devagar com a intenção de irritar seu interlocutor - Seres aliados à corrupção que não fazem mais do que trabalhar arduamente todos os dias para a destruição de Gaia.

- Er... Gaia? - Sirius fez uma cara de quem estava ouvindo uma outra língua.

- Gaia, Terra. Onde nós vivemos. - Remus explicou, impaciente - Vocês vampiros se acocoram nessas cidades pestilentas, fazendo de tudo para destruir o que encontrarem a sua volta. E tudo isso pra quê? Pra satisfazer os seus próprios interesses. Não acha que isso seja razão suficiente para que nós odiemos a raça de vocês?

Sirius ficou alguns segundos sem responder:

- Talvez, mas... Nem todo o vampiro pensa desse jeito.

- Não importa. A própria existência de vocês parasitas gera o caos e nós lupinos temos o dever de lutar contra o caos e a destruição.

- Ótimo. Acho que entendi. - Sirius comentou - Aliás, só tenho mais uma única dúvida: se você pensa tudo isso a nosso respeito, por que, diabos, está se aliando justamente a nós?

- Eu não estou me aliando a vocês. - Remus respondeu, altivo, mas logo depois respirou fundo, procurando se acalmar um pouco mais - Eu só quero evitar um mal muito pior.

- Como o quê, por exemplo? - Sirius incentivou.

- Como ver a minha tribo ser usada para propósitos completamente contrários ao que realmente desejariam.

- Do quê precisamente está falando?

Remus ficou pensativo por alguns segundos, como se ponderasse a respeito, para só então responder:

- Venha. Vamos sair.


A neófita Caitiff agradeceu pela ajuda - Harry achou desnecessário explicar que sua intenção não era ajudar - e se apresentou. Foi assim que Harry descobriu que seu nome era Hermione. Achou que combinava com uma Caitiff.

Jamais poderia pensar que uma noite faria amizade com um Malkavian e uma Caitiff. E mais, que começava a apreciar a companhia dessa dupla inusitada. Parecia mesmo que estes seriam seus últimos dias na Terra. A única coisa que o confortava era imaginar a cara que seu mestre faria se ficasse sabendo de uma coisa dessas.

Logo descobriu que, apesar de ser uma Caitiff, Hermione pretendia quebrar o recorde medíocre de sobrevivência que normalmente se verificava entre os seus a julgar pelo afinco com que se dedicava aos estudos. Ela podia não ter o mesmo poder dos demais, mas estava disposta a reverter isso. Dumbledore lhe dera a oportunidade.

Quanto a Ron, Harry quase se divertia com seus comentários aleatórios e quase sempre sem sentido algum. Hermione o salvara ao lhe aconselhar que não tentasse achar uma lógica naquilo que o Malkavian dizia, coisa que Harry sentia-se tentado a fazer desde a noite em que ele o defendera de Malfoy.

Falando em Malfoy... Harry ainda não lembrara exatamente quando havia ouvido aquele nome, mas tinha certeza de que seu mestre o havia citado em alguma ocasião. E ter seu nome citado por seu mestre normalmente não era coisa boa.

De qualquer forma, a ameaça Malfoy como Ron pegou o costume de dizer toda a vez que se referia a Draco, parecia estar sob controle pelo menos por enquanto. Draco aparentemente não tivera coragem pra falar coisa alguma com seu "pai" (2), o ancião Ventrue. E se falou, o vampirão decidiu não fazer nada a respeito. Hermione achava que era por causa dos conhecimentos Taumatúrgicos que Draco estava adquirindo graças a ele. Harry concordava. Ron amarrava e desamarrava os cadarços de seu tênis.

Certa vez, McGonagall ordenou um exercício prático e escolheu os dois vampiros para trabalharem juntos. Ron fez a sua já esperada cara de "há algo de podre por trás disso" e foi fazer par com Hermione. O tal "exercício" era o seguinte: um deveria provar uma gota de sangue do outro e tentar adivinhar a qual geração (3) ele pertencia. Nada muito complexo de se realizar e ao mesmo tempo muito útil quando se quer saber o quão poderoso é o oponente.

Harry não pôde deixar de sentir uma pontinha de satisfação sádica ao ver Draco se aproximar de si com o nariz empinado a ponto de transformar em proeza o fato dele não tropeçar no meio do caminho. Parecia estar doido para esfregar sua baixa geração de cria de ancião Ventrue no nariz do Tzimisce.

"Não me tente desse jeito..." - Harry pensou, se esforçando pra deixar de lado sua vontade de brincar um pouco mais com aquele vampirinho arrogante.

- Quem começa? - Draco perguntou, fingindo indiferença.

- Você. - Harry respondeu e Draco simplesmente estendeu o dedo alvo em sua direção para que o vampiro o picasse.

Foi o suficiente para que Harry perdesse a esportiva. Simplesmente não podia resistir a esse tipo de reação arrogante. Tinha que brincar um pouquinho com aquele Vampiro malcriado.

Quando Harry segurou sua mão, Draco se arrependeu na mesma hora do seu gesto imprudente. Mas a coisa piorou drasticamente quando aquele odioso vampiro levou seu dedo indicador à boca de uma forma tão despudorada que se ainda fosse vivo, certamente Draco teria ficado vermelho como um pimentão tamanha foi a vergonha que sentiu.

- Ei! O que você está... ai! - sentiu uma picadinha suave feita pelas presas de Harry em seu dedo, seguida de uma lambida que mais parecia uma chupada (4). O loiro afastou a mão, horrorizado.

- Décima. - Harry respondeu tão naturalmente como se não tivesse feito coisa alguma e logo depois repetiu o gesto que Draco tinha feito ao esticar a mão em sua direção - Sua vez.

Draco se recuperou do choque a tempo de arrancar um pequeno punhal do meio de suas vestes e cortar o dedo de Harry sem se preocupar em ser delicado. Feito o corte, esfregou a mão no sangue e o levou a boca.

Não acreditou nas suas próprias conclusões.

- O que foi? - Harry perguntou ao ver a cara de palerma do outro - Não usou sangue suficiente?

- Sétima... - Draco finalmente respondeu, sua voz mal saindo da garganta.

- Bingo. - Harry concordou, fingindo não perceber a expressão de surpresa do outro.

Ao fim da aula, Draco se retirou do salão um pouco mais rápido e sorrateiro do que o normal.

- Voa, voa passarinho... - Ron se aproximou cantarolando, com Hermione ao seu lado.

- Vamos indo? - Harry perguntou casualmente.

- Vamos. - Hermione respondeu.

- Gatinho mau... gatinho mau... - Ron improvisou novos versos, animadamente.


- Você não disse que eu não poderia sair de jeito nenhum? - Sirius perguntou, intrigado.

Silêncio.

- Pode me dizer pelo menos onde estamos indo? - insistiu.

- Fique calado. - Remus finalmente respondeu em tom baixo mas um pouco ríspido, e continuou andando cautelosamente pela floresta fechada sendo seguido de perto pelo outro. Seguiram em silêncio por alguns minutos e o tempo todo Sirius tinha a sensação de que o outro fazia reviravoltas inúteis que só aumentavam o caminho.

Quando finalmente pareceram estar próximos de alcançar o local pra onde Remus o estava levando, o licantropo fez um sinal para que mudasse de forma e Sirius imediatamente se transformou num enorme cão negro, enquanto ele se transformava num lobo (5). Seguiram caminho, dessa vez com muito mais agilidade, até alcançar as proximidades de um pequeno lago. Em seu centro, jazia uma pequena cabana, segura por alguns pares de palafitas.

Sirius já havia estado em um lugar parecido antes há muitos anos atrás. Também podia sentia a enorme energia que circundava aquele lugar. Não havia dúvidas, aquele era um nodo (6) como aquele que freqüentara há muitos anos atrás, juntamente com o único amigo que fizera em toda a sua não-vida.

Sirius fez menção de se aproximar, mas foi impedido por Lupin, que o mordeu quase dolorosamente. O vampiro já ia soltar um belo grunhido para convencer aquele lupino a mexer o traseiro dali, mas se conteve quando se deu conta de que o local estava sendo muito bem guardado, tornando impossível se aproximar mais dali sem ser visto.

Aquela visita seria em vão se Sirius não reparasse no que Remus realmente queria lhe mostrar. Havia marcas de sangue muito peculiares nas paredes, uma espécie de marca mágica que Sirius sabia não ter nenhuma relação com lupinos.

Taumaturgia. E de alto nível, Sirius poderia dizer. Porém, nada que algum vampiro da Camarilla se atreveria a fazer, ainda menos em território lupino. Na verdade, aquilo ali fedia tanto a Sabá que Sirius não conteve uma fungada impaciente. Mas o que aqueles desgraçados estavam fazendo ali? E mais importante: como eles tinham conseguido se infiltrar no meio de lupinos hostis até aos Gangrel?

Sirius ainda estava confabulando quando outra mordida, um pouco mais insistente do que a primeira chamou sua atenção, avisando que já era hora de voltar e ele não se opôs. De repente a idéia de permanecer muito tempo naquele lugar lhe pareceu bem pouco prudente.

Voltaram sem maiores incidentes para a casa de Lupin e o primeiro comentário do Gangrel não poderia ser outro:

- Pode me explicar o motivo daquele nodo estar cercado de magia Sabá por todos os lados!

- O que você chama de Nodo, nós chamamos de Caern. São locais sagrados pra nós. - Remus explicou.

- Mais um motivo pra sua gente não permitir que vampiros se aproximem daquele lugar, certo?

- Certo... mas antes eles precisariam saber que aquilo é magia Wyrm. - Remus explicou.

- Ótimo. E você não contou a grande novidade pra eles? - Sirius perguntou, mal humorado.

- Mesmo que eu tentasse, eles não me dariam ouvidos. - Remus encolheu os ombros. Sirius esperou pela explicação voluntária, mas ela não veio.

- Bah, eu é que não vou tentar entender essas confusões lupinas. - Sirius resmungou, impaciente com aquele mistério todo, mas orgulhoso demais pra perguntar.

Assim que o vampiro saiu da sala, deixando-o só, Remus atirou-se na sua cadeira preferida fazendo do livro mais próximo sua companhia. Mas depois de alguns minutos se deu conta que não conseguia prestar atenção no que estava escrito, pois uma frase se repetira incessantemente em seu ouvido, como um mantra:

"Remus Lupin que, entre todos os filhos de Gaia, não é meu irmão".

Continua...


(1) Fúria - Sirius se refere a um fenômeno que costuma amaldiçoar os lobisomens. Os lupinos costumam se enfurecer com muita facilidade e suas ações violentas normalmente são provocadas por esta Fúria. Ainda sobre isso, é importante dizer que Lua do dia em que um lupino nasceu influencia na sua personalidade. Remus seria um Philodox, nascido sob a luz da meia-lua. O que significa que ele é menos suscetível à Fúria do que os demais lupinos, além de ser mais interessado na preservação das tradições lupinas, o que necessariamente faz dele um estudioso.

(2) É uma nota meio boba, mas é bom esclarecer que quando eu uso o termo pai, não me refiro a um pai biológico, mas sim àquele que abraçou o vampiro e o criou.

(3) Geração - tentando ser um pouco breve porque o assunto é extenso, é a geração que determina a força de um Vampiro. Quanto mais baixa a geração, mais poderoso o sangue de um vampiro é. Assim, Caim seria a 1ª Geração, o primeiro vampiro, já os criadores de cada clã, chamados de Antediluvianos porque são de antes do Dilúvio, são de 3ª Geração. Suas crias são de 4ª geração e assim por diante. Os anciões costumam ser de 6ª, 7ª, 8ª, Ancillae mais ou menos de 9ª, 10ª, Neófitos costumam ter gerações mais altas do que 10ª. Só mais um detalhe interessante: os vampiros de 14ª e 15ª geração têm o sangue tão fraco que sequer conseguem passar a maldição vampírica adiante. Claro que esta não é a regra e sim apenas um padrão. Um Neófito que seja cria de um Vampiro de geração muito baixa, também terá geração baixa.

(4) Quando um vampiro lamber uma ferida como a de uma mordida, ela se fecha como se nunca tivesse existido.

(5) Ao contrário do que o livro de HP sugere, o sistema Lobisomem afirma que um lobisomem pode se transformar quando bem entender e não somente nas noites de Lua cheia. A diferença ainda segundo o livro "Lobisomem, O Apocalipse" é que os lupinos são bem mais suscetíveis a Fúria durante a Lua Cheia.

(6)Nodo - Sirius usa um termo típico dos Magos para denominar aquele lugar porque é o único que conhece. O Nodo é um local onde energia espiritual se acumula com mais intensidade. Esse local especial é usado por lupinos e magos como uma espécie de catalisador.