Sangreal
Autora: Yoko Hiyama
Beta: Bela- Chan
Capítulo 7
Fazia muito tempo que Sirius não era despertado pelas urgências de sua própria fome.
Acontecera muito na época em que ele ainda era um neófito, quando a fome o atormentara quase todas as noites, impelindo-o a levantar-se de onde quer que estivesse para procurar alimento. Na verdade, passou os primeiros anos de sua vida vampírica sugando ou buscando vítimas adequadas para saciar o seu infinito desejo por sangue.
Exercer o autocontrole nunca fora a especialidade de Sirius, e ele demorou a se dar conta de que não poderia passar o resto da eternidade sendo escravo de sua fome, passando a fazer de tudo para pensar em outra coisa que não fosse se alimentar. Seus esforços deram frutos, a ponto dele concluir que jamais voltaria a perder o controle novamente.
Claro que ele imaginara tudo errado. Presunção neófita, seu mestre lhe dissera, e logo fora forçado a concordar com ele por mais que detestasse a idéia. Controlar a besta faminta dentro de si não era uma tarefa tão simples assim, vampiros poderosos viviam centenas de anos só para no final deixarem de lado qualquer vestígio de humanidade para se transformarem em monstros. E o clã de Sirius era uma vítima em potencial desse perigo, seus membros sempre um passo mais próximos de se tornarem animais do que os demais.
A batalha da véspera tinha sido a prova de que Sirius precisaria de muito mais do que séculos para conseguir controlar o lado animal dentro de si. Sim, porque, apesar da dor, do sangue, dos ferimentos, o vampiro realmente apreciou cada segundo daquela pequena guerra. Mais do que isso, sentiu seu sangue ferver de antecipação sempre que Remus o atacava, apreciando cada contato físico, por mais doloroso que fosse. Era como se ele ainda estivesse vivo, era como se ainda valesse a pena lutar até ficar ferido a ponto de não ser mais capaz de pensar.
Na noite anterior, tudo que Sirius lembrava além do fato de ter quase sido comido vivo era dessa sensação de lutar tal qual um animal batalha por seu território. Ele e Remus simplesmente lutaram sem piedade, até que finalmente caíram de exaustão, ambos dormindo profundamente em meio a montes de sangue e destruição.
Sirius só acordou na noite seguinte e a primeira coisa que viu foi o rosto pensativo de Remus, ainda muito sujo de sangue. Aliás, o quarto emanava um cheiro fortíssimo de sangue. E ele tinha perdido tanto na véspera...
Estava com fome... Uma fome terrível, que beirava o insuportável e tomava todos os seus sentidos. A fome era tanta que ele seria capaz de lamber as paredes sujas de sangue se Remus não estivesse ali, olhando pra ele com uma expressão assustada e, por que não, até inocente.
Dessa vez, Sirius tinha sido rápido demais para que Remus percebesse sua movimentação. Como um perfeito predador, o vampiro deu o bote sobre sua vítima, aproveitando o fato dele estar numa posição desvantajosa.
Sirius agarrou Lupin com força e o arrastou até que uma parede surgiu para impedir seu avanço. Mas mesmo assim, ele fez com que Remus ficasse totalmente de pé e esmagou seu corpo contra parede com a ansiedade de um amante que está prestes a possuir o corpo de seu amado. A reação de Remus não foi mais do que um gemido surpreso.
O lobisomem parecia bastante confuso ao ouvir o vampiro grunhir de ansiedade enquanto suas presas se aproximavam perigosamente do seu pescoço. Remus parecia tão chocado com aquela movimentação assustadora e faminta que não esboçava qualquer reação, mais parecendo um coelho indefeso prestes a ser a presa de algum carnívoro ambicioso.
Sirius por sua vez, inclinou a cabeça em direção ao pescoço do lupino, sentindo o cheiro de sangue emanar em profusão de seu corpo, o que só serviu para deixá-lo ainda mais ansioso. Encostou a ponta do nariz gelado em sua pele e então lambeu-lhe o pescoço, desenhando a carótida com a língua de uma forma que chegava a ser sensual.
Só então o vampiro abraçou Remus e cravou os dentes em seu pescoço, fazendo com que o lobisomem fechasse os olhos e soltasse um gemido débil de puro prazer (1).
Sirius também fechou os olhos em êxtase e abraçou-se com mais força ao outro, sentindo como se estivesse finalmente em casa depois de uma longa busca.
Naquele momento, enquanto sugava o sangue quente de Remus, teve certeza de que essa não era a primeira vez que aquilo acontecia. De alguma forma, ele sabia que aquele lobo já estivera em seus braços no passado e que suas presas já tinham experimentado aquele gosto adocicado antes.
Sirius sugou mais alguns goles e separou-se de Lupin lentamente depois de lamber sua ferida (2), sentindo-se plenamente saciado apesar de ter bebido pouco. O sangue lupino era tão poderoso que as feridas que ainda persistiam da luta da véspera foram curadas no mesmo instante e o vampiro sentiu-se imediatamente revigorado, ao contrário de Remus que, sem forças nas pernas, deixou-se deslizar para o chão, sendo amparado pelos braços de Sirius.
- Desculpe... - Sirius finalmente falou, ao perceber Remus um pouco menos atordoado. De repente, o que Remus sentia tornou-se importante pra ele.
Remus não respondeu, mas não precisou mais do que seu olhar para que Sirius entendesse que ele pensara da mesma maneira que ele.
Não era a primeira vez que Sirius tinha a sensação de já conhecer Lupin. Desde a primeira noite em que os dois se conheceram; quando Remus o olhara de uma forma tão intensa que o vampiro imediatamente reagira com agressividade e nervosismo, como se precisasse se defender dos sentimentos que aquele simples olhar provocava nele. O vampiro não sabia ao certo de onde aquilo vinha, mas parte de si pressentia que haveria dor se lembrasse e por isso não desejava desencavar aquelas memórias de onde estavam enterradas.
E nem mesmo agora os sentimentos de escapismo de Sirius a esse sentido tinham mudado. Mesmo estando sentado e olhando para um Remus estranhamente mudo, o mesmo com quem ele lutara quase até a morte, que gostava de provocar, que ao mesmo tempo era amigo e inimigo, Sirius não deixava de ter medo daquela densa cortina que escondia o passado.
- Você está bem? - Finalmente perguntou, depois de longos minutos de silêncio.
- Sim, estou bem. - A voz de Remus saiu fraca.
Mais silêncio.
- Estou com fome. - Remus falou.
- Você também? - Sirius perguntou.
- Não estava com fome antes. Mas estou agora.
- Eu faço comida pra você. Você me alimentou. É a minha vez. - Sirius deu um sorriso amarelo, não achando graça na própria piada.
- Está bem. - Remus concordou - Apesar de eu ter certeza de que vou me arrepender.
- Por que diz isso? - Sirius arqueou as sobrancelhas.
- Todo mundo sabe que vampiros são péssimos cozinheiros.
- Hunf! - Sirius cruzou os braços - Vou te mostrar que todo mundo está errado.
De fato, Remus se arrependeu de ter deixado o jantar a cargo de Sirius, mas a cara de expectativa que o vampiro fez quando ele provou da sopa foi tão grande que simplesmente não teve a coragem de dizer a verdade. Ainda mais depois de Sirius estranhamente ter cuidado de limpar e arrumar o quarto, apagando com eficiência todos os vestígios de destruição provocados pela luta da véspera, fazendo questão que ele ficasse confortavelmente deitado em sua cama a noite toda.
Era a primeira vez que Remus era apresentado ao lado gentil de Sirius e conhecê-lo o deixava um pouco satisfeito e muito ansioso. Afinal de contas, Sirius era um vampiro velho demais pra sentir-se culpado por ter "jantado" alguém, mesmo que esse alguém fosse um aliado. Além do quê, não fora nada de mais. Ele estava vivo, estava bem, tudo não passara de um grande susto e ambos iam sobreviver, certo?
Remus passou a mão no pescoço e como já esperava, não encontrou qualquer vestígio da mordida de Sirius. Nunca em sua vida tinha sentido algo parecido com a sensação de prazer que aquela picada havia lhe causado. Era algo tão delicioso que com certeza o impediria sequer de se mover mesmo que Sirius tivesse a intenção de chupar seu sangue até a morte. Na verdade, ele morreria de bom grado, totalmente entregue às ondas de prazer que sentia cada vez que o vampiro drenava mais um pouco do seu sangue.
Remus estremeceu violentamente só de pensar que não seria uma coisa tão ruim se aquela marca não tivesse desaparecido. Pelo menos seria alguma prova de que não estava imaginando tudo que acontecera entre eles há algumas horas; mas fez questão de varrer aqueles pensamentos da cabeça no segundo seguinte, exatamente da mesma forma que Sirius parecia fazer com os cacos de porcelana, frutos da tentativa do vampiro de lavar a louça, obviamente desastrada.
Definitivamente, aquela estava sendo uma noite muito estranha...
Draco com certeza se acharia um idiota por ter levado tão a sério a conversa mole de um maldito Sabá, não fosse sua confiança nas próprias habilidades mentais. Se Lucius descobrisse que ele tinha colocado gente pra espioná-lo, o que não era um risco tão pequeno visto que se tratavam de dois carniçais cuja estupidez chegava a ser notória, certamente Draco teria sérios problemas pra se justificar.
Mas alguma coisa dizia que sua cabeça seria uma das primeiras a rolar se simplesmente ficasse de braços cruzados e por isso achou melhor se arriscar. Inventaria alguma coisa se tudo desse errado.
Draco arriscou um olhar na direção do causador de todas as suas mais recentes dores de cabeça. Harry fingia prestar atenção às explicações de McGonagall com um talento questionável. Sua expressão era de um tédio tão profundo que Draco se perguntou como deveria ser o cotidiano entre os Sabá. Será que ele passava o dia em orgias de sangue ou coisa do tipo? Draco se perguntou para logo depois espantar esses pensamentos inúteis da cabeça. Afinal de contas, ele tinha uma aula importante pra prestar atenção.
Aliás, aquele Sabá idiota deveria estar prestando atenção também! Será que ele era tão estúpido a ponto de pensar que não precisava aprender nada daquilo? Que arrogante.
Enquanto estava perdido em seus pensamentos, Draco por algum motivo reparou que Harry estava olhando pra ele! Sobressaltado e irritado consigo mesmo por ter encarado o outro vampiro durante aquele tempo todo, Draco teve que amargar a expressão divertida de Harry.
Potter por sua vez, tinha acabado de encontrar alguma coisa muito interessante pra fazer naquela aula. Assim que percebeu os olhares de Draco, posicionou o queixo sobre as mãos em concha, esboçando uma olhada de paixão digna de Hollywood. A certa altura, chegou a ensaiar um suspiro. Draco virou o rosto, cheio de desdém.
Dez minutos depois, para desgosto de Harry, McGonagall deu a aula por encerrada, mas o Tzimisce não teve o tempo que desejaria para atormentar Draco mais um pouco porque Ron pulou da sua cadeira e se aproximou de Harry.
- Harry, você está bem, cara? - O Malkavian perguntou hesitante.
- Estou ótimo, por quê?
Ron ainda olhou para o amigo com desconfiança por alguns instantes antes de se convencer, deixando todos os músculos relaxar:
- Nossa, que bom que você resistiu! Draco estava tentando jogar Dominação (3) em você durante a aula inteirinha...
- Quer alguma coisa, Remus? - Sirius perguntou, demonstrando cansaço.
Remus deu um suspiro:
- Quero que você sente aqui. - Ele falou, apontando pra ponta da cama, na falta de cadeiras sobreviventes da briga da véspera.
Sirius concordou, obediente:
- Bem, não quero ofender... - Remus começou com cautela - Mas eu acho que posso sair da cama.
- Amanhã. - Sirius cortou - Você ainda deve estar fraco.
- Sou um maldito lobisomem, esqueceu? - Remus utilizou o palavreado de Sirius na esperança de que o vampiro recuperasse a razão - Obrigado por se preocupar, mas eu estou perfeitamente bem.
Sirius olhou para o outro com uma cara de desconfiança tão inacreditável que Remus caiu na risada.
- Qual é a graça, hein? - Sirius perguntou, dando os primeiros sinais de ainda ser a mesma pessoa que Remus conhecia.
- Você é a graça! Todo preocupado desse jeito... - Remus riu mais.
- Eu não estou preocupado! - Sirius imediatamente protestou.
- Claro que está! - Remus respondeu, o rosto já vermelho pelas risadas.
- Quer parar de rir? - Sirius perguntou, infantilmente - Não tem a menor graça!
Remus tossiu um pouco, respirando fundo, na tentativa de se acalmar antes de responder:
- Está certo. Não fique zangado, sim? O que estou tentando dizer é que está tudo bem... Além do mais, a culpa foi minha porque te ataquei.
- Que nada. Eu que provoquei tudo. - Sirius respondeu, ainda um pouco amuado.
- Provocou mesmo. - Remus acusou tranquilamente, tentando não rir mais ao ver a expressão contrariada que se desenhou no rosto do vampiro - Mas pelo menos saberemos como evitar isso da próxima vez, claro, se houver uma próxima vez... Basta que você se transforme em cão e pronto.
Sirius fez alguns segundos de silêncio antes de continuar, tentando esconder o constrangimento.
- Eu poderia ter te matado...
- Eu poderia ter te matado! - Remus rebateu.
- Não tinha nenhuma Lua cheia brilhando na merda do céu!
Foi a vez de Remus fazer silêncio, enquanto pensava se era prudente fazer a pergunta que estava se revolvendo na sua cabeça.
- Sirius... - ele finalmente se decidiu e então falou sério - Você não está assim só porque sugou o meu sangue, não é mesmo?
- Do quê está falando? - Sirius arregalou os olhos ao ouvir aquela insinuação.
- Estou falando que esse tipo de reação não combina com você. Afinal de contas, não faria a menor diferença pra você se eu tivesse morrido ou não.
- Claro que faria diferença! - o vampiro respondeu, sem conter a irritação crescente - Eu não posso levar um cadáver com dois buracos no pescoço pra Dumbledore.
- É só isso então!
- Óbvio!
- Então não precisa mais se preocupar. Eu estou vivo e não tem nenhum buraco no meu pescoço. - Remus respondeu, abaixando um pouco a gola da camisa pra mostrar a pele nua. Sirius virou o rosto no mesmo momento.
- Não faça isso! - O vampiro grunhiu, irritado.
Remus teve vontade de rir de novo ao ver a cara de criança que não pode comer um doce que Sirius fez. Mas tudo que fez foi levantar a gola tão alto como uma beata viúva.
Propositalmente, é claro.
Continua...
(1) Beijo - É o nome dado para a mordida vampírica. O beijo é extremamente prazeroso, por isso Remus gemeu. :x
(2) Para cicatrizar a ferida provocada pelo beijo, tudo que um vampiro tem a fazer é lambê-la.
(3) Dominação - Relembrando as minhas explicações de outros capítulos, Dominação é uma disciplina em que um vampiro pode escravizar mentalmente uma pessoa ou outro vampiro, dando-lhe ordens, ou qualquer coisa do tipo. É temporário, mas bastante eficaz. Só tem um porém: o "dominador" precisa olhar nos olhos do "dominado" para que funcione.
Só um adendo... Claro que Draco não estava jogar Dominação em ninguém... XD
Perguntas a respostas:
milinha-potter - "...o que significa Vicissitude?"
Eu falei muito rapidamentede Vicissitudeno capítulo 2, na nota a respeito dos Tzimisce, mas já que perguntaram, pensei em dar uma explicação um pouco mais detalhada a respeito.
Vicissitude é uma disciplina exclusiva do clã Tzimisce que consiste no poder de moldar a carne, os músculos e até os ossos. Um vampiro pode esculpir o carne da forma que quiser esea vítima for deuma geração mais alta do que seu agressor, os efeitosserão permanentes. A coisa acontece exatamente como uma massinha de modelar mesmo. A medida em que o vampiro tem sua vítima em mãos, ele pode esculpir como bem entender. E sim, isso dói. Dói muito. A menos queo vampiro use Vicissitude em si mesmo. Em formas mais avançadas, um vampiro com Vicissitude pode transformar o seu sangue em ácido, usando-o como uma arma. Também pode esculpir seu próprio corpo de forma a fazer de si mesmo uma arma, se transformar num monstro, ou mesmovirar uma espécie de vitae consciente. Em suma, é um poder assustador e terrível, que invariavelmente mexe com os nervos até mesmo daquele que a pratica
