Capítulo 8

A noite não estava bonita. O céu fechado e cheio de nuvens não era de forma alguma um convite para sair, mas apesar disso, Draco deixou o castelo do príncipe e caminhou preguiçosamente pelas ruas.

Andou alguns quilômetros tentando não olhar pra trás, nem se incomodar com a movimentação de pessoas a sua volta. A certa altura, Draco virou numa rua menos movimentada, encontrando duas figuras a sua espera.

- E então? - Draco perguntou, seco.

- Lamento, senhor. Mas não descobrimos nada. - Crabble tomou a iniciativa.

Draco já esperava por aquela resposta, claro. Mas de forma alguma poderia dizer que estava satisfeito com aquilo.

- Vocês nunca me decepcionam, não é mesmo? - Draco perguntou, sem conter a irritação - Sempre fazendo exatamente o péssimo trabalho que eu espero de vocês. Nem sei porque eu ainda gasto a minha vitae com vocês.

O efeito daquela ameaça velada foi exatamente o que Draco esperava. Os dois se curvaram, meio assustados, meio desesperados frente à possibilidade de serem privados do sangue de Draco.

- Mil perdões, senhor. Nós não descansamos um só instante. Estamos de olho no mestre Lucius desde que nos deu ordens pra espioná-lo. - Goyle começou a falar muito rápido, ainda com a cabeça baixa - Mas é que ele realmente não fez nada de estranho... Na verdade, ele sequer deixou a mansão...

- Ele não fez nada essa semana toda? Nem saiu de casa? - Draco estranhou.

- Não, senhor.

- E também não recebeu nenhuma visita? Nada!

- Não, senhor. Ninguém apareceu.

Draco olhou pro chão, de repente parecendo interessado num pedaço de asfalto solto.

- Está certo... Mas continuem de olho aberto. Qualquer coisa diferente, por mais boba que seja, me avisem.

Apesar da ordem de Draco ter sido bem clara, Crabble e Goyle não se mexeram, limitando-se a olhar seu senhor com ansiedade, como se quisessem algo, mas não tivessem coragem de pedir. Draco percebeu.

- O que vocês querem? - perguntou impaciente.

- Senhor, mil perdões, mas já faz semanas... - Goyle falou, hesitante.

Ah... isso. - Draco o interrompeu, pegando seu punhal no meio da roupa pra fazer um corte em cada um dos pulsos, antes de estendê-los aos carniçais ansiosos.

Os dois se inclinaram para saborear a vitae como famintos, mas Draco não lhes deu muito tempo de prazer, e em alguns segundos ele já afastava os pulsos, para desespero de seus carniçais.

- Por enquanto é o que vocês merecem. Da próxima vez, se fizerem um bom trabalho, quem sabe a quantidade seja mais farta? Agora sumam da minha frente de uma vez. - Draco ordenou, impaciente.

Os dois fizeram uma última reverência e se afastaram, parecendo profundamente infelizes.


- Sr. Greyback... - uma criatura metade lobo (1), metade humana se aproximou do líder da alcatéia.

- Ele continua lá? - Foi a pergunta seca que o outro fez assim que se deu conta da presença de seu subordinado.

- Sim, senhor. Parece que houve uma briga entre eles durante a Lua Cheia... Mas depois disso, nenhum movimento.

- Certo... Continue atento.

- Senhor, não é melhor invadirmos? Se Lupin for realmente um traidor do nosso povo deve ser eliminado... mas... e pode ser que ele seja ino...

A resposta que recebeu foi um rugido tão assustador que o lobo se calou imediatamente.

- Continue atento! - Fenrir repetiu entre os dentes cerrados, fazendo com que os pêlos de seu subordinado se arrepiassem.

Assim que o licantropo se retirou do local, Fenrir se virou para uma loba branca que o olhara fixamente durante todo o curto diálogo e grunhiu, demonstrando uma ira considerável:

- Alguma reclamação!

A loba apenas inclinou o corpo numa meia reverência e, dando as costas para o líder, se retirou do local.


Uma garoa irritante pegou Draco desprevenido pouco antes dele alcançar o castelo onde morava o Príncipe e onde ele estava hospedado desde que aquele Sabá tinha aparecido na cidade.

Draco correu com agilidade pelos jardins que cercavam e isolavam a casa, chegando bem mais rápido ao portão num tempo que nem um recordista mundial poderia cobrir e tocou a campainha, batendo a mão nas roupas molhadas.

A última pessoa que ele gostaria de ver no mundo surgiu quando a porta finalmente se abriu.

- E aí? - Harry falou, parecendo admirar bastante a imagem de Draco ensopado bem a sua frente.

- Você virou mordomo agora? - Draco lhe deu o seu pior olhar.

- Não. Mas faço esse sacrifício por você. - Harry respondeu, bem humorado.

- Ótimo. - e como o outro não parecia fazer menção de lhe dar passagem, protestou - Quer me deixar entrar?

- Ah... Qual é a pressa? Deixe-me te olhar assim só mais um pouco.

- Sai já da minha frente, seu Sabá asqueroso! - Draco se irritou, empurrando a porta com força.

Harry não o impediu. Draco avançou pelo corredor, sem parecer tomar cuidado pra não estragar o tapete com a lama de suas botas.

- Bela noite pra passear, não? - Harry ironizou.

- Não fale comigo!

- Por que está tão irritado?

- Porque tenho nojo de Sabá!

- Eu também tenho. Vamos ser amigos?

- Eu não sou tão debilóide como aquele Malkavian com quem você gosta de conversar. Não pense que eu vou oferecer o meu pescoço pro seu Arcebispo cortar assim tão fácil.

- Duvido muito que ele cortasse o seu pescoço... Acho que ele iria preferir dar um nó...

- Muito engraçado. - Draco percorreu o corredor em passos apressados. Harry não se deu por vencido e tratou de segui-lo.

- Qual é o problema? Não sou o primeiro Sabá que aparece nessa cidade.

Draco olhou para alguns segundos pra Harry antes de continuar a andar:

- Não. Mas é o primeiro que aparece e sobrevive. - respondeu, procurando enfatizar bem a palavra "sobrevive".

- Mesmo? - Harry deu um sorriso irônico.

- Mesmo. - Draco respondeu, irritado - E agora faça o favor de sumir da minha frente!

Draco fez menção de subir as escadas que levavam ao segundo andar do castelo, mas Harry segurou seu cotovelo direito assim que ele alcançou o primeiro degrau. O Ventrue por sua vez tentou esboçar uma reação, mas lembrando do poder do Tzimisce, acabou desistindo de fazer algum movimento imprudente.

- Você está se voltando contra a pessoa errada, sabia? - Harry falou, buscando os olhos do outro.

- Ah, é mesmo? E você tem alguma sugestão melhor? - Draco encarou o outro, sem demonstrar qualquer sinal de medo.

Harry ia responder algo, mas preferiu engolir as palavras.

- Como eu esperava. E agora, se incomoda de me soltar, por favor? Estou farto de suas ameaças veladas.

Dessa vez, Harry retirou a mão sem submeter o outro a nenhum jogo de palavras. Draco se limitou a fazer um gesto de desdém e então subir as escadas rapidamente, rumo ao seu quarto, deixando Harry e seus pensamentos pra trás.

O Tzimisce olhou pra mão que há pouco havia aprisionado o outro vampiro, pensativo.

- Ameaça velada? - falou em voz alta.

Sorriu. Achava a inocência do outro simplesmente adorável.


- Como sabia que era eu? - Sirius perguntou enquanto James o levava para onde estavam os demais.

- Como eu sabia? - James olhou para Sirius, divertido - A maioria dos Adormecidos percebe quando alguém está olhando pra eles. Por que comigo não seria o mesmo?

- Eu não sei o que diabos você chama de Adormecido, mas não é comum alguém ver um cachorro escondido no meio de uma floresta e adivinhar que aquilo na verdade é um vampiro.

- Pois então, não é comum. - James provavelmente achou que aquela resposta era suficiente porque logo passou para outro assunto - E nós chamamos de Adormecidos aqueles que ainda não abriram os olhos da alma. Aqueles que ainda não conseguem enxergar a realidade.

- Aqueles que não são magos. - Sirius simplificou.

- Exato. - James sorriu - Você é esperto, né?

Sirius olhou pra James com sérias dúvidas sobre a sinceridade daquelas palavras. Mas antes que o vampiro respondesse, James prosseguiu:

- É ali. - James apontou para uma casinha branca muito singela, com uma varanda espaçosa e cercada por um belo jardim.

- Tem certeza? - Sirius olhou com desconfiança para aquele lugar. De jeito nenhum aquilo poderia ser uma Capela2.

- Não é fascinante? - James perguntou, olhando para o seu interlocutor.

- Na verdade não. - Sirius respondeu com sua sinceridade cortante habitual.

- Por quê? Você estava imaginando uma mansão, por acaso? - James perguntou.

- Ou pelo menos algo melhor do que uma casinha de campo. - Sirius resmungou, já começando a se arrepender por ter caído na conversa mole de Dumbledore.

James deu uma risada:

- Ora, nunca te ensinaram que as aparências enganam?

- Ensinaram, mas isso foi há muito tempo e eu esqueci. - Sirius respondeu, fazendo questão de ser o menos amigável possível.

James não respondeu. Apenas fez um gesto, talvez um pouco pomposo demais, indicando que ele deveria andar na sua frente. Sirius assentiu e foi andando pelo caminho cheio de pedrinhas até chegar numa varandinha e parar diante de uma porta de madeira com aparência muito antiga.

- Entre. - James sorriu quando Sirius lhe dirigiu um olhar de questionamento.

Dando de ombros, o vampiro simplesmente enfiou a mão na maçaneta como se estivesse entrando na própria casa e, contendo um resmungo ao perceber que ela quase saíra na sua mão, girou o objeto.

A visão que teve ao escancarar a portinha foi a de um largo corredor adornado por um tapete vermelho, que levava a uma escadaria de mármore belíssima. Sirius olhou pra cima e contou mais de dez andares antes de sua cabeça começar a rodar. Então seu olhar foi atraído por um gigantesco lustre de cristal, que iluminava todo o hall de entrada.

A parte do lustre foi especialmente demais para a cabeça do vampiro e Sirius se obrigou a fechar a porta novamente e olhar em volta para se certificar de que havia mesmo entrado na tal casinha branca minúscula.

- Que diabos! Isso é totalmente im...

A mão de James alcançou sua boca antes que ele terminasse de falar.

- Ora, ora... Mas se você está vendo com seus próprios olhos... como pode ser impossível? - James perguntou, parecendo se divertir com a confusão do vampiro.

Sirius balançou a cabeça, livrando-se da mão do mago.

- Não queira me fazer de idiota! Uma casinha minúscula como essa não pode ser desse tamanho por dentro.

- Quem disse isso?

- Todo mundo!

- Todo mundo?

- Todo mundo. - Sirius confirmou.

- E o fato de "todo mundo" dizer prova alguma coisa? - James perguntou, interessado.

- Claro que prova!

- Prova o quê?

- Prova que essa merda que eu acabei de ver não existe e que eu estou ficando maluco. - Sirius apontou pra casa, exasperado.

- Interessante... Então quer dizer que você acredita mais no que "todo mundo" diz do que em você mesmo?

- Isso é ridículo! - Sirius resmungou, cruzando os braços.

- Certo... então me responda uma pergunta muito simples, Sr. Vampiro.- James perguntou, estendendo a mão para que um passarinho pousasse em seu dedo - Você pode me dizer qual é a cor desse moço aqui?

- Amarelo. - Sirius fez um bico, impacientado com a obviedade da pergunta.

- Amarelo? Por que amarelo? - James perguntou, olhando pro bicho atentamente, como se quisesse confirmar a veracidade da resposta do outro.

Sirius olhou pro outro incrédulo:

- Meu amigo, ninguém te ensinou as cores quando você era criança?

James ignorou a pergunta e continuou a falar, ainda olhando para o passarinho.

- O que o impede de ser verde?

- O fato dele ter nascido amarelo?

- Ele nasceu amarelo? - James arregalou os olhos pra Sirius.

- Peraí! Você é maluco ou idiota! - Sirius perdeu de vez a esportiva.

Ao invés de responder, James deu mais uma olhada atenta ao animal antes de dar seu parecer final.

- Pronto, está decidido. Ele é azul. Lilly gosta de azul.

E como se tivesse obedecendo a uma ordem, e pra desespero de Sirius, a cor do pássaro imediatamente mudou do amarelo pro azul.

- Merda! Eu não acredito nisso! - Sirius exclamou, profundamente chocado.

Assim que Sirius disse essas palavras, o pássaro sumiu como se nunca tivesse existido.

- Oh... - James lamentou.

- Ah! Eu sabia que esse bicho era uma ilusão sua! - Sirius falou, triunfante.

- E que ele ia sumir assim que você percebesse isso? - James adivinhou. Todo o vestígio de divertimento tinha sumido do seu rosto.

- Exato! Não volte a me tratar como idiota, certo?

- Isso nem passaria pela minha cabeça... - James respondeu, mas dessa vez o seu sorriso não era contente como antes - Venha, vamos entrar. Gostaria que você conhecesse os meus irmãos. E por favor, tente não imaginar que a casa também é uma ilusão criada por mim (3).


- Remus? - Sirius chamou seu atarefado amigo, enquanto ele tentava reconstituir o que restara de uma roupa rasgada.

Os olhos de Remus se levantaram dos óculos para encarar o vampiro.

- Sim?

- Sabe quando você se comporta como um idiota, mas só percebe isso depois de muito tempo?

Remus ficou alguns segundos em silêncio, ciente dos perigos que uma resposta descuidada poderia ocasionar:

- Mais ou menos. E você?

- Como assim mais ou menos? - Sirius indagou.

Pronto. Estava perdido. Com certeza perderia sua voz durante mais de uma hora tentando sobreviver de uma daquelas discussões inúteis que Sirius adorava provocar quando ficava entediado. E não haveria nada que ele pudesse fazer para impedir.

Remus respirou fundo, conformado, antes de responder:

- Bem, todo mundo erra, não é mesmo?

- É verdade. Todo mundo erra. - Sirius assentiu com a cabeça em reconhecimento - "Todo mundo" erra.

E pra surpresa de Remus, a conversa acabou por ali.

Continua...


(1) Glabro - Uma das cinco formas de um Lobisomem que são: Hominídeo (homem), Glabro (quase homem), Crinos (Homem-Lobo), Hispo (quase lobo) e Lupino (lobo). O auge da força de um lobisomem está na sua forma Crinos. O lupino que reportou a Fenrir na forma Glabro.

(2) Capela - Local de reunião de magos. Normalmente é construída sobre um Nodo.

(3)Paradoxo - Aí vai uma longa e talvez um pouco imprecisa explicação sobre o Paradoxo: começo dizendo que os magos são potencialmente muito mais poderosos do que os Vampiros, na verdade, em tese, eles são mais poderosos do que todo mundo. Eles são artífices da realidade. A realidade não é pedra, a realidade é água e os Magos sabem disso melhor do que ninguém. Bom, tudo seria perfeição pros magos se não fosse a existência do Paradoxo. Eu pensei bastante em como conceituar o Paradoxo pra vocês e cheguei a conclusão que podemos dizer o seguinte: O Paradoxo é a manifestação da Lei da Inércia no âmbito da realidade.

Você já deve saber que tudo tem a tendência de permanecer no estado em que se encontra. Essa é a Lei da Inércia. Para romper esse estado, é preciso usar da força porque existe uma reação do universo em contrário. Com a realidade ocorre a mesma coisa. Quanto mais algo é considerado normal e imutável, mais o Paradoxo se manifesta no momento que um mago tenta modificá-la. Isso acontece porque, duas realidades colidem, uma estática e a realidade "força" que quer modificá-la. Se a realidade estática for mais forte do que o mago, ele pode sofrer as conseqüências do Paradoxo que se forma.

Agora que eu expliquei para que é o paradoxo na teoria, passemos para a parte prática: o paradoxo se manifesta basicamente quando há descrença no interior, ou em volta do mago. É claro que o mago tem seus próprios preconceitos sobre o que é real e se ele tiver alguma dúvida, ainda que mínima, da possibilidade da mágika que ele está realizando, já é o suficiente para o Paradoxo se manifestar. Por outro lado, se houver outra(s) pessoa(s) descrentes em volta, realizar uma mágika fica cada vez mais difícil, porque a realidade criada pelo mago bate de frente com a realidade em que essas outras pessoas acreditam e uma delas vai ter que prevalecer sobre a outra.

Os efeitos do Paradoxo são pessoais, imediatos e acontecem de acordo com a mágika que os causou. O mais comum são falhas, silêncio (perda dos poderes mágikos), danos físicos, espíritos do Paradoxo, reinos do Paradoxo.

Na cena da fic, James precisou ensinar a um descrente teimoso que a realidade não é tão fixa como ele imaginava. Ao mudar a cor do pássaro na frente de Sirius, ele tomou o cuidado de afastar as conseqüências do Paradoxo dele, fazendo com que o passarinho desaparecesse exatamente da forma que Sirius acreditava que aconteceria. Assim, ele evitou o conflito direto de realidades, adequando a que foi criada por ele com aquela que Sirius. Infelizmente, o pássaro acabou levando a pior.