Capítulo II

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Mal chegou a sua casa, Aioros se meteu debaixo do chuveiro para tirar o suor do corpo e também o cheiro de bebida e cigarro. Ficou um bom tempo embaixo da ducha fria e, quando saiu, foi recolhendo as roupas espalhadas pelo corredor, anotando mentalmente para não esquecer de pedir ao serviçal que as colocasse para lavar. Mas, ao pegar sua camisa, acabou ficando parado em seu lugar, sentindo o perfume da garota de peruca rosa que ali estava impregnado.

-Lembrando-se da dança na boate, Aioros? – perguntou Saga, entrando pela casa de Sagitário.

O rapaz resmungou algo que o cavaleiro de Gêmeos não ouviu e guardou a camisa no armário. Depois, o convidou para ir até a cozinha tomar um café forte, a bebida estava fazendo efeito agora. Sentados em volta da mesa, os dois beberam o café em silêncio, que só foi cortado quando Saga suspirou alto.

-O que foi?

-Nada, só estava pensando... Minhas últimas horas de homem solteiro...

-E isso não é bom?

-É ótimo, mas sei lá... Acho que estou com medo.

-Medo? – Aioros deu risadas – Um cavaleiro de Atena que enfrentou até os deuses está com medo de se amarrar?

-Não viaja, seu tapado! È medo de... De não saber como fazer a Petra feliz, é isso...

-Você gosta demais dessa garota, né?

-Eu não gosto da Petra, eu a amo... Desde o primeiro instante em que a vi eu me apaixonei por ela.

-É, eu conheço esta história... Só lamento não ter estado aqui no Santuário quando ela começou, eu adoraria ter participado de tudo...

-Mas vai participar da cerimônia!

-Claro, serei seu padrinho.

-E vai entrar com a Petra no salão.

-Eu? – o cavaleiro de Sagitário quase cuspiu o segundo café que tomava, provocando risos em Saga.

-Óbvio, seu mané! Cê é meu melhor amigo, não poderia ser outro... Tá certo que o Kanon vai ficar doido da vida, mas não tô nem aí! Aceita ou não?

-E precisa perguntar?

Os dois se levantaram das cadeiras e se abraçaram, feito irmãos. Eram amigos, apesar de todos os acontecimentos do passado, de todas as provações pelas quais ambos passaram.

-Mas vê se não esquece: quando você se casar, eu quero entrar com a noiva pelo salão!

-Primeiro eu preciso arranjar a noiva, meu caro.

-Se preocupa não que ela aparece logo...

Trocando mais um abraço, os dois amigos se despediram e Saga foi para sua casa. Aioros também se recolheu, precisava estar bem descansado para o grande dia.

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-Está nervosa? –perguntou Aioros para Petra, diante das portas da sala do Grande Mestre. A jovem sorriu.

-Tranqüila...

-Mas seu corpo está trêmulo!

-Por que estou de braço dado a você, Aioros! Nunca vi o acompanhante da noiva tremer tanto assim!

-Nervoso... Ai, por Atena, a marcha já começou a tocar!

As portas se abriram e os dois entraram, sorrindo. Saga, parado do lado direito do altar, trajando a sua armadura, não escondeu o sorriso ao ver o quanto Petra estava linda, o vestido de alças todo branco, bordado com pequenas rosas azuis e os cabelos soltos, adornados por uma bela tiara de brilhantes. Simples e bela, como ela sempre foi...

-Cuidado para não tropeçar na escada, Aioros. – comentou Saga quando o amigo lhe entregou a noiva e se dirigiu para o seu posto no altar, subindo desajeitadamente os degraus.

A cerimônia ocorreu sem maiores percalços (também, os dois merecem, né gente!) e contou com as bênçãos de Atena. Agora casados, Saga e Petra desceram os degraus da sala do Grande Mestre seguidos por seus padrinhos e todos se dirigiram para a arena, onde uma enorme tenda branca abrigaria a festa. Um bufê especialmente contratado para a comemoração cuidaria para que a comida fosse farta e a bebida não faltasse a ninguém. Garçons e moças bem treinados circulavam entre as mesas e os noivos ocupavam uma exclusiva para eles, no alto de um tablado.

-Cara, se tem alguém aqui nesse Santuário que merece ser feliz é o Saga! Um brinde a ele e a Petra!

-É isso aí, Shura! – concordou Miro, brindando com o espanhol. Sentando junto dos amigos, Aioros estava morrendo de sede, mas não se atreveria a colocar uma única gota de álcool na boca estando na presença de Atena.

Levantando-se, o rapaz resolveu ir atrás do garçom que servia os refrigerantes.

-Aonde cê vai?

-Vou atrás do... – o cavaleiro respondeu a pergunta de Shura, virando-se para o amigo e continuando a andar, sem olhar para onde ia. Aí...

O barulho provocado pela trombada e a bandeja caindo chamou a atenção de todo mundo, até os músicos pararam de tocar. Risadinhas abafadas foram ouvidas por todo canto e Aioria não resistiu.

-Tinha de ser o mané do meu irmão!

Vermelho de vergonha, Aioros se abaixou para ajudar a garçonete a recolher os guardanapos e salgadinhos espalhados pelo chão, pedindo desculpas nervosas.

-Desculpa, senhorita, eu não vi... Ai, olha só a bagunça...

-Não se preocupe, senhor, acontece... – ela comentou, sorrindo.

Aioros levantou o olhar e acabou se encantando com a bela figura à sua frente: era uma garota de traços suaves e delicados, olhos verdes intensos e cabelos negros, presos em um rabo de cavalo no alto da cabeça.

-Obrigada por me ajudar... Com licença.

Pegando a bandeja de volta, ela foi para a tenda que servia como cozinha. Aioros ficou parado, observando a jovem e até se esqueceu do que queria antes de tudo acontecer.

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A festa foi animada, muita dança, pratos sendo jogados ao chão em sinal de felicidade e sorte aos noivos. Até Atena dançava, acompanhada de Seya. Porém, lá pelas tantas, os noivos se retiraram discretamente da arena e foram para a casa de Gêmeos. Era também o sinal para que as mesas não fossem mais servidas e os garçons poderiam descansar um pouco.

Ainda constrangido pelo incidente, Aioros evitou ao máximo sair de sua cadeira, nem quis dançar quando a própria noiva o puxou. Brincando de fazer rolinhos com a ponta da toalha, ele viu quando a garçonete com quem trombou foi se sentar em uma das arquibancadas baixas e apoiou a cabeça nos joelhos, visivelmente cansada.

-Cansada de tanto trabalho?

A garota levantou o olhar e viu o cavaleiro sentando-se ao seu lado, sorrindo timidamente. Ela também sorriu e o encarou.

-Um pouco... No restaurante do bufê é bem menos puxado, não tem tantas mesas para servir.

-Entendo... Olha, desculpa pelo incidente, eu sou um desastrado de marca maior!

-Eu já disse que essas coisas acontecem, senhor...

-Aioros. E você?

-Claire, muito prazer! – a garota exclamou, estendendo sua mão para um cumprimento. O cavaleiro a aceitou e voltou a se encantar com os olhos verdes de Claire, parecia até que já os tinha visto antes.

-Claire! Anda logo, eu preciso de você na cozinha! – gritou um homem de cabelos brancos, chamando a garota. Ela se despediu de Aioros com um sorriso e foi correndo até a tenda.

O sagitariano ficou mais um tempo sentado na arquibancada, observando o movimento na tenda da cozinha. E não viu que, no lugar que Claire ocupava, outra pessoa tratou de se instalar.

-Conseguiu pedir desculpas direito ou gaguejou desta vez?

-Mu! De onde você surgiu que eu não vi?

-Preciso mesmo responder essa pergunta? Se manca, Aioros! – o ariano riu com gosto, não podia existir gente mais distraída do que o cavaleiro de Sagitário em toda Grécia!

-Ah, não me enche... Eu tô cansado, vou para minha casa!

Saindo sem querer ser visto, Aioros passou pela tenda da cozinha e foi indo em direção à saída da arena, quando uma mão o segurou com força pelo ombro.

-Espere! – exclamou Claire, arfando por conta da corrida para alcançar o cavaleiro.

-Claire! O que foi?

-É que... Bom, você ficou tão sem jeito por conta do incidente que eu resolvi te dar uma coisa...

-Que coisa?

-Toma! – a garota estendeu para ele um envelope azul, timbrado com o logotipo do restaurante que cuidou do bufê – É uma cortesia do restaurante, apareça por lá um dia desses. O cardápio do almoço é delicioso!

-Obrigado, Claire. Até um dia, então!

-Até!

Sorrindo, Claire voltou para a tenda da cozinha e o sagitariano retomou seu caminho. Subiu depressa as escadarias das doze casas e foi direto para seu quarto ao entrar em Sagitário, queria tirar logo a armadura e tomar um banho. Deixou o envelope sobre o criado mudo e, quando abriu o armário para procurar uma roupa, deu de cara com a camisa da noite anterior. O perfume da dançarina, uma fragrância que lembrava baunilha(1), ainda estava impregnado nela e Aioros acabou se perdendo em pensamentos. Aqueles olhos verdes...

"With a kind of down to earth flavor"

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No dia seguinte, Aioros acordou todo suado e foi direto para o banheiro, onde meteu a cabeça debaixo da torneira da pia. Praguejando contra seus próprios sonhos, o rapaz ficou um bom tempo ali, a água correndo por sua nuca e cabelos. Que diabos tinha de ter ido àquela despedida de solteiro? Por culpa do Saga, agora andava tendo sonhos impróprios a um respeitável cavaleiro de Atena! Mas, venhamos e convenhamos, esquecer aquela dançarina de olhos verdes e peruca rosa era realmente muito difícil...

Trocando de roupa, o cavaleiro já ia saindo de seu quarto quando se lembrou do envelope sobre o criado mudo. Abrindo-o, viu que se tratava de um almoço cortesia para dois, com direito a sobremesa e café. "Até que não é uma má idéia.. Mas quem eu vou convidar para ir comigo?". Tarefa difícil essa, mas que se podia fazer? Descendo pelas casas, o rapaz ia pensando em cada um de seus moradores e foi descobrindo em cada um motivos para não convidá-los. "O Miro é um esfomeado, o Dhoko não vai deixar a comida da Shunrei de lado, o Shaka é meio enjoado, a Marin cozinha que é uma beleza...". Porém, na casa de Áries...

-Tem certeza de que o Davi não poderá trabalhar hoje, Kiki? – questionava Mu ao pupilo, querendo saber sobre o serviçal de sua casa.

-Tenho, mestre Mu... Ele pediu para avisar que tem uns assuntos para tratar na cidade e que vai ficar fora o dia inteiro.

-Por Atena, o que eu vou fazer?

-Não se preocupe, mestre! – Kiki inflou o peito e fez pose de importante – Eu cuidarei de tudo! E até cozinhar para o senhor eu vou!

-Kiki, não precisa... – Mu tentou argumentar, temendo por sua saúde.

-É isso mesmo, não vai precisar cozinhar nada, Kiki. Mu vai almoçar comigo hoje.

A intervenção de Aioros fez o rapazinho murchar, mas Kiki não disse nada. Após o pupilo se afastar, Mu virou-se para o sagitariano e quase o abraçou em agradecimento.

-Me livrou de uma boa, Aioros... Te devo uma.

-Deve nada porque eu falei sério... A cortesia que a Claire me deu é para duas pessoas. Aceita o convite?

-Mas que pergunta, Aioros!

-Beleza, a gente se encontra meio dia na arena.

Descendo os últimos degraus, Aioros já estava se afastando quando ouviu Mu gritar com ele.

-Vê se presta mais atenção dessa vez e não derruba nada!

Furioso, o cavaleiro bem que quis xingar o ariano. Mas achou melhor deixar quieto, o amigo não deixava de ter sua parcela de razão no comentário...

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-Puxa, esse lugar é concorrido! – exclamou Mu, ao ver o tanto de gente que lotava o restaurante. Parados na porta, os dois cavaleiros nem viram que Claire vinha em sua direção, sorrindo encantadoramente.

-Sejam bem vindos. Fico feliz em ver que aceitou mesmo a cortesia que lhe ofereci, Aioros.

-É um prazer, Claire... Tem área de não fumantes?

-Claro, é por aqui.

Instalando os amigos em uma confortável mesa na varanda superior, Claire entregou o cardápio e os deixou a vontade para escolher. Porém, Aioros parecia não estar entendendo muito bem o que seriam os pratos.

-O que são essas coisas? Não conheço nada disso!

-Se tivesse aceitado algum dos convites do Aldebaran para jantar, saberia que este restaurante é de comida típica brasileira, meu caro. Somente o bufê serve outros tipos de comida.

-Brasileira?

-Claro! Percebei assim que vi o nome do lugar. "Ipanema" é um bairro de uma cidade chamada Rio de Janeiro, o Deba tem muitas histórias para contar de lá.

-Tá, então já que conhece a comida, o que você me sugere?

-Deixe-me ver... Que tal o frango com quiabo, acompanhado de arroz de carreteiro e feijão de corda?

-Não entendi nada do que disse, mas parece ser bom. Claire!

Solícita, a garçonete veio rápido atendê-los e não escondeu as risadas discretas ao ouvir Aioros tentando pronunciar os nomes dos pratos (teimoso, podia ter deixado o Mu fazer isso!).

-E para beber?

-Licor de jenipapo, por gentileza.

-Licor? – Aioros franziu a testa e questionou assim que Claire se afastou - Mu, isso é álcool!

-Ora, e qual é o problema? Até parece que nunca bebeu na vida! E fique sossegado que licor de jenipapo é fraquinho e não sobe na cabeça de ninguém.

A comida veio depressa e o sagitariano pôde constatar que realmente tinha perdido muito não aceitando os convites de Aldebaran para jantar: estava tudo delicioso. E o licor era mesmo fraquinho e doce, tanto que acabou tomando mais de uma dose.

-Vão querer a sobremesa?

-Essa eu deixo você escolher, Claire.

-Bem... – a jovem sorriu, encarando Aioros – Você tem jeito de que iria gostar de "Romeu e Julieta". E você, doce de cidra.

-Pois pode trazer o doce que eu adoro cidra!

-O que é "Romeu e Julieta"? – quis saber Aioros, questionando Mu discretamente.

-Um doce feito de goiabada com queijo, delicioso.

Sobremesa e logo após, um café bem encorpado, bem ao estilo do interior brasileiro. Tão forte que o sagitariano engasgou com a bebida, provocando risos por toda varanda.

-Não gostou? – perguntou Claire, achando graça na reação do cavaleiro, ele com a face roxa por conta da falta de ar e da vergonha.

-Não é isso... Um pouco forte, eu acho.

Claire sorriu mais uma vez e já ia recolhendo as xícaras quando um assobio alto foi ouvido. Sorrindo, a garçonete viu um menino de uniforme e mochila acompanhado de um homem, ambos parados do outro lado da rua.

-Me dão licença por um instante? - Claire perguntou e os dois cavaleiros assentiram.

A jovem desceu depressa a escada de acesso à varanda e foi ao encontro do menino, abraçando-o demoradamente e lhe fazendo perguntas.

-Quem serão? – quis saber Mu, observando Claire rir e abraçar o homem agora.

-Não sei, mas o menino é parecido com ela... – Aioros respondeu, meio sem graça - Engraçado, eu acho que já vi esse homem antes, mas não me lembro aonde...

Aioros ficou observando o tal homem, de cabeça raspada e sorriso largo, usando roupas pretas. A garçonete ficou ainda alguns minutos abraçada ao menino e depois despediu-se dele com um beijo estalado na bochecha e um aceno ao homem que o acompanhava. Quando Claire voltava para a varanda, o sagitariano suspirou e baixou os olhos, voltando-se para sua xícara vazia.

-Impressão minha ou isso foi um suspiro de falso conformismo? – perguntou Mu, achando graça na reação do amigo. Aioros bem que quis responder, mas se calou ao ver a jovem se aproximar da mesa.

-Aceitam mais um café?

-Não, obrigado... Nós já vamos embora, temos muito o que fazer no Santuário.

Claire acompanhou os dois cavaleiros até a saída, despedindo-se de ambos com um largo sorriso.

-Espero que tenham gostado da comida e do atendimento!

-Com certeza, Claire. E pode esperar que voltaremos outras vezes.

-Estarei esperando! Até um dia, Aioros.

O cavaleiro limitou-se a acenar, com um ar meio sem graça. Claire entrou de volta no restaurante para atender um casal que havia acabado de chegar e os dois cavaleiros voltaram para o Santuário. O caminho todo, Aioros permaneceu em silêncio, como se estivesse incomodado com alguma coisa. Mu, caminhando ao seu lado, sorria de vez em quando.

Pelo visto, Eros(2) andou visitando Atenas naquele dia...

"Salty tears, it's three in the afternoon"

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Segundo capítulo! Bom, essa nota é para prestar alguns esclarecimentos em relação à "saga" de que ela faz parte.

A primeira fic foi "Eternal", contando a história do início do relacionamento do Saga e da Petra. Ela é a base para esta fic e para outra que virá logo após o término desta (adianto que será com o Kamus!), portanto o "casal vinte" aparecerá por aqui várias vezes. "Eternal" também é a base para as fics cujos protagonistas são os filhos de Saga e Petra, os adoráveis Helena e Homero.

Estou dizendo tudo isso porque essa duas vertentes se encontrarão em uma só fic, quando a idade adulta dos pequenos for enfocada. Aí, preparam-se para ver Saga às voltas com um genro que ele jamais pensaria ter um dia...

(1)Segundo os especialistas em perfumaria e cromoterapia, a baunilha é a fragrância mais antagônica que existe; ela remete, ao mesmo tempo, à idéia de sensualidade e inocência, proteção e desejo, infância e maturidade. Muito usada em perfumes para a noite e como aromatizador de ambientes que são propícios ao amor.

(2)Eros, filho de Afrodite e Ares, deus do amor na mitologia grega. È o equivalente de Cupido, deus menino da mitologia romana, o garotinho que usa suas flechas para unir dois corações apaixonados. Também uma pequena homenagem à Dama 9, que sempre o cite em suas maravilhosas fics e goste muito dele (Leiam "Tempesatde de Verão" e vejam as peripécias de que o jovem deus é capaz!).